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Acórdão 408/2008, de 24 de Setembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações, na interpretação segundo a qual entre as circunstâncias a ponderar no cálculo do valor de um solo integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN) se pode incluir a existência de expectativas de construção resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas

Texto do documento

Acórdão 408/2008

Processo 291/08

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Por despacho 3071/2003 (2.ª série) do Secretário de Estado das Obras Públicas datado de 15 de Janeiro de 2003, publicado no D. R. n.º 38, 2.ª série, de 14 de Fevereiro de 2003, foi declarada de utilidade pública e com carácter de urgência a expropriação das parcelas de terreno designadas como "n.º 21 e 21A", com a área total de 7942 m2 (6887 m2 + 1055 m2), a destacar do prédio situado no lugar de Fojo, freguesia de Labruge, concelho de Vila do Conde, a confrontar actualmente de Norte e Nascente com domínio público e a Sul e Poente com Manuel Azevedo Quintas, prédio esse inscrito na matriz predial sob o artigo rústico n.º 71 da Repartição de Finanças desta cidade e descrito na CRP de Vila do Conde sob o n.º 22324 do Livro B-58, necessária à execução da obra IC1 - Porto-Viana do Castelo (IP9).

Por autos de 31/10/02 e 12/03/03 foram concretizadas as posses administrativas de tais parcelas de terreno pela entidade expropriante.

Por não ter sido possível uma expropriação amigável iniciou-se um processo de expropriação por utilidade pública (n.º 1091/04.0TBVCD, do 2.º Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde), em que é expropriante "EUROSCUT Norte - Sociedade Concessionária da SCUT do Norte Litoral, S. A.", e expropriados Manuel Azevedo Quintas e mulher Maria Carolina Moreira Ramos.

Efectuadas as respectivas vistorias ad perpetuam rei memoriam, procedeu-se de seguida à arbitragem nos termos legais, na qual, por unanimidade, o valor total da indemnização a atribuir aos expropriados foi fixado em (euro) 27.797,00.

Por decisão de 19-4-2004 foi adjudicado à entidade expropriante o direito de propriedade sobre ambas as parcelas de terreno supra descritas e identificadas.

Da decisão arbitral interpuseram recurso os expropriados, defendendo que as parcelas aqui em causa, à data da DUP, valiam (euro) 158.840,00.

O processo decorreu os seus ulteriores termos processuais e procedeu-se à avaliação prevista nos artigos 61.º e ss. do Código das Expropriações de 1999 (C. das Exp.) tendo os peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados apresentado um único laudo no qual consideraram como justa a indemnização de (euro) 158.840.00. Pela perita da entidade expropriante foi apresentado outro laudo, no qual indicou como valor justo o de (euro). 40.249,24.

Em 14-8-2006 foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixar, a título de indemnização a pagar pela expropriante àqueles o montante global de (euro) 157.938,49, quantia esta a actualizar desde a data de declaração de utilidade pública (14/02/03) até à decisão final com trânsito dos autos.

Desta sentença foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 21-1-2008, concedeu parcial provimento ao recurso, tendo fixado a indemnização devida aos expropriados no valor de (euro) 152.379,09.

Deste acórdão foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:

"2. No acórdão recorrido decidiu-se que podia considerar-se o jus aedificandi na avaliação de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN), ao abrigo da parte final do n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações (CE/99).

3 - Na verdade, nele se escreveu que «[...] as expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona [...] enquadram-se "... nas circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo", a que se refere tal segmento da norma».

4 - Resumindo o entendimento seguido, considerou-se que:

«Assim se valoriza o solo de acordo com o seu aproveitamento económico normal que possuiria, abstraindo-se da condicionante imposta pelo plano municipal, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (CRP = 13.º e 17.º)».

5 - Ora, salvos o devido respeito e melhor opinião, a tese acolhida pelo douto acórdão é inconstitucional.

Na verdade,

6 - do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo, tomar em consideração, quer a "vertente do interesse público" quer o "princípio da igualdade de encargos" entre os cidadãos;

7 - Seguindo de perto a argumentação desenvolvida no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 118/2007, dir-se-á que o princípio da igualdade se desdobra em dois níveis de comparação: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa;

8 - No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.

