Parecer 36/2000. - Acção de impugnação pauliana - Acção real - Registo predial - Bem imóvel:
1.ª A acção pauliana é uma acção de natureza pessoal ou obrigacional, que tem em vista obter, na medida do interesse do demandante, a restituição dos bens alienados para efeito de satisfação do direito de crédito sobre o devedor alienante.
2.ª As acções sujeitas a registo, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial, são as que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos reais ou equiparados previstos no artigo 2.º do mesmo diploma.
3.ª Entre os direitos susceptíveis de registo, nos termos desta última disposição, poderão incluir-se direitos inerentes a imóveis que não possuam natureza real;
4.ª O direito do credor impugnante, ainda que possa entender-se como um encargo ao direito de propriedade, não se enquadra na previsão da alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Registo Predial, por não se encontrar especialmente prevista, nesse caso, a sujeição a registo.
5.ª A inscrição registal da acção pauliana - a admitir-se - importaria um efeito de oponibilidade de carácter substantivo, afectando os actos de transmissão posteriores, ainda não registados, independentemente do preenchimento dos requisitos de impugnabilidade definidos no artigo 613.º do Código Civil.
6.ª Nos termos das anteriores conclusões 4.ª e 5.ª, a acção pauliana não está sujeita a registo.
Sr. Secretário de Estado da Justiça:
Excelência:
I
Na sequência da emissão de um parecer do conselho técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, apontando no sentido da irregistabilidade da acção de impugnação pauliana (ver nota 1), e em face das preocupações feitas sentir pela Ordem dos Advogados e pela Associação Portuguesa de Bancos perante um tal entendimento doutrinário, que poderia conduzir - segundo se afirma - à inutilização prática da referida acção, dignou-se V. Ex.ª solicitar à Auditoria Jurídica o encaminhamento de um pedido de parecer a este corpo consultivo sobre essa matéria.
A Auditoria Jurídica propôs - com concordância de V. Ex.ª - que a consulta obedecesse à seguinte formulação (ver nota 2):
"As acções de impugnação pauliana, pese embora a sua natureza, integram, pelo seu objectivo, o conceito de 'restrições ao direito de propriedade' ou 'de quaisquer outros encargos, por lei, sujeitos a registo' a que se alude na alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do Registo Predial, podendo, enquanto tal, ser passíveis de registo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código?"
Cumpre, pois, emitir o solicitado parecer.
II
1 - A questão da sujeição a registo da acção de impugnação pauliana, por apelo ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial (ver nota 3), tem sido objecto de opiniões contraditórias, quer na doutrina, quer na jurisprudência, divergência que se acentuou mais recentemente através da posição adoptada pelo Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, que, tendo sido inicialmente favorável à registabilidade da acção (ver nota 4), propende actualmente para o entendimento inverso.
Uma resenha das posições que nesta sede se encontram em confronto impõe que se proceda previamente ao exame dos preceitos que regulam a impugnação pauliana em termos de descortinar os aspectos característicos da sua configuração e natureza jurídica.
2 - A matéria da impugnação pauliana é tratada no âmbito da "garantia geral das obrigações", que constitui o capítulo V, do título I, do livro II do Código Civil, e integra uma subsecção (subsecção III) da secção II desse capítulo, referente à "conservação da garantia patrimonial".
A secção I do mesmo capítulo é constituída por disposições gerais atinentes à garantia geral das obrigações (artigos 601.º a 604.º) e as restantes subsecções da secção II são dedicadas aos outros meios de conservação da garantia patrimonial, assim enunciadas: declaração de nulidade (artigo 605.º); sub-rogação do credor ou devedor (artigos 606.º a 609.º), e arresto (artigos 619.º a 622.º).
O artigo 601.º do Código Civil define, como regra, que todos os bens que constituem o património do devedor respondem pela obrigação ("Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.") (ver nota 5).
Como excepção a este critério, há que considerar os bens sujeitos ao regime da impenhorabilidade, nos termos da lei de processo (artigos 822.º e 823.º do Código de Processo Civil), e a situação de autonomia patrimonial que decorre da separação de patrimónios, salvaguardada na parte final do artigo 601.º do Código Civil. Outras limitações resultam dos artigos 602.º e 603.º: o primeiro permite que, por convenção com o credor, fique limitada a responsabilidade do devedor a certos bens; o segundo prevê a cláusula de exclusão de responsabilidade dos bens doados ou deixados pelas dívidas anteriores à liberalidade.
Assim, como princípio geral, os bens do devedor, sejam os já existentes no seu património à data de constituição da dívida, sejam os que de futuro lhe venham a pertencer, constituem uma garantia geral da obrigação, que poderá tornar-se efectiva por meio da execução, nos termos do artigo 817.º
Dispõe este preceito:
"Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo."
O n.º 1 do artigo 821.º do Código de Processo Civil confirma esta doutrina (ver nota 6), ao considerar "sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora e que, nos termos da lei substantiva (ver nota 7), respondem pela dívida exequenda".
Estão assim abrangidos pela regra da exequibilidade, os bens do devedor que, nos termos dos artigos 601.º a 603.º do Código Civil, respondem pela obrigação e que, nos termos da lei de processo (artigos 822.º e seguintes), sejam susceptíveis de penhora.
No entanto, e conforme o n.º 2 do artigo 821.º do Código de Processo Civil, "nos casos especialmente previstos podem ser penhorados bens de terceiros, desde que a execução tenha sido movida contra eles".
Esta referência a terceiros provém do regime fixado no artigo 818.º do Código Civil: "O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiros, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado."
A primeira hipótese aventada no preceito abrange situações em que tenha sido prestada fiança por terceiro ou constituída por este uma garantia real (artigos 658.º, n.º 2, 667.º, n.º 2, e 686.º do Código Civil). A segunda parte da norma refere-se ao caso de ter sido deduzida pelo credor a impugnação pauliana contra acto do devedor que tenha implicado uma diminuição da garantia patrimonial do crédito.
A doutrina desta parte final do preceito deve ser conjugada com o regime do n.º 1 do artigo 616.º, segundo o qual, "julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei".
O que a norma explicita é, pois, que não é necessária a entrada de bens no património do alienante para aí serem executados. Pode mover-se logo a execução contra o adquirente dos mesmos bens (ver nota 8).
3 - Como se observou já, e resulta da inserção sistemática do instituto, a acção pauliana ou a impugnação pauliana é um instrumento jurídico para a tutela da garantia patrimonial contra os actos do devedor que sejam lesivos de direitos de crédito de outrem. Por via dela, o credor reage contra actos celebrados pelo devedor que afectem a consistência do crédito, diminuindo os valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601.º do Código Civil, respondem pelo cumprimento da obrigação (ver nota 9).
Reportando-se aos requisitos gerais da pauliana, o artigo 610.º do Código Civil estabelece:
"Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade."
Quanto ao requisito específico da má fé, o artigo 612.º acrescenta:
"1 - O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.
2 - Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor."
Por seu lado, o já citado artigo 616.º preceitua quanto aos efeitos da impugnação pauliana em relação ao credor:
"Artigo 616.º
Efeitos em relação ao credor
1 - Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
2 - O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor.
3 - O adquirente de boa fé responde só na medida do seu enriquecimento.
4 - Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido."
4 - Como se depreende do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 610.º, são dois os requisitos gerais exigidos para a instauração da acção pauliana (ver nota 10):
a) A anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado, ou, tratando-se de crédito posterior a esse acto, a actuação dolosa do devedor, com o fim de prejudicar a satisfação do direito de crédito por parte do credor (o que poderá designar-se como fraude preordenada) (ver nota 11) (ver nota 12);
b) A ocorrência de prejuízo para a garantia patrimonial do credor, traduzido numa impossibilidade, ou agravamento da impossibilidade, de satisfação do crédito (ver nota 13).
Ao lado dos dois indicados requisitos de ordem geral, um outro elemento exige a lei relativamente a actos a título oneroso: a má fé.
Como prescreve o artigo 612.º, se o acto for gratuito, a impugnação pauliana procede sempre, ainda que o credor e o devedor tenham agido de boa fé; sendo o acto oneroso, a impugnação só é legítima se um e outro tiverem agido de má fé.
A diversidade de regimes, que provém já do Código Civil de 1867 (artigos 1034.º e 1035.º), nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, explica-se do seguinte modo: "sendo o acto gratuito, há sempre prejuízo para o credor, e prejuízo injustificável, porque quem procura interesses (certat de lucro capiendo, como diziam as fontes romanas) deve ceder a quem procura evitar prejuízos (certat de damno vitando): nemo liberalis certat nisi liberatus; sendo acto oneroso, em tese geral, não há prejuízo para o credor, porque à prestação cedida há-de corresponder, por conceito, uma prestação de valor equivalente. Deve, portanto, exigir-se mais alguma coisa. E essa mais alguma coisa é a má fé (ver nota 14) (ver nota 15)."
5 - Para concluir este breve esboço da acção pauliana, cabe ainda uma referência aos efeitos da procedência da acção em relação ao credor, a que se reporta o já transcrito artigo 616.º
Tem particular relevo para a caracterização da impugnação pauliana, o que dispõem os n.os 1 e 4 desse artigo. O primeiro atribui ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, especialmente para o efeito de poder praticar os actos de conservação da garantia patrimonial e de exercer o direito de execução sobre esses bens. O segundo, restringe os efeitos da impugnação ao credor que a tenha requerido, impedindo que quaisquer outros credores possam exercer os seus direitos sobre esses mesmos bens.
Deste regime resulta, como sublinha a generalidade da doutrina (ver nota 16), duas ordens de consequências: sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, "mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse" (ver nota 17); operando a impugnação apenas em relação ao credor impugnante, isso significa que não ocorre uma restituição efectiva dos bens ao património do alienante, mas apenas a relativa ineficácia de alienação para efeito do credor impugnante executar os bens alienados como se eles nunca tivessem saído do património do credor.
Não era esta a doutrina que derivava do artigo 1044.º do Código de Seabra, em que se consagrava a seguinte regra: "rescindido o acto ou contrato, revertem os bens alienados ao cúmulo dos bens do devedor, em benefício dos credores".
Em face da solução preconizada nesse preceito, e especialmente atendendo ao facto de os bens alienados, quando a acção fosse julgada procedente, regressarem ao património do devedor, para aí serem executados por todos os credores, alguns autores qualificavam a impugnação pauliana como acção anulatória (ver nota 18) e outros como acção revogatória ou rescisória (ver nota 19).
Estas concepções não transitaram para o novo Código Civil, em que o legislador através dos preceitos atrás aludidos, optou por acolher a orientação que nos trabalhos preparatórios havia sido defendida e proposta por Vaz Serra (ver nota 20).
Sustentou este eminente civilista, no estudo já anteriormente citado (ver nota 21), que a impugnação pauliana não deveria ter por efeito a anulação ou a resolução das alienações feitas pelo devedor em prejuízo dos seus credores. Ela consiste antes numa acção pessoal destinada a fazer valer apenas um direito de crédito do autor.
"O acto contra o qual esta acção se dirige não é nulo, mas válido, pois não tem qualquer vício interno que impeça a sua validade. Os credores só podem impugná-lo contra aqueles que, em consequência da má fé ou do locupletamento, podem dizer-se responsáveis para com eles - e isto é incompatível com a nulidade (ver nota 22)."
"Poderia, deste modo, dizer-se, ao referir os efeitos da acção, que esta tem como efeito ser o réu condenado a restituir ao credor aquilo que, em consequência do acto impugnado, saiu do património do devedor, na medida exigida pelo interesse do mesmo credor (ou até onde for preciso para a satisfação do seu crédito). Para evitar dúvidas esclarecer-se-ia que os bens não têm de sair do património do réu (ver nota 20)."
Vaz Serra retomou este tema em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Outubro de 1977, publicada na Revista de Legislação e de Jurisprudência (ver nota 24), em que afirmou:
"Se fosse uma acção de anulação (ou, como alguns preferem dizer, uma acção real) o seu resultado seria a anulação do acto impugnado, de sorte que se destruiriam, com eficácia real, isto é, erga omnes, os efeitos, mesmo passados. O que não pode ser. O exercício da acção está subordinado a requisitos (má fé locupletamento) que repelem aquele resultado. Se, por exemplo, o comprador vende de novo a coisa a terceiro, este só pode ser accionado no caso de má fé: a sua compra não cai, portanto, só porque cai a primeira, o que é justo, pois não há motivo para tratar o segundo comprador pior que o primeiro.
A acção pauliana é dada aos credores somente para obterem, contra terceiro, que procedeu de má fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na acção exerce contra o réu um direito de crédito, o crédito de eliminação daquele prejuízo."
6 - Ainda no intuito de definir com precisão a natureza jurídica da acção pauliana, convirá realçar alguns dos seus aspectos distintivos relativamente a outros meios de conservação da garantia patrimonial.
Atente-se no que escreve, a este propósito, Henrique Mesquita (ver nota 25):
"Se o devedor praticar um acto nulo, qualquer credor, desde que nisso tenha interesse, pode, nos termos do n.º 1 do artigo 605.º, arguir a nulidade, quer o acto seja anterior quer posterior à constituição do crédito, e não se tornando sequer necessário que produza ou agrave a insolvência do devedor. A declaração da nulidade aproveita, naturalmente, não só ao credor que a tenha invocado, como a todos os demais (n.º 2 do mesmo preceito).
Se o devedor, diversamente, se abstiver de exercer contra terceiros direitos de conteúdo patrimonial, poderá qualquer credor fazê-lo, nos termos do artigo 606.º, através da chamada acção sub-rogatória, quando isso seja essencial à satisfação ou garantia do seu direito. A sub-rogação só não é admitida quando se trate de direitos que, por sua própria natureza ou disposição da lei, apenas possam ser exercidos pelo respectivo titular.
Podem ainda os credores, quando tenham justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, requerer, nos termos da lei de processo, a providência cautelar do arresto (artigo 619.º).
E podem também, nos termos que já referimos sumariamente, recorrer à acção pauliana.
Este meio de defesa, porém, não se destina a reagir contra negócios nulos, como sucede na hipótese do artigo 605.º, nem contra a inércia ou passividade do devedor, como sucede nos casos a que se aplica a acção sub-rogatória (ver nota 26).
Destina-se, sim, a reagir contra actos positivos do devedor que não enfermam de qualquer vício interno, mas que causam prejuízo aos credores.
Trata-se, portanto, de uma acção de responsabilidade ou indemnizatória, não podendo os bens ou direitos adquiridos pelo terceiro ser atingidos se não na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor impugnante.
Precisamente porque é este o fim da acção pauliana, a lei permite que o credor execute os bens (alienados pelo devedor) no património do terceiro adquirente ( artigo 616.º, n.º 1) e estabelece que 'os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido' (n.º 4 do mesmo preceito) (ver nota 27)."
Um traço comum à declaração de nulidade e à sub-rogação permite distinguir estes dois institutos da acção pauliana: a procedência da acção anulatória ou sub-rogatória determina a entrada dos bens no património do devedor, tendo como consequência que estes possam ser executados em benefício de todos os credores (artigos 605.º, n.º 2, e 609.º).
Diversa é a solução consignada para a impugnação pauliana - como se viu -, em que os bens não regressam ao património do devedor, continuando antes no património do adquirente onde podem ser executados a requerimento e no interesse do credor impugnante.
III
Em face do regime legal sucintamente exposto, parece não oferecer dúvida que a acção pauliana reveste um carácter vincadamente pessoal (ver nota 28).
A sua procedência não afecta a validade dos actos de alienação realizados pelo devedor e apenas confere ao credor impugnante, no plano obrigacional, e com fundamento na má fé (tratando-se de negócios onerosos) ou no locupletamento (tratando-se de negócios gratuitos), o direito de obter do terceiro adquirente, à custa dos bens que adquiriu, a quantia necessária à satisfação do crédito (ver nota 29).
Por isso se diz que a acção pauliana se funda numa relação obrigacional: o autor da acção exerce contra o réu um direito obrigacional de restituição. A restituição, entendida aqui em sentido lato (ver nota 30), opera até um certo limite (o necessário ao ressarcimento do prejuízo do credor) e não se efectua sempre da mesma maneira, podendo consistir no pagamento de uma indemnização, como na hipótese considerada no artigo 616.º, n.º 2, do Código Civil (ver nota 31).
