Acórdão 241/2000/T. Const. - Processo 825/96. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - A empresa EUROMINAS - Electro Metalúrgica, S. A., requereu no Supremo Tribunal Administrativo a suspensão de eficácia do acto administrativo contido no Decreto 14/95, de 22 de Maio, atribuído ao Conselho de Ministros, que determinou a reversão para o domínio público marítimo dos terrenos do estuário do Sado de que era proprietária e que tinham sido desafectados pelo Decreto 337/73, de 5 de Julho.
O Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção), pelo seu Acórdão de 6 de Novembro de 1995, rejeitou o pedido de suspensão de eficácia assim formulado, com fundamento em que a requerente, ao formulá-lo, não indicara a contra-interessada (no caso, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra), nem era caso de a convidar a regularizar a petição, dado que o artigo 40.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não é aplicável aos meios processuais acessórios previstos nos artigos 76.º e seguintes da mesma lei.
Inconformada com esta decisão, a EUROMINAS recorreu para o pleno do mesmo Supremo Tribunal, com fundamento em oposição de julgados, invocando, para tanto, o Acórdão de 18 de Abril de 1991, da mesma Secção, segundo o qual aquele artigo 40.º, n.º 1, é aplicável ao processo de suspensão de eficácia de actos administrativos.
Na alegação então apresentada, a recorrente disse, entre o mais, que a interpretação do referido artigo 40.º, n.º 1, alínea b), no sentido da sua inaplicabilidade aos pedidos de suspensão de eficácia de actos administrativos, "contraria frontalmente os princípios da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade, garantidos, respectivamente, nos artigos 20.º e 268.º, n.os 4 e 5, e 13.º da Constituição, pois que veda às pretensões deduzidas pelos particulares, em sede da suspensão da eficácia de actos administrativos, a adequada tutela jurisdicional" e "cria, em consequência, situações de injustificada desigualdade entre os pedidos formulados no meio processual acessório da suspensão de eficácia e no recurso contencioso de anulação".
O pleno do Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 3 de Outubro de 1996, negou provimento ao recurso, reafirmando a tese de que o referido artigo 40.º, n.º 1, alínea b), não é aplicável nos pedidos de suspensão de eficácia dos actos administrativos.
2 - É deste Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Outubro de 1996 que vem interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 40.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, "na interpretação restritiva que lhe foi dada [...], contrariadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição, e criadora de situações de desigualdade em violação do artigo 13.º da Constituição".
Neste Tribunal, alegou a recorrente, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Contrariamente ao afirmado no aliás douto acórdão recorrido, uma interpretação restritiva da alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º da LPTA não surge sequer autorizada pela celeridade do meio processual da suspensão da eficácia, pois que a celeridade de qualquer meio processual apenas deve prevalecer sobre as garantias reconhecidas aos sujeitos processuais nos casos expressamente previstos na lei, sob pena de se frustrar o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva, garantido ex vi do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição. Assim,
2.ª E sem embargo da natureza urgente do processo de suspensão da eficácia, nada obsta à regularização da petição por aplicação do artigo 40.º, n.º 1, da LPTA, na medida em que por aplicação do artigo 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao processo especial, no que não estiver regulado, aplica-se o estabelecido para o processo comum. Por outro lado,
3.ª É incongruente admitir-se a regularização da petição no recurso contencioso e não admitila na suspensão de eficácia de actos administrativos, pois o pressuposto processual da legitimidade não tem autonomia neste último relativamente àquele primeiro. Acresce ainda que,
4.ª A celeridade tem inconvenientes e só deve ir até onde a lei o imponha, sob pena de dar lugar a soluções sem o mínimo de garantias de defesa do direito das partes e de uma ponderada decisão. Finalmente,
5.ª A argumentação acolhida no aliás douto acórdão recorrido redunda numa visão unilateral dos interesses envolvidos no meio processual acessório da suspensão da eficácia, que sobrepõe o interesse público aos direitos e interesses legítimos dos particulares, ao arrepio do disposto no artigo 266.º, n.º 1, da Constituição. Em consequência,
6.ª A doutrina expendida no aliás douto acórdão recorrido contraria frontalmente os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva, garantido nos artigos 20.º e 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição, pois que, com fundamento numa ilegítima interpretação restritiva do artigo 40.º, n.º 1, alínea b), da LPTA, traduz-se numa autêntica denegação de justiça, com violação grave do princípio da tutela judicial efectiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados. Do mesmo modo,
7.ª Cria situações de injustificada desigualdade, em violação do artigo 13.º da Constituição, entre os pedidos formulados no meio processual acessório da suspensão de eficácia e no recurso contencioso de anulação.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, julgar-se inconstitucional a interpretação restritiva do artigo 40.º, n.º 1, da LPTA sufragada no aliás douto acórdão recorrido.
