Parecer 5/2000. - Sobre o projecto de regulamento do processo de acreditação dos cursos de formação inicial de professores do Instituto Nacional de Acreditação de Professores (INAFOP). - 1 - A criação do Instituto Nacional de Acreditação de Professores (INAFOP) correspondeu a um processo evolutivo dos mecanismos de reconhecimento dos cursos que habilitam para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, superando uma lógica que, durante muitos anos, orientou esse reconhecimento.
Em termos muito simples, é possível recordar essa lógica, distinguindo as duas situações existentes, concretamente:
a) Os cursos de formação inicial de educadores e professores, cuja organização se orienta directamente para a habilitação ao exercício de docência;
b) Os cursos cujos objectivos originais se orientam para uma formação científica específica, mas que, em caso de necessidade do sistema, podem possibilitar aos seus titulares o exercício da docência, na condição de professores provisórios.
2 - No primeiro caso, a lógica de organização dos cursos orientava-se pelo disposto no Decreto-Lei 344/89, de 11 de Outubro, que, no seuartigo 18.º, estabelecia a necessidade de contemplar três componentes de formação:
a) Componente de formação cultural e científica;
b) Componente de formação pedagógico-didáctica;
c) Componente de formação prática-pedagógica.
De algum modo, este referencial de componentes traduzia a tradicional correspondência entre "perfis profissionais" e "perfis formativos" que está na base de acreditação dos cursos orientados para o exercício de outras actividades, o que conduzia, inclusivamente, a uma distribuição do peso percentual de cada uma das três componentes na estrutura global, que se diversificava consoante se tratasse da formação de educadores de infância, de professores de cada um dos ciclos do ensino básico ou de professores do ensino secundário.
A partir desse referencial, as instituições de formação organizavam os seus cursos, tornando como suporte da sua concepção os objectivos educacionais que a Lei de Bases do Sistema Educativo estipula para a educação pré-escolar e cada um daqueles segmentos do sistema escolar.
3 - No segundo caso, não havendo a preocupação original com a expectativa de acesso à docência dos futuros diplomados, pode dizer-se que a escolha dos cursos conferentes da condição de "professor provisório" para qualquer disciplina ou conjunto de disciplinas quase se fazia a partir das designações desses cursos, dentro do entendimento de que essas designações correspondiam aos conteúdos curriculares respectivos e, como tal, seria possível encontrar expectativas de ajustamento a disciplinas homónimas ou afins dos níveis de ensino básico ou secundário.
4 - Como é evidente, tanto num caso como no outro, eram facilmente identificadas algumas fragilidades do processo de reconhecimento dos cursos que permitiam o acesso à docência. Assim:
a) No primeiro caso, a organização do curso ficava largamente dependente da interpretação dos objectivos educacionais da Lei de Bases do Sistema Educativo, por parte das instituições de formação, ao mesmo tempo que se deixavam na sombra aspectos metodológicos que poderiam, ou não, enriquecer a formação;
b) No segundo caso, a situação era ainda mais delicada, pois ignorava a possibilidade de algumas situações estranhas, entre as quais a perda do reconhecimento por simples alteração da designação do curso, a manutenção do reconhecimento sempre que se alterasse a organização curricular mas se mantivesse a designação e, sobretudo, a incapacidade de ajustar a dinâmica de alteração do quadro dos cursos reconhecidos à velocidade de organização de novos cursos.
5 - Por estas e outras razões, sentiu-se a necessidade de adoptar uma outra lógica de reconhecimento de cursos, aceitando que ele se faria a partir da definição de requisitos mínimos de formação, estabelecendo uma matriz de correspondência que se enquadre no universo dos cursos reconhecidos, todos quantos satisfaçam esses requisitos mínimos.