9 - No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.

10 - Ora, nestes autos como naqueles em que foi proferido o citado douto Acórdão 118/2007, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida coloca em crise aquele princípio:

«De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho.

Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção [no caso dos autos dir-se-ia: "como terreno com expectativas de aptidão construtiva"], como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu "justo valor" - para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado -, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação».

11 - Na verdade, tal como se alegou no recurso de apelação interposto:

«[...] as eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno desafectado da RAN não podem reflectir-se na justa indemnização, tal como se decidiu, entre outros, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional proferido em 20 de Abril de 2004 - Acórdão 275/2004, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Junho:

- a integração de um terreno na RAN «determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária;

- no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação».

Que essas "supostas" expectativas não podem contribuir para a determinação do terreno, aliás, resulta da imposição expressa do artigo 23.º do CE/99, de que a justa indemnização se reporte ao valor real e corrente do bem «à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data».

No dizer destes Srs. Peritos, como se referiu, apesar de estarem classificados na RAN, «eram no entanto solos valorizados pelas expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos com igual classificação receberam» (fls. 132).

Essas ditas "fortes expectativas" têm, no entanto, um nome: Especulação».

12 - Na verdade, o critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de modo desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (artigo 23.º/1 do CE/99) - também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo (Neste sentido, Fernando Alves Correia, «A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999», publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 132.º, n.º 3905 e 3906, pág. 233).

13 - O valor de mercado normativamente entendido corresponde ao «valor de mercado normal e habitual, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são ditadas por exigências da justiça» (Cf. Autor e obra citados).

14 - Assim, por violação dos princípios da igualdade (no âmbito da relação externa) - consagrado no artigo 13.º da CRP - e do princípio da justa indemnização - condensado no seu artigo 62.º/2 - seria inconstitucional a norma contida no n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção.

15 - A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de tal norma, nessa interpretação, nas 1ª e 3ª conclusões do recurso de apelação interposto.

16 - Pretende-se, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção."

A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:

"1ª. Do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo, tomar em consideração, quer a "vertente do interesse público" quer o "princípio da igualdade de encargos" entre os cidadãos;

2ª. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.

3ª. É precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida coloca em crise aquele princípio, ao decidir que, na avaliação de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN) pode considerar-se o jus aedificandi, ao abrigo da parte final do n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações.

4ª. A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto jurídico sob o ponto de vista da sua ineptidão construtiva, em função do qual o legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa indemnização exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.

5ª. No caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.

6ª. O solo da parcela dos autos foi expropriado exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho.

7ª. Considerar-se como terreno com expectativas de aptidão construtiva, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu "justo valor" (para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado), mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação.

8ª. A integração de um terreno na RAN determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária.

9ª. O critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de modo desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (artigo 23.º/1 do CE/99) - também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo;

10ª. O "valor de mercado normativamente entendido" corresponde ao «valor de mercado normal e habitual, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura.

11ª. As eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno desafectado da RAN não podem reflectir-se na justa indemnização por imposição expressa do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações, nos termos do qual a justa indemnização deve reportar-se ao valor real e corrente do bem «à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data».

12ª. É inconstitucional a norma contida no n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção, por violação dos princípios da igualdade (no âmbito da relação externa) - consagrado no artigo 13.º da CRP - e do princípio da justa indemnização - condensado no seu artigo 62.º/2."

Contra-alegaram os expropriados, tendo concluído nos seguintes termos

"1- O presente recurso não deverá ser admitido, impugnando-se a decisão de admissão uma vez que a inconstitucionalidade da norma ou normas não foi previamente invocada pela recorrente duma forma clara e objectiva.

2- A justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação correspondente ao valor real e corrente do bem no mercado.

3- Tal valor deve ser entendido no seu sentido normativo ou seja o valor normal ou habitual, mas não especulativo.

4- Deve ter-se em conta as mais-valias ocasionadas pela situação favorável de um terreno, pela sua localização numa área limítrofe de construção urbana, bem como as mais-valias decorrentes do aumento do preço dos imóveis por influência do crescimento demográfico, da evolução económica e da descentralização industrial.

