Acórdão 131/2001/T. Const. - Processo 684/00. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - José Nuno de Ataíde Páris de Vasconcelos e mulher, Maria José Peixoto Bourbon Amaral Páris de Vasconcelos, identificados nos autos, vêm interpor recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fl. 576 a fl. 591, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, por violação dos artigos 13.º e 62.º da CRP, com os inerentes princípios da igualdade e da justa indemnização em expropriação por utilidade pública.
O presente recurso integra-se num processo de expropriação litigiosa em que é expropriante a Junta Autónoma das Estradas e expropriados os recorrentes, expropriação essa decorrente do despacho do Secretário de Estado da Obras Públicas de 4 de Janeiro de 1994, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 5 de Abril de 1994, em que foi declarada a utilidade pública da expropriação, com carácter urgente, das parcelas de terreno necessárias à construção do IP1, sendo uma dessas parcelas propriedade dos recorrentes com a denominação de Quinta da Pedra Salgada, sita no concelho de Vila Nova de Gaia.
Efectuada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, os árbitros nomeados pelo presidente do Tribunal da Relação do Porto fixaram, por acórdão, a indemnização em 196 530 810$00, a atribuir aos expropriados (fls. 45 e seguintes).
Da decisão dos árbitros, recorreram a expropriante e os expropriados, pugnando aquela por um valor não superior a 100 000 000$00, enquanto que os últimos defenderam a fixação da indemnização em 627 665 982$00 (fls. 117 e seguintes).
Após avaliação da parcela, os peritos nomeados pelo Tribunal e pela expropriante fixaram, por unanimidade, a indemnização em 201 935 000$00, valor esse posteriormente corrigido para 181 935 826$00, referido à data de declaração de utilidade pública; por sua vez, o perito nomeado pelos expropriados apresentou o seu laudo em separado, fixando o valor da indemnização em 522 427 638$00 (fls. 267 e seguintes).
Nas alegações produzidas em 1.ª instância, os expropriados defenderam o valor da indemnização de 648 475 690$00, enquanto a expropriante sustentou um valor não superior a 181 935 826$00.
O juiz do tribunal a quo decidiu atribuir aos expropriados a indemnização de 181 935 826$00, a actualizar de acordo com os índices de preços do consumidor fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (fls. 479 e seguintes).
Desta decisão, interpuseram os expropriados, ora recorrentes, recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.
Nas respectivas alegações, na parte que importa, sustentaram os recorrentes:
Todo o solo expropriado deveria ser considerado solo apto para construção, incluindo, pois, o solo medido 50 m para o interior a partir dos 50 m junto aos arruamentos;
O valor do solo até aos 50 m não poderia ser determinado de acordo com a percentagem de 10% estabelecida no artigo 25.º, n.º 2 (todos os artigos citados sem outra especificação referem-se ao Código das Expropriações de 1991), sob pena de violação do artigo 62.º da CRP:
Devendo, ainda, aplicar-se a percentagem de 15% para a "localização e qualidade ambiental";
Não o admitir significaria uma aplicação dos n.os 2 e 3 do citado artigo 25.º com violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização;
No que concerne ao solo para além dos 50 m, a aplicação do artigo 26.º, como o fez a decisão arbitral, acolhida pela decisão então impugnada, viola aqueles mesmos princípios, devendo aplicar-se o disposto no artigo 25.º, n.º 5.
Pelo acórdão a fls. 576 e seguintes, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a apelação.
Para tanto, começou o aresto por definir os princípios jurídicos por que deveria ser decidida a expropriação em causa. Escreveu-se a propósito:
"Actualmente a ideia prevalecente nesta matéria é a de que o valor expropriativo deve coincidir com o valor no mercado do prédio expropriado, isto para não se correr o risco de violação do princípio da igualdade, ínsito naquele artigo 62.º, n.º 2, da Constituição.
[...] o critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial inflingido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o valor de mercado, também chamado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso mas sim em sentido normativo."
No que concerne à pretensão dos recorrentes no sentido de todo o solo expropriado ser avaliado como solo apto para construção, o mesmo acórdão, depois de dar conta da divergência entre a avaliação feita pelos peritos do tribunal e do expropriante e o laudo do perito do expropriado, decidiu:
"Na avaliação da parcela, apenas há que atender ao valor real do mercado.