E, como se escreveu no parecer 3/96, do CNE, as vantagens desta lógica são de vária ordem:
a) Em primeiro lugar, o reconhecimento é apriorístico, terminando com angústias individuais e, até, alguns mecanismos de influência;
b) Em segundo lugar, eventuais alterações curriculares não sacrificam a condição de reconhecimento de um curso, desde que ele mantenha o respeito pelos requisitos mínimos;
c) Em terceiro lugar, o universo dos cursos reconhecidos está sempre aberto a novos projectos que venham a ser organizados pelas instituições de formação se estas se moverem, criativamente, nos campos de liberdade que estão para além das margens curriculares dos requisitos mínimos obrigatórios.
6 - O reconhecimento destas vantagens, no entanto, não pode esconder alguns riscos potenciais decorrentes de uma possível rigidez do processo de reconhecimento com base em requisitos mínimos obrigatórios, como o citado parecer do CNE também salientava.
É que, num processo destes, passará a haver dois níveis de exercício da autonomia científica e pedagógica das instituições de ensino superior:
a) "O primeiro, relacionado com a escolha dos conteúdos e dos métodos a aplicar na docência das áreas de formação a contemplar obrigatoriamente";
b) "O segundo, decorrente do preenchimento, por sua iniciativa, do espaço curricular que pode ser incluído nos horários escolares, depois de preenchidas as áreas de formação obrigatórias, com as cargas horárias mínimas que lhe estiverem afectas".
7 - E, como se escreve no parecer, se "o exercício deste segundo nível de autonomias tem apenas que ver com o peso curricular das citadas áreas de formação obrigatória, o exercício do primeiro levanta outras questões interessantes [...]".
Terá algum significado este primeiro nível de exercício das autonomias?
"A resposta, em princípio, será positiva, mas com certeza que estará fortemente condicionada por dois factores de natureza diversa:
a) Por um lado, a interpretação mais ou menos alargada, que se tenha do conceito de cada uma das áreas obrigatórias;
b) Por outro, o seguimento que se faça das recomendações sobre a desagregação dessas mesmas áreas.
É que, no plano teórico, corre-se o risco de unicidade formativa, se todas as instituições de formação assumirem a mesma intenção de seguimento das recomendações e tiverem a mesma interpretação do significado científico das áreas de conhecimento consideradas obrigatórias", conduzindo essas instituições a um modelo de escolas de quadros, quando é certo que, na formação de professores, há uma dimensão de formação do homem que deve ser dominante como exigência profissional futura.
8 - Ponderando as vantagens do reconhecimento a partir de "requisitos mínimos obrigatórios" decidiu o Ministério da Educação criar o Instituto Nacional de Acreditação de Professores, assumindo duas atitudes decorrentes de um duplo posicionamento:
a) Em primeiro lugar, na condição de principal empregador futuro, sentiu-se na obrigação de contribuir para a definição do "perfil profissional" que deve orientar os processos de formação de professores;
b) Em segundo lugar, na condição de Ministério da tutela "deseja garantir relevância social para os cursos ministrados no domínio específico da formação de professores".
Reconhecendo isto, o parecer 4/99, do CNE, incidindo sobre a criação do INAFOP, "considera saudável que o Ministério da Educação [...] se preocupe com a acreditação dos cursos de formação de professores, criando os mecanismos adequados para a sua concretização".
No entanto, acrescenta, "será desejável que a preocupação com a acreditação dos cursos não deixe, por um lado, gerar uma imagem de pouca confiança nas instituições que os ministram (até porque essa imagem se reflectiria no próprio Ministério), nem por outro, deixe a suspeita de uma padronização formativa que é contrária à diversidade e à dinâmica criativa próprias da condição do ensino superior, reduzindo-as à já referida condição de escolas de quadros.
É neste sentido que o CNE considera que os limites da razoabilidade de um processo de acreditação de cursos de formação inicial de professores se situam na verificação da conformidade dos perfis formativos a um referencial de mínimos obrigatórios previamente definidos, com os níveis de exigência qualitativa que o bom senso aconselhar.
Com esta solução, responde-se às preocupações do Ministério da Educação, enquanto principal empregador, sem que, no mesmo passo, o conduzamos, enquanto Ministério da tutela, a sufocar o potencial criativo das instituições, condicionando excessivamente os respectivos projectos de formação".
