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Acórdão 495/2001/T, de 17 de Dezembro

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Texto do documento

Acórdão 495/2001/T. Const. - Processo 692/01. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - 1 - Edgar Manuel da Conceição Gata, identificado nos autos, na qualidade de mandatário do Partido Social-Democrata às próximas eleições autárquicas de Freixo de Espada à Cinta, notificado do despacho do Sr. Juiz da respectiva Comarca de 23 de Outubro de 2001, que ordenou a afixação das listas de candidatura, prevista no artigo 25.º, n.º 1, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEGAL), aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto - afixação que ocorreu no próprio dia, sem menção de hora -, veio, no dia imediato, e nos termos do n.º 3 do artigo 25.º do mesmo diploma legal, impugnar a elegibilidade de José Manuel Caldeira Santos, também identificado nos autos, primeiro candidato efectivo à Câmara Municipal do mesmo concelho na lista apresentada pelo Partido Socialista.

Em seu entender, a situação do candidato enquadra-se na previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º daquela Lei Eleitoral, uma vez que, e no que releva:

O candidato é sócio de uma empresa de camionagem - "Santos" - que se dedica ao transporte de passageiros e está sediada naquela localidade;

A referida empresa mantém com a Câmara Municipal local "uma relação contratual" através da qual são assegurados os transportes escolares no concelho;

Esse facto é do conhecimento público, perdurando há muito tempo, tratando-se de um contrato de execução continuada;

Factualidade esta que põe em causa a "justiça de actuação e a imparcialidade dos órgãos do poder local no plano da gestão autárquica".

Pede, em consequência, que seja declarada a inelegibilidade do candidato José Manuel Caldeira Santos.

2 - Notificado o mandatário concelhio às mesmas eleições do Partido Socialista, às 12 hora e 20 minutos do dia 25 de Outubro, veio este responder, em documento entrado na secretaria judicial no dia 29, sem menção de hora, defendendo a improcedência da impugnação e, consequentemente, a declaração da elegibilidade do candidato em causa.

Fundamentalmente, porque a quota de que era titular na empresa de camionagem António Augusto dos Santos, Lda., foi cedida a terceiro por escritura pública lavrada a 17 de Outubro último - ou seja, antes da apresentação da sua candidatura, que ocorreu a 22 no Cartório Notarial de Freixo de Espada à Cinta, exarada de fl. 82 a fl. 83 do livro n.º 24-C de escrituras diversas.

Junta fotocópias autenticadas comprovativas do alegado.

3 - Em face do exposto, o respectivo magistrado judicial julgou improcedente a impugnação apresentada, o que fez nos seguintes termos:

"A fl. 26 dos presentes autos, o ilustre mandatário do PSD, Edgar Manuel da Conceição Gata, impugnou a elegibilidade do candidato José Manuel Caldeira Santos, invocando que o mesmo é sócio de uma empresa que presta serviços de transporte escolar à Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta e juntou para o efeito documentos a fls. 29 e segs.

Notificado para se pronunciar, o ilustre mandatário do PS invocou que essa questão estava ultrapassada, uma vez que o mencionado candidato já havia transmitido a sua quota em data anterior à da apresentação da candidatura, e juntou para os efeitos os documentos de fls. 41 e segs.

Cumpre decidir.

A Lei Eleitoral dispõe no seu artigo 7.º, n.º 2, alínea c), o seguinte:

'Não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais em causa:

c) Os membros dos corpos sociais e os gerentes das sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada.'

Compulsados os autos, constata-se, efectivamente, que o candidato José Manuel Caldeira Santos foi, até 17 Outubro de 2001, sócio da sociedade a que se refere o mandatário reclamante. No entanto, e conforme ressalta da certidão da escritura pública junta aos autos, o mesmo deixou de o ser através de uma cessão de quota celebrada antes da apresentação da sua candidatura. Não obstante ter existido até essa altura um fundamento de inelegibilidade, a verdade é que o mesmo ficou sanado com a celebração do referido negócio, desaparecendo por isso o pressuposto legal em que a lei fundamenta essa inelegibilidade, ou seja, a referida qualidade de membro de corpo social, a qualidade de sócio gerente ou de proprietário de empresa. Para efeitos legais, José Manuel Santos deixou de pertencer àquela sociedade.

Pelo exposto, a reclamação apresentada tem de ser declarada improcedente.

Notifique."

4 - Em 30 de Outubro ordenou-se o cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 29.º da Lei Eleitoral.

5 - Em 31 de Outubro, António Manuel Rocha Dias, na qualidade de candidato do Partido Social-Democrata, invocando o n.º 1 do artigo 29.º citado, veio reclamar contra a admissão do candidato José Manuel Caldeira Santos, por considerar verificar-se uma situação subsumível ao estatuído na citada alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º, isto porque o candidato é sócio de outra empresa de transportes colectivos de passageiros - a empresa de transportes Carrazeda - Vila Flor, Lda. -, que mantém "uma relação contratual" com a Câmara Municipal, mediante a qual assegura o transporte escolar dos alunos da freguesia de Ligares.