Ora, o perito dos expropriados, naquele seu referido laudo, acaba por determinar o valor da parcela como se de terreno apto para construção, todo ele se tratasse, o que não acontece, como também se entendeu na douta sentença.
[...]
Havendo, apenas, como elemento para avaliar esta questão, o laudo majoritário e o do perito indicado pelos expropriados, impõe-se, pelas razões já indicadas, optar por aquele, já que não contém erros ou deficiências."
Quanto ao entendimento de que se não deveria aplicar a percentagem de 10% prevista no artigo 25.º, n.º 2, e que, no que respeita à percentagem para a localização e qualidade ambiental, ela deveria ser de 15%, diz o acórdão, depois de assinalar a divergência entre os peritos maioritários e o expropriado (ambos aplicam a referida percentagem de 10%, mas os primeiros atribuem 7% à localização e qualidade ambiental e o segundo 10,75%):
"Atentos os princípios atrás expostos, também aqui há que atender ao laudo dos peritos maioritários, que, como se referiu, nos oferece maiores garantias, dada a experiência profissional que, em princípio, se lhes reconhece, uma vez que, também aqui, se não vislumbram razões para pôr em causa o respectivo laudo, nada havendo a censurar, nesta parte também, na douta decisão recorrida, ao dar o seu aval ao mesmo.
Aliás, quanto à percentagem a atribuir à localização e qualidade ambiental, basta ler os factos provados constantes dos itens 15, 16 e 17 para se poder, desde logo, aferir ser desajustada à realidade e a uma justa indemnização uma percentagem de 15%, como pretendem os recorrentes."
Inconformados com o decidido, os expropriados recorreram para este Tribunal ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, visando a apreciação da inconstitucionalidade das normas contidas nos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, que violariam as normas dos artigos 13.º e 62.º (princípios da igualdade e da justa indemnização) da CRP.
Nas alegações para este Tribunal, os recorrentes concluíram do seguinte modo:
"1.ª O acórdão recorrido - para cuja leitura remetemos por ser mais evidente e rigoroso - limitou-se a aderir ao laudo conjunto dos peritos do Tribunal e do perito da expropriante, mesmo a despeito de ele ser muito inferior ao do acórdão arbitral (raridade que não lhe serviu sequer para perplexidade e premonição!).
2.ª O acórdão, portanto, não exerceu qualquer juízo crítico ou simples análise das diversas questões que os expropriados levantaram nas suas alegações, designadamente não se pronunciando sobre sucessivas inconstitucionalidades cometidas pelo dito laudo conjunto,
3.ª Pelo que, absorvendo esse laudo conjunto, e aderindo às suas argumentações, interpretações e conclusões, ficou viciado dos mesmos graves defeitos de inconstitucionalidade, agora especial objecto deste recurso.
Ora:
4.ª Deste modo, o valor do solo até aos 50 m a contar dos arruamentos só pode ser aquele que os expropriados sustentaram (até para além do laudo do perito que designaram), como atrás se deixou exposto.
5.ª Além do mais ali referido, para onde se remete, a aplicação dos 10% do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações, com o qual todos os peritos se sentiram vinculados - e em especial o perito dos expropriados, apesar de manifestar ser contra a justa indemnização tal limitação -, torna a dita norma inconstitucional.
6.ª Esse limite, com efeito, no caso concreto (pelas razões atrás largamente expostas) não permitiria obter a justa indemnização, com violação dos princípios da justa indemnização e da igualdade plasmados nos artigos 62.º e 13.º da CRP.
7.ª Também a serem aplicadas as percentagens limitativas do n.º 3 do mesmo artigo 25.º, e, em especial no caso concreto, não permitir ir além dos 15% para a 'localização e qualidade ambiental'; isso significaria promover uma aplicação de critérios restritivos dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações, com impossibilidade também de ser atingida a justa indemnização,
8.ª O que se traduziria, e traduz no caso concreto, na violação pelas ditas normas dos ditos princípios da igualdade e da justa indemnização, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP.
9.ª No que respeita a algumas dessas divergências, são de fundo, pois que tornam inconciliáveis com a justa indemnização por que os expropriados pugnam quer os valores da decisão arbitral quer os que propõe o dito laudo, com desrespeito por lei expressa e pela Constituição.
10.ª Críticas igualmente fundas merece o laudo conjunto, a que aderiu o acórdão recorrido, no que respeita ao solo para além dos 50 m dos arruamentos.
