de 14 de outubro
O Programa do XIX Governo Constitucional assume o objetivo estratégico de fomentar uma maior participação dos cidadãos na utilização e gestão ativa do sistema de saúde, acreditando-se que o cidadão deve ser um protagonista ativo no exercício do seu direito a cuidados de saúde. O referido Programa prevê medidas neste sentido, designadamente melhorar a informação e o conhecimento do sistema de saúde, assim como, melhorar a transparência da informação em saúde.
Também nas Grandes Opções do Plano, o Governo tem vindo a incluir o objetivo de assegurar um elevado nível de proteção do consumidor através de medidas e de iniciativas que visem dotar os cidadãos consumidores da informação e do conhecimento necessários para que possam desempenhar um papel ativo no mercado, exercendo os seus direitos e contribuindo para uma maior competitividade das empresas.
Por outro lado, o Plano Nacional de Saúde 2012-2016 define como um dos eixos estratégicos para o Sistema de Saúde, a cidadania em saúde.
O sector da saúde, pelo impacto que tem na sociedade e nos indivíduos, pela assimetria de informação que se reconhece em todas as relações prestador-utente, pelo impacto económico que representa, justifica intervenções legislativas destinadas a proteger o interesse comum, os direitos e interesses legítimos dos doentes, bem como a sã concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde.
Atento o carácter particular da prestação de cuidados de saúde, assume especial relevância a prestação, pelos prestadores de cuidados de saúde, de informações verdadeiras, transparentes e de forma clara ao doente, assim como a necessidade de a relação prestador-utente se pautar, em todos os seus aspetos, pelos princípios da verdade, completude e transparência.
Tendo presente que a liberdade de escolha do prestador de cuidados de saúde só pode ser exercida na sua plenitude se o utente possuir toda a informação necessária, adaptada à sua capacidade de compreensão e relevante para a decisão, a tomada de decisão quanto ao consumo deve ser feita com respeito integral pelas necessidades e preferências do utente.
O Despacho 11344/2014, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 10 de setembro, constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de analisar o regime dos atos de publicidade praticados pelos prestadores de cuidados de saúde. Este grupo de trabalho apresentou a proposta que serviu de base à elaboração do presente decreto-lei.
O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico das práticas de publicidade em saúde e os princípios gerais a que as mesmas devem obedecer, e enuncia as práticas consideradas enganosas neste âmbito. Com exceção das matérias reguladas por legislação especial, designadamente a publicidade em matéria de medicamentos e produtos de saúde e, naturalmente, a publicidade institucional do Estado, o presente decreto-lei abrange todas as práticas de publicidade relativas a métodos convencionais e terapêuticas não convencionais, estando assim compreendidos no seu âmbito os meios complementares de diagnóstico e terapêutica, quaisquer tratamentos ou terapias, designadamente os que envolvam o uso de células.
O presente decreto-lei visa, assim, acautelar os direitos e os interesses legítimos dos utentes relativos à proteção da saúde e à segurança dos atos e serviços, através de normas necessárias, adequadas e proporcionais ao imperativo constitucional de proteção da saúde e dos direitos dos consumidores.
Nesta medida, toda e qualquer prática publicitária em saúde deve nortear-se pelo interesse do utente, abstendo-se de condutas que pressuponham ou criem falsas necessidades de consumo.
A comunicação comercial relativa a atos e serviços de saúde apresenta um elevado impacto nas expectativas dos utentes, em especial em situações de doença e de vulnerabilidade acrescida, contribuindo para o uso por vezes desnecessário ou inadequado dos atos e serviços publicitados, com inegável prejuízo para o estado de saúde de cada um em particular e da população em geral.
Neste contexto, importa que a comunicação comercial atenda aos princípios de transparência, fidedignidade, objetividade e rigor científico da informação, bem como a valores sociais, concorrenciais e profissionais, com particular importância das boas práticas associadas ao sector de atividade que é objeto da comunicação, designadamente, em matéria de sigilo, de responsabilidade, e à necessidade de avaliação ou juízo e ponderação prévios à utilização de um serviço.