5- Todos esses factores já existiam ao tempo da declaração de utilidade pública e não foram criadas artificialmente, nem são produto de qualquer imaginação mais fértil.

6- Também não foi violado o princípio da igualdade uma vez que não foi utilizado o arbítrio, não há discriminação injustificada e foi feita uma diferenciação positiva, tratando de forma desigual situações desiguais.

7- Não foi violado o princípio da igualdade nem na sua vertente interna como externa.

8- A vingar a tese da recorrente teríamos preços iguais no centro de Lisboa e numa aldeia de Trás-os-Montes, uma vez que confunde igualdade com igualitarismo.

9- Como escrevia Gonçalo Capitão "Há que não ser cegos e ver a realidade que se nos depara diante dos nossos olhos" no que se concorda como o plasmado no Acórdão de 21/10/1989 da Relação do Porto escreveu que "com o alastramento da cidade do Porto há uma absorção constante das zonas periféricas, pelo que só ficticiamente estas se podem continuar a considerar rurais, passando a ser economicamente dominadas pela mesma lei de valor que domina as áreas e zonas de aglomerado urbano".

10- O mesmo se diga de muitas outras cidades ou zonas do país.

11- Na justa indemnização deve-se incluir a regra da contemporaneidade da indemnização e da justa compensação quanto ao ressarcimento dos prejuízos causados tendo em linha de conta a natureza do solo, os rendimentos, as culturas, os acessos, a localização e eventuais desvalorizações das partes sobrantes.

12- Foi tendo em conta estes parâmetros que existiu concordância entre os peritos nomeados pelo Tribunal e o indicado pela expropriada.

13- Os senhores peritos não tiveram em conta as expectativas de construção mas a localização privilegiada que tinha o terreno em apreço, apesar de incluído na RAN.

14- Os recorrentes não lograram fazer prova da inconstitucionalidade contida no n.º 3 do artigo 27 do Código das Expropriações (1999) por violação dos princípios da igualdade consagrada no artigo 13 da CRP e o principio da justa indemnização condensada nos artigo 62 n.º 2."

Fundamentação

1 - Da admissibilidade do recurso

A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a invocação da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp., no sentido do cálculo do valor dos solos integrados na RAN poder reflectir a existência de expectativas de construção.

Os recorridos, nas contra-alegações de recurso apresentadas, arguiram a inadmissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, alegando que a inconstitucionalidade do artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp., não foi apreciada pelo acórdão recorrido, nem essa questão foi suscitada previamente pela recorrente.

Na verdade, no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC - como ocorre no presente caso - , a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

Ora, da leitura das alegações de recurso apresentadas pela expropriante perante o Tribunal da Relação do Porto verifica-se que consta das conclusões n.º 1 a 3 o seguinte:

"1ª As eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno desafectado da RAN não podem reflectir-se na justa indemnização, tal como a própria sentença concluiu e resulta do n.º 1, do artigo 23.º, do CE/99.

2ª A majoração de 30 % foi considerada no laudo maioritário em virtude dessas expectativas", determinando que entrasse no cálculo do "solo para outros fins" uma expectativa de desafectação do terreno da RAN e seu posterior aproveitamento construtivo.

3ª Seria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma contida no n.º 3, do artigo 27.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção."

Verifica-se, pois, que foi suscitada adequadamente a questão da inconstitucionalidade da interpretação do n.º 3, do artigo 27.º, da CRP, no sentido do cálculo da indemnização pela expropriação de solos integrados em área RAN, poder reflectir a existência de expectativas de construção nessa zona.

E o acórdão recorrido sustentou a constitucionalidade desta interpretação normativa quando, abordando a questão colocada, adoptou a seguinte argumentação:

"Insurge-se a Apelante contra a consideração do jus aedificandi na avaliação de um terreno integrado na RAN.

Efectivamente, os Peritos maioritários considerando que o solo expropriado, apesar de inserido em área de RAN, é valorizado pelas expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos com igual classificação receberam, acabaram por aplicar um factor que o valorizou em mais 30 %.