11.ª Com efeito, os peritos do Tribunal/expropriante consideram que até aos 50 m dos arruamentos se trata de 'terreno urbanizável (apto para construção)' (sic), mas já consideram que a restante área expropriada que se encontra para além dos 50 m dos arruamentos consiste em 'terreno agrícola (solo para outros fins)' (sic) - e daí que procurem fazer a sua avaliação (segundo se julga, porque não citam a norma) com base nos critérios do artigo 26.º do mesmo diploma!
12.ª Já o laudo perito dos expropriados considera que todo o terreno é qualificável como 'solo apto para construção', por possuir os requisitos a que se refere o artigo 24.º do Código das Expropriações, por isso promove a sua avaliação nos termos do artigo 25.º, n.º 5, do mesmo diploma, distinguindo aí entre terreno até aos 50 m dos arruamentos e a restante área expropriada que se encontra para além dos 50 m dos arruamentos, tomando ainda em conta na avaliação que subsistem os pressupostos do n.º 3 do mesmo artigo.
13.ª Antes de mais, o absurdo jurídico do laudo conjunto é patente, porquanto a lei aplicável (o actual Código das Expropriações de 1991) só distingue dois tipos de terrenos ou solos: o 'apto para a construção' e o 'apto para outros fins'.
14.ª Tal absurdo reforça-se, por outro lado, porque, tratando-se de solo ou terreno uno e contíguo, sem soluções de continuidade ou contiguidade, é evidente que, se (já os árbitros na decisão arbitral) todos os peritos chegam à conclusão de que pelo menos parte do terreno é solo apto para construção, é impossível reputar outra parte como não apta para construção, ou antes, solo apto para outros fins, pois a lei, bem interpretada, não prevê situação desse tipo em parte alguma e seria escandaloso proceder-se agora a uma diversificação de solos que a mesma lei não prevê.
15.ª É, com efeito, sabido que o que a lei, bem interpretada, prevê é tal distinção de profundidade ou distância em relação aos arruamentos (a 50 m ou para além dos 50 m) só nos solos aptos para construção (artigo 25.º, n.º 5, do Código das Expropriações), o que não permitiria extrapolar a interpretação e diferenciação no chamado solo para outros fins.
16.ª É óbvio que não podia merecer qualquer acolhimento, nem respeito científico, aquela avaliação do laudo conjunto, que acaba por se ater, depois, à aplicação do artigo 26.º do Código das Expropriações, ou seja, à de sobre solo para outros fins.
17.ª Pior procedeu o acórdão recorrido, que, acriticamente, aderiu ao dito laudo conjunto, absorvendo-o na sua viciosa argumentação e interpretação.
18.ª Por consequência, admitir uma interpretação da norma do artigo 25.º, n.º 5, em ligação com as dos n.os 2 e 3, segundo a qual, sendo 'solo apto para construção' a área até aos 50 m dos arruamentos, já a área para além dos 50 m dos arruamentos deveria ser avaliada como 'solo para outros fins' tornaria aquelas normas inconstitucionais.
19.ª Tal interpretação - que é a que faz o laudo conjunto - seria, pois, inconstitucional, vício que afectaria as ditas normas, pois que atentaria contra os princípios da igualdade e da justa indemnização, previstos e prescritos nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP.
20.ª Finalmente, devemos reiterar que, também aqui, não podemos concordar com a maior limitação que, a esse respeito, o próprio perito dos expropriados houve por bem fazer, consistente naquilo que entendeu a eventual obrigação dos expropriados de 'ceder determinada área de terreno para alargamento dos arruamentos'.
21.ª Essa diminuição não está, em primeiro lugar, prevista na lei, pelo que não é legítima; a lei apenas considera taxativamente 'um valor unitário de 20% do valor unitário da parte restante' e nada mais; e, em segundo lugar, aquele perito já não ponderou nestas circunstâncias (porque o esqueceu manifestamente) a garantia que os expropriados possuem através de actos administrativos antigos e válidos de não serem penalizados por cedências para urbanização (artigo 11.º da petição e documento n.º 1 aí junto).
22.ª Sendo, assim corrigido - após a baixa do processo -, os dois aspectos referidos (20% sobre valor já antes corrigido e desconsideração de despesas de urbanização como são as cedências para arruamentos, mesmo que necessárias que não penalizáveis), poder-se-á encontrar já a justa indemnização.