O direito à informação em saúde surge como um dos principais corolários do princípio da autonomia, reconhecido a todos os indivíduos. Tal direito deve contribuir para que todos os utentes possam participar de modo informado e responsável nos diferentes processos de tomada de decisão sobre a sua saúde e a sua vida.
Neste contexto, o interveniente a favor de quem a prática de publicidade em saúde é efetuada deve abster-se de publicitar mensagens que sugiram que o ato ou serviço detém características particulares, engrandecendo-as, face a atos e serviços similares que, à luz das boas práticas e genericamente, não possam senão possuir tais características e que possam distorcer o comportamento dos utentes.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Entidade Reguladora da Saúde, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros, a Ordem dos Médicos Dentistas, a Ordem dos Psicólogos, a Ordem dos Nutricionistas e a Ordem dos Farmacêuticos.
Foi promovida a audição do Conselho Nacional de Consumo.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 - O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico a que devem obedecer as práticas de publicidade em saúde desenvolvidas por quaisquer intervenientes, de natureza pública ou privada, sobre as intervenções dirigidas à proteção ou manutenção da saúde ou à prevenção e tratamento de doenças, incluindo oferta de diagnósticos e quaisquer tratamentos ou terapias, independentemente da forma ou meios que se proponham utilizar.
2 - O presente decreto-lei é também aplicável às práticas de publicidade relativas a atividades de aplicação de terapêuticas não convencionais.
3 - São excluídas do âmbito de aplicação do presente decreto-lei as matérias reguladas em legislação especial, designadamente, a publicidade a medicamentos e dispositivos médicos sujeita a regulação específica do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P., e a publicidade institucional do Estado.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a) «Intervenientes», todos aqueles que beneficiam da, ou participam na, conceção ou na difusão de uma prática de publicidade em saúde;
b) «Prática de publicidade em saúde», qualquer comunicação comercial, a televenda, a telepromoção, o patrocínio, a colocação de produto e a ajuda a produção, bem como a informação, ainda que sob a aparência, designadamente, de informação editorial, técnica ou científica, com o objetivo ou o efeito direto ou indireto de promover junto dos utentes:
i) Quaisquer atos e serviços dirigidos à proteção ou manutenção da saúde ou à prevenção e tratamento de doenças, com o objetivo de os comercializar ou alienar;
ii) Quaisquer ideias, princípios, iniciativas ou instituições dirigidas à proteção ou manutenção da saúde ou à prevenção e tratamento de doenças.
c) «Utente», qualquer pessoa singular que, nas práticas abrangidas pelo presente decreto-lei, atua com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.
Artigo 3.º
Princípios gerais das práticas de publicidade em saúde
As práticas de publicidade em saúde e a informação nestas contida deve reger-se pelos seguintes princípios:
a) Transparência, fidedignidade e licitude;
b) Objetividade;
c) Rigor científico.
Artigo 4.º
Princípios da transparência, da fidedignidade e da licitude da informação
1 - De forma a garantir o direito do utente à proteção da saúde, à informação e à identificabilidade, as práticas de publicidade em saúde devem identificar de forma verdadeira, completa e inteligível o interveniente a favor de quem a prática de publicidade em saúde é efetuada, de modo a não suscitar dúvidas sobre a natureza e idoneidade do mesmo.
2 - No caso de o interveniente ser prestador de cuidados de saúde, a prática de publicidade em saúde não pode suscitar dúvidas sobre os atos e serviços de saúde que se propõe prestar e sobre as convenções e demais acordos efetivamente detidos, celebrados e em vigor, habilitações dos profissionais de saúde e outros requisitos de funcionamento e de exercício da atividade.
