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Acórdão 187/99, de 8 de Abril

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Sumário

Tem por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local cuja realização foi deliberada pela Assembleia Municipal de Tavira na sua sessão de 26 de Fevereiro de 1999.( Proc. nº 167/99)

Texto do documento

Acórdão 187/99
Processo 167/99
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O presidente da Câmara Municipal de Tavira requereu ao Tribunal Constitucional, por carta enviada ao seu Presidente no dia 3 de Março de 1999, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, da Lei 49/90, de 24 de Agosto, a apreciação da legalidade e da constitucionalidade de uma consulta directa a nível local, com incidência nos eleitores das freguesias do concelho de Tavira, sobre a demolição ou não do reservatório de água (desactivado) do Alto de Santa Maria, sito naquela cidade.

Anexou ao requerimento cópia da proposta n.º 95/99/CM que o presidente da Câmara Municipal de Tavira apresentou ao executivo e à Assembleia Municipal respeitante a consulta directa a nível local sobre o destino do reservatório de água (desactivado) do Alto de Santa Maria, bem como cópia das deliberações da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de 10 e 26 de Fevereiro, respectivamente, onde aquela proposta foi aprovada.

2 - Da análise dos autos resulta, pois, assente, com interesse para a decisão da causa, o seguinte:

A) Subscrita pelo presidente da Câmara Municipal de Tavira, foi elaborada uma proposta, datada de 5 de Fevereiro de 1999, nos seguinte termos:

«Considerando:
Que desde há muitos anos, e seguramente para sempre, o reservatório não voltará a ser utilizado para abastecimento de água, face a melhores soluções em funcionamento;

Que muitos artistas e pintores o omitem nas suas peças por o considerarem inestético e negativo para a imagem histórica e monumental do local;

Que existe projecto aprovado para o local, com a criação de um centro cultural no Palácio da Galeria, o qual implica a demolição do reservatório;

Que a Câmara Municipal já lançou concurso de ideias para musealizar o abastecimento de água à cidade na base do monte junto da fonte;

Que se lançou na opinião pública o debate sobre a demolição ou não, solicitando-se ideias para funções alternativas, as quais surgiram com mérito diverso;

Que é vontade do órgão executivo escutar profundamente a opinião da população e decidir em função dessa vontade, em plena participação democrática;

O disposto na Lei 49/90, de 24 de Agosto, sobre as consultas locais e no novo artigo 240.º da Constituição da República Portuguesa;

assim, tenho a honra de propor que a Câmara delibere:
1 - Nos termos da Lei 49/90, solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação de constitucionalidade e legalidade de uma consulta directa a nível local, com incidência nos eleitores do concelho de Tavira, sobre a demolição ou não do reservatório de água (desactivado) do Alto de Santa Maria.

2 - A pergunta a fazer aos eleitores deve ter o seguinte teor:
Concorda com a demolição do antigo reservatório de água do Alto de Santa Maria?

Sim...
Não...
3 - Submeter esta proposta à deliberação da Assembleia Municipal.
4 - Em caso de concordância do órgão deliberativo e da aprovação pelo Tribunal Constitucional, promover um amplo debate na cidade, acerca das vantagens e inconvenientes, assim como das soluções alternativas possíveis, antes da consulta aos eleitores.»

B) Em 10 de Fevereiro seguinte foi a supra-referida proposta submetida a deliberação na Câmara Municipal de Tavira, tendo sido aprovada por unanimidade, com a seguinte alteração introduzida:

«Nos termos da Lei 49/90, solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade e legalidade de uma consulta directa a nível local, com incidência nos eleitores das freguesias do concelho de Tavira, sobre a demolição ou não do reservatório de água (desactivado) do Alto de Santa Maria.»

C) Submetida esta proposta à Assembleia Municipal de Tavira, foi a mesma aprovada, por unanimidade, em reunião extraordinária realizada no dia 26 de Fevereiro.

II - Fundamentação
3 - Não há irregularidades processuais. Com efeito:
A proposta foi apresentada pelo órgão executivo da autarquia [artigo 8.º, alínea a), da Lei 49/90]; a proposta contém uma única pergunta a submeter aos eleitores das freguesias do concelho de Tavira (artigos 240.º, n.º 1, da Constituição e 3.º, n.º 1, 4.º e 9.º, n.º 1, da Lei 49/90); a deliberação sobre a realização da consulta foi tomada pela Assembleia Municipal, por unanimidade, no prazo de 15 dias a contar da recepção da proposta (n.º 2 do artigo 6.º e artigo 10.º da Lei 49/90), e o requerimento do presidente da Câmara Municipal foi enviado ao Tribunal Constitucional, dirigido ao respectivo Presidente, no prazo de 8 dias a contar da deliberação, e vinha acompanhado do texto da deliberação e da cópia da acta da sessão em que foi tomada (n.os 1 e 2 do artigo 11.º da Lei 49/90).