O impugnante é - sublinha ainda Henrique Mesquita - o "titular de um direito de crédito - o direito à restituição de determinado valor - perante o terceiro a quem o devedor alienou os bens, não podendo pôr em causa a validade do negócio de alienação, nem invocar qualquer direito real sobre os bens alienados" (ver nota 32)
Isso porque o direito à restituição dos bens de que fala o n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil, apenas acarreta as consequências que se encontram referidas na parte final desse preceito: a possibilidade de execução no património do obrigado à restituição, e a de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial. Não significa que os bens alienados regressem juridicamente ao património do devedor. Significa apenas que tais bens, apesar de terem deixado de pertencer ao devedor, podem ser executados pelo credor impugnante, em virtude de responsabilidade a que a lei sujeita o terceiro adquirente que agiu com má fé ou se locupletou (ver nota 33).
A procedência da impugnação pauliana não implica, por conseguinte, a extinção do direito real adquirido pelo terceiro, nem tão-pouco a sua modificação (ver nota 34). Não se trata, pois, de uma acção de anulação ou de uma acção real.
IV
1 - É precisamente com base na natureza jurídica da impugnação pauliana - acção pessoal com escopo indemnizatório, e não acção de declaração de nulidade ou de anulação - que Henrique Mesquita,
tendo em consideração o que dispõe o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial (CRP), sustenta a não registabilidade da acção (ver nota 35).
É o momento, pois, de trazer à colação as normas do CRP que interessam a um adequado enquadramento jurídico da questão que é suscitada.
O artigo 2.º do CRP enumera os factos sujeitos a registo, incluindo entre estes: "Os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão" [alínea a)] e "Quaisquer outras restrições ao direito de propriedade e quaisquer outros encargos sujeitos, por lei, a registo" [alínea u)].
O artigo 3.º, por seu turno, reporta-se às acções e decisões sujeitas a registo, estabelecendo o seguinte:
"Artigo 3.º
Acções e decisões sujeitas a registo
1 - Estão igualmente sujeitas a registo:
a) As acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a modificação ou a extinção de alguns dos direitos referidos no artigo anterior;
b) As acções que tenham por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade ou a anulação de um registo ou do seu cancelamento;
c) As decisões finais das acções referidas nas alíneas anteriores, logo que transitem em julgado.
2 - As acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência.
3 - Sem prejuízo da impugnação do despacho do conservador, se o registo for recusado com fundamento em que a acção a ele não está sujeita, a recusa faz cessar a suspensão da instância a que se refere o número anterior (ver nota 36)."
Poderá ainda revestir-se de algum interesse para o tema que nos ocupa a norma do artigo 8.º do mesmo Código, que se encontra assim redigida:
"Artigo 8.º
Impugnação dos factos registados
1 - Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo.
2 - Não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior."
2 - A dúvida que se coloca no âmbito da consulta é a de saber se a acção de impugnação pauliana visa imediata ou mediatamente a constituição a modificação ou a extinção de alguns dos direitos reais ou direitos equiparados a que se reportam os factos jurídicos que, nos termos do artigo 2.º do CRP, devam ser objecto de inscrição.
De entre a panóplia de factos que são passíveis de registo, de harmonia com essa disposição, os únicos que poderiam correlacionar-se com a acção pauliana, segundo a própria delimitação objectiva que é efectuada no pedido de parecer (ver nota 37), seriam os previstos nas alíneas a) e u) do n.º 1 daquele normativo.
Poderia conceber-se que a propositura de acção pauliana, ou mais propriamente a sua procedência, viesse a interferir com o direito de propriedade constituído a favor de terceiro através do acto impugnado, implicando porventura a modificação ou, de algum modo, uma restrição a esse direito.
Henrique Mesquita, aceitando de plano que a acção pauliana não está, de jure constituto, sujeita a registo, por se destinar apenas a fazer valer um direito de crédito do demandante contra o demandado, não deixa de reconhecer o interesse prático que o registo da acção, se tivesse lugar, poderia revestir para o impugnante.
Para melhor explicitar o pensamento do autor, retornemos às suas palavras no local já anteriormente citado (ver nota 38):
"Se, através da impugnação pauliana, o credor pretender apenas, como nesta última hipótese, o pagamento de uma indemnização (ver nota 39), o registo da acção não faz qualquer sentido e será de todo inviável, pois a pretensão do autor não tem por objecto bens certos e determinados a que o registo possa reportar-se.
Mas se, diversamente, a impugnação pauliana, como sucedia no caso decidido pelo acórdão que anotamos, visar a satisfação de um direito de crédito mediante a execução de bens imóveis que foram alienados pelo devedor, o registo da acção não só é materialmente possível, como se revestirá de interesse prático para o impugnante.
Com efeito, registando a acção, o autor fica resguardado contra uma eventual alienação que o réu faça na pendência do pleito, porque a decisão que puser termo ao litígio produzirá efeitos não só inter partes, mas também contra aquele ou aqueles a quem os bens forem entretanto transmitidos.
Sem o registo da acção, o impugnante que obtenha ganho de causa, se quiser reagir contra uma nova alienação dos bens que seja entretanto realizada pelo réu a quem o devedor os transmitiu, só poderá fazê-lo pela via de uma nova acção pauliana, na qual terá de alegar e provar os pressupostos de que depende a respectiva procedência (v. o artigo 613.º do Código Civil).
Mediante o registo poderá exercer o seu direito de crédito directa e imediatamente contra eventuais subadquirentes, porque a sentença também os atinge."
Por ser assim é que - como anota o mesmo autor - Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do Código Civil, propôs a introdução no diploma relativo ao registo predial de uma regra do seguinte teor:
"A acção pauliana deve ser registada quando se referir a bens para que haja registo e tiver por objecto actos sujeitos a registo [...] (ver nota 40)."
Henrique Mesquita recusa, pois, a registabilidade da acção pauliana, não porque o registo, ao menos em certos casos, não pudesse ser necessário para acautelar os interesses do credor, mas porque o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP exclui essa possibilidade, ao restringir o objecto da inscrição registal, no que às acções concerne, àquelas que "tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção" de direitos reais ou de direitos equiparados.
Na posição diametralmente oposta está Menezes Cordeiro. Reflectindo sobre este tema numa anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1991, pronuncia-se nos seguintes termos (ver nota 41):
"[...] II - Na realidade, como explicava Paulo Cunha, em texto acima transcrito (ver nota x), o acto atacado pela pauliana é, em si, totalmente válido. O devedor, por sobrecarregado que se encontre, não perde a disponibilidade dos seus bens. O que não pode é, conscientemente, com má fé ou, em certos casos, com dolo, prejudicar os credores. Por isso, o acto impugnado com êxito mantém-se válido e eficaz. Apenas incorre num certo enfraquecimento: os bens transmitidos respondem pelas dívidas do alienante, na medida do interesse do credor. Fala-se, assim, de uma ineficácia em relação ao credor, ineficácia essa que traduz a natureza meramente relativa ou creditícia do direito à restituição: apenas o impugnante a pode questionar; no entanto, se o fizer com êxito, todos os credores podem concorrer.
III - Esta realidade tem reflexos naturais a nível do registo predial. A acção pauliana e a eventual sentença que lhe dê guarida deve, nos termos gerais, ser registada. Tal registo, no entanto, não prejudica em nada os registos das transmissões anteriores e, designadamente, o da transmissão impugnada.
Tais registos permanecem válidos e eficazes. Apenas ficam acompanhados pela inscrição da pauliana, de modo a que a publicidade registal dê a conhecer ao público a precisa situação dos bens. A inscrição da pauliana especificará o título que lhe serve de base - a sentença - e o montante e demais características essenciais dos débitos que a justifiquem."
No sentido da registabilidade da acção pauliana se manifesta Catarino Nunes (ver nota 42), ainda que sem qualquer explicitação argumentativa, assim como Mouteira Guerreiro (ver nota 43). Este último autor esclarece que, em princípio, apenas devem ser registadas as acções reais, incluindo-se entre estas as declarativas (em que se pretende obter o reconhecimento do direito real) e as condenatórias. No desenvolvimento desse tema, ao especificar as situações em que pode haver lugar a registo da acção, Mouteira Guerreiro considera que a impugnação pauliana é registável, ainda que não tome posição sobre se essa acção se compreende entre as ditas acções reais (ver nota 44).
3 - Também na jurisprudência é conhecida alguma oscilação quanto à questão de registabilidade da acção pauliana, embora possa considerar-se existir uma corrente maioritária no sentido favorável ao registo da acção.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 28 de Fevereiro de 1999 (ver nota 45), bem como no Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 1995 (o mesmo que foi objecto de anotação discordante de Henrique Mesquita) (ver nota 46), decidiu-se que a acção pauliana é registável, para se concluir, todavia, que tal registo não prejudica os registos das anteriores transmissões, incluindo o da transmissão impugnada.
Neste último aresto, que mais desenvolvidamente tratou a questão, argumenta-se nos seguintes termos:
"Quanto à natureza da acção pauliana, cujos efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido (n.º 6 do artigo 616.º), atento o seu regime, entende-se ser uma acção pessoal, por meio da qual se faz valer um direito de crédito do autor: 'o direito à eliminação do prejuízo causado pelo acto ou do restabelecimento da possibilidade de satisfação sobre os bens objecto desse acto" (Vaz Serra, ob. cit. p. 286). Não é uma acção de nulidade. O acto contra o qual se dirige a acção não é nulo mas válido, sem vício interno que impeça a sua validade.
Conserva a sua validade entre as partes, bem como a eficácia de produzir a transferência da propriedade. A impugnação aproveita, apenas ao credor que a tenha requerido e cessa logo que o crédito se mostre pago ou extinto por qualquer dos meios extintivos admitidos. Por isso, os bens só devem sair do património do adquirente, por forma compulsiva, em consequência da execução. O remanescente, se o houver, continuará a pertencer ao adquirente e não ao devedor (ver nota x).
Para designar a mesma situação se faz apelo à ineficácia meramente relativa (em relação ao credor) e na medida do interesse do mesmo credor, produzindo efeitos em todas as outras direcções (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 1991, Revista da Ordem dos Advogados, ano 51.º, pp. 525 e segs.); Menezes Cordeiro, na mesma Revista em anotação àquele acórdão, pp. 548 e segs.).
No parecer citado também se afirma que a acção pauliana é 'uma acção de responsabilidade ou indemnizatória, não podendo os bens ou direitos adquiridos pelo terceiro ser atingidos senão na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo impugnante' e que, por consequência, 'o regime legal vigente não deixa, pois, a menor dúvida de que se trata de uma acção pessoal com escopo indemnizatório', assim 'não de uma acção declaratória de nulidade ou de anulação'.
Toda a situação descrita tem reflexos ao nível do registo, podendo ler-se em Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 967: 'a acção pauliana e a eventual sentença devem ser registadas'. Tal registo, no entanto, não prejudica em nada os registos das transmissões anteriores e, designadamente, o da transmissão impugnada. Os registos permanecem válidos e eficazes. Apenas ficam acompanhados pela inscrição pauliana."
Também nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Março de 1996 (ver nota 47) e 18 de Fevereiro de 1999 (ver nota 48) e da Relação de Évora de 17 de Junho de 1999 (ver nota 49), se considera, sem tratar ex professo a questão, que a acção pauliana se encontra sujeita a registo(ver nota 50).
Em sentido contrário, pronunciou-se, porém, o Acórdão da Relação do Porto de 25 de Maio de 2000 (ver nota 51), em que se tiraram as seguintes conclusões:
I) A impugnação pauliana é uma acção pessoal com escopo indemnizatório - e não uma acção de declaração de nulidade ou de anulação - cuja procedência não afecta a validade dos actos de alienação realizados pelo devedor e apenas confere ao credor impugnante o direito de obter do terceiro adquirente à custa dos bens que adquiriu, a quantia necessária à satisfação do crédito;
II) A impugnação pauliana não cabe no elenco das acções que a lei sujeita a registo.
4 - Um aspecto que ressalta na apontada jurisprudência é o entendimento unânime quanto à natureza jurídica da acção pauliana. Indepentemente da solução que adoptem relativamente ao carácter registável ou não registável da acção, todos os arestos propendem a considerar que esta se caracteriza como uma acção pessoal com escopo indemnizatório.
Para uns - na esteira do entendimento de Henrique Mesquita -, essa circunstância é suficiente para arredar a possibilidade da inscrição registal, visto que esta é apenas admissível em relação às acções que tenham por fim, imediata ou mediatamente o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de um direito real ou equiparado.
Para outros, a relativa ineficácia do acto impugnado em relação ao credor, que resulta da procedência de acção pauliana, é condição bastante para que a acção se torne sujeita a registo.
O debate reconduz-se pois àquelas duas posições doutrinárias que são patrocinadas por Henrique Mesquita e Menezes Cordeiro.
5 - Esta dicotomia está também presente nos pareceres contraditórios do conselho técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.
O parecer de 16 de Janeiro de 1986, reconhecendo embora o carácter pessoal da impugnação, que se afirma especialmente no artigo 616.º, n.os 1 e 4, do Código Civil, coloca o acento tónico no efeito relativo da acção pauliana, traduzido na circunstância de o negócio impugnado, apesar de válido, se considerar ineficaz em face do credor, e na medida do seu interesse. Esse efeito só se torna público e, como tal, oponível a terceiros, através do registo. Daí que o parecer sustente que "a acção pauliana deve ser registada quando tiver por objecto actos sujeitos a registo sobre determinados imóveis".
O parecer de 27 de Maio de 1998, pelo contrário, sublinha o carácter pessoal da pauliana e os efeitos meramente obrigacionais que da respectiva procedência resultam, para concluir que a acção não cabe no elenco previsto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
A sentença a proferir - argumenta-se - possui mera eficácia inter partes e não afecta, por conseguinte, os eventuais subadquirentes, relativamente aos quais o credor só poderá exercer o direito de restituição em acção adrede intentada contra eles dentro do condicionalismo definido no artigo 613.º do Código Civil.
O mesmo parecer exclui, por outro lado, que, na ausência de disposição legal que determine a sujeição a registo, este possa justificar-se apenas por razões que se prendam com a necessidade de dar a conhecer ao público a situação precisa dos bens.
6 - Num ponto parece subsistir um amplo consenso, embora se refira a questão colateral relativamente à problemática da consulta: é quanto à inidoneidade da formulação, no âmbito da acção pauliana, do pedido de cancelamento do registo da aquisição emergente do acto impugnado.
Essa é - como todos convêm em considerar - uma inevitável consequência da apontada caracterização da impugnação pauliana como uma "mera acção pessoal com escopo indemnizatório".
O artigo 8.º do CRP determina que "os factos comprovados por registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo (n.º 1), cominando com o não seguimento, após os articulados, as acções em que não tenha sido deduzido o competente pedido de cancelamento do registo (n.º 2).
Em obediência ao preceituado neste dispositivo, a providência judiciária que venha a pôr em causa a relação transmissória não pode prosseguir sem que antes o autor tenha requerido no processo o cancelamento da inscrição de aquisição que haja sido efectuada a favor do réu. É uma exigência do princípio do trato sucessivo a que se reporta o artigo 34.º do mesmo Código.
Desde que, porém, se considere que a impugnação pauliana tem apenas aquela finalidade indemnizatória e não assume, como tal, a natureza de acção de declaração de nulidade ou de anulação, ou de acção resolutória ou rescisória dos negócios celebrados pelo devedor, não tem cabimento suscitar a questão do cancelamento do registo feito a favor de terceiro adquirente.
Com efeito, uma vez que o acto impugnado não enferma de qualquer vício interno - apesar de poder ter dado causa a prejuízos para o credor, justificando o recurso à acção pauliana -, a procedência desta acção, tendo consequências práticas no plano da satisfação do crédito do impugnante, deixa, contudo, incólume quer o acto impugnado quer o registo efectuado em nome do adquirente.
Mantendo-se válidos os negócios de alienação realizados pelo devedor em prejuízo dos seus credores, a transmissão por via executiva dos bens, na sequência de uma impugnação pauliana julgada procedente, operar-se-ia do terceiro a favor de quem o devedor os alienou para o novo adquirente, não implicando assim uma qualquer derrogação do princípio do trato sucessivo (ver nota 52) (ver nota 53).
E isto é assim, mesmo que se entenda que a acção pauliana de jure condito deve estar sujeita a registo, porquanto, nesse caso, o registo funcionará como um mero requisito de oponibilidade da sentença procedente em relação às transmissões posteriormente efectuadas.
A convergência da doutrina e da jurisprudência relativamente a esta matéria (ver nota 54) vem em reforço da natureza pessoal ou meramente obrigacional da acção pauliana, sem solucionar, contudo, o aspecto fulcral que se encontra submetido à apreciação deste Conselho, que é o de saber se a acção pauliana, não obstante essa sua característica, preenche ou não requisitos previstos no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
V
Afigura-se prematuro tomar posição sobre qualquer das teses em confronto sem antes convocar alguns elementos legislativos e doutrinários que, permitindo identificar os fins e os princípios estruturantes do registo predial, possam, de algum modo, fornecer um contributo para a compreensão do critério que, no tocante ao registo das acções, está subjacente à citada norma do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
Ainda recentemente este corpo consultivo teve oportunidade de analisar as características gerais do sistema de registo predial português e os princípios basilares a que esse sistema se encontra subordinado, em termos que se revestem da maior utilidade para a temática da consulta, na perspectiva em que nos pretendemos agora colocar (ver nota 55).