3 - A publicidade é considerada ilícita sempre que o interveniente a favor de quem a prática de publicidade em saúde é efetuada assumir a qualidade de prestador de cuidados de saúde, sem efetivamente o ser, ou, sendo prestador de cuidados de saúde, não cumpra os requisitos de atividade e funcionamento, designadamente não se encontre devidamente registado na Entidade Reguladora da Saúde e não seja detentor da respetiva licença de funcionamento, quando aplicável.
Artigo 5.º
Princípio da objetividade
1 - A mensagem ou informação publicitada deve ser redigida de forma clara e precisa, e deve conter todos os elementos considerados adequados e necessários ao completo esclarecimento do utente.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, devem ser preenchidos os requisitos de informação exigidos para as comunicações ao utente nos termos da legislação em vigor.
3 - A mensagem ou informação publicitada não deve conter expressões, conceitos, testemunhos ou afirmações que possam criar no utente expectativas potenciadoras de perigo ou potencialmente ameaçadoras para a sua integridade física ou moral.
4 - Qualquer que seja o meio utilizado, a mensagem publicitária deve ser inteligível, assegurando uma interpretação adequada, de modo a que a informação transmitida seja facilmente compreendida pelo utente.
Artigo 6.º
Princípio do rigor científico da informação
Na mensagem publicitada apenas devem ser utilizadas informações aceites pela comunidade técnica ou científica, devendo evitar-se todas as referências que possam induzir os utentes a quem a mesma é dirigida em erro acerca da utilidade e da finalidade real do ato ou serviço.
Artigo 7.º
Práticas de publicidade em saúde
1 - São proibidas as práticas de publicidade em saúde que, por qualquer razão, induzam ou sejam suscetíveis de induzir em erro o utente quanto à decisão a adotar, designadamente:
a) Ocultem, induzam em erro ou enganem sobre características principais do ato ou serviço, designadamente através de menções de natureza técnica e científica sem suporte de evidência da mesma ou da publicitação de expressões de inovação ou de pioneirismo, sem prévia avaliação das entidades com competência no sector;
b) Aconselhem ou incitem à aquisição de atos e serviços de saúde, sem atender aos requisitos da necessidade, às reais propriedades dos mesmos ou a necessidade de avaliação ou de diagnóstico individual prévio;
c) Se refiram falsamente a demonstrações ou garantias de cura ou de resultados ou sem efeitos adversos ou secundários;
d) Enganem ou sejam suscetíveis de criar confusão sobre a natureza, os atributos e os direitos do interveniente a favor de quem a prática de publicidade em saúde é efetuada, designadamente sobre a identidade, as qualificações ou o preenchimento dos requisitos de acesso ao exercício da atividade;
e) No seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias, conduzam ou sejam suscetíveis de conduzir o utente médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo, e envolvam uma atividade que seja suscetível de criar:
i) Confusão entre atos e serviços, marcas, designações comerciais e outros sinais distintivos ou competências de um concorrente direto ou indireto; ou,
ii) Convicção de existência de qualidade através da utilização indevida de marca ou selos distintivos ou invocando esses atributos para finalidades que não são associadas à natureza dessa marca ou certificação;
f) Descrevam o ato ou serviço como «grátis», «gratuito», «sem encargos», ou «com desconto» ou «promoção», se o utente tiver de pagar mais do que o custo inevitável de responder à prática de publicidade em saúde;
g) Proponham a aquisição de atos e serviços a um determinado preço e, com a intenção de promover um ato ou serviço diferente, recusem posteriormente o fornecimento aos utentes do ato ou do serviço publicitado.
2 - São ainda proibidas as práticas de publicidade em saúde que:
a) Limitem, ou sejam suscetíveis de limitar, significativamente a liberdade de escolha ou o comportamento do utente em relação a um ato ou serviço, através de assédio, coação ou influência indevida e, assim, conduzam, ou sejam suscetíveis de conduzir, o utente a tomar uma decisão de transação que, sem estas práticas publicitárias, não teria tomado;
b) Sejam suscetíveis de induzir o utente ao consumo desnecessário, nocivo ou sem diagnóstico ou avaliação prévios por profissional habilitado;
c) No âmbito de concursos, sorteios ou outras modalidades ou certames afins divulguem atos ou serviços de saúde como respetivo prémio, brinde ou condição de prémio, ou similares.