Pensamos que a tese maioritária encontra abrigo na parte final do n.º 3, do artigo. 27.º, do C. Exp.

Quer dizer, as expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona (que os Peritos, aliás, ilustram com exemplos concretos como os da Lactogal, Nassica e Siemens/Infineon) enquadram-se "... nas circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.", a que se refere tal segmento da norma.

Refere Alípio Guedes in Valorização de Bens Expropriados, p. 93, a propósito daquele n.º 3, do artigo. 27.º, que: "... embora na redacção esteja subjacente a natureza agrícola ou florestal do solo, poderá haver possibilidades de rendimentos de outra natureza... sempre que seja normal a procura desses serviços na zona onde a parcela expropriada se insere."

Igual entendimento se descortina, na doutrina, em F. Alves Correia (RLJ, Ano 132.º. n.º 3904. de 1/11/99, p. 55), João Ferreira (C. Exprop., anot., 2ª ed.. p. 129), Luís Perestrelo de Oliveira (CE/Anot./1992/p. 95) e Pedro Elias da Costa (Guia das Expropriações por Utilidade Pública, p. 290 e ss) e, na Jurisprudência, nos ac.s desta Relação de 28/2/00, 28/3/00 e 10/4/00 in Sumários de Jurisprudência Temática, Expropriações e Juros, do Tribunal da Relação do Porto, n.º 1, Ano 2001, pág. 27, 28 e 29, respectivamente.

Assim se valoriza o solo de acordo com o seu aproveitamento económico normal que possuiria, abstraindo-se da condicionante imposta pelo plano municipal, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (CRP = 13.º e 17.º)."

Foram estas considerações que fundamentaram a decisão do Tribunal da Relação do Porto de julgar improcedente o recurso quanto à aplicação de um factor de correcção de 1,3 ao cálculo do valor das parcelas expropriadas, segundo o seu aproveitamento agrícola, que havia sido efectuada pela decisão da 1ª instância, pelo que constitui ratio decidendi do acórdão recorrido a interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do C. Exp., no sentido de que as expectativas de construção resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas, apesar de ser área RAN, integram-se nas circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no cálculo da indemnização prevista naquele preceito.

Esta interpretação normativa sustentada na decisão recorrida como seu fundamento está contida na questão de constitucionalidade colocada em termos mais amplos pela recorrente a este tribunal e suscitada antes, perante o tribunal recorrido, pelo que deve ser fiscalizada a constitucionalidade daquela interpretação, restringindo-se assim o objecto do recurso.

2 - Do mérito do recurso

2.1 - Dos termos da questão

Nesta expropriação litigiosa, em sede de avaliação pericial das parcelas expropriadas, levada a cabo nos termos do artigo 61.º, e seg., do C. das Exp., os peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados, após classificarem o solo como apto para outros fins e calcularem o seu valor a partir do rendimento possível de ser obtido com base na sua exploração agrícola ((euro) 15,44, por m2), aplicaram-lhe um factor de valorização de 1,3, donde resultou um valor final de (euro) 20,00, por m2.

Para justificar a aplicação deste factor de valorização, os referidos peritos fizeram constar do seu relatório as seguintes considerações:

"A parcela em avaliação, numa extensão de cerca de 196 metros, tal como consta do Auto de Vistoria "A.P.R.M." localiza-se à margem de uma estrada, que se desenvolve sensivelmente paralela ao ICI e que constitui um acesso rodoviário com pavimento em macadame em mau estado. Tem 4,00 metros de largura e, nesta estrada passa uma conduta de saneamento.

No PDM, antes do destino que lhe foi conferido pelo empreendimento que motiva a expropriação, os solos em expropriação estavam classificados em área de Reserva Agrícola Nacional, abrangida pela Zona de Protecção ao Itinerário Complementar número um.

Eram no entanto, solos valorizados pelas expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos com igual classificação receberam.