23.ª Não o admitir seria consentir interpretar a lei e decidir contra lei expressa - artigos 25.º e até 24.º e 26.º do Código das Expropriações - e ainda, consequentemente, violar com a proscrita interpretação os aludidos princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização (CRP, artigos 13.º e 62.º).
Termos em que, declarando-se inconstitucionais as normas dos artigos 25.º, n.os 2 e 3, e sua interpretação quando concatenadas com o seu n.º 5, quer pelos limites que impõe à justa indemnização, quer também pela interpretação que lhes foi dada no caso concreto, assim sendo violados os princípios da justa indemnização e da igualdade consagrados nos artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da CRP, ordenando-se, pois, a baixa do processo para que se proceda à correcta avaliação sem aqueles vícios, far-se-á justiça."
Por seu turno, o Ministério Público produziu contra-alegações, de que se retiram as seguintes conclusões:
"1.ª As normas constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do Código de Expropriações de 1991, interpretadas como estabelecendo regras técnicas e instrumentais, destinadas a permitir ao tribunal a determinação do valor real dos imóveis expropriados - e tomando as instâncias como 'critério normativo' de cálculo da indemnização precisamente o valor venal ou de mercado de tais bens - não afronta o princípio constitucional da 'justa indemnização'.
2.ª Termos em que deverá improceder o presente recurso."
Cumpre apreciar e decidir.
2 - De acordo com o requerimento de interposição de recurso os recorrentes pretendem ver apreciada a constitucionalidade das normas do artigo 25.º, n.os 2 e 3, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei 438/91.
Sucede, porém, que nas conclusões das suas alegações os recorrentes alargam o âmbito do recurso à norma do n.º 5 do mesmo artigo, embora enquanto "concatenada" com as citadas normas dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º
Tal ampliação não será admissível, delimitado que foi o objecto do recurso no respectivo requerimento de interposição (artigo 684.º, n.º 2, do CPC).
Mas, suposto que se trataria de uma melhor precisão do que fora definido naquele requerimento, a verdade é que dela se não pode conhecer, como se passa a demonstrar.
Expropriada uma área sem soluções de continuidade, sempre os recorrentes sustentaram que todo o solo deveria ser considerado como apto para construção, em contrário do que decidiram a 1.ª instância e a Relação de acordo com o laudo dos peritos do Tribunal e da expropriante.
A norma que foi aplicada em ambas as decisões, definido o solo excedente ao compreendido até 50 m de determinados arruamentos como solo apto para outros fins, foi claramente a do artigo 26.º do Código das Expropriações, que define o respectivo critério de avaliação.
A norma do artigo 25.º, n.º 5, surge no discurso argumentativo dos recorrentes apenas por eles entenderem que esse solo deveria ser considerado também como apto para construção e, como tal, avaliado nos termos daquela norma; isto é, centrada a discordância dos recorrentes na qualificação do solo, a aplicação dos critérios que eles consideram inconstitucionais pressupunha uma qualificação que o acórdão recorrido (como a sentença de 1.ª instância) não fez, não aplicando - repete-se - aquela norma.
Crê-se, aliás, que a referência à norma do artigo 25.º, n.º 5, resulta, ainda, do facto de os recorrentes suporem que a avaliação feita pelos peritos maioritários (acolhida no acórdão impugnado), ao delimitar nos citados 50 m o solo apto para construção e o solo apto para outros fins, teria interpretado erradamente aquela norma que apenas prevê a hipótese de todo o solo ser apto para construção - o que, afinal, se traduziria na efectiva aplicação da mesma norma.
Mas não é assim. Sucedeu foi que os peritos (e a Relação) entenderam que parte do solo não podia ser considerada apta para a construção e só por esse facto, à margem do que dispõe o artigo 25.º, n.º 5, fizeram uso dos critérios de avaliação dos solos aptos para outros fins, previstos no artigo 26.º
Em suma, pois, ainda que fosse lícito o alargamento do âmbito do recurso nas alegações - e não é -, o Tribunal Constitucional, por força do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, não poderia conhecer do objecto do recurso na parte em que se reporta à norma do artigo 25.º, n.º 5, por não ter sido aplicada no acórdão recorrido.
Passa-se, assim, a conhecer da constitucionalidade das normas ínsitas no artigo 25.º, n.os 2 e 3.