Junta, como documento, uma cópia simples que transcreve, parcialmente, a acta da reunião do Conselho Consultivo dos Transportes Escolares, realizada em 11 de Abril de 2000, e nos termos do qual foi atribuído a essa sociedade, sediada em Vila Flor, um dos circuitos de transportes de alunos para a sede do concelho, assegurando o transporte de dois alunos.

6 - Respondeu o mandatário constituído do Partido Socialista (notificação em 2 de Novembro, resposta em 5), igualmente no sentido da improcedência do requerido.

Alega, essencialmente, que em 17 de Outubro, antes da apresentação da respectiva candidatura, em assembleia geral da respectiva sociedade, renunciou à gerência e à qualidade de sócio que tinha nessa sociedade, nessa mesma data recebendo o respectivo "preço", tendo a escritura pública sido celebrada em 3 de Novembro, no mesmo Cartório Notarial.

Entende, ainda, que o impugnante confunde o Conselho Consultivo em referência com a Câmara Municipal, não podendo considerar-se esta última como outorgante de qualquer contrato.

7 - Subsequentemente, foi proferida a seguinte decisão judicial, em 5 de Novembro último:

"A fl. 50 dos presentes autos, o candidato António Manuel Rocha Dias impugnou a elegibilidade do candidato José Manuel Caldeira Santos, invocando que o mesmo é sócio de uma empresa que presta serviços de transporte escolar à Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta e juntou para o efeito documentos de fls. 53 e segs.

Notificado para se pronunciar, o ilustre mandatário do PS invocou que essa questão estava ultrapassada, uma vez que o mencionado candidato já havia transmitido a sua quota em data anterior à da apresentação da candidatura e argumentou também que não resulta demonstrada a qualidade de outorgante da Câmara Municipal no contrato celebrado com a referida empresa, e juntou para o efeito os documentos de fls. 67 e segs.

Cumpre decidir.

A Lei Eleitoral dispõe no seu artigo 7.º, n.º 2, alínea c), o seguinte:

'Não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais em causa:

c) Os membros dos corpos sociais e os gerentes das sociedades, bem como os proprietários de empresas que tenham contrato com autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada.'

Compulsados os autos, constata-se, efectivamente, que o candidato José Manuel Caldeira Santos foi, até 3 de Novembro de 2001, sócio da sociedade a que se refere o mandatário reclamante, ou seja, data posterior à da apresentação das candidaturas. No entanto, a questão não se coloca a este nível porquanto é preciso demonstrar, antes de mais, que a autarquia de Freixo de Espada à Cinta, através do seu órgão executivo, que é a Câmara Municipal, outorgou efectivamente o contrato de transportes escolares com a mencionada empresa.

Salvo o devido respeito por melhor entendimento, o reclamante não logrou fazer tal demonstração e isto porque, conforme bem salienta o ilustre mandatário do PS e conforme ressalta da acta de reunião junta aos autos a fls. 53 e segs., a entidade que se vinculou foi o Conselho Consultivo dos Transportes Escolares, entidade na qual se encontra representado o município (na pessoa do presidente da Câmara Municipal mas de cuja composição fazem parte a delegada escolar, os secretários das Escolas EB 2 e 3 Ciclos, Secundária Dr. Ramiro Salgado e a coordenadora regional do SASE e representantes da empresa transportadora. Vale isto por dizer que, face aos elementos constantes dos autos, não resulta que seja a autarquia a entidade que celebra tais contratos, antes resulta que os mesmos são celebrados por uma outra entidade que celebra tais contratos com competências próprias e de enquadramento legal definido, ou seja, o Conselho Consultivo dos Transportes Escolares.

Vale isto por dizer que in casu falece um dos requisitos legais para a existência de uma inelegibilidade do candidato, ou seja, a celebração de um contrato com a autarquia, cf. artigo 7.º, n.º 2, alínea c), da Lei 1/01, de 14 de Agosto.

Pelo exposto, a reclamação apresentada tem de ser declarada improcedente.

Notifique."

8 - Notificado o reclamante da decisão em 6 de Novembro, e dado cumprimento, na mesma data, ao disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 29.º da LEOAL, Edgar Manuel da Conceição Gata veio, no dia 8, nos termos do artigo 31.º do mesmo diploma, interpor recurso "da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância de Torre de Moncorvo relativa à admissão da candidatura de José Manuel Caldeira Santos, candidato do Partido Socialista", decisão esta que afirma ter sido proferida no dia 6 (como se registou, a decisão é de 5, sendo do dia 6 a notificação, o que se deverá, eventualmente, a mero lapso).