Com efeito, para além do empreendimento que motiva a expropriação, estão em curso, numa área envolvente de cerca de 1.000 metros, diversos empreendimentos de grande dimensão, nomeadamente o da LACTOGAL que ocupa uma área de cerca de 25 hectares e o do NASSICA que promoveu a urbanização de uma área superior a 45 hectares, nos quais, grande parte dos solos ocupados possuem no PDM a mesma classificação da parcela, ou seja são solos que estavam inseridos em área de reserva agrícola nacional. Situação equivalente ocorreu com os solos da SIEMENS/INFINEON, que ocupou solos em RAN e REN.

Quanto ao empreendimento NASSICA julga-se significativo referir resumidamente no que consiste. Do respectivo programa retira-se que se compõe de uma zona comercial

Outlet-Factory com 100 lojas, de um Retail Park com 15 lojas âncora, tipo Oficce Center, Mestre Maco, Casa Jardim, etc., de 20 cinemas multiplex, que com a evolução do projecto passaram para 24, de 30 restaurantes, de um Parque Industrial e Tecnológico, de uma zona de Escritórios e de 4.000 lugares de estacionamento. Da urbanização relativa ao empreendimento consta também uma zona de grande dimensão entre a linha do Metro e a E.N. 13 destinada a habitação.

Do atrás referido, resulta realçada uma realidade por vezes esquecida, que se consubstancia na noção de que os PDM's, as RAN's, as REN's e todos os instrumentos de gestão dos solos, são susceptíveis de serem alterados, e são-no muitas vezes, mesmo durante os seus períodos de vigência. É importante atender ao desenvolvimento local em cada caso concreto e à sua evolução urbana. A área de serviço de Vila do Conde dista a Norte cerca de 150 metros de solos classificados em área industrial, e a Sul cerca de 300 metros de solos classificados para construção habitacional - tipo II e de solos classificados em área industrial condicionada.

A Área de Serviço, como é sabido, destina-se ao comércio de combustíveis, lojas de conveniência, restaurantes e outros negócios afins. Verifica-se ainda no projecto do empreendimento que existem duas áreas de terreno com cerca de 4.150 m2 cada uma, designadas como "área de reserva", que à semelhança do que sucede noutros empreendimentos do mesmo tipo, devem destinar-se a futura construção de hotéis.

Da análise dos autos retiram-se outros elementos a ter em conta, nomeadamente os seguintes. O PDM ainda não previa a obra que justifica a expropriação, embora o devesse ter previsto, e a construção no terreno foi autorizada pelos Serviços da Reserva Agrícola Nacional. O Município de Vila do Conde já está a considerar a inserção da área da expropriação para área de construção na revisão do PDM em curso. Teve-se também em atenção a posição das partes e a jurisprudência do Tribunal Constitucional que trata a questão da classificação do solo.

Da análise de toda a informação colhida, considerando a legislação aplicável e tendo também em atenção a posição das partes e jurisprudência do Tribunal Constitucional que trata a questão da classificação do solo, suscitaram-se aos peritos dúvidas jurídicas quanto a esta questão, tanto mais que o prédio tem acesso rodoviário. Socorremo-nos aqui do ensinamento do Dr. Osvaldo Gomes na sua obra Expropriações por Utilidade Pública, na página 205, edição da Texto Editora. O citado autor refere que, uma vez que a lei manda atender além do rendimento efectivo possível e a outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no respectivo cálculo (artigo 27º n.º 3, in fine), "Nestas situações, e embora o terreno em causa não possa ser classificado como solo apto para construção, e a seguir: "Trata-se, de circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no valor dos terrenos e que têm necessariamente de ser consideradas".

Optou-se por avaliar o solo como para outros fins, considerando-se que o valor do terreno calculado a partir do rendimento possível de ser obtido com base na exploração agrícola do solo, deve ser objecto de uma correcção, através da aplicação de um factor que conduza ao valor real e corrente do solo à data da DUP. Só assim se fixará a justa indemnização, já que daquele cálculo resultará inevitavelmente um valor aquém do valor venal do terreno."

A sentença proferida na 1ª instância apesar de referir que "as alegadas expectativas a uma futura alteração do PDM de Vila do Conde no sentido da consagração da aptidão edificativa da parcela expropriada não podem influir no cálculo da justa indemnização, já que não passam de meras especulações, não consubstanciando qualquer circunstância ou condição objectiva da parcela à data da DUP", aceitou, sem quaisquer considerações justificativas, a aplicação do factor de correcção proposto pela maioria dos peritos.

