de 4 de Julho
Com vista à desmaterialização dos títulos, requisito indispensável à dinamização do mercado de capitais, entendeu o Governo criar um género de acções não tituladas.De acordo com este propósito concebeu-se um regime em que o capital das sociedades anónimas pode ser representado por acções sob forma meramente escritural, sem incorporação de títulos, por vontade da própria sociedade expressa no contrato de sociedade. A estas acções será aplicável o regime das acções nominativas com as especificidades agora introduzidas.
Às obrigações e outros títulos emitidos pelas sociedades anónimas é aplicável o regime das acções escriturais, com as necessárias adaptações.
Para este efeito foi ouvido o Conselho Nacional das Bolsas de Valores.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Acções escriturais
1 - As acções das sociedades anónimas podem revestir forma meramente escritural, sem incorporação em títulos.2 - A adopção desta forma depende de autorização do contrato de sociedade, o qual pode estabelecer que sejam escriturais todas ou algumas categorias de acções ou que as acções tituladas e escriturais sejam reciprocamente convertíveis.
3 - As acções escriturais seguem o regime das nominativas ou ao portador, conforme esteja previsto no contrato da sociedade, com as alterações constantes do presente diploma.
Artigo 2.º
Contas
1 - As acções escriturais não tem número de ordem e são registadas em contas abertas em nome dos respectivos titulares.2 - Cada conta deve conter as seguintes menções:
a) Número de ordem da conta e data da abertura;
b) Nome, domicílio e número fiscal do titular;
c) Quantidade de acções, por categorias, pertencentes em cada momento ao titular;
d) Indicação de as mesmas estarem ou não liberadas e, neste caso, o valor em dívida;
e) Valor nominal actual;
f) Valor dos dividendos pagos, com menção da conta bancária em que foram creditados;
g) Atribuição de novas acções ou elevação do valor nominal, em resultados de aumentos de capital por incorporação de reservas;
h) Aquisições, alienações, conversões e outras operações, com indicação do número de arquivo da documentação que lhe serviu de suporte;
i) Quaisquer ónus, encargos ou limitações à transmissão que impendem sobre as acções, bem como os bloqueios para transferência;
j) Outras menções exigidas por lei ou que a sociedade considere convenientes.
3 - As menções podem ser feitas abreviadamente, mediante referências codificadas.
4 - Em caso de contitularidade de acções, a conta deve mencionar os nomes, domicílios de todos os contitulares e do representante comum, bem como as quotas de cada um, se não forem iguais.
Artigo 3.º
Serviço de acções escriturais
1 - Nas sociedades cujas acções tenham sido admitidas à cotação em bolsa, o serviço de registo e movimentação das acções escriturais é obrigatoriamente prestado por instituição financeira, bolsa de valores ou entidade por estas constituída para o efeito, desde que para tal autorizada pelo Ministro das Finanças, ouvido o Auditor-Geral do mercado de títulos.2 - A concessão de autorização para as instituições financeiras ou bolsas de valores prestarem o serviço de acções escriturais compete ao Auditor-Geral do Mercado de Títulos, que deverá certificar-se se a requerente dispõe de infra-estruturas informáticas que permitam realizar esse serviço com precisão, segurança e rapidez.
3 - A retribuição e demais condições para a prestação do serviço de acções escriturais pelas entidades referidas no n.º 1 deste artigo serão livremente ajustadas em contrato com a sociedade emitente.
4 - As sociedades cujas acções não estejam admitidas à cotação em bolsa podem, elas próprias, assegurar o serviço de acções escriturais, desde que o contrato de sociedade autorize a livre conversão de acções escriturais em tituladas.
Artigo 4.º
Responsabilidade
1 - A sociedade emitente responde, independentemente de culpa, pelos prejuízos causados aos accionistas ou terceiros por quaisquer erros ou deficiências no serviço de acções escriturais.2 - Quando esse serviço seja prestado por alguma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 3.º, a responsabilidade prevista no número precedente impende solidariamente sobre essa entidade e sobre a sociedade emitente, mas esta tem direito de regresso integral contra aquela, salvo estipulação em contrário no contrato referido no n.º 3 do artigo 3.º 3 - O disposto nos números anteriores entende-se sem prejuízo da responsabilidade própria dos corretores que intervieram na operação.
Artigo 5.º
Transmissão e oneração
1 - A transmissão de acções escriturais opera-se pela inscrição da alienação, na conta do alienante, e da aquisição, na conta do adquirente, a qual, no caso de este ainda não ser accionista, será para o efeito aberta.2 - A oneração das acções escriturais opera-se por inscrição na conta do titular.
3 - As inscrições dos actos referidos nos números anteriores, ou de outros factos que alterem a situação das acções, são feitas pelo serviço de acções escriturais, à vista do documento hábil, que nele ficará arquivado.
4 - Tratando-se de transmissão entre vivos, bastará a declaração escrita do alienante, donde conste a quantidade e categorias das acções alienadas, o número da conta do alienante e a identificação do adquirente, ou, sendo a operação realizada na bolsa, a apresentação pelo corretor dos documentos legalmente exigidos para ela, com identificação do adquirente.
5 - O corretor que tenha recebido uma ordem de venda de acções escriturais pode, antes de a executar, requerer o bloqueio da quantidade de acções a alienar mediante a apresentação, no serviço de acções escriturais, de duplicado daquela ordem.
6 - O bloqueio torna as acções indisponíveis, salvo quanto à alienação feita pelo corretor que a requereu, e cessa com a comunicação por este da identificação do adquirente ou da desistência da alienação e no máximo de 60 dias.
Artigo 6.º
Limitações à transmissão de acções escriturais
O contrato de sociedade pode sujeitar a transmissão das acções escriturais às mesmas limitações que podem ser estabelecidas para a transmissão das acções nominativas.
