Resolução do Conselho de Ministros n.º 122/2006
Ao estabelecer que «o objectivo do Governo para a legislatura é garantir a efectividade dos direitos e deveres e tornar o sistema de justiça um factor de desenvolvimento económico e social», o Programa do XVII Governo Constitucional exige uma ambiciosa reforma do sistema judicial. No sentido da concretização desta reforma, foram já adoptadas numerosas e significativas medidas.
Assim, foi aprovado, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio, o Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, que esteve na base da aprovação dos seguintes diplomas: a Lei 48/2005, de 29 de Agosto, que procedeu à despenalização do crime de emissão de cheque sem provisão, elevando-se o valor de (euro) 62,35, fixado em 1997, para (euro) 150; o Decreto-Lei 107/2005, de 1 de Julho, que possibilitou a utilização do regime da injunção para dívidas até ao valor de (euro) 14963,94; a Lei 42/2005, de 29 de Agosto, que estabeleceu a redução do período de férias judiciais de Verão; os Decretos-Leis n.os 122/2005, de 29 de Julho, e 199/2005, de 10 de Novembro, que procederam à alteração do regime do pagamento dos prémios de seguro, passando a exigir-se o pagamento prévio, tanto do prémio inicial como do subsequente; as Leis n.os 25/2006, de 30 de Junho, 28/2006, de 7 de Julho, e 30/2006, de 11 de Julho, que procederam à conversão das transgressões e contravenções ainda existentes em contra-ordenações; o Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho, que aprovou o regime processual civil de natureza experimental, e a Lei 14/2006, de 26 de Abril, que procedeu à adopção do foro do devedor como critério relevante para aferição do tribunal competente. O referido Plano originou ainda a aprovação de outras medidas, tais como a criação de incentivos fiscais excepcionais para a desistência de acções durante o ano de 2006, a alteração do regime de recuperação do IVA dos créditos incobráveis e a extinção de processos executivos em matéria de custas de valor até (euro) 400, todas constantes da Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
Igualmente, no âmbito do descongestionamento dos tribunais, o Governo tem procurado centrar a intervenção do tribunal e do juiz nos casos em que exista um verdadeiro litígio, tendo já procedido à eliminação da intervenção judicial obrigatória nos processos de dissolução e liquidação de sociedades comerciais e viabilizado a eliminação dessa intervenção em todas as situações de redução do capital social das sociedades comerciais.
Além disto, para conferir maior celeridade e eficácia ao sistema de cobrança de dívidas, o XVII Governo Constitucional adoptou um conjunto de 17 medidas para desbloquear a acção executiva com vista a operacionalizar uma reforma que ainda estava por concretizar.
O XVII Governo Constitucional tem igualmente conferido prioridade ao fomento de mecanismos de resolução alternativa de litígios. Assim, instalou novos julgados de paz, viabilizou, com todos os parceiros sociais, a criação de um sistema de mediação laboral, promoveu a criação do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Dívidas Hospitalares, que permitirá a resolução de litígios desta natureza fora dos tribunais, e colocou em funcionamento o projecto «Adesão na hora», que permite, a quem constitui uma sociedade comercial usando os serviços «Empresa na hora» ou «Empresa online», aderir imediatamente a um centro de arbitragem apoiado pelo Ministério da Justiça, evitando deste modo, no momento do nascimento de uma nova pessoa colectiva, a pressão sobre o sistema judicial.
Importa continuar o impulso reformador. Este propósito implica a adopção de reformas legislativas nas quais a Assembleia da República deve intervir, no quadro das competências que a Constituição lhe reserva.
Durante a próxima sessão legislativa, o Governo pretende submeter à apreciação e aprovação da Assembleia da República um vasto conjunto de propostas que contribuam para aprofundar a eficiência do sistema judiciário e os direitos fundamentais dos cidadãos e das empresas no acesso à justiça, em áreas como as do regime de recursos judiciais, da resolução de conflitos de competência entre instâncias judiciais, do Código Penal, do Código de Processo Penal, da reforma do sistema de execução de penas e medidas privativas da liberdade, da criação do sistema de mediação penal, do mapa judiciário, da acção executiva, da revisão do modelo de acesso e formação das magistraturas, do estatuto dos magistrados, da lei orgânica do Conselho Superior de Magistratura, do regime do acesso ao direito e do regime das custas judiciais.
Nestes termos, importa adoptar as orientações necessárias à elaboração e calendarização das iniciativas legislativas que, em matéria de reforma do sistema judicial, impliquem uma intervenção do Parlamento.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar orientações para a apresentação de iniciativas legislativas com impacte sobre o sistema judicial, a propor à Assembleia da República durante a próxima sessão legislativa.
2 - Aprovar em definitivo, na data da aprovação da presente resolução, uma proposta de lei que viabiliza a revisão do regime dos recursos em processo civil, no seguinte sentido:
a) Simplificação da tramitação do processo no tribunal recorrido e no tribunal de recurso;
b) Racionalização do sistema dos recursos, através da elevação dos valores das alçadas e da redefinição das regras de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com reforço das suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência;
c) Alteração das regras relativas à resolução dos conflitos de competência entre instâncias judiciais, determinando-se que os mesmos passem a ser resolvidos com carácter urgente, num único grau e por um juiz singular.