Interposto recurso pela expropriante, onde se alertou para a referida contradição da fundamentação da sentença recorrida, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que recaiu sobre este recurso considerou provados, além do mais, os seguintes factos:

"8 - Tais solos estavam no estando "valorizados pelas expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos com igual classificação receberam".

9 - Numa área envolvente de cerca de 1.000 m2 estão em curso diversos empreendimentos de grande dimensão, nomeadamente o da LACTOGAL (com uma área de cerca de 25 hectares) e o da NASSICA (que promoveu a urbanização com uma área superior a 45 hectares, da qual consta ainda uma zona de grande dimensão entre a linha do Metro e a EN13 destinada a habitação), nos quais, grande parte dos solos ocupados possuem no PDM a mesma classificação da parcela aqui em causa. Situação equivalente ocorreu com os solos da SIEMENS/INFINEON, que ocupou solos em RAN e REN.

10 - A área de serviço de Vila do Conde dista a Norte cerca de 150 m de solos classificados em área industrial e a Sul cerca de 300 m de solos classificados para construção habitacional tipo II e de solos classificados em área industrial condicionada.

11 - A área de serviço destina-se ao comércio de combustíveis, lojas de conveniência, restaurantes e outros negócios afins.

12 - No projecto do empreendimento existem duas áreas de terreno com cerca de 4.150 m2 cada uma, designadas como "área de reserva" que podem destinar-se à futura construção de hotéis.

13 - O Município de Vila do Conde encontra-se a considerar a inserção da área da expropriação para área de construção na revisão do PDM em curso."

E, tendo em consideração estes factos, relativamente à questão da aplicação do mencionado factor de correcção no cálculo da indemnização devida pelo acto expropriativo, concordou com essa aplicação, por entender que entre as circunstâncias a ponderar no cálculo do valor de um solo integrado na RAN, nos termos do n.º 3, do artigo 27.º, do C. das Exp., pode incluir-se a existência de expectativas de construção na zona onde se situam as parcelas expropriadas, resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas.

É esta interpretação cuja constitucionalidade cumpre verificar.

Os critérios usados pelos tribunais no cálculo da indemnização devida pela expropriação de solos situados em zonas de utilização condicionada, por determinação legal, como sucede com as áreas RAN (Reserva Agrícola Nacional), têm sido objecto de frequentes acusações de violação dos princípios constitucionais aplicáveis nesta matéria, o que tem exigido a intervenção do Tribunal Constitucional.

Além da questão da relevância do tipo de aproveitamento do solo visado com o acto expropriativo na definição dos critérios de cálculo da indemnização devida pela expropriação (vide, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 267/97, 20/2000, 247/2000, 243/2001, 121/2002, 219/2001, 155/2002, 172/2002, 245/2003, 333/2003, 346/2003, 347/2003, 557/2003, 275/2004 642/2004, 398/2005, 238/2007, 276/07, 337/2007, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional também tem apreciado a constitucionalidade dos critérios de cálculo da indemnização por expropriação de solos integrados em zonas em que a edificação é proibida, mas que reúnem os requisitos legais da sua aptidão para a construção e foram adquiridos em data anterior à sua integração naquelas zonas de utilização condicionada (vide, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 275/04, 114/05, 145/05, 398/05, 417/06, 118/07, 234/07, 239/07 e 469/07, igualmente acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

A questão de constitucionalidade que é colocada neste recurso, apesar de ser vizinha das que foram apreciadas nos recursos sobre os quais recaíram os acórdãos acima citados, é uma questão nova.

Aqui não se discute se a finalidade do acto expropriativo, ou o facto do solo expropriado ter aptidão edificativa e ter sido adquirido em data anterior à sua integração em zona de utilização condicionada, podem ou devem influir nos critérios de cálculo da indemnização a arbitrar pela expropriação, mas sim se entre as circunstâncias a ponderar no cálculo da indemnização pela expropriação de um solo integrado em área RAN, nos termos do n.º 3, do artigo 27.º, do C.Exp., pode incluir-se a existência de expectativas de construção, resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas.