Escreveu-se nesse parecer:
"[...]
III
1 - O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário - dispõe o artigo 1.º do Código do Registo Predial (CRP) (ver nota x).
A enunciação da função assinalada revela o programa do sistema de registo predial e a indicação dos seus fins e princípios estruturantes.
O registo público, categoria em que se integra o registo predial, pode definir-se como 'o assento efectuado por um oficial público e constante de livros públicos, do livre conhecimento, directo ou indirecto, por todos os interessados, no qual se atestam factos jurídicos conformes com a lei e respeitantes a uma pessoa ou a uma coisa, factos entre si conectados pela referência a um assento considerado principal, de modo a assegurar o conhecimento por terceiros da respectiva situação jurídica, e do qual a lei faz derivar, como efeitos mínimos, a presunção do seu conhecimento e a capacidade probatória' (ver nota x1).
O registo predial constitui uma instituição pública que visa a segurança do tráfico jurídico sobre imóveis, através da publicidade registral imobiliária relativamente a uma série de factos enumerados especificamente na lei - os factos sujeitos a registo previstos no artigo 2.º e as acções indicadas no artigo 3.º do CRP.
A instituição do registo predial prossegue fins de natureza privada e de interesse público.
Prossegue fins de natureza privada, garantindo a segurança no campo dos direitos privados, especificamente no campo dos direitos com eficácia real (segurança do comércio jurídico imobiliário no seu conjunto), facilitação do tráfico e intercâmbio dos bens e do crédito e garantia do cumprimento da função social da propriedade (ver nota x2).
A instituição do registo predial revela e prossegue também o interesse público que é inerente aos princípios da certeza do direito, da defesa de terceiros, da segurança do comércio jurídico e a própria necessidade (de natureza pública) de o registo não se encontrar desactualizado face ao cadastro (ver nota x3).
O registo concretiza-se através de um serviço público organizado em repartições com competência territorial específica: as conservatórias do registo predial.
2 - A doutrina do registo predial tem elaborado um certo número de princípios estruturantes que comandam o sistema de registo e têm tradução no modo como a lei organizou o registo predial, estabeleceu a sua disciplina, considerou o seu valor e fixou os respectivos efeitos: os princípios da instância, da legalidade, da tipicídade, do trato sucessivo, da prioridade e da fé pública (ver nota x4).
O princípio da instância, acolhido nos artigos 41.º e 42.º do CRP, significa que, salvo os casos especialmente previstos na lei, o registo não se efectua oficiosamente, mas a pedido dos interessados.
O sistema nacional, em que os órgãos públicos não detêm a iniciativa de harmonizar a realidade do direito substantivo com a realidade regitral ou tabular, confia na iniciativa dos particulares interessados que, nos casos normais, constitui um modo suficiente de realizar (ou promover a realização) dos fins do instituto.
O princípio da legalidade, definido e concretizado no artigo 68.º do CRP (ver nota x5), significa que o conservador está estritamente vinculado à lei, devendo apreciar substancialmente a viabilidade do pedido de registo, verificando quatro elementos ou pressupostos fundamentais: a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos (ver nota x6).
Por isso, o conservador, vinculado a um princípio de legalidade substancial, deve, no caso de se não verificarem os pressupostos de legalidade, ou recusar o registo nas circunstâncias enumeradas no artigo 69.º (ver nota x7) ou realizá-lo provisoriamente, por dúvidas, nos restantes casos (ver nota x8).
O princípio da legalidade tem a sua contrapartida na responsabilidade em que incorre quem fizer registar acto falso ou juridicamente inexistente (artigo 153.º do CRP) (ver nota x9).
O princípio da tipicidade significa que os factos sujeitos a registo estão expressamente enumerados na lei - artigos 2.º e 3.º do CRP. A subordinação ao sistema de numerus clausus, tradicional na construção do sistema nacional de registo predial, corresponde, de certo modo, ao sistema substantivo no que respeita à constituição dos direitos reais.
O princípio do trato sucessivo pretende assegurar a continuidade do registo, e garantir a quem possui uma inscrição de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido a certeza de que não pode haver nova inscrição definitiva lavrada sem a sua intervenção.
Trato sucessivo é sinal de encadeamento de inscrições de titulares do direito. Semelhante princípio 'tem por objecto manter a ordem regular dos titulares registrais sucessivos, de maneira que todos os actos dispositivos tomem um encadeamento perfeito, aparecendo registados como se derivassem uns dos outros sem solução de continuidade' (ver nota x10).
Através da continuidade, o princípio garante a certeza da história da situação jurídica da coisa desde o início (descrição), até ao momento de cada novo acto de registo, exigindo e traduzindo um nexo ininterrupto de continuidade entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre a coisa.
O princípio tem consagração expressa no artigo 34.º, n.os 1 e 2 do CRP (ver nota x11). Contempla, assim, tanto o ingresso no registo, como o que tipicamente constitui trato sucessivo, a continuidade do registo com a garantia que lhe é inerente.
Porém, mesmo neste entendimento que a lei consagra e que revela grande amplitude, só estará abrangida dentro da noção de trato sucessivo a coerência registral entre as várias inscrições que se sucedem relativamente a cada prédio (ver nota x12).
O princípio da prioridade, consagrado no artigo 6.º do CRP (ver nota x13), estabelece a prevalência do direito inscrito em primeiro lugar sobre os que se lhe seguirem com referência aos mesmos bens. A prevalência dá-se em relação aos direitos inscritos em primeiro lugar sobre os que, por ordem da data do respectivo registo, se Ihes seguirem relativamente aos mesmos bens.
A prioridade do registo determina, assim, ou a exclusão do direito posteriormente registado quando se trate de direitos incompatíveis (a transmissão, por exemplo, do direito de propriedade que determine uma cadeia que, partindo de um ponto, segue duas linhas divergentes que nunca se encontram), ou a prioridade de graduação (um direito é graduado à frente de outro) nos casos em que se não excluem mutuamente.
A prioridade tem uma importância fundamental no sistema de registo predial: pode determinar seja o total afastamento das consequências e dos efeitos de inscrições posteriores, seja o grau de preferências que as há-de regular (ver nota x14).
O princípio da fé pública, inscrito no artigo 7.º do CRP (ver nota x15) traduz o valor pressuposto e inerente à publicidade do registo: uma presunção de verdade ou de exactidão do registo que constitui um outro modo de compreensão do principal dos efeitos substantivos do registo predial (ver nota x16).
3 - A protecção conferida pelo registo traduz-se, assim, no sistema nacional se registo predial, por um lado, numa presunção de que o direito existe e, por outro, de que pertence ao titular nos precisos termos em que o registo o define.
A presunção derivada do registo respeita tanto aos factos inscritos, como às situações jurídicas decorrentes.
A presunção é ilidível, juris tantum, mas, como presunção legal, apenas nos termos e segundo os pressupostos regulados na lei.
Nos termos do artigo 8.º do CRP, 'os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo', n.º 1, e 'não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior', n.º 2. E para se provar que deve ser cancelado terá que se demonstrar que é nulo - o que só pode acontecer nos casos directamente previstos na lei.
Por isso, reconhece a doutrina que a ilisão da presunção pode não ser fácil (ver nota x17).
Além disso, o ónus da prova está sempre invertido: quem obteve o registo a seu favor nunca necessitará de provar que o direito lhe pertence. 'É que o registo, inscrevendo factos, publicita direitos; e publicita-os da forma precisa como nele se acham definidos. Quem quiser demonstrar o contrário é que terá o ónus de o provar.'
Esta consequência regístral de defesa do titular inscrito já foi doutrinalmente elevada à categoria de 'efeito substantivo indirecto'. É que, de facto, 'o efeito presuntivo geral consagrado no artigo 7.º [...] assume um papel de relevo na defesa material dos direitos reais'. O ónus de provar - acrescido da conhecida dificuldade da prova em matéria de direitos reais - pode, de facto, ser quase tão determinante como a própria existência do direito.
Deste modo, 'quem obtiver o registo a seu favor não tem que se preocupar na demonstração de que o direito lhe pertence. Goza de uma presunção legal de verdade que, embora juris tantum, só em raras e determinadas circunstâncias será efectivamente possível ilidir' (ver nota x18).
4 - Um outro efeito relevante do registo consiste na oponibilidade a terceiros dos direitos e ele sujeitos.
Dispõe o artigo 5.º do CRP, sob a epígrafe de 'Oponibilidade a terceiros':
'1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais a quem incumba a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes.
4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si (ver nota x19).'
Deste efeito do registo decorre que pode haver casos em que o titular aparente, que na ordem substantiva não havia adquirido (v. g., em resultado de acto nulo), se torna verdadeiro titular em consequência de se ter antecipado no registo ao titular substancialmente válido.
São os casos de aquisição em consequência do registo que pressupõem ou a inexistência de registo anterior ou a preexistência de um registo desconforme com a realidade substantiva (ver nota x20).
VI
1 - Um dos aspectos a que devemos prestar um pouco mais de atenção, face à natureza das questões que cabe dilucidar, é o que se refere ao princípio da tipicidade.
Conhecido já o sentido geral da tipicidade normativa, por via da transcrição que acaba de efectuar-se - que incluiu uma referência nos artigos 2.º e 3.º do CRP -, importa agora apurar se a enumeração dos factos e das acções sujeitas a registo constante desses dispostivos têm carácter taxativo ou meramente exemplificativo.
Como observa Oliveira Ascensão (ver nota 57), relativamente ao objecto do registo, pode distinguir-se entre o objecto da publicidade registal e o objecto da inscrição. O objecto da publicidade registal são as situações jurídicas, como se afirma no artigo 1.º do CRP. Pelo contrário, o objecto do acto de registo (inscrição ou averbamento) são as situações de facto. Inscrevem-se factos para se comprovarem direitos.
Segundo o mesmo autor, a tipificação verifica-se, não em relação aos factos a registar, mas aos direitos a que podem reportar-se os factos que se registam.
"Só estão sujeitos a registo - afirma - os factos referentes à propriedade, ao usufruto, à hipoteca, etc., bem como quaisquer outras restrições ao direito de propriedade ou outros encargos que a lei declare sujeitos ao registo predial [(alínea u)].
Há pois uma tipicidade taxativa, que só indirectamente delimita os factos a registar (ver nota 58)."
Como refere um outro autor (ver nota 59), o princípio do numerus clausus deve ser encarado sob o ângulo "não de factos jurídicos, enquanto categorias jurídicas, mas sim de factos relativos, de um modo ou de outro, às vicissitudes dos direitos reais. Como é bem de ver, passando agora a tomar-se por referência os direitos a que os factos registáveis respeitam, é manifesto que só factos com eficácia real (constitutiva, modificativa ou extintiva) podem estar sujeitos a registo. Assim, por esta via mediata, podemos dizer que só deviam estar sujeitos a registo, para além das acções contempladas no artigo 3.º, factos que interfiram com as vicissitudes dos direitos reais. Pelo que, presidindo a estes o princípio da tipicidade, poderia ainda fazer sentido falar de uma tipicidade indirecta do registo."
Um outro aspecto há a reter no que concerne à tipicidade do registo. A lei pode sujeitar a registo factos relativos a direitos inerentes, os quais podem não ter necessariamente a natureza de direitos reais (ver nota 60).
2 - Importa caracterizar um pouco mais estas duas categorias gerais de factos sujeitos a registo, por dessa especificação depender, em primeira linha, a resposta à questão de saber que tipo de acções são passíveis de registo nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
Factos jurídicos com eficácia real - como esclarece Carvalho Fernandes (ver nota 61) - são os factos que interfiram com as vicissitudes dos direitos reais. Trata-se de um qualquer "evento natural ou voluntário que tenha por efeito a constituição, aquisição, modificação, extinção ou perda do direito real ou a sua transmissão.
Não é possível estabelecer um elenco normativo de tais factos, visto que - como se referiu - o princípio da tipicidade projecta-se sobre os direitos reais e não sobre os factos que os originam ou conformam. As vicissitudes dos direitos reais poderão constituir-se por negócio jurídico (contrato ou testamento), decisão judicial (v. g., divisão de coisa comum), acto administrativo (v. g., expropriação) ou determinação da lei (v. g., caducidade, prescrição), ainda que só em certos casos se imponha uma forma exclusiva de constituição (privilégios creditórios; direito de retenção).
No que concerne ao negócio jurídico real, é comum a doutrina distinguir entre negócios reais quoad effectum (que produzem efeitos reais) e negócios reais quoad constitutionem (que implicam, para o negócio se formar validamente, a própria entrega da coisa) (ver nota 62). Poderá tratar-se de negócios unilaterais ou plurilaterais, inter vivos ou mortis causa, gratuitos ou onerosos (ver nota 63).
O negócio jurídico é o mais corrente dos factos constitutivos de direitos reais, tendo aplicação, designadamente, no que se refere à propriedade horizontal (1417.º), ao usufruto, uso e habitação (artigos 1440.º e 1485.º), ao direito de superfície (artigo 1528.º) e às servidões (artigo 1547.º), nos direitos reais de gozo, à consignação de rendimentos (artigo 668.º, n.º 2), ao penhor (artigo 667.º, n.º1) e à hipoteca (artigo 712.º), nos direitos reais de garantia, à promessa real (artigo 413.º) e à preferência real (artigo 421.º), nos direitos reais de aquisição.
No tocante, ao direito de propriedade, alguns dos modos de aquisição são enunciados no artigo 1316.º do Código Civil (ver nota 64).
Os factos modificativos dos direitos reais, por seu turno, derivam de factos jurídicos lato sensu ou da própria lei, e podem revestir diversas modalidades, incidindo tanto sobre o conteúdo do direito, como é o caso das restrições ao direito real (sujeitas a um princípio de tipicidade, nos termos do artigo 1306.º do Código Civil) (ver nota 65), como sobre o seu objecto. Entre este último tipo de modificações, podem apontar-se as benfeitorias efectuadas por terceiros (cf. artigos 1273.º a 1275.º do Código Civil), a deterioração ou perda parcial da coisa, a divisão e a acessão.
Há ainda a considerar os factos relativos à transmissão, como modalidade de modificação subjectiva dos direitos reais. Funcionam aqui os princípios gerais consignados no artigo 2024.º (ver nota 66), no tocante à sucessão mortis causa, e no artigo 1305.º, quanto à disposição do direito de propriedade (ambos do Código Civil), este considerado extensivo aos restantes institutos (ver nota 67).
São também múltiplas as causas de extinção de direitos reais, que poderão provir de fonte negocial, ou, com mais frequência, da própria lei. Para além das vicissitudes relativas ao regime de posse, poderão indicar-se, entre outras, a expropriação, a perda da coisa, a impossibilidade do exercício, o abandono, a renúncia, a prescrição, a caducidade, o não uso, a usucapio libertatis, a desnecessidade e a confusão.
Cabe por fim aludir, numa recensão genérica dos factos jurídicos com eficácia real, às limitações ao conteúdo dos direitos reais. Estas poderão ser impostas por razões de interesse público ou resultar da simples concorrência de certos interesses particulares (ver nota 68).
No primeiro caso, estão as restrições determinadas pelas mais diversas finalidades ligadas à prossecução de interesses colectivos: segurança, defesa nacional, ordenamento do território, polícia da edificação, património arquitectónico e cultural, circulação rodoviária ou ferroviária, saúde. Enquadram-se nesta hipótese a criação de zonas de protecção de instalações militares, de hospitais e de escolas, bem como das faixas costeiras ou fluviais; o jus non aedificandi em relação a áreas de reserva agrícola ou ecológica; o estabelecimento de regras urbanísticas e de construção de edifícios, e a classificação de imóveis de interesse público.
Outras manifestações desse tipo de limitação aos direitos reais são constituídas pelos institutos da expropriação por utilidade pública, da requisição e das servidões administrativas (ver nota 69).
No concernente às restrições de interesse particular, têm particular relevo as emergentes de relações de vizinhança, como são todas as mencionadas nos artigos 1346.º, 1347.º, 1351.º, 1360.º, 1365.º, 1366.º (ver nota 70), bem como as que derivam do exercício pelo proprietário do direito de escavação (artigo 1348.º), de tapagem (artigo 1356.º), de reparação ou reconstrução de parede ou muro comum (artigo 1375.º), e, em geral, as diferentes formas de servidão predial (artigos 1543.º e seguintes).