De sua parte, a Presidência de Conselho de Ministros concluiu assim a sua alegação:
1.º O douto acórdão recorrido limitou-se a fazer a única interpretação admissível face às normas que regulam a suspensão de eficácia dos actos administrativos;
2.º O processo de suspensão de eficácia tem uma natureza urgente, face ao princípio da plena executoriedade dos actos da Administração;
3.º A celeridade do processo não é, assim, compatível com a existência de qualquer despacho de aperfeiçoamento;
4.º A não aceitação da regularização da petição num processo de suspensão de eficácia não viola os princípios constitucionais estatuídos nos artigos 266.º, n.º 1, 20.º e 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição;
5.º A disciplina processual, com a imposição de regras quanto ao funcionamento do processo de suspensão de eficácia, não põe em causa o acesso dos particulares aos tribunais, não implica qualquer denegação de justiça.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, julgar-se não inconstitucional a interpretação feita no douto acórdão recorrido.
3 - Houve mudança de relator.
Cumpre, agora, decidir.
II - Fundamentos. - 4 - A norma "sub iudicio":
O artigo 40.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho) inscreve-se no capítulo III e é relativo ao recurso contencioso. Versando sobre a regularização da petição de recurso, dispõe como segue:
"Artigo 40.º
Regularização da petição
1 - Sem prejuízo dos demais casos de regularização da petição de recurso, esta pode ser corrigida a convite do tribunal, até ser proferida decisão final, sempre que se verifique:
a) ...
b) A falta ou o erro na indicação de identidade e residência dos interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar.
2 - ..."
De acordo, pois, com o que se prescreve na alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º, acabada de transcrever, faltando ou havendo erro na indicação da identidade ou da residência das pessoas a quem o provimento do recurso possa prejudicar, o juiz deve convidar o recorrente a suprir tal deficiência.
Significa isto que, indicando o recorrente erradamente a entidade recorrida ou qualquer outro contra-interessado, o juiz não deve rejeitar logo o recurso com fundamento em ilegitimidade do demandado.
Tal preceito legal, como decorre da sua inserção sistemática e dos seus próprios dizeres, rege apenas para o recurso contencioso.
Por isso, contrariamente ao sustentado pela recorrente, quando o acórdão recorrido decidiu que a disciplina constante de tal normativo não se aplica ao pedido de suspensão de eficácia dos actos administrativos, não procedeu a qualquer interpretação restritiva. Ao invés, extraiu de tal preceito o sentido que dele directamente se colhe.
A interpretação adoptada pelo acórdão recorrido, como nele se informa, é, de resto, a interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo sempre adoptou. A única excepção é, segundo o acórdão recorrido, a do Acórdão de 18 de Abril de 1991 (processo 29 293).
A questão de constitucionalidade que, então, aqui há que decidir consiste em saber se a norma constante da alínea b) do n.º 1 do citado artigo 40.º assim interpretada - ou seja: interpretada no sentido de não ser aplicável ao pedido de suspensão de eficácia dos actos administrativos (regulado nos artigos 76.º e seguintes do mesmo diploma legal), não havendo, por isso, aí lugar a convite para regularização da petição - é inconstitucional.
É esta questão que passa a decidir-se.
5 - A questão de constitucionalidade:
5.1 - Sustenta a recorrente, em síntese, que a norma sub iudicio, interpretada por forma a não ser aplicável ao pedido de suspensão de eficácia, frustra "o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva, garantido ex vi do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição". E, para além de criar "situações de injustificada desigualdade, em violação do artigo 13.º da Constituição, entre os pedidos formulados no meio processual acessório de suspensão de eficácia e no recurso contencioso de anulação", "traduz-se numa autêntica denegação de justiça".
5.2 - Não tem razão a recorrente.
De facto, e começando pelo princípio da igualdade, é óbvio que não é ele violado pela circunstância de, nos recursos contenciosos de anulação, haver lugar ao convite para regularização da petição e de outro tanto não suceder nos pedidos de suspensão de eficácia dos actos administrativos.
Tal princípio, com efeito, não proíbe o legislador de estabelecer regimes jurídicos diferenciados; proíbe-lhe tão-só que o faça, quando não exista fundamento material para tanto. A igualdade o que proíbe é o arbítrio legislativo, a adopção de soluções legais irrazoáveis e arbitrárias, porque carecidas de fundamento racional.
