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Assento 1/84, de 19 de Abril

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Sumário

Fixa a jurisprudência seguinte: se, num concurso real de infracções, o réu só em relação a alguma ou algumas delas for especificamente reincidente, nem por isso ficará privado, quanto às outras, do perdão que lhe caiba face à Lei n.º 3/81, de 13 de Março.

Texto do documento

Assento 1/84
Cópia do douto acórdão proferido nos autos de recurso para o tribunal pleno n.º 36638, em que são requerente o ministério público e recorridos Maria Nazaré Abegão Figueiredo e outros:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da Secção Criminal recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenário, do Acórdão de 3 de Fevereiro de 1982 exarado no processo 36477, e junto por fotocópia a fls. 7 e seguintes, com o fundamento de haver oposição entre ele e o acórdão também deste Supremo Tribunal proferido no processo 36322, em 28 de Julho de 1981, e publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 309, a pp. 229 e seguintes.

Na apreciação da questão preliminar a que alude o artigo 768.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ficou julgado existir entre os 2 acórdãos indicados a oposição que serve de fundamento ao recurso, ordenando-se em conformidade o prosseguimento dos respectivos termos.

Só o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrente alegou quanto ao fundo da questão, expressando o parecer de que no caso ocorre, na verdade, o conflito de jurisprudência invocado, e propondo a sua resolução nos termos do acórdão recorrido.

O processo tem os vistos legais. Cumpre decidir.
2 - Reexaminada, como a lei prescreve, a questão preliminar da oposição dos acórdãos invocados, novamente se verifica que estes constam de processos diferentes, e que só o mais antigo transitou em julgado.

Igualmente se verifica que ambos foram proferidos no domínio da mesma legislação, no caso a Lei 3/81, de 13 de Março, e que as situações de facto condicionantes da aplicação dessa lei eram idênticas: imposição aos réus condenados, em razão de um concurso real de infracções, de várias penas parcelares e de uma pena única expressando o respectivo cúmulo jurídico - sendo, porém, certo que se comprovava em relação a alguns dos crimes cometidos a circunstância agravante da reincidência.

Verifica-se, enfim, que nos 2 acórdãos se decidiu a mesma questão fundamental de direito [a interpretação do artigo 4.º, alínea a), da Lei 3/81, de 13 de Março] de modo diverso: enquanto num se julgou que a reincidência em algum ou alguns dos crimes em concurso afastaria desde logo a possibilidade de o condenado beneficiar do perdão previsto no preceito citado, no outro julgou-se que a reincidência nas referidas circunstâncias não afastaria a possibilidade do mesmo perdão, devendo a pena única aplicável traduzir o benefício do perdão nos crimes em que aquela se não demonstrava.

Há, pois, razões para decidir, como no acórdão preliminar de fls. 28 e 29, que existe entre os 2 acórdãos em apreço a oposição que serve de fundamento ao recurso para o tribunal pleno. E que este deve, nessa conformidade, proferir assento a fixar jurisprudência.

3 - A questão de direito a resolver centra-se, como há pouco se disse, na interpretação do artigo 4.º, alínea a), da Lei 3/81, e visa definir qual a incidência do perdão prescrito na mesma lei num concurso de infracções, quando ocorra a reincidência em algumas destas.

Também já se disse em que termos se fixou a disparidade das soluções dos acórdãos em oposição.

4 - O texto interpretando é o seguinte:
Não beneficiam do perdão prescrito no artigo 2.º:
a) Os reincidentes;
b) Os delinquentes habituais ou por tendência;
c) Os delinquentes que, tendo beneficiado do perdão concedido pelo Decreto-Lei 259/74, de 15 de Julho, perderam esse benefício, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º desse diploma;

d) Os condenados por crimes essencialmente militares.
Cuidar-se-á aqui tão-somente de estudar o sentido da alínea a) transcrita, afinal a que está em causa, mas não sem antes observar que a resolução da questão submetida era, no momento da interposição deste recurso, condicionada pela resolução do problema de saber qual a incidência, em geral, do perdão da Lei 3/81, no caso de concurso de infracções.

