Decreto-Lei 367/88
de 15 de Outubro
A salvaguarda da saúde do consumidor, face às diversas formas de poluição a que estão sujeitos os géneros alimentícios, assume hoje tal importância que a Administração tem consciência de não se poder protelar por mais tempo a publicação de novas medidas legislativas de reforço daqueles valores, tendo em conta não só a actualização dos diplomas em vigor e das respectivas estruturas como ainda a organização de serviços que permitam responder a situações susceptíveis de afectarem a qualidade de vida das populações.
De facto, não se trata apenas dos perigos resultantes da contaminação microbiana ou de outros agentes vivos nem dos riscos que podem advir do uso desmedido dos chamados aditivos alimentares; está essencialmente em causa a má utilização de substâncias químicas, drogas e medicamentos, com fins profilácticos, curativos e outros, susceptíveis de deixarem resíduos nos seus órgãos e tecidos e, portanto, nas matérias-primas ou alimentos procedentes desses animais.
Tais resíduos, ao atingirem determinados níveis de concentração, têm efeitos hoje reconhecidamente nocivos para o consumidor de alimentos de origem animal, situação essa agravada pelo facto de a acção nefasta desses resíduos ter efeitos cumulativos.
Nesse sentido, na sequência das preocupações já anteriormente manifestadas pelo Governo relativamente à insuficiência de dispositivos legais que disciplinem a utilização de inúmeras substâncias, drogas e medicamentos e face à complexidade da matéria, verifica-se que a regulamentação respeitante à utilização de substâncias ou produtos de efeito hormonal, embora por enquanto dispersa, exige, face aos compromissos assumidos, a harmonização do direito interno com as regras comunitárias.
Porém, reconhece-se que a utilização de algumas destas substâncias poderá, em determinados casos, ser autorizada para fins terapêuticos, ainda que com permanente e rigoroso controle, de acordo com os mecanismos já implementados pelo Decreto-Lei 386/87, de 28 de Dezembro.
Ao aprovar o presente diploma, o Governo está ciente que a defesa da saúde do consumidor será reforçada, constituindo ainda estímulo para um melhor apetrechamento e funcionamento das estruturas existentes, de forma a utilizarem-se os novos conceitos e progressos técnicos que se vêm registando constantemente.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1 - O disposto no presente diploma destina-se a regular a utilização de substâncias químicas, drogas ou medicamentos susceptíveis de deixarem resíduos nos tecidos e órgãos dos animais e, por consequência, nos géneros alimentícios por eles produzidos e destinados ao consumo humano, sem prejuízo do estabelecido no Regulamento da Comercialização e Utilização de Aditivos nos Alimentos para Animais, aprovado pelo Decreto-Lei 259/82, de 6 de Julho.
2 - O presente diploma e as portarias publicadas para os efeitos do disposto no artigo 5.º aplicam-se a:
a) Animais das espécies bovina, ovina, suína, caprina e equina, bem como a aves, coelhos, espécies cinegéticas criadas em cativeiro e abelhas;
b) Carne dos mamíferos e aves referidos na alínea anterior que não tenha sofrido qualquer tratamento destinado a assegurar a sua conservação, com excepção do frio;
c) Leite das fêmeas das espécies bovina, ovina e caprina em estado de saúde normal;
d) Ovos de aves, frescos ou conservados, para consumo em natureza ou para utilização nas indústrias de alimentação humana;
e) Mel.
Artigo 2.º
Definições
Para os efeitos do disposto neste decreto-lei e das portarias publicadas ao abrigo do artigo 5.º, entende-se por:
a) Resíduos - as substâncias estranhas, compreendendo os metabolitos e outras resultantes da actividade bioquímica e os agentes terapêuticos ou profilácticos, prejudiciais à saúde humana e que estejam presentes nos animais ou nos produtos, por motivo de tratamento, alimentação, promoção do crescimento e engorda ou da contaminação por exposição acidental;
b) Tolerância - a concentração máxima de resíduos admitida nos géneros alimentícios derivados dos animais;
c) Intervalo de segurança - o tempo mínimo que deve decorrer entre o momento da última administração ou aplicação a um animal de qualquer das substâncias susceptíveis de deixarem resíduos e o momento do abate, da ordenha, da postura do ovo ou da colheita do mel, cujos produtos se destinam ao consumo.