Ora, o recurso contencioso de anulação é, essencialmente, distinto do pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo: nele impugnam-se os actos administrativos lesivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente; no pedido de suspensão de eficácia, solicita-se que o acto recorrido ilegal se não execute, dado ser susceptível de causar "provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso".
Esta diferença essencial entre o recurso contencioso e o pedido de suspensão de eficácia conduz, de resto, a uma diferente tramitação processual num e noutro caso: desde logo, o pedido e suspensão é um processo urgente (cf. artigo 6.º da citada Le de Processo). Essa mesma diferença essencial confere razoabilidade à solução de, no recurso contencioso, haver lugar ao convite para a regularização da petição e de o mesmo não suceder no meio processual acessório, que é o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo, cujo processado não prevê, sequer, a emissão de um despacho inicial, pois, registado o requerimento, a secretaria expede logo notificações por via postal, simultaneamente à autoridade recorrida e aos demais interessados (cf. artigo 78.º, n.º 2, da citada Lei de Processo).
A norma sub iudicio também não viola o direito a uma tutela jurisdicional efectiva.
Na verdade, o interessado continua a poder impugnar contenciosamente os actos administrativos que considere lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e, bem assim, a poder requerer que tais actos se não executem, verificados que sejam os requisitos enunciados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 76.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Apenas sucede que o requerente do pedido de suspensão de eficácia tem que pôr particular cuidado na elaboração do respectivo requerimento, pois, não havendo lugar a convite para aperfeiçoamento do mesmo, a falta ou erro na indicação dos elementos exigidos no n.º 2 do artigo 77.º do mesmo diploma legal compromete o êxito da pretensão. Mas isto não impossibilita o exercício do direito à tutela jurisdicional efectiva, nem torna esse exercício particularmente oneroso.
De resto, a inexistência de convite para aperfeiçoamento do requerimento do pedido de suspensão de eficácia, designadamente quando, em caso como o dos autos, exista erro na indicação dos contra-interessados, justifica-se, desde logo, por se tratar de um processo urgente, no qual, por isso, a celeridade processual faz particulares exigências: na verdade, não podendo, em princípio, a autoridade administrativa, uma vez recebido o duplicado do requerimento, executar o acto administrativo (cf. artigo 80.º da Lei de Processo citada), se o processo não for célere, a Administração poderá ver a sua actuação paralisada ou, ao menos, adiada - tudo, com grave lesão do interesse público. Para além de que a celeridade processual é também um valor constitucional, pois só se faz verdadeiramente justiça quando a mesma se administra "em prazo razoável e mediante processo equitativo", como se consigna no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.
5.3 - Em conclusão:
A norma sub iudicio não é, assim, inconstitucional.
Há, por isso, que negar provimento ao recurso.
III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 11 de Abril de 2000. - Messias Bento - Guilherme da Fonseca - Bravo Serra - José de Sousa e Brito (vencido, nos termos da declaração junta) - Luís Nunes de Almeida.
Declaração de voto. - Votei vencido, nos termos do projecto de acórdão, que elaborei como primitivo relator, por entender que o Tribunal deveria ter concedido provimento ao recurso. julgando inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.os 4 e 5, conjugados com o artigo 18.º, n.º 2, todos da Constituição, o artigo 40.º, n.º 1, alínea b), da LPTA (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), quando interpretado no sentido da sua não aplicação à suspensão da eficácia dos actos prevista nos artigos 76.º e seguintes da LPTA.
Dos traços essenciais da tramitação da providência de suspensão da eficácia de actos administrativos emerge, como decorrência, aliás, do estabelecido no artigo 6.º, n.º 1, da LPTA, o carácter urgente do procedimento estabelecido, caracterizado essencialmente por uma preparação célere do processo, fundamentalmente pela secretaria, só finda a qual ocorre a intervenção (e tendencialmente uma intervenção final decisória) do juiz.
Neste aspecto - para além do argumento decorrente da "inserção sistemática" na LPTA do artigo 40.º - vê o STA, na decisão recorrida, a inadequação de um despacho de aperfeiçoamento ao processo de suspensão ("Infere-se [...] que quando o processo é concluso ao juiz ou ao relator se segue de imediato, o seu julgamento, não havendo, por isso, lugar a despacho de aperfeiçoamento, em que se poderia formular convite para a regularização da petição, no caso vertente, para a requerente indicar a contra-interessada, ao contrário do que a lei prevê para o processo comum - cf. n.º 1 do artigo 477.º do CPC").