3 - Para efeito do disposto na alínea a) do número anterior, atende-se ao caso concreto e a todas as suas características e circunstâncias, devendo ser considerados os seguintes aspetos:
a) O momento, o local, a natureza e a persistência da prática comercial;
b) O recurso a linguagem ou comportamento ameaçadores ou injuriosos;
c) O aproveitamento consciente pelo profissional de qualquer infortúnio ou circunstância específica que pela sua gravidade prejudique a capacidade de decisão do utente, com o objetivo de influenciar a decisão deste em relação ao bem ou serviço;
d) Qualquer entrave não contratual oneroso ou desproporcionado imposto pelo profissional, quando o utente pretenda exercer os seus direitos contratuais, incluindo a resolução do contrato, a troca do bem ou serviço ou a mudança de profissional;
e) Qualquer ameaça de exercício de uma ação judicial que não seja legalmente possível.
Artigo 8.º
Regime sancionatório
1 - A infração ao disposto no presente decreto-lei constitui contraordenação punível com as seguintes coimas:
a) De (euro) 250 a (euro) 3 740,98 ou de (euro) 1 000 a (euro) 44 891,81, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva, por violação do disposto nos artigos 3.º a 7.º;
b) De (euro) 250 a (euro) 3 740,98 ou de (euro) 3 000 a (euro) 44 891,81, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva, por violação do disposto no artigo anterior.
2 - A negligência é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.
3 - São ainda aplicáveis, em função da gravidade da infração, do potencial impacto e da culpa do agente, as seguintes sanções acessórias:
a) Apreensão de suportes, objetos ou bens utilizados na prática das contraordenações;
b) Interdição temporária, até ao limite de dois anos, de exercer a atividade profissional ou publicitária;
c) Privação de direito ou benefício outorgado por entidades reguladoras ou serviços públicos, até ao limite de dois anos.
4 - Cabe à Entidade Reguladora da Saúde a fiscalização e a instrução dos processos de contraordenação, competindo ao respetivo conselho de administração a aplicação das correspondentes coimas e sanções acessórias.
5 - Às contraordenações previstas no presente decreto-lei é subsidiariamente aplicável o disposto nos artigos 63.º a 67.º dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados pelo Decreto-Lei 126/2014, de 22 de agosto e o regime jurídico do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis 356/89, de 17 de outubro, 244/95, de 14 de setembro e 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de dezembro.
6 - O produto da aplicação das coimas reverte a favor das seguintes entidades:
a) 60 % para o Estado;
b) 40 % para a Entidade Reguladora da Saúde.
Artigo 9.º
Aplicação subsidiária
Ao disposto no presente decreto-lei é subsidiariamente aplicável o Código da Publicidade e o regime jurídico das práticas comerciais desleais.
Artigo 10.º
Regulamentação
A Entidade Reguladora da Saúde define os elementos de identificação para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º e os elementos previstos no n.º 1 do artigo 5.º
Artigo 11.º
Regiões Autónomas
1 - O disposto no presente decreto-lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sendo as competências nele previstas exercidas pelos serviços regionais competentes.
2 - O produto das coimas aplicadas ao abrigo do presente decreto-lei pelos órgãos e serviços das administrações regionais constituem receita própria da respetiva região.
Artigo 12.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de agosto de 2015. - Paulo Sacadura Cabral Portas - Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque - Paula Maria von Hafe Teixeira da Cruz - Leonardo Bandeira de Melo Mathias - Fernando Serra Leal da Costa.
Promulgado em 8 de outubro de 2015.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 9 de outubro de 2015.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.