Acórdão 594/2001/T. Const. - Processo 800/2001. - Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:
I - 1 - Armindo Pinto Barbosa, na qualidade de candidato pelo Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Anreada, concelho de Resende, recorreu, ao abrigo dos artigos 156.º, n.º 2, 158.º e 159.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, da deliberação da assembleia de apuramento geral do concelho de Resende, distrito de Viseu, que determinou a recontagem dos votos para a Assembleia de Freguesia de Anreade e declarou a nulidade de dois votos no Partido Socialista e de um voto no Partido Social-Democrata, votos esses que haviam sido considerados válidos pela assembleia de apuramento local.
Os fundamentos do recurso são os que constam da seguinte transcrição:
"1.º Finda a votação na assembleia de voto da freguesia de Anreade, concelho de Resende, procedeu-se à contagem dos votos, tendo a mesa considerado nulo um voto para o Partido Social-Democrata, para a Câmara Municipal.
2.º Verificando-se uma situação de empate entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata para a Assembleia de Freguesia, com 400 votos cada.
3.º Dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 147.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, no passado dia 18 de Dezembro do corrente, pelas 9 horas, a assembleia de apuramento geral do concelho de Resende, distrito de Viseu, iniciou as operações de reapreciação dos resultados.
4.º Que contou com a presença do representante da candidatura do Partido Socialista até ao momento em que supostamente terão sido reapreciados os resultados para a Assembleia de Freguesia de Anreade, o que aconteceu no período da manhã.
5.º Tendo sido adiantado que a votação se iria repetir.
6.º Razão pela qual o representante da candidatura do partido socialista abandonou os trabalhos.
7.º Da parte da tarde, sem nada que o fizesse prever e quando já por todo o concelho se afirmava que a votação para a Assembleia de Freguesia de Anreade se iria repetir, aquela assembleia deliberou efectuar uma recontagem de todos os votos válidos referentes à Assembleia de Freguesia de Anreade e, por consequência, "considerar nulo um voto que tinha sido atribuído ao PS (deliberação tomada por maioria); considerar nulo um voto que tinha sido atribuído ao PS (deliberação tomada por unanimidade); considerar nulo um voto que tinha sido atribuído ao PSD (deliberação tomada por unanimidade)", conforme melhor resulta da acta respectiva de que adiante se junta certidão como documento n.º 1.
8.º Porém, e salvo o devido respeito, que é muito, por interpretação divergente afigura-se-nos que a decisão recorrida é ilegal, por padecer de vícios de violação de lei.
9.º Por um lado, o n.º 1 do artigo 146.º do citado diploma legal, que define o conteúdo do apuramento, não confere à assembleia de apuramento geral poderes para anular qualquer voto que haja sido considerado válido pela mesa por não haver sido objecto de qualquer reclamação ou protesto.
10.º Pelo que, ao considerar nulos votos que haviam sido considerados válidos pela mesa e que não haviam sido objecto de qualquer reclamação ou protesto, aquela assembleia extravasou os poderes que lhe são conferidos por lei, violando assim a citada disposição legal.
11.º E sem prescindir da opinião que a assembleia de apuramento geral não tinha competência para anular votos válidos, afigura-se-nos que os dois votos anulados ao Partido Socialista o foram indevidamente.
12.º Com efeito, os dois votos anulados não integram nenhuma das situações previstas no artigo 133.º, n.os 1 e 2, do mencionado diploma legal.
13.º E isto porque em qualquer dos dois votos anulados apenas se assinalou um quadrado.
14.º Sendo um deles com uma cruz e uma circunferência à volta do quadrado, a salientar a escolha feita.
15.º E o outro com uma cruz completamente dentro do quadrado ainda, que imperfeitamente desenhada.
16.º Não subsistindo, assim, dúvida alguma, em qualquer dos dois votos, sobre o quadrado assinalado.
17.º Resultando, pois, inequívoca a vontade dos eleitores de votar no Partido Socialista.