3 - O artigo 25.º dispõe sobre o cálculo do valor do solo apto para construção, estabelecendo no seu n.º 1 que ele é feito em função do valor da construção nele existente ou "do valor provável daquela que seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental".
A base daquele cálculo é o valor da construção possível, devendo o valor do solo corresponder a uma percentagem de 10% daquele primeiro valor se dispuser apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente - é o que dispõe o n.º 2 do artigo 25.º
Esta percentagem é acrescida nos termos estabelecidos no n.º 3 do mesmo artigo:
"a) Pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela - 1%.
b) Rede de abastecimento domiciliário de água com serviço junto da parcela - 1%.
c) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela - 1,5%.
d) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela - 1,5%.
e) Rede para drenagem de águas pluviais, com colector em serviço junto da parcela - 0,5%
f) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento junto da parcela - 2%.
g) Rede distribuidora de gás - 2%.
h) Localização e qualidade ambiental - 15%."
O regime assim estabelecido pelo Código das Expropriações de 1991 é substancialmente diverso do que constava do Código aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, desde logo no que respeita à divisão do solo em apto para construção e em apto para outros fins.
De todo o modo, não pode deixar de se compaginar o regime previsto em 1991 para o cálculo do valor dos solos aptos para construção com o que vigorava até então para o cálculo do valor dos "terrenos situados em aglomerado urbano" (artigo 33.º do Decreto-Lei 845/76).
Aí era definido um limite máximo do valor dos terrenos em 15% do valor do custo provável da construção que neles fosse possível efectuar (artigo 33.º, n.º 1). Teve o Tribunal Constitucional oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade desta norma, que vinha, aliás, questionada em termos idênticos aos do presente recurso (Acórdão 210/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., pp. 549 e segs.). Escreveu-se neste aresto:
"Alcançada a conclusão de que a 'justa indemnização' de que fala o artigo 62.º, n.º 2, da Constituição implica a garantia ao expropriado de uma compensação plena da perda patrimonial suportada, de modo que o sacrifício que lhe foi imposto seja suportado por todos os cidadãos e não apenas por ele, está o Tribunal em condições de afirmar que a norma do n.º 1 do artigo 33.º do Código das Expropriações de 1976, ao dispor que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não poderá exceder, em qualquer caso, o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível erigir, estabelece um limite tal à indemnização que põe em causa, em algumas situações, o princípio da 'justa indemnização'. Com efeito, aquela norma, na medida em que fixa um tecto percentual inultrapassável ao quantitativo da indemnização por expropriação de terrenos situados em aglomerado urbano, impedirá algumas vezes que o dano patrimonial inflingido ao expropriado seja integralmente ressarcido, obstando, assim, a que seja atingida a meta almejada de uma indemnização justa.
[...]
Deve, pois, concluir-se que a norma do n.º 1 do artigo 33.º do Código das Expropriações infringe o conceito de justa indemnização, inserto no artigo 62.º, n.º 2, da lei fundamental, infracção esta, convém esclarecê-lo, que encontra o seu fundamento não na opção legislativa da referência do valor do terreno situado em aglomerado urbano ao custo provável da construção que nele seja impossível implantar, tendo em conta o seu normal destino edificativo, mas antes na fixação do quantum da indemnização de um máximo percentual igual para todos os casos, rigoroso e inultrapassável."
É, aliás, nesta linha argumentativa que os recorrentes invocam a inconstitucionalidade dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º do Código de 1991.
Esquecem, porém, as profundas alterações que o novo Código introduziu no regime do cálculo do solo apto para a construção, alterações essas que influem decisivamente no juízo de constitucionalidade que sobre aquelas normas se deve formular -
Na verdade, o que - como se viu - determinou o juízo de inconstitucionalidade sobre a norma do artigo 33.º, n.º 1, do Código de 1976 foi a rigidez ou fixidez de um limite máximo inultrapassável do valor do solo que impedia, ou podia impedir, uma justa indemnização pela variedade de situações dos solos expropriados com directa incidência no seu valor real.
Ora, tal já não se verifica no regime previsto no Código de 1991, passando a ser flexível e ultrapassável o limite de 10% estabelecido pela norma do n.º 2 do artigo 25.º, norma esta que não pode deixar de ser lida em conjugação com o que consta das diversas alíneas do n.º 3 do mesmo artigo, ou seja, a previsão de acréscimos percentuais em função dos factores ali elencados que compõem um quadro suficientemente amplo de valoração da construção possível no solo expropriado e, consequentemente, permitem uma indemnização justa.