Está já hoje, porém, fixado que "no caso de concurso real de infracções em que, nos termos do artigo 102.º do Código Penal de 1886, tem de aplicar-se ao réu uma pena única, é sobre esta, e não sobre as penas parcelares que o § 2.º do mesmo artigo manda também indicar, que deve incidir o perdão prescrito pelo artigo 2.º da Lei 3/81, de 13 de Março» (Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5, de 10 de Outubro de 1983, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 11 de Novembro do mesmo ano).

5 - Arredada, assim, a questão condicionante, e postulado o entendimento que se expressou, cumpre, ao abordar o tema específico do presente recurso, registar que a solução perfilhada no acórdão recorrido tem sido, desde a data deste, a reiteradamente seguida neste Supremo Tribunal.

Ela é, na verdade, a mais harmónica com os princípios que dominam o instituto da reincidência, com os termos da lei e também com a lógica do sistema legal em que a questão se assume.

6 - Considerando este último vector, o que logo se oferece ponderar é o absurdo que seria se a lei geral imputasse a toda a pena unitária de um concurso de infracções a agravação da reincidência prevista no artigo 100.º do Código de 1886 ou no artigo 77.º do actual e referida apenas a um dos crimes do concurso. Ver na Lei 3/81 um pensamento legislativo semelhante, não seria menor absurdo.

Pense-se, também, e por outro lado, como seria iníquo recusar qualquer perdão a uma pesada pena unitária de um concurso de infracções, somente por se verificar a reincidência numa infracção de pequena gravidade, levemente punida e de quase nula influência no cúmulo jurídico formado.

Sempre, como a própria lei ensina, o intérprete deverá presumir que o legislador quis consagrar a solução mais acertada. Nas dúvidas, pois, que a Lei 3/81 possa suscitar, nunca a presunção seria no sentido absurdo ou iníquo que se apontou, mas, naturalmente, no inverso.

7 - A consideração dos termos da norma interpretanda e dos princípios que dominam o instituto da reincidência confirmam seguramente o entendimento que se viu ser o presumível e harmónico com a lógica do sistema legal.

Sabe-se que a reincidência era considerada na época da publicação da Lei 3/81, e ainda hoje o é, uma circunstância ligada à maior culpa do agente evidenciado no seu desrespeito à solene advertência contida na sentença anterior (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal - Parte Geral, vol. II, p. 143). Daí a cominação, que justifica, de uma reacção criminal mais severa.

A reincidência era, porém, e ainda é, sempre referida ao cometimento de um facto criminoso e a certas circunstâncias deste, e não à personalidade do delinquente (cf. actas citadas, p. 147).

Ela não define, portanto, como é comummente sabido, uma categoria de criminalidade ou um tipo legal de delinquente.

Se ela constituísse tal categoria ou tipo legal, necessariamente que a sua menção no preceito interpretando importaria a impossibilidade genérica da concessão do perdão a um tal delinquente. Aconteceria como na alínea b) do artigo 4.º em apreço, respeitante a delinquentes habituais ou por tendência.

Porque ela não tem, porém, essa natureza, é óbvio que a sua menção no texto legal só releva na exacta medida dos seus significado e alcance, e, portanto, que é apenas referida aos factos criminosos em que ocorre, ou melhor, às penas relativas a tais factos.

8 - Não prevalece contra este entendimento a observação de que a pena unitário é, no concurso de infracções, a pena realmente aplicada ao agente, tendo as penas parcelares apenas a natureza de informativas ou hipotéticas (cf. assento deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 1983 citado).

Não é, na verdade, adequado retirar desta realidade conceitual a conclusão de que, sendo assim, a reincidência do agente só pode repercurtir-se na pena unitária, já que as outras não serão verdadeiras penas em que um perdão possa efectivar-se.

Tal raciocínio estaria viciado por equívoco nas proposições. É certo que as penas parcelares são informativas e hipotéticas, mas não são nulas, nem se excluem do mundo jurídico.