9 - Uma vez criado, o INAFOP no desenvolvimento do Programa Preparação do Processo de Acreditação elaborou três documentos preparatórios correspondentes a três projectos enquadráveis naquele Programa, os quais designou da seguinte forma:
a) Perfil geral de desempenho do educador e do professor;
b) Padrões de qualidade da formação inicial de professores;
c) Regulamento do processo de acreditação.
10 - Em relação ao primeiro documento, refere o INAFOP que, sendo incumbência do Ministério da Educação definir o citado perfil, consoante o disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei 194/99, de 7 de Junho, foi encarregado pelo respectivo ministro de elaborar uma proposta para o efeito.
Neste sentido, o INAFOP elaborou um documento preparatório traduzido num projecto a submeter a consulta pública, a decorrer entre 15 de Maio e 30 de Junho, com especial incidência nos contributos de algumas entidades interessadas, entre as quais "instituições de formação inicial de professores, associações de estudantes dessas instituições, associações de professores, departamentos do Ministério da Educação", etc.
No seguimento da análise dos contributos referidos, o INAFOP elaborará "proposta a submeter à consideração do Ministério da Educação", após o que se propõe elaborar "propostas relativas aos seguintes perfis específicos: Perfil de Desempenho do Educador de Infância e Perfil de Desempenho do Professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico, seguindo mecanismo idêntico ao processo actual, isto é, começando por elaborar um documento preparatório que submeterá a consulta pública".
Para mais tarde, "à medida que avançar o processo de revisão em curso no Ministério da Educação, do âmbito das restantes qualificações profissionais docentes, o INAFOP elaborará propostas dos respectivos perfis específicos do desempenho".
11 - Quanto aos dois outros projectos "Padrões de Qualidade da Formação Inicial de Professores" e "Regulamento do Processo de Acreditação", o INAFOP enviou os documentos provisórios a algumas entidades por si seleccionadas, para recolha de contributos, e deliberou apresentá-los para discussão em debates públicos a realizar, sucessivamente, em Coimbra, Porto e Lisboa.
No seguimento destes debates, a Comissão de Acreditação e Certificação do INAFOP apresentará um projecto definitivo ao seu conselho geral, ao qual compete a "apreciação e aprovação final do Regulamento e dos Padrões".
12 - A primeira questão que este conjunto de propostas suscita é a da contradição com o disposto no artigo 76.º da Constituição da República Portuguesa, que assegurando a autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira das Universidades (n.º 2), lhes confia o dever de ter em conta "as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País". Esta garantia não existe para as escolas de quadros, mas à área universitária e também à do politécnico não é, por isso, constitucional aplicar o regime das escolas de quadros. O argumento do principal empregador é próprio do regime das escolas de quadros, mas não do ensino universitário e politécnico cujos diplomados, com frequência, encontram no Estado o principal empregador.
Por ter sido consultado o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), o respectivo presidente submeteu à consideração do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior a apreciação do Projecto de Regulamento do Processo de Acreditação dos Cursos de Formação Inicial de Professores do INAFOP, uma vez que poderiam surgir hipóteses de sobreposição de competências entre o Sistema Nacional de Avaliação e a estrutura de acreditação desses cursos. O Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior entendeu ter fundamento a proposta, sabendo-se que o Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores (INAFOP) é membro da Rede Europeia de Avaliação (ENQA), criada na sequência da Recomendação do Conselho da União Europeia 98/561/EC, de 24 de Setembro, que não é uma instância de acreditação, e à qual o CNAVES pertence por definição.
13 - Esta questão, aliás, era já abordada no parecer do CNE, quando se escrevia que "a ideia de acreditação de cursos, que decorre da apreciação do perfil formativo que apresentam para constar se ele realiza ou não o referencial de requisitos mínimos obrigatórios" parte sempre do entendimento de que é exigível que essa realização seja feita com qualidade.