Convém a propósito evocar que, no citado Acórdão 210/93, depois de se ter formulado o juízo de inconstitucionalidade e porque estava já em vigor o Código de 1991, se acrescentou:
"Importa, por fim, salientar que o Código das Expropriações de 1976 foi recentemente substituído por um novo Código aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, e dele já não consta uma norma de conteúdo idêntico à do artigo 33.º, n.º 1, do Código anterior."
Esta referência final do acórdão é, para nós, significativa no sentido de deixar perceber que as mesmas considerações que fundamentavam o juízo de inconstitucionalidade se não poderiam transpor para o Código de 1991. Isto mesmo acaba por receber o conforto do estudo feito por Alves Correia (relator que foi do Acórdão 210193) na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.os 3094 e segs., onde se escreveu (n.os 3905/3906, pp. 236 e segs.), depois de se precisar o fundamento da inconstitucionalidade reconhecida no mesmo acórdão:
"Esta observação do Tribunal Constitucional teve como finalidade impedir uma transposição de plano da doutrina do Acórdão 290/93 para a norma do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1999, que, embora adoptasse o princípio da referência do valor do solo apto para a construção nele existente ou, quando for caso disso, ao valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal à data da declaração de utilidade pública - valor esse que deveria corresponder a 10% do valor da construção, no caso de o solo dispor apenas de acesso rodoviário sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente - previa, porém, vários acréscimos percentuais a este montante - que no seu total podiam ascender até aos 34% - com base em determinados índices valorativos do terreno (reservando, por exemplo, uma margem de 15% para a localização e qualidade ambiental) e tendo em atenção as características específicas de cada caso concreto."
Em suma, pois, as normas constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 25.º estabelecem um critério de avaliação de solos aptos para construção com a plasticidade bastante para permitir que a indemnização garanta ao expropriado uma compensação integral da perda patrimonial por aquele sofrida e em termos de o sacrifício suportado pelo expropriado ser igualmente suportado por todos os cidadãos e é isto o que impõe o artigo 62.º, n.º 2, da CRP.
Por outro lado, não resulta das mesmas normas que os cidadãos colocados na mesma situação recebam indemnizações diferentes, nem elas fixam critérios de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros, com o que se não mostra violado o princípio da igualdade.
Mas os recorrentes questionam ainda a constitucionalidade das normas que prevêem os citados acréscimos percentuais (n.º 3 do artigo 25.º), em particular o de 15% relativo à localização e qualidade ambiental, pelo que eles entendem ser o seu carácter limitativo, obstando deste modo a uma indemnização justa.
Ora, em primeiro lugar, importa realçar que, face à matéria de facto dada como provada, entendeu-se no acórdão recorrido quanto ao acréscimo atribuído ao factor "localização e qualidade ambiental" (7%) que ele era adequado e de todo injustificado o limite máximo pretendido pelos recorrentes (15%); e sendo insindicável por este Tribunal os factos e as ilações de facto constantes do acórdão recorrido parece desde logo de afastar que aquele limite legal tivesse, em concreto, obstado a uma indemnização justa.
Por outro lado, interessa acentuar que, por se tratar de acréscimos ao limite fixado no n.º 2 do artigo 25.º (10%), elas teriam necessariamente de se conter em determinados limites, sendo certo que a amplitude permitida (cumulativamente, até 34%) oferece margem suficiente para se ajustar o valor da indemnização à diversidade das situações concretas a regular.
De todo o modo, optando o legislador por um critério de coeficientes valorativos - e constitucionalmente nada parece obstar a essa opção - a demarcação de coeficientes com um certo limite parece ser uma exigência do próprio princípio da igualdade - uma variação ilimitada dos coeficientes concorreria seguramente para o arbítrio nas avaliações.
Em síntese, não se vislumbra - nem os recorrentes o demonstram - que os limites dos coeficientes percentuais atribuídos aos factores fixados no n.º 3 do artigo 25.º obstem a uma indemnização conforme ao valor real (não especulativo) dos solos expropriados ou infrinjam o princípio da igualdade.
4 - Decisão:
Pelo exposto, e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 27 de Março de 2001. - Artur Maurício (relator) - Vítor Nunes de Almeida - Maria Helena Brito - Luís Nunes de Almeida - José Cardoso da Costa.