4 - Verificada a inexistência de irregularidades processuais, importa, de seguida, averiguar se se trata de matéria da competência da autarquia local, na medida em que, nos termos do artigo 240.º, n.º 1, da Constituição (revisão de 1997), só é lícito às autarquias locais «submeter a referendo dos respectivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer». O preceito corresponde ao do anterior artigo 241.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (que vinha da revisão de 1982), deixando, porém, de se qualificar como exclusiva a competência onde, necessariamente, se deveriam inserir as matérias susceptíveis de serem submetidas a referendo.

Já teve o Tribunal Constitucional oportunidade de se pronunciar sobre o sentido desta alteração, concluindo, em síntese, que «haverá hoje que entender que são matérias do referendo local [...] as da competência meramente consultiva dos órgãos das autarquias locais» (Acórdão 390/98, in Diário da República, 2.ª série, de 9 de Novembro de 1998).

Deixou, porém, este Tribunal, em aberto, a questão de saber se, em face da segunda parte do n.º 1 do artigo 240.º da Constituição «se deve ter por implicitamente revogado nessa parte o n.º 1 do artigo 2.º da Lei 49/90 ou se, desaparecido o obstáculo constitucional, a proibição ainda se mantém». Não se afigura, contudo, decisivo tomar agora posição sobre esta questão, uma vez que a matéria em causa não invade a esfera de competência de órgãos de qualquer outro ente público.

Importa, assim, neste ponto, apenas demonstrar que a matéria se integra na competência dos órgãos da autarquia local.

A este propósito refere o artigo 235.º, n.º 2, da Constituição que é função das autarquias locais a prossecução de interesses próprios das populações respectivas, interesses esses que «radicam nas comunidades locais, enquanto tais, isto é, que são comuns nos residentes, e que se diferenciam dos interesses da colectividade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades locais» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 882).

Este princípio constitucional encontra concretização, ao nível do direito ordinário, desde logo no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 100/84, de 29 de Março (LAL), que consagra como «atribuição» das autarquias locais «o que diz respeito aos interesses próprios, comuns e específicos das populações respectivas».

O mesmo preceito enumera depois, a título exemplificativo, alguns desses interesses, relevando, para o caso, o que respeita à «administração de bens próprios» - alínea a) - e «à defesa e protecção do meio ambiente e da qualidade de vida do respectivo agregado populacional» - alínea i).

Ainda no âmbito das citadas atribuições, o artigo 39.º, n.º 1, alínea h), da LAL confere à assembleia municipal a competência para «deliberar sobre assuntos que visem a prossecução de interesses próprios da autarquia».

A consulta em apreço incide deste modo sobre matérias da competência dos órgãos do município de Tavira.

5 - Sobre o conteúdo da consulta e a formulação da pergunta aprovada não se vê qualquer inconstitucionalidade e ou ilegalidade.

A pergunta a submeter aos eleitores das freguesias do concelho de Tavira - Concorda com a demolição do antigo reservatório de água do Alto de Santa Maria? -, está formulada em termos de permitir uma resposta inequívoca, pela simples afirmativa ou negativa (artigo 7.º, n.º 1, da Lei 49/90).

Por outro lado, não está formulada em termos de sugerir, explícita ou implicitamente, um qualquer sentido de resposta (artigo 7.º, n.º 2, da Lei 49/90).

6 - Nada mais falta averiguar para o Tribunal poder concluir pela constitucionalidade e legalidade do referendo local cuja realização foi deliberada pela Assembleia Municipal na sua sessão de 26 de Fevereiro de 1999.

III - Decisão
Pelo exposto, e em conclusão, decide o Tribunal Constitucional ter por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local cuja realização foi deliberada pela Assembleia Municipal na sua sessão de 26 de Fevereiro de 1999.

Lisboa, 17 de Março de 1999. - José de Sousa e Brito - Paulo Mota Pinto - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - Maria dos Prazeres Beleza - Luís Nunes de Almeida - Maria Helena Brito - Artur Maurício - Messias Bento - Guilherme da Fonseca - Vítor Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/101234.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1984-03-29 - Decreto-Lei 100/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Revê a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, que define as atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos.

  • Tem documento Em vigor 1990-08-24 - Lei 49/90 - Assembleia da República

    Estabelece o regime de consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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