E se elas são, por isso, invocáveis, como se sabe, na eventual superveniência de uma amnistia ou de uma declaração de prescrição restritas a algum ou alguns dos crimes de um concurso real, não será justificado recusar a sua valia num caso de perdão incidente só sobre alguma ou algumas delas que tenha de ser conhecido no próprio acto de julgamento.

9 - Não se cuidará aqui de resolver, porque não é objecto do presente recurso nem está em causa, como formular a pena unitária em tal emergência. Com frequência, aliás, neste Supremo Tribunal se tem decidido o caso nos termos que se reputam adequados (cf., por todos, o Acórdão de 8 de Julho de 1982, processo 36685).

Nesta conformidade se decide conceder provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e formulando-se o seguinte assento:

Se, num concurso real de infrações, o réu só em relação a alguma ou algumas delas for especificamente reincidente, nem por isso ficará privado, quanto às outras, do perdão que lhe caiba face à Lei 3/81, de 13 de Março.

Não é devido imposto de justiça.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 1984. - José Ferrando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - José Luís Pereira - Manuel Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - José dos Santos Silveira - Manuel Baptista Dias da Fonseca - João Fernandes Lopes Neves - Antero Pereira Leitão - Licurgo Augusto dos Santos - Manuel Flamino dos Santos Martins - António Júdice de Magalhães Barros Baião - Raul José Dias Leite Campos - Abel Vieira Campos Carvalho Júnior - António Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Júnior - Aníbal Aquilino Fritz Tiedmann Ribeiro - Otávio Dias Garcia - Manuel Alves Peixoto - Ruy de Matos Corte Real - Amílcar Moreira da Silva - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Américo Fernando de Campos Costa - Silvino Alberto Villa Nova - António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licínio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - João de Sá Alves Cortez - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny (votei o assento, mas com a declaração de que entendo que, ao menos virtualmente, a respectiva doutrina implica a prévia aplicação do perdão às penas parcelares abrangidas, para depois se poder fazer o cúmulo jurídico, o que parece em contradição com o assento de 1983) - Américo Fernando de Campos Costa (vencido pelas razões constantes da anexa.


Declaração de voto
Embora na técnica do Código Penal de 1886 a reincidência não traduza uma categoria de delinquentes, nada obsta que outras leis penais considerem os reincidentes uma categoria especial de condenados para determinados fins. É justamente o caso do artigo 4.º, alínea a) da Lei 3/81, de 13 de Março quando não permite que os reincidentes beneficiem do perdão de pena. Aliás, no vigente Código Penal a reincidência não deixa de ser também uma circunstância que se imputa ao agente a fim de ser agravada a pena de determinado crime (artigo 77.º) e, no entanto, o artigo 76.º declara que "será punido como reincidente aquele que [...]».

Ora, gramaticalmente, reincidente significa aquele que reincidiu, e, por isso, só mediante uma interpretação restritiva do artigo 4.º, alínea a) da Lei 3/81, se poderá aduzir que, no caso de concurso real, o agente apenas não beneficia do perdão quanto ao crime ou crimes que foram objecto de agravação especial devido à reincidência. Simplesmente, a interpretação restritiva apenas é permitida quando a ratio legis a tal conduza. Ora, sendo o perdão uma medida de clemência, reputa-se mais adequado que se não considere merecedor da medida de clemência todo aquele que, após haver sido condenado por sentença transitada, haja incorrido em nova condenação por um crime cometido em determinadas circunstâncias. De contrário, no mesmo momento temporal, o condenado é considerado merecedor da clemência e não o é.

E menos se justifica que, para o efeito, no caso de concurso, o condenado possa beneficiar do perdão da pena aplicada aos crimes em que não seja reincidente, porque isso contradiz a regra de o perdão da pena incidir sobre a pena única, e não sobre as penas parcelares.

Está conforme.
Lisboa, 9 de Março de 1984. - Escrivão-Adjunto.
(Assinatura ilegível.)

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/185733.dre.pdf .

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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