Questão delicada é a de saber quem formula o juízo de qualidade subjacente ao acto de acreditação, tanto mais que esse juízo se não pode isolar na apreciação da forma como são realizados os requisitos mínimos obrigatórios.
O pensamento dominante, hoje em dia, é aceitar que o juízo de qualidade é formulado pelas próprias instituições de formação, desde que enquadrado no sistema nacional de avaliação de instituições de ensino superior, instituído pela Lei 38/94, de 21 de Novembro, e pelo Decreto-Lei 205/98, de 11 de Julho.
E compreende-se que assim seja, pois este sistema de avaliação incide sobre todo o desempenho institucional, com especial relevância para a inserção profissional dos diplomados, e inclui uma fase de auto-avaliação que possibilita uma reflexão interna sobre a própria actividade.
A esse processo de auto-avaliação segue-se um outro de natureza externa, realizado por comissões de peritos, susceptível de validar ou não os juízos anteriormente formulados.
Mas o importante é que não se trata de dois processos autónomos ou estanques, pois o segundo se realiza a partir dos elementos que informaram o primeiro, a que se segue um confronto de opiniões que retira toda a arbitrariedade ao juízo de qualidade que resulta do processo global, conferindo-lhe, em consequência, a validade do que é construído com permuta de ideias. O regime jurídico foi desenvolvido pelo Decreto-Lei 205/98, de 11 de Julho, que criou o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior para conseguir a avaliação global de todos os subsistemas.
14 - Prosseguindo, o parecer do CNE, refere que "há um problema temporal na avaliação da qualidade que não se coaduna com o momento de acreditação dos cursos", uma vez que este é necessariamente anterior ao início do seu funcionamento.
Com efeito, a acreditação dos cursos, sendo condicionante do seu registo legal, no caso das universidades públicas, ou da aprovação e autorização de funcionamento, no caso das instituições politécnicas públicas e todas as instituições privadas, tem de preceder a realização dos mesmos cursos.
Nestes termos, o juízo de qualidade que informa o processo de acreditação dos cursos não decorre da apreciação da sua realização, mas sim dos indicadores previstos para essa realização.
Entre esses indicadores, constam os que são referidos num projecto de regulamentação da acreditação já divulgado:
a) Os objectivos e competências a desenvolver;
b) O plano de estudo;
c) Os programas;
d) As exigências de acesso;
e) As metodologias de ensino e de avaliação da aprendizagem;
f) A metodologia de certificação da qualificação profissional;
g) A metodologia de coordenação e de avaliação do curso.
Deve reconhecer-se que, pelo menos pedagogicamente, é interessante solicitar uma referência a todos estes indicadores junto das entidades formadoras, uma vez que a reflexão produzida é susceptível de influenciar a imagem da qualidade que os cursos podem vir a assumir, desde que se entenda que, em relação a quase todos estes aspectos não existem soluções únicas impostas por via normativa.
Mas, concluir daí que se está a formular um juízo de qualidade é certamente excessivo; quando muito, talvez se possa falar de uma apreciação virtual da qualidade, bem diferente da avaliação prevista pela Lei 38/94, de 21 de Novembro, que institui o sistema nacional de avaliação das instituições de ensino superior.
15 - Seria certamente mais rigoroso chamar a esta fase prévia, registo ou autorização, conforme se trate de universidades públicas ou institutos politécnicos públicos e instituições privadas mas, neste caso, é hoje necessário ter em conta a Lei 26/2000, de 23 de Agosto (Organização e Ordenamento do Ensino Superior), designadamente os seus artigos 22.º e 25.º que estabelecem o seguinte:
"Artigo 22.º
Cursos
1 - A lei estabelece as condições e os termos em que se processa a criação, alteração, suspensão e extinção de cursos, a fixação do plano de estudos, a entrada em funcionamento, os requisitos de ingresso e a fixação do número de alunos a admitir, observadas as especificidades institucionais dos estabelecimentos de ensino superior público, particular e cooperativo e do ensino universitário e politécnico e a natureza dos cursos e graus.
