de 23 de Abril
1. A Lei 46/85, de 20 de Setembro, que estabelece os regimes de renda livre, condicionada e apoiada nos contratos de arrendamento para habitação, contém um preceito - o artigo 44.º - que impede a celebração de escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos sem que, além do mais, se faça perante o notário «prova suficiente da inscrição na matriz predial».Entretanto, nos termos do artigo 74.º do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei 47619, de 31 de Março de 1967, bastaria a participação para a inscrição na matriz quando se tratasse de prédio omisso.
Sendo a Lei 46/85 a norma posterior, difícil será o entendimento de, assim, não ter ficado revogado o critério acolhido no Código do Notariado. Só que, por tal forma, afectar-se-á, significativamente, a flexibilidade do comércio jurídico sem, em contrapartida, se reforçar a segurança na contratação.
É, aliás, de pressupor que com o artigo 44.º da Lei 46/85 não se terá pretendido a resultante que dele decorre. E até se poderia figurar que o seu âmbito dispositivo valeria apenas para os prédios já inscritos na matriz, sobrevigorando o artigo 74.º do Código do Notariado para os prédios omissos.
Foi neste contexto que no Decreto-Lei 13/86, de 23 de Janeiro, se incluiu uma norma interpretativa (artigo 19.º) declarando que para efeitos do artigo 44.º da Lei 46/85 poderão ser celebradas as escrituras públicas, desde que se faça prova, no caso dos prédios omissos, de haver sido requerida a inscrição na matriz.
O certo, porém, é que subsistiram dúvidas sobre o sentido e a curialidade desse artigo 19.º E, realmente, poder-se-á aduzir que uma norma interpretativa não terá a virtualidade de alterar um regime concludentemente textualizado.
Daí que se afigure conveniente recuperar, sem margem de dúvidas, o critério do Código do Notariado.
Trata-se, para mais, de uma área extremamente importante. Como é geralmente sabido, entre a participação para a inscrição matricial e a efectivação desta medeiam, frequentes vezes, alguns anos, e isto por condicionalismos que nem directa nem indirectamente são imputáveis aos próprios agentes económicos. Ora, tudo deve ser feito para que, na medida do possível, a vida das pessoas se simplifique; a segurança da contratação não implicará a rigidez das fórmulas. E uma das maiores virtudes das leis será a sua praticabilidade; quando tal não acontece logo surge o que já se designou por «poluição legal».
2. Certo é que a Lei 46/85 dimanou, como é óbvio, da Assembleia da República.
Mas não menos certo será que o seu artigo 44.º não se integra no regime geral do arrendamento urbano, e esse é que seria de reserva relativa da competência daquele órgão de soberania. Trata-se de um preceito caracterizadamente destacável do contexto da Lei 46/85. E isto, sumariamente, porque a transmissão do direito de propriedade de um prédio urbano não afecta os contratos de arrendamento urbano que, com referência a ele, se tenham formado.
Está-se, pois, em sede de competência legislativa concorrencial da Assembleia da República e do Governo.
Por assim ser, não haverá motivo para remeter para decisão Parlamentar a mera alteração pontual da Lei 46/85. Estão em jogo interesses atendíveis e imediatos de muitas pessoas. E, como é evidente, a alteração não ficará subtraída ao controle da Assembleia da República através dos mecanismos da ratificação.
De resto, e como se sublinhou, não será de supor que aquele artigo 44.º tenha, realmente, surgido da intencionalidade de derrogar o regime do artigo 74.º do Código do Notariado. Só que, literalmente, tal parece ter acontecido.
3. Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º O artigo 44.º da Lei 46/85, de 20 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 44.º
(Exigência de licença de construção ou de utilização para efeitos de
transmissão de prédios)
1 - Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial e da existência da correspondente licença de construção ou de utilização, quando exigível, da qual se fará sempre menção na escritura.2 - No caso de os prédios estarem omissos na matriz é suficiente a prova de haver sido apresentada na repartição de finanças a participação para a inscrição.
3 - A prova da participação para a inscrição na matriz, quando se trate de prédio omisso, faz-se pela exibição de duplicado que tenha aposto o recibo da repartição de finanças, com antecedência não superior a um ano, e pela exibição de outro documento dela emanado, autenticado com o respectivo selo branco.
Art. 2.º O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Março de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Mário Ferreira Bastos Raposo - João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Promulgado em 5 de Abril de 1986.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 11 de Abril de 1986.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.