Note-se, porém, que a compaginação de uma tramitação deste tipo com a prolacção de um despacho de aperfeiçoamento ou sucedâneo é-nos demonstrada pelo modelo subjacente à versão do Código de Processo Civil, introduzida pelos Decretos-Leis 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro. Com efeito, neste, como sublinha Fernanda Maçãs [em anotação ao acórdão aqui recorrido nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 2, Março/Abril 1997, pp. 37 e segs. ("Correcção do requerimento de suspensão da eficácia: uma jurisprudência a corrigir")]: "com a revogação do artigo 477.º do CPC anterior, desapareceu, em regra, a possibilidade de intervenção do juiz na fase inicial do processo. Essa intervenção ocorre agora na fase do denominado despacho pré-saneador, proferido com base no artigo 508.º, segundo o qual o juiz vê os seus poderes amplamente alargados [...], para além de poder convidar as partes a suprir as irregularidades, não apenas da petição, mas de qualquer dos articulados (cf. artigos 508.º, n.os 2 e 3), pode apreciar e convidar a corrigir aspectos relacionados com os pressupostos processuais" - e acrescenta mais adiante a mesma autora: "se a tendência é para o aumento dos poderes processuais do juiz no domínio do processo civil, no âmbito do processo administrativo, considerando o seu predominante carácter objectivista, mormente no contencioso de impugnação, não pode deixar de entender-se que os poderes de intervenção do juiz assumem intensidade mais ampla" (ob. cit., p. 38).
No mesmo sentido, o n.º 5 do artigo 104.º do anteprojecto da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Reforma do Contencioso Administrativo. Discussão Pública. Ministério da Justiça, 2000) determina quanto a todas as medidas cautelares, incluindo a de suspensão da eficácia, que na falta de indicação no requerimento de qualquer dos elementos devidos (salvo se faltar a designação do Tribunal ou da secção no tribunal superior, que são imprescindíveis), o interessado será notificado para fazer tal indicação no prazo de cinco dias.
A questão que a este Tribunal se coloca, no entanto, não se configura como a fixar, entre interpretações divergentes, a mais adequada, mas antes, por referência a normas ou princípios constitucionais, excluir a interpretação inconstitucional (ou fixar a interpretação que cumpra a Constituição).
A inconstitucionalidade da interpretação seguida pela decisão aqui recorrida, quanto ao artigo 40.º da LPTA, foi, na doutrina, inicialmente sugerida por Maria Fernanda Maçãs (A Suspensão Judicial da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional da Tutela Judicial Efectiva, Coimbra 1996, pp. 137/145: "A manutenção desta situação, só compreensível em virtude da tradicional tendência que caracteriza a jurisprudência administrativa em multiplicar os protestos de ordem formal para evitar uma decisão de fundo, acaba por retirar toda a eficácia prática e relevo ao instituto da suspensão, concebido como elemento insuprível do direito à tutela judicial efectiva" - p. 145). Mais recentemente, na anotação já anteriormente citada, a mesma autora, continuando a reportar a possibilidade de aperfeiçoamento do requerimento de suspensão ao princípio da tutela judicial efectiva, aprecia a prática jurisprudencial aqui sindicada nos seguintes termos: "a prática indiscriminada de fazer sancionar com a rejeição liminar do pedido, qualquer que seja o defeito do requerimento, sem possibilidade de qualquer correcção (revela-se) uma medida violadora do princípio da proibição do excesso" cuja "desproporcionalidade é evidente se se tiver em conta que, em muitas situações, a não aceitação da regularização do requerimento de suspensão pode traduzir-se na aniquilação do direito ao recurso" (ob. cit., p. 43).
A teorização desta perspectiva encontramo-la, de novo, em Sérvulo Correia ("Errada identificação do autor do acto recorrido; Direcção do processo pelo juiz; Efectividade da garantia constitucional de recurso contencioso; Repressão da violação da legalidade", Revista da Ordem dos Advogados, 54-III, 1994, pp. 857 segs.) a propósito de questão, com bastantes pontos de contacto com a aqui em causa. Aí se sublinha, em expressa referência à aplicabilidade do artigo 40.º da LPTA (no caso ao procedimento tributário relativo à liquidação de receitas aduaneiras) que:
"A rejeição do formalismo na aplicação do artigo 36.º, alínea c), da LPTA (dever de identificação pelo recorrente do autor do acto recorrido) tem como verso o entendimento que deve ser dado ao poder - conferido ao juiz pelo artigo 40.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma - de convidar o recorrente a corrigir a petição na parte em que identifica erroneamente o autor do acto recorrido. Este poder constitui uma manifestação entre outras do princípio do inquisitório. O princípio do inquisitório tem por conteúdo o papel activo do juiz na direcção do processo. Este poder abrange não apenas a indagação da situação de facto por iniciativa do julgador e a livre apreciação da matéria probatória mas também a determinação da prática de actos processuais destinados a possibilitar ao tribunal a melhor concretização da justiça material.