2 - A criação de novos cursos fica dependente da verificação da existência dos necessários recursos materiais e pessoais no estabelecimento respectivo, da avaliação independente da sua valia científica e pedagógica, bem como de estudos idóneos sobre a viabilidade e continuidade da respectiva procura.
3 - A criação e a alteração de cursos conferentes de grau académico estão sujeitas a registo.
4 - O registo relativo aos curso de ensino superior público fica condicionado:
a) À satisfação dos requisitos fixados nos termos dos n.os 1 e 2;
b) À sua adequação às necessidades da rede pública de estabelecimentos de ensino superior.
5 - O registo relativo aos cursos de ensino superior particular ou cooperativo fica condicionado à satisfação dos requisitos fixados nos termos dos n.os 1 e 2.
6 - No que se refere aos cursos da área da saúde, a avaliação dos requisitos fixados nos termos do n.º 2 é feita em articulação entre os Ministérios da Educação e da Saúde.
7 - O registo pressupõe a assinatura de portaria pelo Ministro da Educação.
8 - O acto de criação de cursos só adquire eficácia com o registo.
9 - Nenhum curso pode iniciar o funcionamento antes da publicação da portaria a que se refere o n.º 7.
10 - O disposto no presente artigo aplica-se, com as necessárias adaptações, à atribuição dos graus de mestre e de doutor.
Artigo 25.º
Organismos de regulação independente
1 - Sem prejuízo da responsabilidade governamental pela coordenação geral do sistema de ensino superior, é criado o Conselho Nacional de Regulação do Ensino Superior, organismo independente que será presidido por uma personalidade de reconhecido mérito eleita por maioria qualificada pelo Parlamento e que terá composição a fixar por lei.
3 - O Conselho Nacional de Regulação do Ensino Superior terá como competências a apresentação de recomendações sobre a evolução do sistema de ensino superior, garantindo a sua coerência bem como a imparcialidade nos procedimentos de reconhecimento e interesse público de estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo e outros procedimentos públicos respeitantes aos estabelecimentos de ensino superior."
Dentro do pensamento expresso e com as reservas de interpretação assinaladas, considera-se aceitável que o INAFOP elabore propostas de "Perfil Geral de Desempenho do Educador e do Professor" e, bem assim, a proposta de "Padrões de Qualidade na Formação Inicial de Professores", se elas exprimirem, apenas, um conjunto de "enunciados genéricos, aplicáveis a todos os cursos", envolvendo "princípios, objectivos e condições que deverão ser tidos em consideração de forma articulada" para apoio das instâncias competentes, eliminando o risco de acontecer que se instaure um regime de escolas de quadros se essas propostas se converterem em "cartilha" exaustiva da organização dos cursos, fixando uma padronização que deixa na sombra a dinâmica criativa das diferentes instituições de formação.
Na verdade, só na hipótese primeira será possível aceitar que, de algum modo, um e outro dos documentos (Perfil de Desempenho e Padrão de Qualidade) servirão para dar uma consistência acrescida e renovada às disposições do já citado Decreto-Lei 344/89, de 11 de Outubro, fornecendo às instituições de formação um sistema de referenciais mais consolidado na sua dimensão e na sua actualidade.
16 - E sendo este sistema de referenciais anterior à realização dos cursos de formação inicial, ele tem o significado de "requisitos mínimos a satisfazer", para efeitos de "registo ou autorização" apriorísticos, dentro de um pressuposto de realização desses cursos com qualidade a qual poderá ou não ser confirmada na prática.
A questão que se levanta é a dos mecanismos utilizados para esta expectativa de confirmação pois pode aí surgir um potencial conflito de competências entre o INAFOP e o Sistema Nacional de Avaliação.
A este respeito, estará em causa o disposto no artigo 16.º do Projecto de Regulamento do processo de acreditação em exame que prevê:
"1 - O acompanhamento do funcionamento de um curso acreditado destina-se a apreciar se eventuais alterações, entretanto ocorridas, implicam mudanças nos pressupostos de concessão da acreditação e justificam a revisão desta.