Artigo 3.º
Condições de utilização
1 - A utilização das hormonas naturais autorizadas - progesterona, testosterona e estradiol 17-B e seus derivados -, bem como de antibióticos, quimioterápicos, antiparasitários e tranquilizantes, só é permitida nas seguintes condições:
a) Quando tenham sido oficialmente aprovados, tendo em vista o seu uso profiláctico e curativo e, no caso das hormonas, para efeitos de sincronização do ciclo oestral, da indução do parto, da interrupção da gestação, da melhoria da fertilidade ou da preparação dos dadores e dos receptadores de embriões;
b) Quando tenham sido observados os intervalos de segurança oficialmente definidos;
c) Quando sejam prescritas por médico veterinário no exercício legal da sua actividade;
d) Desde que a administração ou aplicação das mesmas substâncias ou produtos seja supervisionada por médico veterinário, a quem caberá ainda proceder ao registo das doses ou quantidades utilizadas, datas da sua administração ou aplicação e ao reconhecimento dos animais tratados.
2 - Aos desinfectantes e pesticidas de uso veterinário só se aplica o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do presente artigo.
Artigo 4.º
Proibições
Fora das condições previstas no artigo 3.º do presente diploma e do que, na parte aplicável, se encontra estabelecido no Regulamento da Comercialização e Utilização de Aditivos nos Alimentos para Animais, é proibido:
a) Comercializar, aplicar ou administrar em animais os estilbenos e seus derivados, respectivos sais e ésteres, substâncias tireostáticas ou outras de efeito estrogénico, androgénico e gestagénico, exceptuando as referidas no n.º 1 do artigo 3.º;
b) Abater ou ordenhar os animais para obtenção, respectivamente, de carne ou de leite para consumo humano e utilizar para o mesmo fim os ovos ou o mel sem que sejam respeitados os intervalos de segurança que, para cada substância, se encontrem oficialmente estabelecidos;
c) Comercializar, com destino ao consumo directo ou à indústria, carne, leite, ovos e mel que contenham resíduos em teores que ultrapassem as tolerâncias oficialmente admitidas para os referidos géneros alimentícios.
Artigo 5.º
Regulamentação específica
A aplicação do disposto no presente diploma aos géneros alimentícios - carne, leite, ovos e mel - será regulamentada em cada caso por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, mediante proposta conjunta do Instituto de Qualidade Alimentar e da Direcção-Geral da Pecuária, ouvidos a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Artigo 6.º
Programas de vigilância
O Instituto de Qualidade Alimentar, a Direcção-Geral da Pecuária e a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários deverão estabelecer, com a colaboração das direcções regionais de agricultura, programas de vigilância de resíduos na carne, no leite, nos ovos e no mel.
Artigo 7.º
Métodos para detecção de resíduos
1 - Os métodos de análise e os procedimentos a adoptar na detecção de resíduos em animais e produtos alimentares de origem animal serão os estabelecidos na legislação comunitária aplicável a esta matéria.
2 - Quando não exista legislação comunitária que contemple os métodos de análise ou os procedimentos a adoptar na detecção de resíduos nos produtos alimentares, serão os mesmos estabelecidos por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, sob proposta do Instituto de Qualidade Alimentar, depois de ouvidos a Direcção-Geral da Pecuária, o Instituto Nacional de Investigação Agrária, a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Artigo 8.º
Tolerâncias de resíduos
1 - As tolerâncias de resíduos admitidas nos géneros alimentícios de origem nacional ou importados, de que trata o presente decreto-lei, serão as fixadas em listas anexas às portarias a que se refere o artigo 5.º
2 - As tolerâncias de resíduos admitidas quando se trate de pesticidas serão fixadas nos termos do número anterior, depois de ouvida a Comissão de Toxicologia dos Pesticidas.
Artigo 9.º
Outras competências
1 - O Instituto de Qualidade Alimentar, a Direcção-Geral da Pecuária e a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários deverão assegurar o cumprimento do presente diploma no domínio das suas competências.
2 - Compete à Direcção-Geral da Pecuária a aprovação e autorização para venda das substâncias ou produtos para uso em medicina veterinária, bem como a definição dos respectivos intervalos de segurança, sendo, no caso dos pesticidas de uso veterinário, ouvida a Comissão de Toxicologia dos Pesticidas.
3 - Compete também à Direcção-Geral da Pecuária a aprovação dos rótulos de pesticidas de uso veterinário.
Artigo 10.º
Sanções
1 - As infracções ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º e na alínea a) do artigo 4.º constituem contra-ordenações puníveis com coima até 500000$00, se outras sanções lhes não couberem.
2 - A competência para a aplicação das coimas e sanções acessórias pertence ao director do Instituto de Qualidade Alimentar.
Artigo 11.º
Norma revogatória
É revogado o Decreto-Lei 210/84, de 26 de Junho.
Artigo 12.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor 180 dias após a sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 18 de Agosto de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Joaquim Fernando Nogueira - José Macário Correia - Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto - Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares - Licínio Alberto de Almeida Cunha.
Promulgado em 29 Setembro de 1988.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 3 de Outubro de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.