9 - Aqui se defende a manutenção da existência de uma relação contratual estabelecida entre a Câmara e a empresa de transportes "Carrazeda - Vila Flor" e não entre esta última e o CCTE, con siderando que o disposto no Decreto-Lei 299/84, de 5 de Setembro, relativamente à competência deste Conselho na preparação do plano de transportes escolares do município, não deixa de responsabilizar a administração local por todo o processo de organização, funcionamento e financiamento dos transportes escolares, o que é reforçado não só pelo disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei 159/99, de 14 de Setembro - sobre a competência dos órgãos municipais no que se refere à rede pública quanto a assegurar os transportes escolares - e da alínea m) do n.º 1 do artigo 64.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro - sobre a competência das câmaras na organização e gestão dos transportes escolares -, como da alínea n) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro, diploma que aprovou o Orçamento do Estado para 2001, nos termos da qual compete aos municípios assegurar os transportes da rede escolar pública, nos termos do n.º 3, alínea a), do artigo 19.º da citada Lei 159/99.

10 - Respondeu o mandatário do Partido Socialista pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, dado, em síntese, já não se verificar a situação que originaria inelegibilidade do candidato.

Cumpre decidir.

II - 1 - O regime de inelegibilidades - em sentido restrito entendidas - previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 7.º da LEOAL visa garantir a dignificação e a genuinidade do acto eleitoral, de modo a não se reconhecer capacidade eleitoral passiva a quem possa exercer algum tipo de influência como candidato sobre os eleitores ou, como nomeadamente sucede nas situações contempladas na alínea c) do n.º 2, ao actuarem como órgãos eleitos da administração autárquica, a sua gestão permita duvidar da transparência e da objectividade que lhe devem assistir, em Estado de direito democrático.

Neste sentido, ao abrigo da anterior lei eleitoral, o Tribunal Constitucional pronunciou-se por diversas vezes, mantendo-se a mesma teleologia no diploma actual (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 4/84, 253/85, 715/93, 716/93 e 717/93, publicados in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 2.º, pp. 223 e segs., 6.º, pp. 929 e segs., e 26.º, pp. 379 e segs., 393 e segs., e 407 e segs., respectivamente).

Consoante se escreveu no último destes arestos, está em causa "o exercício isento, desinteressado e imparcial dos cargos autárquicos", ou seja, "interessa é que para os órgãos de determinada autarquia local não seja eleito quem, ao iniciar o exercício do cargo, seja membro dos corpos sociais ou proprietário de uma empresa que tenha contratos pendentes com essa autarquia. E isso tanto no caso de a subsistência do contrato, nesse momento, se dever ao facto de se tratar de negócio cuja execução se protrai no tempo como naquele em que, sendo um contrato de outro tipo, as obrigações que dele decorrem ainda se acharem nessa altura por cumprir, ao menos em parte".

2 - As inelegibilidades recortam-se como obstáculo à usufruição plena da capacidade eleitoral passiva dos cidadãos, o que enforma um princípio geral de direito eleitoral que é precipitação quer do artigo 48.º do texto constitucional, relativo à participação dos cidadãos na vida pública, quer do artigo 50.º do mesmo diploma, que respeita ao direito de acesso aos cargos públicos.

Deste modo, cessada a situação fáctica que determina a inelegibilidade, perde esta a sua razão de ser, deixa de ser necessário mantê-la em nome da garantia de isenção e independência do exercício do cargo. Como se ponderou no citado Acórdão 717/93, a inelegibilidade "deixou de ser necessária para garantir a isenção e a independência do exercício do cargo".

É também esse o entendimento perfilhado pelo Acórdão 719/93 - publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26.º vol., pp. 423 e segs. - ao escrever-se que, em sede de contencioso de apresentação de candidaturas, o Tribunal Constitucional tem de decidir em função do quadro legal e da situação fáctica existente no momento em que é chamado a decidir - o que, aliás, se conjuga com o princípio processual civil relativo à atendibilidade, na sentença, dos factos supervenientes, constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, que se produzam posteriormente à propositura da acção, "de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão" (n.º 1 do artigo 663.º do Código de Processo Civil).

3 - Sendo assim, torna-se evidente a improcedência do recurso, independentemente do que se possa entender a respeito da natureza e estrutura do CCTE e dos respectivos vínculos jurídico-funcionais ao órgão executivo do município.

III - Em face do exposto, confirma-se a decisão recorrida quanto à inexistência da inelegibilidade prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, se bem que por fundamentação diversa e, consequentemente, nega-se provimento ao recurso.

Lisboa, 20 de Novembro de 2001. - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra - Luís Nunes de Almeida - Artur Maurício - Paulo Mota Pinto - José de Sousa e Brito - Guilherme da Fonseca - Maria Fernanda Palma - Maria Helena Brito - Maria dos Prazeres Beleza - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1961920.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1984-09-05 - Decreto-Lei 299/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Administração Interna, das Finanças e do Plano, da Educação e do Equipamento Social

    Regula a transferência para os municípios das novas competências em matéria de organização, financiamento e controle de funcionamento dos transportes escolares, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 47.º da Lei n.º 42/83, de 31 de Dezembro, e no Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-14 - Lei 159/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-29 - Lei 30-C/2000 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2001.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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