2 - Com vista ao acompanhamento do funcionamento de um curso acreditado, a instituição de formação envia ao presidente do INAFOP, logo que disponíveis, os relatórios de avaliação interna e externa do curso e da respectiva instituição de formação, elaborados no âmbito do sistema de avaliação do ensino superior, os quais podem ser acompanhados por eventuais aditamentos que a instituição considere oportunos.
3 - Com vista ao acompanhamento do funcionamento de um curso novo com acreditação inicial, a instituição de formação envia ao presidente do INAFOP, até dezoito meses após o início do funcionamento do curso, um relatório sobre o desenvolvimento do projecto de formação submetido ao processo de acreditação, referindo e fundamentando as eventuais alterações introduzidas.
4 - Com vista ao acompanhamento do funcionamento de qualquer outro curso, a instituição de formação envia ao presidente do INAFOP, até final do 3.º ano do período de validação da acreditação, um relatório em que refira e fundamente as alterações entretanto introduzidas ao dossier submetido ao processo de acreditação."
17 - Se bem se interpreta, a natureza do acompanhamento orienta-se dominantemente, para verificar se alterações introduzidas podem ter implicado mudanças nos pressupostos da acreditação concedida, o que significa registo ou autorização, sendo certo que da referência ao envio dos "relatórios de avaliação interna e externa do curso e da respectiva instituição de formação", parece deduzir-se que o INAFOP considera que a apreciação deles decorrente corresponde à formação de juízos qualitativos bastantes, para se concluir sobre a conformidade de desempenho institucional ao projecto que permitiu a acreditação dos cursos em causa.
Aliás, não faria sentido que assim não fosse, uma vez que uma das principais preocupações do sistema nacional de avaliação é verificar se as escolas cumprem a sua missão institucional, designadamente, no respeitante à realização dos cursos, cujos projectos curriculares e formativos foram, legalmente, legitimados. Mas, sendo assim, o INAFOP interfere com o processo nacional de avaliação que está a cargo dos Conselhos de Avaliação, aos quais compete a responsabilidade pela apreciação final que é tornada pública e acessível e enviada pelo CNAVES, ao Ministro da Educação. Trata-se do imperativo legal de velar pela independência, harmonia e credibilidade do processo, o que não consente interferências intermédias.
18 - Dentro deste entendimento, parece depreender-se que o INAFOP situa a garantia do "produto" que lhe compete "acreditar" em duas fases complementares de um mesmo processo:
a) Aprioristicamente, apreciando o projecto formativo que lhe é proposto, tendo em vista, designadamente:
Verificar que nele se encontra expresso, no âmbito de saberes e competências múltiplas a desenvolver, o "perfil de desempenho" definido para o professor em formação; e
Constatar a existência de condições que deixem prever a realização desse projecto formativo dentro dos "padrões de qualidade" estabelecidos;
b) Posteriormente, apoiando-se na informação do sistema nacional de avaliação sobre se os juízos apriorísticos formulados se confirmaram na prática, com base nos relatórios de avaliação produzidos por esse sistema, no exercício das suas competências legais.
19 - Aceitando estas duas ideias essenciais como basilares na lógica processual de acreditação, por parte do INAFOP, importa extrair algumas conclusões da reflexão anteriormente produzida, tendo em vista, designadamente, salientar possíveis "perversões" que podem nascer de algumas sombras do processo.