3 - Uma segunda ordem de factos sujeitos a registo é constituída - como se explicitou - pelos direitos inerentes aos bens imóveis.
A inerência é uma característica do direito real que se traduz numa ideia de íntima ligação do direito à coisa (ver nota 71). Por ser inerente a ela, o direito real muda, em geral, se passar a recair sobre coisa diversa e, em contrapartida, acompanha a coisa nas suas vicissitudes.
Para alguns autores, a inerência é um conceito-síntese que congrega diversos aspectos que recortam e identificam a figura do direito real: a inseparabilidade do direito e da coisa; a oponibilidade erga omnes do direito, e a repercussão no direito real das vicissitudes da coisa (ver nota 72) (ver nota 73).
Oliveira Ascensão, porém, destaca na categoria doutrinal da inerência um duplo significado.
Escreve a este propósito (ver nota 74):
"Nuns casos a inerência serve a afectação da própria coisa ao sujeito, para que ele possa desta maneira satisfazer através das utilidades dela as suas necessidades.
Nesses casos a situação é construída pelo direito de maneira a resultar, de um ponto de vista funcional, a afectação da própria coisa aos sujeitos. É esta a situação que nos interessa, e é então que há um direito real.
Mas há situações de sinal muito diverso. A inerência à coisa vem aí a representar a mera técnica de determinação do sujeito passivo de uma obrigação. Os sujeitos de uma obrigação podem ser mediata ou imediatamente determinados. Uma das formas de determinação mediata pode consistir na atribuição da obrigação a quem quer que seja o titular de um direito real.
Encontramos aqui a determinação propter rem, ou seja, por causa de um direito real. O devedor é quem quer que seja titular de um direito real sobre certa coisa.
O direito do credor é portanto inerente à coisa. Mas isso não significa que o direito do credor seja um direito real pois a situação não tem o significado funcional de realizar em benefício dele a afectação de uma coisa. Continua a ser mero credor, numa obrigação cujo sujeito passivo é mediatamente determinado."
As situações deste segundo tipo - conforme elucida o autor - encontram-se muito próximas da categoria dos ónus reais, de que são exemplos, o cânon superficiário (artigo 1530.º), o apanágio do cônjuge sobrevivo (artigo 2018.º), a reserva pelo doador de certa quantia sobre os bens doados (artigo 959.º), os ónus de pagamento de anuidades a que se refere o artigo 2.º, n.º 1.º, alínea s), do CRP.
Assim, uma prestação que se traduza na atribuição ao beneficiário de uma parte da colheita produzida num certo prédio rústico pode constituir um mero direito de crédito se consistir numa prestação fixa, correspondente a uma dada soma de dinheiro, que se torne independente da efectiva exploração da coisa, ou num direito real se for antes concebida como uma percentagem dos frutos da terra, implicando que o credor participe nas vantagens da coisa".
Oliveira Ascensão conclui, deste modo, que um direito inerente a uma coisa pode não ser necessariamente um direito real. Assim se compreende, também, que certos direitos pessoais se encontrem sujeitos a registo. Trata-se de situações em que o sujeito passivo do acto é determinável indirectamente através da titularidade de um direito real, e que, por isso, se podem afirmar como inerentes às coisas (ver nota 75) (ver nota 76).
4 - Assentando em que os factos sujeitos a registo poderão ser, de um lado, os factos com eficácia real - constitutivos, modificativos, extintivos ou transmissivos de direitos reais -, e, de outro, factos relativos a direitos inerentes, é de excluir, à partida, que o direito do credor impugnante, resultante da procedência da acção pauliana, possa compreender-se entre aquele primeiro tipo de situações.
Na verdade, dado o carácter pessoal que vem sendo reconhecido à impugnação pauliana, e que lhe advém da invocada circunstância de o direito à restituição dos bens, caso proceda a acção, se definir como um verdadeiro direito creditício, parece insustentável defender que a acção pauliana produz um efeito real (ver nota 78).
Poderia, todavia, ainda, discutir-se se o direito do credor de executar judicialmente o património do devedor poderia configurar-se como um direito real de garantia.
Alguns autores manifestaram-se já em sentido afirmativo (ver nota 79). Como refere Penha Gonçalves, essa construção tem o seu suporte lógico na teoria do débito e da responsabilidade (Schuld und Haftung), elaborada a partir dos fins do século passado sob a inspiração do antigo direito alemão, e assenta numa concepção complexa da relação obrigacional, que seria integrada por dois elementos de diferente natureza jurídica: por um lado, o elemento obrigacional propriamente dito, ou seja, o dever de prestar por parte do devedor (débito) e, por outro, a sujeição dos bens do devedor (ou de terceiro) ao direito de execução do credor (responsabilidade).
No entanto, essa doutrina não tem tido repercussão no quadro do nosso direito constituído, em que a execução, pelo credor, do património do devedor que não cumpriu, continua a apresentar-se como um meio (embora coactivo) de realização da prestação devida e consequente cumprimento da obrigação (artigo 817.º) (ver nota 80).
Comungando deste entendimento, o autor acabado de citar considera que "a acção pauliana, sendo como é, um dos meios de conservação da garantia patrimonial, posta, pela lei, à disposição do credor, por isso mesmo e também, pelos requisitos que condicionam a sua utilização (artigos 610.º e 612.º), pelos efeitos da sua eventual procedência (artigo 616.º) e prazo de caducidade a que está sujeita (artigo 618.º), nenhuma relação tem com a oponibilidade (sequela), enquanto característica essencial dos direitos reais" (ver nota 81).
Por tudo - e como se explicitou -, o direito do credor impugnante integra-se na categoria doutrinal de direito creditício, pelo que, para efeito do eventual registo da correspondente acção, não poderá fazer-se valer uma pretensa situação jurídica com eficácia real.
5 - Tomando por base, porém, o entendimento acabado de expor quanto à possível existência de direitos inerentes não reais, não fica de todo arredado que um direito de crédito como aquele que é atribuído ao credor impugnante, no âmbito da acção pauliana, possa ser objecto de inscrição registal. Ponto é que, na hipótese concreta, a lei dê guarida a uma tal possibilidade.
Como se observou já, a enumeração dos factos que, nos termos do artigo 2.º do CRP, estão sujeitos a registo não constitui um elenco fechado. A tipificação não se reporta aos factos registáveis, mas aos direitos a que esses factos respeitam. Fala-se, a esse título, de uma tipicidade indirecta (ver nota 82).
Em razão desse mesmo princípio de tipicidade, para que haja lugar ao registo da acção pauliana, é necessário que o direito à restituição de bens - que é garantido ao credor impugnante para o aludido efeito de fazer actuar sobre tais bens poderes executivos e conservatórios -, se encontre incluído entre os direitos não reais a que se reporta o artigo 2.º do CRP.
Essa é, pois, uma averiguação que terá de ser efectuada através dos elementos heurísticos que dimanem do próprio texto da lei.
Aí se detectam algumas situações que não podem qualificar-se como factos jurídicos com eficácia real (no sentido que lhe foi atribuído de factos com efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos reais), e que, por isso, apenas serão subsumíveis na categoria de factos relativos a direitos inerentes a imóveis.
Estão neste caso, os factos que se encontram descritos nas alíneas d), i), m), p), s) e t) do n.º 1 do artigo 2.º do CRP, que, todavia, nenhuma correlação têm com o direito creditício derivado da impugnação pauliana (ver nota 83) (ver nota 84).
Num dos documentos que originou o pedido de parecer e que, aliás, serviu de base aos termos em que se encontra formulada a consulta, sustenta-se que a acção pauliana poderia considerar-se sujeita a registo por subsunção ao disposto na alínea u) do n.º 1 do referido artigo (ver nota 85).
Essa disposição - recorde-se - prevê, como passível de inscrição, "quaisquer outras restrições ao direito de propriedade e quaisquer outros encargos sujeitos, por lei, a registo".
A referência constante da primeira parte do preceito pretende enquadrar, apenas, as diversas formas de limitação ao conteúdo dos direitos reais, de que antes se deu sucinta notícia (ver nota 86). Tratando-se, assim, de factos jurídicos com eficácia real, fica afastada a possibilidade de aí se inserir o direito do credor impugnante, que, ao contrário, apresenta a apontada característica de direito meramente pessoal.
O segundo segmento normativo alude a outros encargos que se encontram, por lei, sujeitos a registo.
Poderão incluir-se nesta categoria certos ónus reais e algumas outras situações propter rem. Mas há desde logo, aqui, um elemento restritivo a que importa dar relevo. Estão sujeitos a inscrição tabular, nos termos gerais consignados no artigo 2.º do CRP, não quaisquer encargos ao direito de propriedade, mas apenas aqueles que, por disposição expressa de direito substantivo, devam ser objecto de publicidade registal.
Isabel Pereira Mendes enumera um extenso leque de situações que se integram no campo de aplicação material do preceito, e que têm em comum o serem abrangidos por uma específica imposição legal, em normas dispersas, que torna exigível, no caso concreto, a inscrição ou o averbamento (ver nota 87).
Deste modo, ainda que o direito do credor impugnante pudesse ser considerado genericamente como um encargo ao direito de propriedade, a sua inclusão na previsão da referida norma apenas poderia ocorrer se o legislador, na regulamentação sistemática do instituto, ou através da uma regra legislativa extravagante, impusesse a obrigatoriedade do registo.
6 - Concluindo-se que o direito à restituição dos bens, decorrente da procedência da acção pauliana, não se conta entre as situações jurídicas abrangidas pelo artigo 2.º do CRP, parece encontrar-se facilitada a resposta à questão de saber se a acção pauliana, e a decisão judicial a ela respeitante, poderá ser objecto de registo nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
Isso porque há uma íntima conexão entre as acções a que se reporta a citada disposição do artigo 3.º e os direitos que, na norma imediatamente precedente, são indicados taxativamente por remissão para certo tipo de factos jurídicos.
As acções registáveis, de harmonia com a aludida disposição, são aquelas que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de alguns dos direitos referidos no artigo anterior, o que equivale por dizer que tais acções são unicamente as que produzem um efeito sobre os direitos reais ou equiparados que se encontram enunciados naquela disposição do artigo 2.º
Havendo, pois, uma delimitação dos direitos sujeitos a registo, por via da enumeração de factos jurídicos passíveis de inscrição, e tendo-se concluído que o direito do credor impugnante não se inclui entre aqueles, a lógica ilação a retirar é que não é, também, possível efectuar o registo da competente acção.
Poderá, todavia, mostrar-se necessário, ainda, aditar algumas outras considerações quanto ao sentido interpretativo que deve atribuir-se à referenciada norma do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
É o que passará a fazer-se de seguida.
VII
1 - O ónus do registo para certo tipo de acções judiciais deverá ser entendido à luz do significado operante que, no âmbito das referidas acções, possa ser atribuído à inscrição tabular.
Esta é uma questão que nos reconduz à análise dos efeitos do registo, e que, em última análise, se conexiona com o princípio da fé pública a que se aludiu já num momento anterior (ver nota 88).
As disposições básicas nesta matéria são as dos artigos 4.º e 5.º do CRP, que estabelecem a relevância do registo nas relações inter partes e para com terceiros.
A partir do regime legal definido nestes preceitos, a doutrina tem distinguido três modalidades de registo: constitutivos, declarativos e enunciativos (ver nota 89) (ver nota 90).
O registo pode ter um efeito constitutivo quando a constituição ou a transmissão do direito depende da própria existência do registo. É a hipótese consignada no artigo 4.º, n.º 2, do CRP (ver nota 91), no seguimento do que dispõe o artigo 687.º do Código Civil ("a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes") (ver nota 92).
O n.º 2 do artigo 4.º acentua, porém, o carácter excepcional desse efeito constitutivo: a regra - como determina o n.º 1 - é a invocabilidade entre as partes dos factos sujeitos a registo, mesmo que não registados (ver nota 93).
Comummente, porém, o registo funciona como um requisito de oponibilidade a terceiros. É esse o princípio geral que decorre do artigo 5.º, que - recorde-se - estabelece:
"Artigo 5.º
1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3 - ...
No regime-regra que promana desta disposição, o registo reveste a natureza meramente declarativa, pretendendo-se através deste conceito exprimir a ideia de que a inscrição registal não participa na estrutura do próprio facto, nem influi nos efeitos jurídicos que esse facto produz (ver nota 94).
A generalidade da doutrina contesta, no entanto, que ao registo possa atribuir-se este efeito condicionante de oponibilidade a terceiros, como parece depreender-se da literalidade do citado n.º 1 do artigo 5.º
Sustenta-se, com efeito, que o direito real, mesmo quando não registado, mantém a sua oponibilidade erga omnes, o que passa por constituir, aliás, uma das características estruturais do próprio direito. A falta de registo não impede cada uma das partes de fazer valer o acto perante a outra, apenas impede que qualquer delas o oponha a terceiro (ver nota 95).
Assim, a falta de registo não gera uma privação genérica de oponibilidade. O que sucede é que o facto, se registado, é oponível a terceiros; e oponível, porque, em razão do registo, presume-se juris et de jure, que os terceiros têm, a partir dele, virtual conhecimento do facto registado, não havendo obstáculo, por isso, a que seja contra eles invocado (ver nota 96).
Deste modo, o registo, quando não tem aquele valor constitutivo, limita-se a declarar o facto registado. Mas, por essa via, deixa estabilizada a posição jurídica correspondente, em termos de não poder ser afectada por situações incompatíveis posteriormente constituídas por terceiros. É neste sentido que se fala de um registo consolidativo ver nota (ver nota 97).
Por vezes, porém, o registo é meramente enunciativo. Isto é, não tem qualquer influência sobre a validade ou a eficácia do facto registado, e limita-se a dele dar conhecimento aos interessados. Nesse caso, a função do registo esgota-se na mera notícia do facto a que se reporte, falando-se assim numa publicidade-notícia ou publicidade-enunciativa (ver nota 98).
Exemplos desta modalidade de registo são as situações que, no n.º 2 do artigo 5.º do CRP, são excepcionadas ao efeito geral de oponibilidade previsto no n.º 1 desse artigo: a usucapião [alínea a)]; as servidões aparentes [alínea b)]; os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados [alínea c)] (ver nota 99).
Oliveira Ascensão torna o mesmo regime extensível a factos jurídicos reais não negociais quando estejam sujeitos a registo, como é o caso da mera posse e das preferências legais.
Assim, o mesmo autor considera que o registo de uma acção de preferência, sendo permitido nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP, tem um mero efeito enunciativo: se não for feito, e o direito litigioso for transmitido na pendência da acção, a sentença não é oponível ao subadquirente se este registar a aquisição antes do registo da acção do preferente (artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), sem prejuízo de o preferente poder intentar nova acção contra o subadquirente (ver nota 100).
Um ponto parece ser consensual, neste capítulo: a publicidade notícia - não produzindo quaisquer efeitos em termos de eficácia relativamente a terceiros - constitui excepção no quadro geral da publicidade registal.
É o que constatava já Carlos Ferreira de Almeida (ver nota 101), ainda no domínio do Código de Registo Predial de 1959 (ver nota 102):
"A publicidade-notícia, ou seja, aquela que não exerce qualquer efeito sobre a eficácia do facto registado, tem-se vindo a tornar excepcional. A publicidade tende a possuir como efeito mínimo a oponibilidade em relação a terceiros, e é essa a regra quase geral no nosso direito. [...] A publicidade-notícia está hoje em franca decadência, inclusive no país que, durante longos anos, dela fez tipo fundamental de publicidade: a França (ver nota 103)."
2 - As acções que devem ser registadas, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP, são - como se deixou antever - as destinadas a produzir efeitos sobre direitos sujeitos a registo.
Não se trata - como demonstra Oliveira Ascensão (ver nota 104) - de acções reais, no sentido processual, e, portanto, de acções que tenham como causa de pedir um direito real; mas antes de acções de que possa resultar um efeito real ou efeitos sobre direitos inerentes a imóveis sujeitos a registo (ver nota 105).
No que à acção pauliana concerne, a dúvida quanto à viabilidade do registo deriva da diferente perspectiva que possa adoptar-se, não quanto à natureza jurídica da acção - geralmente tida como uma acção pessoal -, mas quanto ao carácter imperativo da norma do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
Para uma corrente, a característica meramente pessoal ou obrigacional da acção exclui que ela venha a ser objecto de inscrição registal, independentemente do interesse prático que o registo pudesse revestir. A tese oposta conforta-se na opinião de Menezes Cordeiro expressa no passo que se deixou já transcrito e que tem sido insistentemente invocado pela jurisprudência (ver nota 106).