No nosso direito processual administrativo, este princípio representa, por um lado, um instrumento da efectividade da garantia de recurso contencioso formulada no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição e, pelo outro, uma consequência da função objectivista (a par de subjectivista) do recurso contencioso administrativo."
E acrescenta o mesmo autor:
"A eficácia do meio processual constitucionalmente garantido depende naturalmente em boa parte do âmbito dos poderes do juiz na condução do processo, e isso tanto mais nos processos dos contenciosos administrativo e tributário, onde a paridade real das posições processuais da parte pública e da parte privada é mais difícil de consagrar. Como bem observam Gomes Canotilho/Vital Moreira, a plenitude do princípio da garantia jurisdicional administrativa requer o alargamento dos poderes tradicionalmente reconhecidos aos juizes do contencioso administrativo. A tutela jurisdicional terá de consistir numa protecção efectiva que só poderá alcançar-se reconhecendo o juiz administrativo [...] como juiz de amparo (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 942).
Mas se esse papel constitucionalmente exigido ao juiz administrativo [...] terá necessariamente de passar pela titularidade de uma gama de novos poderes que assegurem remédios jurisdicionais ultrapassando o estreito quadro tradicional, por maioria de razão ele impõe o emprego pelo juiz dos poderes de direcção do processo que o legislador lhe atribuía: um emprego guiado pelo imperativo da máxima preservação das oportunidades de realização da justiça material."
Este modelo, na lógica da recente reforma do processo civil, é associado por Miguel Teixeira de Sousa à ideia de "legitimição externa" entendida como "correspondência da decisão com a realidade", sublinhando este autor (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1996, pp. 61 e segs.):
"Todo o desenvolvimento histórico e doutrinário do processo jurisdicional o mostra: a oralidade, a imediação e a concentração - numa primeira fase - e a concessão ao tribunal de poderes instrutórios e inquisitórios e a aposta no diálogo entre os sujeitos processuais - numa segunda - são alguns dos aspectos do continuado esforço para aproximar o resultado do processo da realidade das coisas. O que se deseja é um processo do qual resulte uma decisão legitimada externamente, o que exige que o tribunal possa assumir um papel interventor, as partes possam adaptar a sua argumentação às necessidades do discurso e os consensos possam coexistir com a controvérsia.
O Estado social de direito, que se encontra plasmado no artigo 2.º da CRP pressupõe uma democracia económica, social e cultural. O processo jurisdicional não pode deixar de reflectir estas preocupações sociais e de ser impregnado por uma concepção social: a solução dos conflitos não é uma matéria de mero interesse dos litigantes e estes não devem ser considerados como titulares abstractos da situação litigada, mas antes como indivíduos concretos com necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta. Como referia com notável visão Franz Klein, ao sentimento popular é mais estranha a indiferença do tribunal perante a ameaça da ofensa ou a violação do direito de um indivíduo do que um maior empenhamento do tribunal no processo."
Nisto assenta a ideia de "cooperação" que, no que toca à posição do Tribunal, se configura também como "dever de prevenção" deste às partes, através do convite, previsto no artigo 508.º, n.º 1, alínea b), do CPC vigente, para aperfeiçoamento dos respectivos articulados (ibidem, p. 66).
Cotejando estas ideias base, afigura-se desproporcionadamente compressor do direito a uma tutela judicial efectiva - e logo violador desta por referência ao princípio da proporcionalidade subjacente ao artigo 18.º, n.º 2, da Constituição - um entendimento que exacerbando um elemento formal/sistemático exclua a aplicação da faculdade de regularização da petição prevista no artigo 40.º da LPTA ao meio processual acessório (cautelar) de suspensão da eficácia dos actos administrativos.
Pelo contrário, uma interpretação que recorrendo ao comando expresso no n.º 1 do artigo 463.º do CPC (aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º da LPTA, segundo o qual ao processo especial se aplica, no domínio do não regulado o estabelecido para o processo comum, faculta o uso do citado artigo 40.º no domínio da suspensão de eficácia, configura-se como a menos compressora de uma efectiva tutela judicial. - José de Sousa e Brito.