18.º Face ao exposto, é indúbio que ao anular os dois votos ao Partido Socialista a aludida assembleia violou o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 133.º do referido diploma legal.
Do exposto resulta que:
19.º A decisão recorrida é ilegal, por padecer dos vícios de violação de lei que se passam a enunciar:
a) Extravasar o disposto no artigo 146.º, n.º 1, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que não confere à assembleia de apuramento geral poderes para anular votos válidos, que não hajam sido objecto de qualquer reclamação ou protesto;
b) Interpretar de forma incorrecta o disposto no artigo 133.º, n.os 1 e 2, do citado diploma legal, que jamais permitiria concluir que os dois votos anulados pela assembleia de apuramento geral ao Partido Socialista sejam nulos.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o suprimento do muito omitido, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser decretada a anulação da decisão recorrida com fundamento nos vícios de violação de lei referidos em 19.º deste articulado, com as legais consequências.
Para tanto, requer-se a notificação dos representantes do Partido Social-Democrata para, querendo, responderem.
Para prova do alegado nos n.os 1.º, 2.º e 12.º a 18.º deste articulado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 159.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, requer a VV. Exmas. se dignem requisitar ao governador civil de Viseu certidão da acta da assembleia de voto da freguesia de Anreade, concelho de Resende, bem como dos dois boletins de voto anulados ao Partido Socialista para a Assembleia de Freguesia de Anreade pela assembleia de apuramento geral."
O requerimento vem acompanhado da acta da reunião da assembleia de apuramento geral e respectivo anexo, do qual constam os resultados eleitorais do concelho de Resende. É o seguinte o teor da acta:
"Em relação à freguesia de Anreade:
Para a Câmara Municipal foi considerado menos um voto nulo e considerado válido para o PPD/PSD. Deliberação tomada por maioria.
[...]
Por determinação unânime da assembleia foi efectuada uma recontagem de todos os votos válidos referentes à Assembleia de Freguesia de Anreade, tendo-se tomado as seguintes deliberações:
Considerar nulo um voto que tinha sido atribuído ao PS (deliberação tomada por maioria);
Considerar nulo um voto que tinha sido atribuído ao PS (deliberação tornada por unanimidade);
Considerar nulo um voto que tinha sido atribuído ao PSD (deliberação tomada por unanimidade).
Proclamados pela presidente da assembleia os resultados em anexo, os quais fazem parte integrante desta acta, ordenou ela que os mesmos sejam publicados através de edital afixado à porta do edifício da Câmara Municipal e que se dê cumprimento ao n.º 2 do artigo 151.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, utilizando-se o seguro do correio.
[...]"
Os demais partidos concorrentes foram notificados ao abrigo do artigo 159.º, n.º 3, da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais.
O mandatário da Coligação Democrática Unitária respondeu, subscrevendo na íntegra a petição de recurso apresentada pelo cabeça de lista do Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Anreade.
O representante do Partido Social-Democrata também respondeu, sustentando o seguinte:
"Da inconstitucionalidade:
Artigo 1.º
A Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Março, para a sua validade e eficácia nos termos do artigo 164.º, alínea l), artigo 166.º, n.º 2, e artigo 168.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa devia ser aprovada pela maioria dos deputados no momento da sua votação final global da Assembleia da República em efectividade de funções.
Artigo 2.º
Acontece porém que no momento da votação da referida lei não estavam presentes os referidos deputados.
Artigo 3.º
A Lei Orgânica 1/2001, na qual a assembleia de apuramento invocou o seu poder para proferir a decisão objecto dos presentes autos do recurso é materialmente e formalmente inconstitucional, o que se invoca.
Artigo 4.º
Não merece qualquer reparo ou censura a decisão proferida pela assembleia de apuramento geral do concelho de Resende impugnada nos autos.
Artigo 5.º
Na verdade, a assembleia de apuramento não está impedida de apreciar os votos que foram considerados válidos pela mesa de assembleia de voto apesar de sobre estes não ter sido feita reclamação ou protesto.
Termos em que deve improceder o presente recurso."
Foi solicitada a junção dos elementos requeridos pelo recorrente.