Menezes Cordeiro não aduz, porém, qualquer argumento em favor de uma compreensão potencial da norma que permita inserir no seu campo de aplicação a acção pauliana, bastando-se com o efeito positivo que poderá advir da inscrição.
3 - Como observa Seabra Magalhães (ver nota 107), o registo de acções apenas encontra justificação se puder desencadear um efeito mínimo de oponibilidade processual em relação a terceiros.
Explicitando este ponto de vista, o autor discorre (ver nota 108):
"A prioridade do registo e consequente inoponibilidade dos factos não registados (ou não oportunamente registados) traduzem-se com frequência num efeito de carácter substantivo, através do sacrifício inelutável de um dos direitos em colisão. É o que sucede no caso clássico da venda que do mesmo prédio faz o anterior dono a dois compradores sucessivos, sendo o segundo no tempo o único ou, pelo menos, o primeiro a inscrever.
No caso das acções, a prioridade de registo e a inoponibilidade perante terceiros exprimem-se desde logo num efeito distinto. Trata-se, aqui, de uma consequência de natureza adjectiva ou processual, prevista no artigo 271.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) (ver nota 109). Assim, a sentença favorável obtida pelo autor na acção, através da qual se tornou litigiosa a titularidade do prédio, ou a existência ou inexistência de um direito sobre ele, produz efeitos em relação ao adquirente desse prédio, ainda que não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção. O que significa que, a verificar-se tal condicionalismo, o autor terá de propor nova acção contra o adquirente."
O regime de protecção estabelecido pela publicidade registal assenta essencialmente na anterioridade do registo da acção face à inscrição feita pelo subadquirente. ou seja, sempre que o autor tenha registado a acção antes do subadquirente ter registado a aquisição do direito litigioso, a sentença, quando procedente, produz efeitos em relação a este, afectando os direitos que este tenha constituído (ver nota 110).
O autor na acção, registando-a, dispensa-se, pois, de instaurar um novo processo contra quem tenha eventualmente adquirido o prédio do réu (ver nota 111).
O registo de acções tem, assim, uma natureza cautelar: destina-se a evitar que algum interessado possa prevalecer-se dos direitos que sobre o prédio venha a adquirir do réu posteriormente ao registo (ver nota 112).
4 - Certo é que o registo da acção, reflexamente, dá a conhecer o facto registado à generalidade das pessoas, alertando eventuais interessados para o carácter litigioso do direito, cumprindo assim um objectivo eminentemente prático que corresponde ao conceito de publicidade enunciativa (ver nota 113).
Porém, não é esta a principal finalidade do registo da acção, que tem antes a ver com o valor confirmativo ou consolidativo da inscrição tabular.
Por isso mesmo é que o registo da acção é efectuado provisoriamente [artigos 53.º e 92.º, n.º 1, alínea a), do CRP], incidindo sobre o pedido na acção [artigo 95.º, n.º 1, alínea g)], implicando, em caso de ganho de causa, não uma nova inscrição, mas a conversão em definitivo, através de averbamento, do registo inicial [artigo 101.º, n.º 2, alínea b)].
Demonstra-se, através das referidas regras procedimentais, que o que está em causa não é apenas uma função preventiva, em vista a acautelar os interesses do público em geral, mas também, e sobretudo, um efeito positivo de oponibilidade a terceiros que só opera com a procedência da acção (ver nota 114).
Seabra Magalhães (ver nota 115) reafirma este entendimento um pouco mais adiante, no estudo citado, quando refere:
"[...] no espírito da sujeição a registo das acções, imposta por lei, ele não é concebível como factor de publicidade-notícia (dentro do qual os terceiros, em sentido amplo, são todo o público em geral, com mero interesse informativo), mas antes como verdadeira condição de oponibilidade (plano em que os terceiros, na acepção restrita ou técnica, são apenas aqueles que se colocam numa relação, efectiva ou potencial, de conflito de interesses, a dirimir pela prioridade do registo). De modo que, onde o registo não puder assumir tal significado, não será registável, sequer, a respectiva acção, apesar do seu carácter real."
5 - De tudo quanto vem de referir-se, pode concluir-se que a utilidade do registo da acção pauliana, quando admitido nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP, não poderá reconduzir-se a um mero efeito de publicidade-notícia. Corrobora esta ideia a circunstância, já analisada, de a publicidade-notícia ser reconhecida no direito português apenas com um carácter de excepcional idade, encontrando-se circunscrita às situações previstas no n.º 2 do artigo 5.º do CRP e, eventualmente, aos factos jurídicos reais não negociais, em que poderão englobar-se as acções de preferência (ver nota 116).
Resta, pois, atribuir ao referido registo o efeito geral de oponibilidade a terceiros. Esse resultado jurídico não é, porém, aceite de modo pacífico na doutrina.
Como se anotou já, Henrique Mesquita reconhece interesse prático ao registo da pauliana - caso esta pudesse ser registada -, porquanto o credor impugnante "mediante o registo poderá exercer o seu direito de crédito directa e imediatamente contra eventuais subadquirentes, porque a sentença também os atinge".
Diversamente, o parecer do conselho técnico de 27 de Maio de 1998, já citado, sustenta a seguinte posição:
"Ora, a natureza obrigacional do direito do credor (a ser indemnizado nos termos sobreditos) confina os efeitos da procedência da acção inter partes (credor e terceiro adquirente demandado na acção), efeitos esses que por isso são insusceptíveis de atingirem eventuais subadquirentes, relativamente aos quais o credor só pode exercer aquele direito em acção adrede contra eles intentada visando que contra eles também se verifiquem os requisitos gerais da impugnação pauliana (artigo 613.º do Código Civil).
E cremos que este ponto é extraordinariamente importante para o tema de que agora nos ocupamos.
É que entre os interesses do credor prejudicado com os actos de alienação praticados pelo devedor e os daqueles subadquirentes (a título oneroso) que tenham procedido de boa fé, não obstante o vencimento na impugnação daqueles actos, o legislador dá prevalência absoluta a estes últimos.
O que desde logo significa que no nosso ordenamento jurídico, contrariamente ao que sucede com o Código Civil italiano - onde, para além de se lhe atribuir um efeito de ineficácia do acto em função do credor, mantendo-se embora os bens no património do adquirente, se sujeita a acção a registo que torna aquele efeito oponível aos subadquirentes posteriores, independentemente do seu estado (subjectivo) de consciência relativamente ao prejuízo que os respectivos actos causam ao credor, mesmo quando o direito adquirido seja a título oneroso (artigos 2901.º, 2902.º, e 2652.º, n.º 5) -, o subadquirente (em iguais circunstâncias) desfruta sempre da protecção que a lei dispensa ao adquirente a título oneroso e de boa fé, mesmo que, ao admitir-se de jure constituto o registo da acção pauliana, esta tenha sido registada (artigos 612.º, n.os 1 e 2, e 613.º, n.os 1, alínea b), e 2, do Código Civil)."
A ter acolhimento esta última tese, teríamos de constatar que o registo da acção pauliana não teria qualquer efeito útil - para além daquele meramente informativo - e a acção não seria, como tal, registável.
6 - E parece ser esta, na verdade, a interpretação mais coerente e consentânea com a unidade do sistema jurídico.
A disciplina jurídica da impugnação pauliana não contém qualquer regra semelhante à prevista nos institutos que se destinam a obter um efeito anulatório ou rescisório dos actos de disposição praticados pelo transmitente, em que se estabelece um efeito de oponibilidade do direito reconhecido por sentença em relação aos terceiros subadquirentes (ver nota 117). E, pelo contrário, para as transmissões posteriores, o regime da pauliana consigna um mecanismo paralelo ao previsto nos artigos 610.º e 612.º do Código Civil para a impugnação do acto de alienação originariamente efectuado pelo devedor (artigo 613.º).
Preceitua este artigo 613.º:
"Artigo 613.º
Transmissões posteriores ou constituição posterior de direitos
1 - Para que a impugnação proceda contra as transmissões posteriores, é necessário:
a) Que, relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos anteriores;
b) Que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso da nova transmissão ser a título oneroso.
2 - ..."
À luz desta disposição, para que possa deduzir-se com sucesso a impugnação das transmissões subsequentes, é necessário, em primeiro lugar, que se verifiquem as condições de impugnabilidade da primeira alienação. Isto é: exige-se que o credor pudesse também ter impugnado o acto de disposição do devedor, por se encontrarem preenchidos, quanto a ele, os requisitos gerais definidos no artigo 610.º (ver nota 118). Em segundo lugar, é necessário a má fé, tanto do transmitente, como do subadquirente, se a transmissão for a título oneroso.
Isso siginifica que, tratando-se de transmissão posterior, só poderá proceder a impugnação pauliana instaurada contra subadquirente de má fé.
A admitir-se, porém, a inscrição da acção pauliana primeiramente interposta, a solução seria diversa. Por virtude do princípio da prioridade, o registo implicaria a prevalência do direito do credor impugnante, caso procedesse a acção, em relação às transmissões subsequentes, quando não tenham sido registadas ou o tenham sido posteriormente, independentemente de os subadquirentes se encontrarem ou não de má fé.
Nesse condicionalismo, o registo permitiria que a realidade registal se sobrepusesse à realidade substantiva, superando a exigência de um requisito substancial de que a referida norma do artigo 613.º do Código Civil faz depender a procedência da impugnação das transmissões posteriores. O registo da acção teria, assim, um efeito atributivo, que extravasa o simples efeito geral de oponibilidade processual que deriva do artigo 271.º, n.º 3, do CPC.
7 - Esta disposição do CPC contempla uma hipótese de modificação subjectiva da instância, prevendo a substituição do transmitente pelo adquirente quando a coisa ou direito litigioso seja objecto de transmissão no decurso da causa.
Se a substituição não for admitida, designadamente por desacordo das partes - hipótese considerada no n.º 2 da norma -, ocorre uma situação de representação processual, continuando o transmitente a figurar, na acção, como réu, representando os interesses do adquirente.
O n.º 3 prevê, por seu turno, que a sentença produza efeitos "em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção".
Alberto dos Reis (ver nota 119) explica este mecanismo processual do seguinte modo: "[...] o artigo 271.º, umas vezes trata o adquirente como terceiro, outras vezes como parte representada, por assim dizer, no processo. Se a acção está sujeita a registo, o adquirente, não intervindo, tem, quanto à acção, a posição de terceiro, se não está, tem a posição de parte, ainda que não intervenha, pois que se considera representado ou substituído pelo transmitente (ver nota 120)."
Há, assim, a considerar, na disciplina do artigo 271, n.º 3, do CPC, duas diferentes situações: ou a acção está sujeita a registo, e, neste caso, funcionam as regras próprias do sistema de registo predial - o adquirente sujeita-se ao risco de ficar desprovido dos poderes que lhe foram conferidos pela aquisição, se não teve a cautela elementar de verificar a precisa situação jurídica do prédio ou direito litigioso, através do registo, ou a acção não está sujeita a registo, e, nessa hipótese, a sentença proferida no processo constitui sempre caso julgado contra o adquirente, ainda que este nele não tenha intervindo.
Decorrem deste regime legal, as duas seguintes asserções:
a) O efeito de oponibilidade da sentença perante terceiros opera apenas em relação às acções que, nos termos do direito substantivo, se encontrem sujeitas a registo. É, portanto, necessário recorrer ao catálogo dos direitos registáveis, estabelecido nos artigos 2.º e 3.º do CRP, para determinar se uma dada acção está ou não sujeita a registo. Estamos, por isso, perante uma norma de natureza adjectiva;
b) O critério de substituição processual contemplado no mesmo preceito não tem aplicação às acções de impugnação pauliana, porquanto a lei prevê uma impugnação autónoma das transmissões posteriores, relativamente às quais o impugnante terá de demonstrar a má fé dos subadquirentes, em caso de negócio oneroso (artigo 613.º do Código Civil).
8 - Entronca aqui uma outra questão a que aludiu, também, o parecer do conselho técnico há momentos invocado.
Será que a aquisição do direito posteriormente ao registo da acção pauliana - sendo este admitido - equivale à má fé do adquirente, dispensando o credor impugnante de demonstrar a existência desse requisito em nova acção a instaurar contra a transmissão subsequente?
Não parece que assim deva suceder.
É certo que a invocação da má fé do terceiro adquirente pode considerar-se uma consequência do efeito presuntivo do registo: o adquirente sabia, ou devia saber, que sobre a coisa ou direito adquirido impendia uma impugnação.
No entanto, essa presumida equiparação é a que decorre do regime legal substantivo relativo às acções anulatórias ou rescisórias. Pode falar-se aí de uma presunção legal, como sucede no caso da simulação (artigo 243.º, n.º 3, do Código Civil: "considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar"), ou de uma presunção judicial, derivada da expressa previsão da oponibilidade da declaração de nulidade ou da anulação (artigo 291.º, n.º 1), ou do direito de resolução (artigo 435.º, n.º 2), ao terceiro adquirente, quando tenha havido antecipação do registo da acção.
No caso da acção pauliana, porém, não só não está previsto um regime de oponibilidade de carácter substantivo que permita admitir uma tal presunção, como também é a própria lei que fornece um conceito específico de má fé que não é ajustável à simples ideia de um conhecimento virtual do facto registado.
O n.º 2 do artigo 612.º define como má fé, para efeito da impugnação pauliana, "a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor". Não se exige um animus nocendi, mas é, pelo menos, necessário demonstrar o conhecimento psicológico, por parte do comprador, do prejuízo que a alienação causa ao credor, em termos de provocar, ou agravar, a impossibidade de aquele obter a satisfação do seu crédito.
É esse mesmo requisito da má fé que terá de verificar-se, no caso de uma segunda ou terceira transmissão, para que a acção pauliana proceda quanto a elas.
O registo da acção pauliana seria assim inútil, porquanto não obstaria a que o credor tivesse de alegar e provar o requisito da má fé, em acção autónoma, em relação às transmissões posteriores (ver nota 121) (ver nota 122).
Uma tal ilação mostra-se, aliás, consonante - como se verá - com o regime de oponibilidade da sentença que decorre do disposto no artigo 271.º, n.º 3, do CPC.
9 - O efeito de caso julgado da sentença em relação a terceiros adquirentes, nos termos do n.º 3 do artigo 271.º do CPC, destina-se a superar uma situação de pendência em que se encontra a coisa ou o direito litigioso. Mas esse efeito estabilizador pressupõe que o facto genético da pretensão judicária permaneça imutável, não obstante a ulterior transmissão (caso da acção real, v. g., acção de reinvidicação), ou se torne oponível a terceiros nos termos gerais do registo (caso da acção com efeito real, v. g., acção de declaração de nulidade).
A primeira hipótese é a prevista na primeira parte do n.º 3 do artigo 271.º do CPC, segundo a qual a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo; a segunda, a que se refere a parte final do mesmo preceito, está circunscrita - como se assinalou - aos casos em que a acção está, por lei, sujeita a registo.
Na acção real, está particularmente presente a ideia de identidade da causa de pedir e do pedido - que é aliás característica do conceito de caso julgado -, que justifica o efeito extrapartes da sentença; na acção com efeito real, é a exigibilidade do registo que, quando a acção tenha sido oportunamente registada, permite que a respectiva decisão judicial se torne eficaz em relação a terceiros.
A norma do n.º 3 do artigo 271.º do CPC, estatuindo um critério processual de oponibilidade da sentença, em caso de transmissão da coisa ou direito litigioso, acaba por constituir um factor indirecto de delimitação do campo das acções que deverão encontrar-se sujeitas à publicidade registal (ver nota 123).
Todavia, nenhuma das regras expressas na referida disposição poderá aplicar-se à acção pauliana. De um lado, o credor impugnante terá de renovar a impugnação, relativamente a cada uma das ulteriores transmissões dos bens originariamente pertencentes ao devedor, incumbindo-lhe o ónus de alegar e provar os respectivos requisitos de impugnabilidade. De outro, a lei substantiva não prevê o registo da acção.
Esta diversidade de regimes radica na diferente natureza jurídica das acções que estão em causa.
A inoponibilidade em relação a terceiros da sentença proferida na acção pauliana é, ainda, uma consequência do carácter pessoal ou obrigacional dessa acção.
As considerações precedentes, apontando para a subsistência de uma relação obrigacional entre o credor prejudicado e os subadquirentes, no âmbito das transmissões posteriores, do mesmo modo que inutilizam o interesse prático da inscrição registal da acção pauliana, justificam também, no plano do direito constituído, a ausência de previsão legal no tocante a esse registo.