Assim sendo, reconhecendo-se embora que o Regulamento de Acreditação de cursos elaborado pelo INAFOP tem sofrido uma evolução positiva nas sucessivas versões que foram divulgadas, continuam a ter pertinência as seguintes observações:
a) O processo chamado de acreditação e que deve claramente ser identificado como de registo ou autorização de cursos de formação inicial de professores não deve induzir uma padronização formativa, razão pela qual se deve suportar na definição de referenciais genéricos de mínimos obrigatórios e de estratégias preferenciais de realização, complementada por uma verificação apriorística de conformidade a esses referenciais dos projectos educativos apresentados ao INAFOP;
b) Importa, a este respeito, tomar consciência de que a redução do carácter genérico desses referenciais, na medida em que aumenta o risco de colisão com a concepção dos cursos e as opções estratégicas da sua realização por parte das instituições de ensino superior, pode pôr em causa as respectivas autonomias científica e pedagógica, constitucionalmente consagradas;
c) Neste sentido, deve mesmo questionar-se se a posição do INAFOP, no enquadramento funcional que lhe é cometido, não sofre de inconstitucionalidade, decorrente da possibilidade de colisão com a autonomia que a Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 76.º
d) Num outro aspecto, o chamado processo de acreditação deve ser entendido e praticado numa lógica global em que se respeitem as competências próprias do sistema nacional de avaliação;
e) É nesta lógica que se entende, nos termos do projecto de Regulamento, a função de acompanhamento da realização dos cursos por parte do INAFOP, fazendo-a coincidir, em exclusivo, com a simples verificação de que se mantém (ou não ...) os pressupostos que determinaram a "acreditação apriorística", que é registo ou autorização, deixando os juízos qualitativos sobre essa realização para as estruturas que integram o sistema nacional de avaliação;
f) Como consequência imediata desta posição, torna-se claro que, para efeitos de apreciação definitiva da conformidade dos cursos ministrados aos pressupostos originais da sua "acreditação", os juízos de qualidade expressos nos relatórios elaborados sobre responsabilidade do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior, devem constituir-se em referência obrigatória a utilizar pelo INAFOP;
g) Considera-se resolvido com razoabilidade, em relação aos formandos, o "processo da primeira acreditação" dos cursos de formação inicial já em funcionamento, uma vez que as suas expectativas de inserção profissional estão salvaguardadas pelas disposições transitórias contidas no artigo 31.º do Decreto-Lei 194/99, de 7 de Junho, em conjugação com os artigos 19.º e 20.º do mesmo decreto-lei;
h) Já no que respeita às instituições de formação, considera-se que importa ponderar a oportunidade temporal das decisões de não acreditação, avaliando o que para elas pode representar uma interrupção abrupta dos cursos que vêm ministrando;
i) Finalmente, torna-se necessário ter em atenção:
A consideração progressiva do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior nos trabalhos de elaboração dos "perfis de desempenho", designadamente no que respeita à definição de requisitos mínimos e áreas obrigatórias, tirando partido de uma experiência que a evolução do processo de avaliação vai facultando.
Uma cuidada coordenação temporal das acções a realizar, pelo INAFOP tendo em atenção, designadamente, que a renovação da acreditação de qualquer curso só deve acontecer depois do respectivo processo de avaliação no âmbito do sistema nacional de avaliação.
20 - Em correlação com estas conclusões, não podem omitir-se algumas reflexões sobre o posicionamento do INAFOP no universo das estruturas de acreditação em sentido técnico e, ainda, da recente publicação da Lei 26/2000, de 23 de Agosto, que aprova a "organização e ordenamento do ensino superior".
a) Tendo nascido de uma iniciativa governamental, o INAFOP surge como exemplo de uma estrutura mista de registo e de acreditação de cursos em que, contrariamente ao que sucede com as outras situações conhecidas, o processo tenderá a ser conduzido pelo(s) futuro(s) empregador(es);
b) Assim sendo, é necessário avaliar a possibilidade e oportunidade da sua coexistência com uma futura Ordem de Professores que, à semelhança de outras, assumisse a competência de acreditação de cursos;
c) E se aquela iniciativa governamental nasceu, alegadamente, do facto de o Estado ser o principal empregador dos professores, a idoneidade da solução deve ser aferida em função de casos similares em que o Estado é o principal empregador;
d) Finalmente, o artigo 25.º da Lei 26/2000, cria o Conselho Nacional de Regulação do Ensino Superior, o que aconselha a subestar na matéria objecto deste parecer, instando por uma clara definição de funções e competências.
Aprovado por unanimidade, em reunião plenária do CNAVES.
28 de Setembro de 2000. - O Presidente, Adriano Moreira.