3 - Aprovar em definitivo, na data da aprovação da presente resolução, uma proposta de lei que procede à revisão do Código Penal, no seguinte sentido:
a) Consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas;
b) Diversificação das sanções não privativas da liberdade, de modo a promover a reintegração social e evitar a reincidência, nomeadamente através do alargamento do âmbito do trabalho a favor da comunidade e da vigilância electrónica;
c) Reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, designadamente as vítimas de crimes de violência doméstica, maus tratos e discriminação;
d) Agravação da responsabilidade nos casos de fenómenos criminais graves, tais como o tráfico de pessoas, o incêndio florestal e os crimes ambientais.
4 - Aprovar na generalidade, na data de aprovação da presente resolução, uma proposta de lei que procede à revisão do Código de Processo Penal, a qual deve ser aprovada em definitivo pelo Conselho de Ministros, no prazo de 60 dias, e que visa promover a protecção da vítima e a celeridade e a eficácia do processo, com respeito pelas garantias de defesa, nomeadamente através das seguintes alterações:
a) Redução dos prazos de duração da prisão preventiva e limitação da sua aplicação, excluindo-se o seu emprego em determinado tipo de crimes e exigindo-se a elaboração de um despacho especialmente justificado para a sua determinação;
b) Adopção da necessidade de a constituição de arguido ser validada pela autoridade judiciária;
c) Limitação do segredo de justiça, mediante a valorização do princípio da publicidade;
d) Previsão de uma duração máxima para o interrogatório do arguido;
e) Limitação do âmbito das pessoas que podem ser sujeitas a escutas telefónicas.
5 - Aprovar, no prazo de 180 dias, uma proposta de lei que viabilize a reforma do sistema de execução das penas e medidas privativas da liberdade, com vista à sua actualização e adaptação às novas penas previstas no Código Penal.
6 - Aprovar na generalidade, na data de aprovação da presente resolução, uma proposta de lei que procede à criação de um sistema de mediação penal, a qual deve ser aprovada em definitivo pelo Conselho de Ministros, no prazo de 60 dias, e que visa permitir a resolução extrajudicial de conflitos resultantes de pequena criminalidade através da utilização de mecanismos de mediação entre vítima e infractor.
7 - Aprovar, no prazo de 180 dias, uma proposta de lei que proceda à revisão do mapa judiciário, no seguinte sentido:
a) Criação de novas circunscrições judiciais a partir das NUT II e III;
b) Reformulação do modelo de gestão do sistema judicial em função da adopção de novas circunscrições, nomeadamente quanto ao reforço das funções do juiz presidente, à gestão de recursos humanos e à criação de uma gestão profissionalizada dos meios disponíveis.
8 - Aprovar, no prazo de 180 dias, uma proposta de lei que viabilize alterações ao regime da acção executiva, promovendo a sua celeridade e eficiência, designadamente mediante o acesso de licenciados em direito, incluindo advogados, ao exercício de funções de agente de execução.
9 - Aprovar, no prazo de 120 dias, uma proposta de lei que proceda à revisão do modelo de acesso à magistratura, adoptando-se um figurino de formação que reflicta as diferenças entre o exercício das magistraturas judicial e do Ministério Público e compreenda áreas de actividade social onde os litígios surgem com mais frequência, bem como a existência de módulos de formação comuns com outras profissões jurídicas.
10 - Aprovar, no prazo de 120 dias, uma proposta de lei que regule o acesso e formação de magistrados para os tribunais administrativos e fiscais, com vista à concretização do plano de acção do Governo para a melhoria da justiça tributária, através da concretização dos artigos 70.º a 73.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estabelecendo o regime jurídico do concurso de ingresso e da formação dos novos magistrados, prevendo um sistema de formação especializada para os magistrados que seja também adequado às novas tecnologias e às exigências das funções em questão e concretizando o regime de formação complementar.
11 - Aprovar, no prazo de 120 dias, uma proposta de lei que proceda à revisão dos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, incluindo a adopção de provas públicas para o acesso aos tribunais superiores, a criação de uma quota de juízes conselheiros de preenchimento obrigatório por juristas de mérito não pertencentes às magistraturas e a revisão dos regimes da aposentação e jubilação, aproximando-os dos princípios gerais aplicáveis aos servidores do Estado, em articulação com as reformas em curso.
12 - Aprovar, no prazo de 120 dias, uma proposta de lei que proceda às alterações necessárias ao aprofundamento da autonomia do Conselho Superior da Magistratura, dotando-o de meios financeiros e humanos que lhe permitam exercer com maior eficácia as funções de gestão dos magistrados judiciais que lhe estão atribuídas pela respectiva lei orgânica.
13 - Aprovar, no prazo de 120 dias, uma proposta de lei que proceda ao aperfeiçoamento do regime jurídico do acesso ao direito e aos tribunais, mediante o reforço efectivo deste direito fundamental, que se considera estar excessivamente restringido, a criação de um sistema de apoio judiciário mais racional e que valorize a defesa e o patrocínio oficiosos e o alargamento do âmbito subjectivo e da cobertura territorial da consulta jurídica.
14 - Aprovar, no prazo de 90 dias, uma proposta de lei que proceda à simplificação e modernização do regime jurídico das custas judiciais.
Presidência do Conselho de Ministros, 7 de Setembro de 2006. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.