VIII
Termos em que se formulam as seguintes conclusões:
1.º A acção pauliana é uma acção de natureza pessoal ou obrigacional, que tem em vista obter, na medida do interesse do demandante, a restituição dos bens alienados para efeito de satisfação do direito de crédito sobre o devedor alienante;
2.º As acções sujeitas a registo, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código de Registo Predial, são as que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos reais ou equiparados previstos no artigo 2.º do mesmo diploma;
3.º Entre os direitos susceptíveis de registo, nos termos desta última disposição, poderão incluir-se direitos inerentes a imóveis que não possuam natureza real;
4.º O direito do credor impugnante, ainda que possa entender-se como um encargo ao direito de propriedade, não se enquadra na previsão da alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º do Código de Registo Predial, por não se encontrar especialmente prevista, nesse caso, a sujeição a registo;
5.º A inscrição registal da acção pauliana - a admitir-se - importaria um efeito de oponibilidade de carácter substantivo, afectando os actos de transmissão posteriores, ainda não registados, independentemente do preenchimento dos requisitos de impugnabilidade definidos no artigo 613.º do Código Civil;
6.º Nos termos das anteriores conclusões 4.ª e 5.ª, a acção pauliana não está sujeita a registo.
(nota 1) Parecer de 27 de Maio de 1998, homologado por despacho do director-geral dos Registos e do Notariado do dia 21 imediato, e que foi publicado no Boletim dos Registos e do Notariado, n.º 4/99, de Abril, pp. 8 a 19.
(nota 2) Informação da Auditoria Jurídica de 10 de Março de 2000, referente ao processo 186/00/AJ, remetido à Procuradoria-Geral da República a coberto do ofício n.º 614, de 16 de Março de 2000, do Gabinete do Secretário de Estado da Justiça.
(nota 3) Decreto-Lei 224/84, de 6 de Julho, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 90, de 14 de Fevereiro, 80/92, de 7 de Maio, 39/93, de 12 de Julho, 227/94, de 8 de Setembro, 267/94, de 25 de Outubro, o Maio, 375-A/99, de 20 de Setembro, e 533/99, de 11 de Dezembro.
(nota 4) No parecer 40/85, de 16 de Janeiro de 1986, homologado por despacho do Sr. Director-Geral dos Registos e do Notariado, do dia imediato, publicado no Boletim dos Registos e do Notariado, 1.ª série, n.º 9, de Fevereiro de 1986, conclui-se que a "acção pauliana deve ser registada, quando tiver por objecto actos sujeitos a registo sobre determinados bens imóveis".
(nota 5) Seguir-se-á de perto, neste ponto, a explanação de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra, p. 617.
(nota 6) A redacção actual deste artigo foi introduzida pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro. Corresponde, no entanto, no essencial, ao regime que decorria da redacção anterior à reforma, com o aditamento expresso de que são exequíveis os bens impenhoráveis, princípio que já dimanava das subsequentes disposições dos artigos 822.º e 823.º
A possibilidade de penhora de bens de terceiros, desde que a execução prossiga também contra este, já consignada na versão originária do preceito, está agora prevista no n.º 2 desse artigo 821.º
(nota 7) Sublinhado nosso.
(nota 8) Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. II, 2.ª ed., p. 81.
(nota 9) Através da acção pauliana podem ser impugnados, não só actos de alienação do devedor, mas também actos de oneração de bens, de assunção de dívidas ou de renúncia de direitos, de que possam resultar uma diminuição da garantia patrimonial do credor. É, todavia, em relação a actos de alienação, que, em regra, se suscita a questão do registo da acção.
(nota 10) Do corpo do artigo resulta uma outra referência que algum autores incluem entre os requisitos da acção pauliana: os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito não poderão ser de natureza pessoal. Estão apenas em causa actos patrimoniais, o que leva a excluir do âmbito da impugnação, designadamente, os actos de perfilhação, de adopção, de emancipação, ou o próprio casamento, de que resultem encargos de ordem patrimonial ou a directa diminuição do património.
(nota 11) A posterioridade do crédito, embora condicionada à realização dolosa do acto por parte do devedor, constitui uma inovação relativamente ao regime do Código de Seabra, que abrangia apenas os créditos anteriores ao acto (cf. artigo 1033.º).
(nota 12) Cf., quanto a esta designação, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª ed., Coimbra, p. 449.
(nota 13) O Código Civil de 1867 exigia que do acto resultasse a "insolvência do devedor". A formulação agora adoptada pretende abranger os casos que, não determinando embora a insolvência do devedor, importam, na prática, uma impossibilidade de obter o pagamento forçado do crédito (cf. Vaz Serra, Responsabilidade Patrimonial, Lisboa, 1958, pp. 199 e 200, também publicado no Boletim do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 75, pp. 5 e segs.).
(nota 14) Ob. cit., p. 628. A mesma ideia é expressa por Vaz Serra, na obra citada na nota antecedente, a p. 195 ("a exigência da má fé, sendo o acto oneroso, resulta de se entender que, sem ela, não é justo que o terceiro seja privado dos benefícios do acto"; sendo o acto gratuito, a acção é admitida "mesmo que o terceiro tenha procedido de boa fé, por dever dar-se preferência ao interesse do credor [...] sobre o do terceiro [...]").
(nota 15) Embora o artigo 617.º tenha mantido a doutrina tradicional do nosso direito nesta matéria, adoptou no entanto um novo conceito de má fé. Má fé é, já não o conhecimento da insolvência do devedor, como considerava o artigo 1036.º do Código de Seabra, mas a consciência do prejuízo que o acto causou ao credor. Não se exige o animus nocendí, a intenção de prejudicar o credor, mas não basta também o mero conhecimento da insolvência.
(nota 16) Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. I, p. 633, Antunes Varela, ob. cit., p. 454-456, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., Coimbra, pp. 792 e segs.
(nota 17) Nestes termos se exprimem Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem.
(nota 18) Assim, Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, policopiado, Coimbra, 1954-1955, p. 755.
(nota 19) Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 6.ª ed., Coimbra, p. 359.
(nota 20) Já na vigência do Código Civil de 1867, Cunha Gonçalves e Antunes Varela discutiam que à acção pauliana pudesse atribuir-se um fundamento substantivo conducente a uma declaração de nulidade ou rescisão em sentido próprio. Aquele primeiro autor falava numa rescisão relativa, isto é, limitada, seja pela qualidade das pessoas contra as quais pode ser decretada, seja pela medida do prejuízo derivado do acto fraudulento, considerando ainda assim tratar-se de uma acção de carácter pessoal. O segundo definia como fundamento jurídico da pauliana a lesão da consistência prática do direito de execução, considerada com fonte de ineficácia do acto em face dos credores (cf. Tratado de Direito Civil, vol. V, Coimbra, 1932, p. 792, e "Fundamento da acção pauliana", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 91.º, pp. 380 a 383, respectivamente).
(nota 21) Cf. antecedente nota 13.
(nota 22) Ob. cit., p. 281.
(nota 23) Idem, p. 289.
(nota 24) Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, n.º 3619, p. 154.
(nota 25) Revista da Legislação e de Jurisprudência, ano 128.º, n.º 3856, pp. 222-223, em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra, de 17 de Janeiro de 1995.
(nota 26) Deve observar-se que, nos termos do artigo 615.º do Código Civil, a nulidade do acto realizado pelo devedor não impede que seja deduzida a impugnação pauliana. Nesse caso, o credor dispõe de dois meios alternativos de reacção (a declaração de nulidade ou a acção pauliana), não se encontrando obrigado a requerer previamente a declaração de nulidade, caso opte por este último (cf. Antunes Varela, ob. cit., p. 451).
(nota 27) Neste ponto, há, todavia, que distinguir, conforme sublinha Vaz Serra, entre a acção pauliana individual, exercida no interesse exclusivo do autor, e a acção pauliana em benefício da massa falida,
a que se referia o artigo 1201.º do Código de Processo Civil, e que está agora prevista no artigo 157.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência. Esta última, que aquele autor designava como acção pauliana colectiva, embora obedeça aos mesmos requisitos dos artigos 610.º e seguintes do Código Civil, é exercida no interesse dos credores, pelo que os bens ou valores que sejam objecto de impugnação revertem a favor da massa falida, tal como determina o artigo 159.º, n.º 1, deste diploma e resultava, já antes, do artigo 1203.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (cf. Responsabilidade Patrimonial, citada, pp. 287-288).
(nota 28) Esta configuração geral da acção pauliana não colhe, todavia, uma opinião unânime. Maria do Patrocínio Paz Ferreira, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 1988, contraria uma concepção processualista da impugnação pauliana, segundo a qual o acto sujeito a impugnação não é atingido na sua validade ou eficácia no plano do direito substantivo, tudo se passando apenas no plano do direito processual, em vista a sujeitar à execução o bem que saiu do património do devedor. A autora considera que a existência de uma mera relação obrigacional entre o credor prejudicado e o terceiro adquirente não seria compatível com a possibilidade conferida ao credor de executar os bens no património do subadquirente, e, nesses termos, opta por atribuir à acção pauliana o objectivo de, sem pôr em causa a validade do negócio, suprimir o efeito indirecto da alienação que se traduziria na subtracção do bem à garantia patrimonial dos credores. Em consequência, entende que o direito de propriedade do terceiro, adquirido através do acto impugnável, se encontra "enfraquecido" ou limitado, implicando assim uma modificação do direito subjectivo (Revista da Banca, n.º 21, Janeiro-Março de 1992, pp. 86 e segs.).
(nota 29) Cf. Henrique Mesquita, Revista de Legislação e de Jurisprudência citada, pp. 254-255.
(nota 30) Segundo Vaz Serra, a restituição corresponde ao pagamento de um determinado valor ao autor, em virtude de o réu ter de tolerar, em consequência da acção pauliana, que o autor execute os bens no seu património (Responsabilidade Patrimonial citada, p. 288).
(nota 31) Cf. Vaz Serra, idem, pp. 288 e 291.
(nota 32) Como observa Henrique Mesquita, o artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil, ao contrário da correspondente norma do Código Civil italiano (artigo 2901.º), não permite sequer a declaração de ineficácia do acto em relação ao credor, o que reforça a ideia de que a acção pauliana tem uma finalidade tipicamente indemnizatória (ob. cit. e loc. cit.).
(nota 33) Ibidem.
(nota 34) Ibidem.
(nota 35) Posição esta defendida no comentário ao Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro de 1995, a que tem vindo a fazer-se referência, publicado na citada Revista de Legislação e de Jurisprudência.
(nota 36) Redacção do Decreto-Lei 67/96, de 31 de Maio.
(nota 37)A pergunta formulada no pedido de parecer - tomando por base os termos da exposição apresentada ao Ministro de Justiça pela Associação Portuguesa de Bancos circunscreve a questão à mera possibilidade de a acção pauliana se encontrar sujeita a registo por efeito das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea u), e 3.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
(nota 38) Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 128, citada.
(nota 39 Neste ponto, o autor aludia à hipótese - que se encontrava referenciada imediatamente antes, no texto - de haver lugar à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 616.º do Código Civil, onde se prevê que o adquirente de má fé responda pelo valor dos bens que tenha alienado ou que, dentro de certo condicionalismo, tenham perecido ou se hajam deteriorado. Como os bens se não encontram já no património do adquirente, nesse caso, o credor beneficia apenas de um direito de indemnização, e não do direito de execução sobre esses bens.
(nota 40) Justificando essa proposta, Vaz Serra, no estudo que elaborou sobre a responsabilidade patrimonial, já anteriormente citado, refere p. 294):
"Até à restituição, o terceiro continua a ser o sujeito do direito restituindo e pode, portanto, praticar os actos que nesta qualidade lhe pertencem.
No entanto, a fim de defender os credores contra actos que pudessem prejudicar a realização do seu direito, é conveniente sujeitar a acção pauliana a registo, quando se trate de bens imóveis ou de outros para que haja registo. Feito o registo, o direito do credor prevalece sobre o de quaisquer terceiros, que viesse a ser registado mais tarde. Assim, se o devedor aliena um prédio e esta alienação é impugnável com a acção pauliana, o registo desta acção impedirá que subsequentes alienações ou constituições de direitos sobre o prédio (por exemplo, uma hipoteca) venham afectar o direito do credor."
Pronuncia-se no mesmo sentido em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1977, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 111: n.os 3618-3619, pp. 155-156. No mesmo local (nota 1, col. 2.ª, a p. 156), o autor interroga-se:
"Dada a natureza pessoal ou obrigacional da acção pauliana, a sua sujeição a registo poderá fundar-se no artigo 3.º do Código de Registo Predial?
O artigo 435.º, n.º 2, do Código Civil prevê o registo da acção de resolução de contratos; e poderia talvez dizer-se que também a acção pauliana relativa a bens sujeitos a registo pode ser registada, com mesmo efeito, por se destinar a obter o reconhecimento do direito à restituição de tais bens (artigo 606.º, n.º 1), restituição que pode ter a consequência de ser lícito ao credor executá-los."
(nota 41) Revista da Ordem dos Advogados, ano 51.º, Julho de 1991, p. 567. Nos mesmos precisos termos, também, num parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, t. III, 1992, pp. 62-63.
(nota x) Supra § 5, I.
(nota 42) Código de Registo Predial Anotado, Coimbra, 1968, p. 194. Neste local, o autor limita-se a referir: "A acção pauliana, qualquer que seja o sentido que se lhe queira dar, está sujeita a registo." A anotação reporta-se ao Código de Registo Predial de 1967, cuja disposição do artigo 3.º tem correspondência com o artigo 3.º, n.º 1, do diploma actualmente em vigor.
(nota 43) Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2.ª ed., Coimbra, pp. 61-62.
(nota 44) Também Isabel Pereira Mendes afirma o carácter registável da acção, mas apenas por remissão para o citado parecer do conselho técnico n.º 40/85 e para os Acórdãos da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 1995 e do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Março de 1996, que seguiram esse entendimento e a que adiante se fará menção.
(nota 43) Processo 836/99, inédito.
(nota 46) Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 128.º, citada, e Colectânea de Jurisprudência, ano XX, t. I, 1995, pp. 27 e segs.
(nota x) No sentido explanado no texto, cita-se: Vaz Serra, Responsabilidade Patrimonial, p. 62; Anselmo de Castro, Acção Executiva, 1970, p. 77; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 44.ª ed., p. 599; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pp. 633-644; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4.ª ed., p. 445, e um parecer de Henrique Mesquita.
(nota 47) Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, t. I, 1996, pp. 159 e segs.
(nota 48) Processo 1059/98 (disponível na Internet no endereço http:/www.dgsi.pt/jstj).
(nota 49) Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, t. III, 1999, pp. 278 e segs.
(nota 50) No primeiro e último dos arestos agora citados, tal como nos precedentes, pretendia-se responder à questão de saber se, no âmbito da acção pauliana, se poderia ordenar o cancelamento do registo da anterior transmissão, tendo-se formulado uma resposta negativa por se entender que a acção pauliana não afecta a validade do acto impugnado, e, por conseguinte, também não prejudica o registo que quanto a ele tenha sido efectuado.
No Acórdão de 18 de Fevereiro de 1999, discutia-se se o registo da acção pauliana poderia inviabilizar o decretamento do arresto, quando esta providência tivesse sido também requerida (sustentava-se que o registo da acção impedia que se desse como verificado o "justo receio da perda da garantia patrimonial do crédito", que constituía requisito do arresto). Também aqui a instância de recurso se pronunciou pela não incompatibilidade entre o registo da acção e a declaração do arresto, porquanto o registo não impede o demandado na acção pauliana de alienar ou onerar os bens cuja transmissão tenha sido impugnada naquela acção.
(nota 51) Processo 1605/99 (sumário disponível na Internet no endereço http:/www.dgsi.pt/jtrp).
(nota 52) Neste sentido, Henrique Mesquita, Revista de Legislação e de Jurisprudência citada, p. 255, nota 1, e parecer do conselho técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, de 27 de Maio de 1998.
(nota 53) A acção pauliana é proposta contra o terceiro adquirente, que responde por uma obrigação própria e mantém legitimidade passiva para intervir na acção executiva (cf. Vaz Serra, ob. cit., pp. 277 a 280; e Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra, 1970, p. 77)
(nota 54) No sentido de que não há lugar ao pedido de cancelamento do registo relativo ao acto impugnado, pronunciaram-se, também, os pareceres do conselho técnico de 16 de Janeiro de 1986 e de 27 de Maio de 1998, não obstante terem adoptado posições contrárias quanto à sujeição da acção pauliana a registo. É esse, também, o entendimento jurisprudencial uniforme (cf. Acórdãos do Supremo Tri bunal de Justiça, de 9 de Fevereiro de 1993, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 424, pp. 615 e segs., de 28 de Março de 1996, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, t. I, 1996, pp. 159 e segs., e de 28 de Outubro de 1997, no processo 192/96; Acórdão da Relação do Porto, de 20 de Outubro de 1997, no processo 192/96; Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 1995, in Revista da Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, n.º 3856, pp. 210 e segs., e Colectânea de Jurisprudência, ano XV, t. V, 1990, pp. 27 e segs.; e Acórdão da Relação de Évora de 17 de Junho de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, t. III, 1999, pp. 278 e segs.).