Artigo 7.º
Conversão das acções tituladas em escriturais
1 - A conversão de acções tituladas em escriturais, quando autorizada no contrato de sociedade, faz-se a pedido do accionista, que deve entregar os respectivos títulos no serviço de acções escriturais.
2 - A conversão é averbada no livro a que se refere o artigo 305.º do Código das Sociedade Comerciais e na conta mencionada no artigo 2.º do presente diploma, onde ficam registados os números de ordem das acções convertidas.
Artigo 8.º
Conversão das acções escriturais em tituladas
1 - A conversão de acções escriturais em tituladas, quando autorizada no contrato de sociedade, faz-se a pedido do accionista, que deve declarar se pretende títulos nominativos ou ao portador, se estes forem permitidos, e quantos.
2 - A conversão é averbada na conta a que se refere o artigo 2.º e registada no livro referido no artigo 305.º do Código das Sociedades Comerciais, mencionando-se neste o número daquela conta e dando-se às acções a numeração de ordem actual, com indicação codificada da sua anterior qualidade escritural.
Artigo 9.º
Passagem obrigatória de forma titulada à escritural por alteração do
contrato de sociedade
1 - Quando, por alteração do contrato de sociedade, todas as acções, ou uma ou mais categorias delas, passem obrigatoriamente da forma titulada à escritural, os accionistas devem devolver, dentro do prazo fixado pela sociedade, os títulos em circulação.2 - Decorrido esse prazo sem que tenham sido devolvidos todos os títulos, a sociedade publicará anúncios a avisar que os mesmos já não podem ser negociados e retirá-los-á da negociação em bolsa se estavam admitidos a esta.
3 - O serviço de acções escriturais abrirá uma conta especial onde serão registadas todas as acções cujos títulos não foram devolvidos, na qual passarão a ser creditados os dividendos e averbadas as novas acções que forem sendo distribuídos, e da qual serão retiradas aquelas cujos títulos forem sendo devolvidos, para subsequente inscrição nas contas dos respectivos titulares.
Artigo 10.º
Passagem obrigatória da forma escritural à titulada por alteração do
contrato de sociedade
1 - Quando, por alteração do contrato de sociedade, todas as acções, ou uma ou mais categorias delas, passem obrigatoriamente da forma escritural à titulada, a sociedade convidará os accionistas a declararem se preferem títulos nominativos ou ao portador, se o contrato de sociedade permitir estes, e, não havendo resposta dentro do prazo que for fixado, emitirá títulos nominativos.2 - A sociedade comunicará depois aos accionistas quando e onde podem receber os títulos.
Artigo 11.º
Custo das operações
O contrato de sociedade pode estabelecer que o custo das operações de registo das transmissões, conversões ou outros relativos a acções escriturais seja suportado pelos accionistas interessados, segundo critério a fixar pela assembleia geral.
Artigo 12.º
Informações e extractos de contas
1 - O serviço de acções escriturais deve enviar a cada accionista extracto actualizado da sua conta, sempre que haja alteração ou aquele o solicite e, pelo menos, de seis em seis meses.2 - A pedido de qualquer accionista, o serviço de acções escriturais deve fornecer-lhe as seguintes informações:
a) Firma e sede da sociedade;
b) Conservatória do registo comercial onde ela se acha matriculada e número de matrícula;
c) Número de pessoa colectiva;
d) Cartórios notariais onde foram lavradas as escrituras de constituição da sociedade e de alteração do contrato e datas das respectivas publicações;
e) Local e data onde se encontram publicados os relatórios e contas dos três últimos exercícios;
f) Nomes dos titulares dos órgãos estatutários;
g) Capital social e valor nominal das acções.
3 - Os extractos de conta e as informações referidos nos números anteriores podem ser computadorizados e devem ser assinados pela entidade responsável pelo serviço de acções escriturais, se o accionista o solicitar.
Artigo 13.º
Informação à sociedade emitente
1 - O serviço de acções escriturais, quando prestado por alguma das entidades referidas no artigo 3.º, n.º 1, deve ser organizado de forma a poder fornecer à sociedade emitente, em qualquer momento, as seguintes informações actualizadas:a) Relação de todos os accionistas titulares de acções escriturais, com indicação da quantidade que a cada um pertence;
b) Extracto da conta de qualquer accionista;
c) Lista dos accionistas com direito a participar ou votar em assembleia geral.
2 - Além das informações referidas no número anterior, o serviço de acções escriturais deve enviar à sociedade emitente:
a) Mapa dos dividendos distribuídos aos accionistas;
b) Mapa das acções atribuídas em resultado de aumentos de capital por incorporação de reservas;
c) Relatório sobre as operações de subscrição de acções escriturais no caso de aumento de capital por novas entradas;
d) Outras informações previstas no contrato referido no n.º 3 do artigo 3.º
Artigo 14.º
Lista de accionistas
1 - Pelo menos uma vez por ano, a sociedade emitente deve encadernar uma lista dos accionistas titulares de acções escriturais, com menção das acções que a cada um pertencem, e uma colecção dos extractos de todas as contas.2 - Os livros assim formados devem ser apresentados na repartição de finanças da sede da sociedade, para que o respectivo chefe numere e rubrique todas as folhas.
3 - Qualquer accionista pode, a todo o momento, tomar conhecimento do livro que contém a lista dos accionistas.
Artigo 15.º
Obrigações e outros títulos
O regime deste diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, às obrigações e a outros títulos emitidos por sociedades anónimas.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 28 de Abril de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Joaquim Fernando Nogueira.
Promulgado em 22 de Junho de 1988.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 28 de Junho de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.