2 - Cumpre decidir.
II - 3 - O recorrente pretende a anulação da decisão recorrida, invocando para tal a violação do disposto no artigo 146.º, n.º 1, da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, o qual não confere à assembleia de apuramento geral poderes para anular votos válidos que não hajam sido objecto de qualquer reclamação ou protesto, e o disposto no artigo 133.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma, já que, segundo o recorrente, tal preceito não permitiria concluir que os dois votos anulados pela assembleia de apuramento geral ao Partido Socialista fossem considerados nulos.
As ilegalidades suscitadas não têm sequer natureza idêntica à das situações apreciadas pelo Acórdão 332/85, de 30 de Dezembro (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., 1985, pp. 1173 e segs.), a que o Tribunal atribuiu a natureza de nulidades de conhecimento oficioso, nem se prevê expressamente para elas sequer a sanção de nulidade, tal como previa o artigo 81.º, n.º 4, do Decreto-Lei 701-B/76, e prevê, actualmente, o artigo 124.º, n.º 4, da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais.
A apreciação do vício alegado pelo recorrente no âmbito do recurso contencioso previsto pelos artigos 156.º, n.º 2, e 158.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais está, assim, condicionada à regra geral da apresentação de protesto ou reclamação no próprio acto em que o vício se verifique (artigo 156.º do diploma citado, bem como artigo 103.º do Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro).
Ora, da acta da assembleia de apuramento geral não resulta que tenha sido apresentado qualquer protesto ou reclamação da deliberação impugnada (o que devia acontecer, caso tivesse sido apresentado algum protesto ou reclamação, de acordo com o artigo 151.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, que nesse ponto coincide com o artigo 100.º, n.º 1, do Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro). Aliás, o recorrente não invoca que tenha sido apresentado qualquer protesto ou reclamação, reconhecendo, antes, que o representante do Partido Socialista abandonou os trabalhos da assembleia de apuramento geral, quando foi "adiantado" que a eleição seria repetida, uma vez que tinha ocorrido um empate entre as listas do Partido Socialista e do Partido Social Democrata.
Não se cumpriu, pois, claramente, a exigência legal de apresentação de protesto ou reclamação, no próprio acto, da irregularidade invocada (cf. artigo 156.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais e artigo 100.º, n.º 1, do Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 6/98, 741/97, 733/97 e 735/97 - Diário da República, 2.ª série, de 10 de Fevereiro de 1998, de 6 de Fevereiro de 1998 e de 5 de Fevereiro de 1998, respectivamente).
4 - O representante do Partido Social-Democrata, após notificação, suscitou a questão prévia da constitucionalidade da Lei 1/2001, de 14 de Março, por esta não ter sido aprovada pelo número de deputados constitucionalmente exigível. A solução de tal questão seria susceptível de influenciar o parâmetro normativo da análise do objecto da sua desaplicação e a repristinação da anterior lei eleitoral. Porém, perante a factualidade que constitui o contexto do presente recurso, não será necessário proceder a essa análise, na medida em que há uma coincidência essencial entre a lei anterior e a lei actual no que se refere ao preenchimento da condição processual consistente na apresentação de protesto ou reclamação no próprio acto em que o vício impugnado se verifique (artigo 103.º, n.º 1, do Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, e artigo 156.º, n.º 1, da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais), o que, efectivamente, no caso não se realizou. Assim, a análise da questão de constitucionalidade não tem interesse para a decisão do presente recurso eleitoral em que, como se referiu, a tomada de conhecimento do objecto do recurso está prejudicada pela falta de protesto ou reclamação, tanto em face da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, como do Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro.
III - 5 - Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso interposto, porque não foi apresentado no próprio acto protesto ou reclamação das ilegalidades invocadas.
Lisboa, 28 de Dezembro de 2001. - Maria Fernanda Palma - Maria Helena Brito - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra - Luís Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto - Artur Maurício - Guilherme da Fonseca - José de Sousa e Brito - José Manuel Cardoso da Costa.