(nota 55) Parecer 73/96, de 19 de Maio de 2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 20 de Novembro de 2000, pp. 18 812 e segs.
(nota x) Aprovado pelo Decreto-Lei 224/84, de 6 de Julho, com várias alterações, a mais recente e profunda introduzida pelo Decreto-Lei 533/99, de 11 de Dezembro. O Código, com as alterações introduzidas, foi republicado em anexo a este diploma.
(nota x1) Cf. Carlos Ferreira de Almeida, Publicidade e Teoria dos Registos, Coimbra, 1966, p. 97.
(nota x2) Cf. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil. Reais, 5.ª ed., 1993, p. 335; Isabel Pereira Mendes, "Enunciação Esquemática dos Fins e Princípios Registrais", in Regesta, Revista de Direito Registral, ano XII, n.º 4, Outubro-Dezembro de 1991, pp. 19 e segs.
(nota x3) Cf. J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2.ª ed., 1994, p. 73.
(nota x4) Cf., v. g., Oliveira Ascensão, op. cit., p. 336 e segs.; Mouteira Guerreiro, op. cit., pp. 65 e segs.; Isabel Pereira Mendes, loc. cit. (referindo, também, os princípios da especialidade e da legitimação), e Fernando Elísio Rodrigues Fontinha, Registo Predial, Manual e Código, Lisboa, 1994, pp. 51 e segs. (considera apenas três princípios estruturantes: legalidade, tipicidade e trato sucessivo).
A fé pública, ora vem enunciada como princípio, ora vem tratada no âmbito dos efeitos do registo.
(nota x5) Artigo 68.º:
"Princípio da legalidade
Compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo, em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos neles contidos."
(nota x6) A identidade do prédio terá de reflectir os elementos contidos nos artigos 28.º e segs. do CRP (conjugação do registo com as matrizes prediais), e 42.º (indicação dos prédios, que deve ser feita através do número da descrição, da designação da fracção autónoma ou da parcela habitacional, ou quando não descritos pelo número de ordem que tenham no título mais recente, e referência às menções gerais das descrições principais e subordinadas indicadas nos artigos 82.º e 83.º; no que respeita à legitimidade dos interessados determina-se nos artigos 36.º e seuintes que, em geral, têm legitimidade para pedir o registo os sujeitos, activos ou passivos, da respectiva relação jurídica e, de um modo geral, todos aqueles que tenham interesse na efectivação do registo; a regularidade formal dos títulos contém a imposição de que os actos devem obedecer à forma exigida por lei, prevendo-se, por isso, que só possam ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem (artigo 43.º, n.º 1); a validade dos actos dispositivos contidos no título impõe a verificação da legalidade dos próprios actos dispositivos, colocando em equação os conceitos de nulidade e anulabilidade dos actos e negócios jurídicos. Cf. Fernando Elísio Rodrigues Fontinha, Registo Predial citado, pp. 51-53.
(nota x7) Artigo 69.º:
"Recusa do registo
1 - O registo deve ser recusado nos seguintes casos:
a) Quando a conservatória for territorialmente incompetente;
b) Quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados;
c) Quando se verifique que o facto constante do documento já está registado ou não está sujeito a registo;
d) Quando for manifesta a nulidade do facto;
e) Quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se mostrem removidas;
f) Quando o preparo não tiver sido feito.
2 - Além dos casos previstos no número anterior, o registo só pode ser recusado se, por falta de elementos ou pela natureza do acto, não puder ser feito como provisório por dúvidas.
3 - No caso de recusa anotar-se-á na ficha o acto recusado a seguir ao número e data da 56 respectiva apresentação."
(nota 56) Artigo 70.º:
"Registo provisório por dúvidas
O registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando exista motivo que, não sendo fundamento de recusa, obste ao registo do acto tal como é pedido."
(nota x8) Artigo 70.º:
"Registo provisório por dúvidas
"O registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando exista motivo que, não sendo fundamento de recusa, obste ao registo do acto tal como é pedido."
(nota x9) Cf. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil. Reais, citada, p. 338.
(nota x10) Cf. Eduardo dos Santos, "Do princípio do trato sucessivo", in Regesta, Revista de Direito Registral, ano XII, Abril-Junho de 1991, n.º 2, pp. 35 e segs; e v. g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Outubro de 1992, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 420, p. 572.
(nota x11) Artigo 34.º:
"Princípio do trato sucessivo
"1 - O registo definitivo de aquisição de direitos nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 99.º ou de constituição de encargos por negócio jurídico depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera.
2 - No caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito."
(nota x12) Cf., v. g., Oliveira Ascensão, op. cit., p. 344. A falta de coerência interna pode derivar, por exemplo, da existência anómala de duas ordens de registos. A questão será retomada infra. nos termos aconselhados pela economia do parecer.
(nota x13) Artigo 6.º:
"Prioridade do registo
1 - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes.
2 - Exceptuam-se da parte final do número anterior as inscrições hipotecárias da mesma data, que concorrem entra si na proporção das respectivos créditos.
3 - O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.
4 - Em caso de recusa, o registo feito na sequência de recurso julgado procedente conserva a prioridade correspondente à apresentação do acto recusado."
(nota x14) Cf. Mouteira Guerreiro, op. cit., p. 68.
(nota x15) Artigo 7.º:
"Presunções derivadas do registo
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define."
(nota x16) Cf., Isabel Pereira Mendes, "A publicidade registral imobiliária como factor de segurança jurídica", in, Regesta, ano XIII, Abril-Junho de 1992, n.º 2, pp. 40 e segs.
(nota x17) Cf., v. g., A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lisboa, 1993 (reimpressão de 1979), pp. 273 e segs., Mouteira Guerreiro, op. cit., p. 70, e Oliveira Ascensão, op. cit., pp. 351 e segs.
(nota x18) Citou-se Mouteira Guerreiro, op. cit., pp. 70-71. Cf., sobre conflito de presunções derivadas da posse e do registo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1983, anotado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 120.º, n.º 3760, pp. 208 e segs.
(nota x19) A controvérsia sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo teve, na jurisprudência recente, desenvolvimentos inéditos. Cf., sobre o sentido da controvérsia, v. g., Miguel Teixeira De Sousa, "Sobre o Conceito de Terceiros apara Efeitos de Registo", in Revista da Ordem dos Advogados, ano 59.º, 1999, pp. 29 e segs., citando na p. 31, nota 3, variada doutrina sobre o tema, que transmite indicação sobre a intensidade da controvérsia.
Com efeito, recentemente, em três intervenções próximas, uniformizadoras de jurisprudência, o Supremo Tribunal tomou posições sucessivamente divergentes: Acórdãos n.os 15/97, de 4 de Julho, 4/98, de 18 de Dezembro, e 3/99, de 10 de Julho. Nesta decisão, o Supremo voltou a adoptar uma concepção restrita de terceiros para efeitos de registo, uniformizando jurisprudência no seguinte sentido: "Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa."
O legislador, através do Decreto-Lei 533/99, de 11 de Dezembro, acrescentou o n.º 4 ao artigo 5.º do CRP, que fixou em norma legal o sentido da formulação mais recente da jurisprudência uniformizadora.
(nota x20) Exemplo típico de aquisição do direito (pelo registo) pelo pseudo-adquirente: "Se T vende um prédio a A e depois o vende a P, só o primeiro acto é válido e A é o verdadeiro proprietário; mas se o pseudoadquirente registar a venda (inválida por carência de legitimidade substantiva de T) antes de A, passa a ser P quem, desde o momento do registo, deve ser considerado titular. Dá-se uma aquisição derivada". Cf., Oliveira Ascensão, op. cit., p. 365.
(nota 57) Direito Civil. Reais, 5.ª ed. revista e ampliada, Coimbra, 1993, p. 341.
(nota 58) Idem, pp. 342-343. No mesmo sentido, Carvalho Fernandes, Lições de Direito Reais, 3.ª ed. actualizada e acrescentada, quid juris, p. 115.
(nota 59) Carvalho Fernandes, ob. cit., pp. 115-116.
(nota 60) Ibidem.
(nota 61) Idem, p. 226.
(nota 62) Dois exemplos característicos são a doação verbal de coisas móveis, prevista no artigo 947.º do Código Civil, e o contrato de penhor a que se refere o artigo 669.º, n.º 1, do mesmo diploma.
(nota 63) Uma explanação quanto ao regime de constituição, modificação e extinção dos direitos reais, pode ver-se em Carvalho Fernandes, ob. cit., pp. 229 e segs.
(nota 64) O artigo 1316.º dispõe:
"Artigo 1316.º
Modos de aquisição
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei."
(nota 65) O artigo 1306.º tem a seguinte redacção:
"Artigo 1306.º
Numerus clausus
1 - Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito, se não nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.
2 - O quinhão e o compáscuo constituídos até à entrada em vigor deste código ficam sujeitos à legislação anterior."
(nota 66) Dispõe:
"Artigo 2024.º
Noção
Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam."
(nota 67) A liberdade de transmissão do direito de propriedade inter vivos e mortis causa, entendida no sentido restrito de direito de não ser impedido de a transmitir, é explicitamente garantida pelo artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e encontra-se concretizada no artigo 1305.º do Código Civil nos seguintes termos:
"Artigo 1305.º
Conteúdo do direito de propriedade
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas."
(nota 68) Para maiores desenvolvimentos, Carvalho Fernandes, ob. cit., pp. 199 e segs.
(nota 69) A expropriação e a requisição estão expressamente previstas no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, que funciona como norma de autorização e de garantia. O respectivo regime, a que genericamente se referem os artigos 1308.º a 1310.º do Código Civil, está especialmente regulamentado no Código das Expropriações, aprovado pela Lei 169/98, de 18 de Setembro (cf., artigos 809 a 87.º quanto à requisição de imóveis).
A constituição das servidões administrativas está igualmente prevista no artigo 8.º do Código das Expropriações, aplicando-se-lhes com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial, o regime constante desse diploma. Estão aqui em causa, essencialmente, servidões de margem, de aqueduto público, de linhas férreas, eléctricas, telefónicas ou telegráficas, bem como servidões aeronáuticas ou militares.
(nota 70) É o caso das restrições relativas à emissão de fumos, à produção de ruídos, e à construção de instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas; das que se destinam a evitar o devassamento ou gotejamento, e das inerentes ao escoamento natural das águas e protecção de árvores ou arbustos na proximidade das estremas dos prédios.
(nota 71) Assim se exprime Carvalho Fernandes, ob. cit., pp. 60-61.
(nota 72) Cf. Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2.ª ed., p. 83, Mota Pinto, Direitos Reais, Coimbra, 1971, p. 82, Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lisboa, 1993, vol. I, p. 458.
(nota 73) Outras características dos direitos reais, geralmente identificadas pela doutrina, são a sequela e a prevalência. A sequela traduz o poder do titular do direito real de actuar sobre a coisa que lhe foi afectada, mesmo quando se encontre na posse ou detenção de outrem. A prevalência, ou preferência, como também se designa, assinala a prioridade dos direitos reais em relação aos direitos de crédito ou aos direitos reais de constituição posterior (v., por todos, Carvalho Fernandes, ob. cit., pp. 65 a 67 e 69 a 73).
(nota 74) Ob. cit., pp. 51-52.
(nota 75) O pagamento de uma quota dos frutos era a forma típica da renda nos contratos de parceria agrícola, previstos no artigo 1299.º do Código Civil de 1867, e é ainda hoje admissível, ao menos parcialmente, nos temos do artigo 89.º do Decreto-Lei 385/88, de 25 de Outubro, que permite, no contrato de arrendamento rural, que a renda seja estipulada simultaneamente em dinheiro e em géneros.
(nota 76) Ibidem, p. 617.
(nota 77) Menezes Cordeiro parece admitir, também, que certos direitos pessoais inerentes às coisas possam encontrar-se abrangidos pela publicidade registal, mas não desenvolve essa sua posição (cf. ob. cit., p. 270).
(nota 78) Todavia, o Acórdão da Relação do Porto, de 28 de Dezembro de 1997, considerou que a publicidade conferida ao credor impugnante de praticar actos de execução ou de conservação relativamente aos bens alienados pelo devedor corresponde a uma modificação do direito de propriedade, embora não retire daí qualquer consequência prática, designadamente quanto à exigência de formulação do pedido de cancelamento do registo, que, em sintonia com a jurisprudência dominante, continuou a entender não admissível. Na mesma linha, Maria Do Patrocínio Paz Ferreira, que, no entanto, arranca da ideia de que a acção pauliana não tem natureza obrigacional (cf. antecedente a nota 27).
(nota 79) Cf. Gomes Da Silva, "Ensaio sobre o direito geral de garantia das obrigações", Cadernos de Justiça Fiscal, n.º 32; e A. Rocco, II Falimento, Teoria Generale e Origine Storica, 1962, pp. 29 e segs., citados por Penha Gonçalves, ob. cit., p. 205, nota 311.
(nota 80) Cf. Penha Gonçalves, ob. cit., p. 206. Uma crítica a essa concepção, pode verse, também, em Antunes Varela, ob. cit., vol. I, pp. 140 e 144.
(nota 81) Ibidem.
(nota 82) Cf. supra III, 2.
(nota 83) Cf., relativamente a alguns dos tipos citados, Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 51.
(nota 84) Referem-se à emissão de alvará de loteamento, à locação financeira, ao arrendamento por mais de seis anos, à constituição de apanágio, ao ónus de pagamento de anuidades, e à renúncia à indemnização em caso de expropriação.
(nota 85) Trata-se do documento elaborado pela Associação Portuguesa de Bancos, que consta do processo.
(nota 86) Cf. supra VI, 2.
(nota 87) Entre outros, são indicados os seguintes:
Acto declarativo de utilidade pública, no âmbito do processo expropriativo (artigo 17.º, n.º 1, do Código das Expropriações);
Ordens de embargo e demolição de obras executadas em violação de instrumentos de gestão territorial (artigo 105.º, n.º 4, do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro);
Condicionamento de construção e ónus de não fraccionamento do prédio, no âmbito da isenção e dispensa de licença de construção (artigo 6.º, n.º 7, do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro).
(nota 88) Cf. supra V.
(nota 89) V., por todos, Oliveira Ascensão, ob. cit., pp. 357 a 360.
(nota 90) Oliveira Ascensão acrescenta uma outra modalidade de actuação da publicidade registal - a atributiva -, abrangendo as situações em que um titular aparente, que nada adquiriu na ordem substantiva, se torna o titular verdadeiro por se ter antecipado no registo ao titular anterior: é o caso de uma dupla alienação realizada pelo mesmo alienante, em que o segundo adquirente precede o primeiro na realização do registo (ob. cit., pp. 364 a 367).
(nota 91) O artigo 4.º do CRP, sob a epígrafe "Eficácia entre as partes", dispõe:
"1 - Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as partes ou seus herdeiros.
2 - Exceptuam-se os factos constitutivos de hipoteca cuja eficácia, entre as próprias partes, depende da realização do registo."
(nota 92) A atribuição à hipoteca de um efeito constitutivo não é, todavia, pacífica, Oliveira Ascensão prefere falarem "efeito condicionante da eficácia", tendo em linha de conta que o direito real, por sua natureza, não pode ser totalmente desprovido de eficácia, a ponto de não poder ser invocado entre as próprias partes (ob. cit., pp. 357-358).
(nota 93) Menezes Cordeiro, invocando o n.º 2 do artigo 4.º do CRP, considera ser a hipoteca a única hipótese em que se pode falar de um efeito constitutivo, no direito português (ob. cit., p. 281).
(nota 94) Cf. Penha Gonçalves, ob. cit., p. 126.
(nota 95) Cf. Oliveira Ascensão, ob. cit., pp. 360 a 362; Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 129, e Penha Gonçalves, ob. cit., pp. 126-127.
(nota 96) Penha Gonçalves, ob. cit. e loc. cit.
(nota 97) Designação adoptada por Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 282; Carvalho Fernandes, ibidem, Penha Gonçalves, ibidem, e Oliveira Ascensão (que utiliza também o conceito de registo confirmativo), ibidem.
(nota 98) Oliveira Ascensão, idem, p. 358, Carvalho Fernandes, idem, p. 128, e Penha Gonçalves, idem, p. 124.
(nota 99) Neste sentido, Carvalho Fernandes, ibidem.
(nota 100) Ibidem.
(nota 101) Publicidade e Teoria dos Registos, Coimbra, 1966, p. 333. Os casos que o autor identificava como sendo de publicidade-notícia, eram os consignados no artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código de Registo Predial então vigente ("os factos referentes a direitos de enfiteuse, constituídos antes de 1 de Abril de 1867" e "as servidões que se revelem por sinais visíveis e permanentes"), norma essa que, com alterações, corresponde à do actual artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código.
(nota 102) Aprovado pelo Decreto-Lei 42 565, de 8 de Outubro de 1959.
(nota 103) No mesmo sentido, Seabra Magalhães, Estudos de Registo Predial, Coimbra, 1986, p. 18.
(nota 104) Ob. cit., pp. 343-344.
(nota 105) O Código de Seabra, ao definir os actos sujeitos a registo, referia-se às acções reais. Estas eram entendidas como sendo as que tinham por objecto fazer valer um direito real, seja um direito de propriedade, seja um outro direito real sobre coisa alheia (jura in se aliena) (cf. Lopes Cardoso, Registo Predial. Sistema. Organização. Efeitos, Coimbra, 1943, p. 179, citando, nesse sentido, PAULO CUNHA, Lições de Processo Civil e Comercial, 1935-1936; Alberto dos Reis, Processo Ordinário e Sumário, vol. I, p. 239; e Dias Ferreira, Código Civil Anotado, vol. I.
Esta classificação tinha correspondência no artigo 2.º do Código de Processo Civil de 1876 e, também, no Código Civil então vigente (artigo 949.º, n.º 3), e no Código de Registo Predial de 1929 (artigo 180.º, n.º 3), permitindo a distinção entre acções reais e acções pessoais.
Hoje, as espécies de acções são definidas, não consoante a natureza do direito que se pretende tutelar ou os bens sobre que incidem, mas quanto ao seu objecto imediato, distinguindo-se entre acções de simples apreciação, condenatórias ou constitutivas (artigo 4.º do Código de Processo Civil).
Continua, no entanto, a entender-se que a sobredita classificação doutrinal entre acções pessoais e acções reais, em vista do seu objecto mediato, mantém interesse para efeitos de registo (Lopes Cardoso, ob. cit. e loc. cit., e parecer do conselho técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, de 16 de Janeiro de 1986, citado).
(nota 106) Cf. supra IV, 1.
(nota 107) Ob. cit., pp. 8-9.
(nota 108) Idem, pp. 10 e 12
(nota 109 Dispõe este artigo:
"Artigo 271.º
1 - No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substitui-lo.
2 - A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo. Na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efectuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.
3 - A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção."
(nota 110) Note-se que a lei pode estipular um efeito de oponibilidade de carácter substantivo. É o que sucede nas hipóteses contempladas nos artigos 243.º, n.º 3 (simulação), 291.º, n.º 1 (declaração de nulidade ou anulação), 235.º, n.º 2 (resolução de contrato) e 979.º (revogação de doação), todos do Código Civil. Todas estas disposições estabelecem um princípio de eficácia da sentença em relação ao terceiro adquirente quando não tenha registado o seu direito antes do registo da acção. O registo poderá ter um efeito consolidativo que não se coaduna com o que deriva da norma do artigo 2719, n.º 3, do CPC, É o que se depreende do disposto no artigo 243.º, n.º 3, do Código Civil, que faz corresponder o conceito de má fé, para efeito de poder ser arguida a nulidade da simulação contra terceiro, à simples circunstância de o direito ter sido adquirido posteriormente ao registo da acção".
(nota 111) Idem, p. 14.
(nota 112) Idem, pp. 24-25.
(nota 113) Ibidem. No mesmo sentido, em tese geral, Penha Gonçalves, ob. cit., p. 124.
(nota 114) Nesta linha de entendimento, Seabra Magalhães considera que o registo da acção mais não é que a antecipação do registo da própria sentença transitada (ob. cit., p. 25).
(nota 115) Idem, p. 35.
(nota 116) Cf. supra VII, 1.
(nota 117) V. antecedente nota 105.
(nota 118) Pires de Lima e Antunes Varela explicam esta exigência da lei, considerando que, de outro modo, a impugnação da alienação subsequente iria criar um grave e injusto gravame para o subadquirente que se encontrasse de boa fé (ob. cit., p. 630).
(nota 119) Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra, 1946 (reimpressão), pp. 83-84.
(nota 120) Esta posição de Alberto dos Reis mantém plena actualidade dado que a norma em causa é reproduzida no actual Código de Processo Civil.
(nota 121) Parece ser este o entendimento de Cunha Gonçalves, na vigência do artigo 1037.º do Código de Seabra, correspondente ao actual artigo 616.º Escreve este autor:
"[...] Todavia, é meu parecer que o artigo 1037.º presume a boa fé do segundo adquirente, nos contratos a título oneroso. Se assim não fosse, como o segundo adquirente pode chamar à autoria o primeiro, quando este provar a sua boa fé, não poderá o contrato ser rescindido. A má fé pessoal do segundo adquirente não tem importância alguma, porque não foi ele quem adquiriu a cousa ao devedor, nem foi cúmplice na fraude que este cometeu. O mero conhecimento que ele tinha da situação do devedor não constitui má fé, porque não foi do contrato com o primeiro adquirente que resultou o prejuízo, que os credores do primitivo alienante invocam.
Esta doutrina é exacta mesmo no caso de a segunda venda se ter realizado depois de registada a acção revogatória, por ser imóvel a cousa alienada. O registo da acção não influi nos efeitos da acção pauliana, porque a boa fé, neste caso, é conjugada com o carácter oneroso ou gratuito do título de aquisição e com a circunstância de ter havido, ou não, prejuízo dos credores por virtude do segundo contrato." (Tratado de Direito Civil, vol. V, Coimbra, 1932, pp. 791-792.
(nota 122) Note-se que a acção de impugnação está, também, sujeita a regras especiais de prova, no tocante ao montante das dívidas - que incumbe ao autor -, bem como à suficiência dos bens penhoráveis - que impende sobre o devedor e o terceiro adquirente -, regras estas que devem ter-se igualmente como aplicáveis na impugnação das transmissões posteriores (artigo 611.º do Código Civil). Assim, também o subadquirente deve poder demonstrar, em acção contra si intentada, que da alienação não resulta uma diminuição da garantia patrimonial do credor.
(nota 123) Idem, p. 13.
Este parecer foi votado na secção do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República de 21 de Dezembro de 2000.
José Adriano Machado Souto de Moura - Carlos Alberto Fernandes Cadilha (relator) - Maria Cândida Guimarães Pinto de Almeida - Alberto Augusto Andrade de Oliveira (com voto de vencido em anexo) - João Manuel da Silva Miguel - Ernesto António da Silva Maciel - António Silva Henriques Gaspar - Luís Novais Lingnau da Silveira (com voto de vencido em anexo) - Alberto Esteves Remédio - Rui Manuel Lisboa Epifânio - Luís Novais Lingnau da Silveira [votei vencido, relativamente às conclusões 1.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª
Para além de concordar, a propósito, com o voto do meu Exmo. Colega Dr. Alberto Oliveira, permito-me acrescentar as observações seguidamente expostas.
Considero, com efeito, que a acção pauliana está sujeita a registo predial - como, aliás, em sede de política legislativa é tida como a solução mais adequada, mesmo por vários dos que não aceitam esse regime de jure condito.
Esta posição assenta no entendimento de que a acção pauliana produz uma situação enquadrável na noção de "quaisquer outras restrições ao direito de propriedade" contempladas na alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º do CPR.
Dela não decorre, na verdade, uma mera relação obrigacional: a obrigação implica um vínculo de colaboração, só podendo o credor ver o seu direito satisfeito através duma actuação do devedor - a prestação. Ora, da decisão favorável da acção pauliana resulta uma situação de sujeição do adquirente do bem à faculdade de execução deste por parte do credor que a haja intentado (a expressão "dever de restituição" não corresponde, em rigor, ao regime legalmente estabelecido).
Podendo, pois, retirar do bem alienado um benefício imediato, sem necessidade da intermediação do adquirente, o credor vencedor da acção pauliana exerce sobre aquele um poder directo - o de o executar -, que se consubstancia numa faculdade de natureza real (e não obrigacional), com alguma analogia com as garantias reais.
Nem se diga, em contraposição, que se trata, aqui também, de uma manifestação da sujeição do património do enquanto garantia geral das obrigações, á execução por parte dos credores daquele. É que da decisão positiva da acção pauliana resulta uma faculdade de execução de um bem certo e determinado, e não apenas relativa a uma universalidade de conteúdo indeterminado e flutuante, como o património.
O registo (provisório) da acção pauliana, convertível em definitivo face a decisão final favorável, é, nomeadamente, oponível:
Aos outros credores do alienante que também interponham acção pauliana em relação ao mesmo bem alienado;
Aos credores comuns do adquirente que pretendam executar o bem em causa, na medida em que integrado no património daquele;
Ao subadquirente do bem, que o haja adquirido por acto posterior ao exercício da acção pauliana.
Estas categorias de interessados cabem, a meu ver, no conceito (apesar de consabidamente restritivo) de terceiros para efeitos de registo, consoante definido no n.º 4 do artigo 5.º do CRP: "aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si".
Assim:
Os credores titulares de acção pauliana adquiriram por acto de uma mesma pessoa (o devedor), através da alienação nos termos do artigo 610.º do Código Civil, direitos "paralelos" a executar o mesmo bem, cuja satisfação concomitante é, pelo menos em parte, forçosamente incompatível;
O autor da acção pauliana e os credores do adquirente receberam, por força do mesmo acto praticado pelo devedor alienante (aquele, na medida em que o acto haja integrado a previsão do artigo 610.º do Código Civil; estes, através da inclusão do bem no património do adquirente), direitos pelo menos parcialmente incompatíveis: os de executar o mesmo bem, aquele por efeito ria acção pauliana, estes enquanto credores do adquirente;
O autor da acção pauliana e o subadquirente são titulares de direitos também pelo menos parcialmente incompatíveis: aquele, o de executar o bem alienado, este, o de gozar integralmente, sem restrições, o seu direito de propriedade sobre o mesmo. E um e outro adquiriram tais direitos da mesma pessoa: o credor, por virtude do acto abrangido pelo artigo 610.º do Código Civil; o subadquirente, através de dois (ou mais) actos de alienação, encadeados - trata-se, aqui, é certo, de aquisição indirecta ou mediata, mas o artigo 5.º, n.º 4, do CRP não exige que a aquisição a que se reporta seja directa.
Acresce que, a não se aceitar a registabilidade da acção pauliana, se geraria a possibilidade de ocorrência de situações que dificilmente se concebe que o legislador pretendesse admitir.
Nomeadamente:
De entre os vários credores que perfaçam os requisitos do artigo 610.º do Código Civil, não seria necessariamente o mais lesto a intentar acção pauliana a ver satisfeito o seu interesse, mas sim aquele em cuja execução (por razões que podem ser da mais variada índole) se chegasse primeiro à penhora do bem;
O autor da acção pauliana decidida favoravelmente poderia ver o seu direito comprometido ou mesmo frustado, por força da mais rápida execução do bem por parte de credores do adquirente;
Enfim, a própria colocação sistemática do artigo 613.º do Código Civil, relativo à segunda alienação do bem, revela que o legislador apenas a pretendeu contemplar na medida em que anterior à interposição da acção pauliana; isto, pois, implicando que, uma vez exercida a acção pauliana, ela seria oponível - na medida em que registada - ao subadquirente] - Alberto Augusto Andrade de Oliveira [votei contra as conclusões 4.ª, 5.ª e 6.ª Na verdade, sem prejuízo da força da argumentação desenvolvida, manter-me-ia fiel à corrente tradicional.
Considerando adquirido o conhecimento das posições contrárias à que fez vencimento, de que o parecer, aliás, dá ampla notícia, limitar-me-ei a um pequeno apontamento.
Na compreensão de todas as normas jurídicas do registo predial deve ter-se presente a sua função essencial, que é a de dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (artigo 1.º do Código do Registo Predial).
Ao mesmo tempo, na compreensão do instrumento de garantias das obrigações que é a impugnação pauliana deve perceber-se que uma interpretação que restrinja o seu campo de intervenção, para menos do que já resulta da sua própria e exigente normação, remeterá esta garantia para sede tão residual que perderá sentido económico-jurídico.
Para ilustrar a razão da discordância, atente-se nos seguintes exemplos e nos respectivos resultados, a seguir-se a linha do parecer.
1 - Na pendência da acção de impugnação, ou já julgada esta procedente, o adquirente, sem dela dar o mínimo conhecimento a terceiro comprador, aliena o bem a que a acção respeita (e coloca-se, em seguida, em situação de impossibilidade de satisfazer a sua responsabilidade pelo valor dos bens que alienou).
Resultado - como o subadquirente não agiu de má fé, o credor não poderá agir contra ele (artigo 613.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que se concretiza totalmente a diminuição da garantia patrimonial do crédito a que o autor pretendera obviar.
2 - O adquirente, ou subadquirente, hipoteca, na pendência da acção, ou mesmo depois de julgada procedente, o bem a que respeita o negócio impugnado.
Resultado - não tendo o credor hipotecário o mínimo conhecimento da pendência da acção, e encontrando-se em plena boa fé, não terá êxito qualquer impugnação que lhe seja dirigida (artigo 613.º, n.º 2).
A solução para os exemplos que demos radica, conforme toda a última parte do parecer, no entendimento de que para as transmissões posteriores à propositura da acção, maxime para as transmissões posteriores à sentença final, continuam a aplicar-se as regras do artigo 613.º do Código Civil, nenhuma relevância tendo aquela sentença.
Ora, se assim for, quanto mais distantes estiverem da primeira as sucessivas transmissões mais problemático será vir a configurar-se má fé por parte dos respectivos subadquirentes, com a inevitável improcedência do meio.
Cremos que estes resultados, à luz da solução do parecer, patenteiam que esta invalidaria grande parte do sentido da garantia pauliana. Não apenas se oneraria o credor com a propositura de sucessivas acções, tantas quantas as transmissões que se fossem efectuando, como se o votaria a um mais que provável fracasso.
Afinal, a instauração da acção quase que só poderia salvaguardar o credor se este fizesse uso, imediatamente após a sua instauração, de outros meios de garantia patrimonial, por exemplo, o arresto. Mas estes meios podem não lhe convir, além de que não são de resultado antecipável.
Salvo melhor, a impugnação pauliana tem de conter virtualidade autónoma de garantia. Por isso, haverá que descobrir o real sentido dos dispositivos que a regulam, nomeadamente o do artigo 613.º do Código Civil.
Este preceito não respeitará às transmissões, ou à constituição de direitos sobre os bens: transmitidos em benefício de terceiro, após a acção de impugnação.
Como parece ser a posição de Pires de Lima e Antunes Varela, do que se trata aí é da transmissão a terceiro dos bens alienados pelo devedor "antes do exercício da impugnação pauliana" (Código Civil Anotado, Coimbra Editora, anotação I ao artigo 613.º, n.º 1).
É verdade que também se aplicará às transmissões após a acção mas, aí, apenas se o credor não tiver registado a acção, caso em que não se poderá valer do efeito do artigo 271.º, n.º 3 do Código Civil, nem da oponibilidade e prioridade registrais.
Nesta perspectiva, que se me afigura mais ajustada, afasta-se a contradição que o parecer descobre na possibilidade de a realidade registal se sobrepor à realidade substantiva superando o requisito substancial do artigo 613.º. Não há qualquer contradição, precisamente por que o campo por excelência de aplicação deste preceito é o das transmissões anteriores à acção, não o das posteriores
Como diz Menezes Cordeiro, a publicidade registal da sentença favorável ao impugnante dá, assim, "a conhecer ao público a precisa situação dos bens" (Revista da Ordem dos Advogados, ano 51.º, Julho de 1991), com o que se cumpre aquela função essencial do registo predial que o artigo 1.º do CRP proclama; concomitantemente, o registo, permitindo obter o efeito do artigo 271.º, n.º 3 do Código Civil, e dando-se, portanto, conteúdo adequado à impugnação pauliana, preserva os direitos daqueles que no registe confiam para obter o exacto conhecimento da situação dos bens.]
(Este parecer foi homologado por despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado da Justiça de 30 de Janeiro de 2001.)
Está conforme.
Lisboa, 12 de Março de 2001. - O Secretário, Jorge Albino Alves Costa.