A recorrente acusa esta interpretação de violar o princípio da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, e o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, da CRP, entre expropriados e não-expropriados.

2.2 - Do princípio da justa indemnização

O artigo 62.º, n.º 2, da CRP, determina que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada mediante o pagamento de justa indemnização.

Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, ao exigir que esta seja "justa", impõe a observância dos seus princípios materiais da igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da CRP)

Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal, poder-se-á dizer que a "justa indemnização" há-de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor real do bem expropriado.

Ora, o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia de mercado como a nossa, é o do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou de mercado, numa situação de normalidade económica.

Como escreveu Alves Correia "... a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto" (em "O plano urbanístico e o princípio da igualdade", pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).

Apesar deste valor de mercado não poder atender a situações especulativas e poder sofrer algumas correcções impostas por razões de justiça que visam evitar enriquecimentos injustificados (vide, por exemplo as correcções impostas nas alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artigo 23.º, do Cód. das Exp.), donde resultará um "valor de mercado normativo", é ele que deve constituir o critério referencial determinante da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da respectiva indemnização a receber pelos expropriados.

Foi este o critério geral que foi adoptado pelo legislador ordinário no C. das Exp.:

"Artigo 23.º

Justa indemnização

1 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

...

5 - Sem prejuízo do disposto nos n. 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.»

Procurando evitar alguma subjectividade na determinação deste valor, o legislador fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente a vários tipos de bens expropriados.

Assim, quanto aos prédios que se considerem que são aptos para fim diverso da construção dispôs o seguinte:

"Artigo 27.º

Cálculo do valor do solo para outros fins

1 - O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.

2 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.

3 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo."

Deste preceito resulta que, relativamente aos "solos aptos para outros fins", o que abrange as parcelas de prédios rústicos que não se destinem à construção, adoptou-se como critério instrumental preferencial o cálculo aritmético do valor médio actualizado entre os preços unitários das aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuados na mesma freguesia, ou nas freguesias limítrofes nos 3 anos, de entre os últimos 5, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica (artigo 27.º, n.º 1, do C. das Exp.)

Mas, no caso de não poder ser aplicado este critério por falta de elementos, o que ocorre por sistema, como já previa Pedro Elias da Costa (em "Guia das expropriações por utilidade pública", pág. 310, da ed. de 2003, da Almedina), o valor de mercado será encontrado, por aplicação de um segundo critério instrumental subsidiário complexo que ponderará, em conjunto, os seguintes elementos do terreno expropriado: os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e ainda quaisquer outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo (artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp.)

Será que a inclusão entre as circunstâncias susceptíveis de serem ponderadas no cálculo do valor da indemnização devida pela expropriação de um terreno, da existência de expectativas de construção em terreno situado em zona RAN, resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas, inviabiliza que o resultado dessa ponderação seja um valor justo, na acepção constitucional acima enunciada ?

Note-se que não compete a este Tribunal ajuizar da correcção infraconstitucional da integração deste elemento na cláusula geral constante da parte final do n.º 3, do artigo 27.º, do C. das Exp., nem da valoração da matéria de facto apurada no que respeita à legitimidade ou solidez das referidas expectativas de construção. Ao Tribunal Constitucional apenas cumpre verificar se a ponderação deste tipo de expectativas no cálculo da indemnização de um terreno integrado em área RAN contraria a exigência constitucional de que a indemnização pela expropriação por utilidade pública desse terreno deve ser justa.

A Reserva Agrícola Nacional (RAN), como se define no artigo 3.º, do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho (diploma que estabelece o seu regime jurídico) é o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas. Estas áreas são identificadas na carta da RAN, a publicar por Portaria do Ministério com competência na execução da política agrícola (artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho).

Segundo o preâmbulo daquele diploma, é a defesa, que se pretende mais eficaz, das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, ou por terem sido objecto de importantes investimentos destinados a aumentar a capacidade produtiva dos mesmos, com a consequente melhoria das condições sócio-económicas das populações, que a ela se dedicam, que justifica a afectação de certos terrenos à RAN.

Ali se pode ler:

"Mas se a defesa dessas áreas das agressões várias de que têm sido objecto ao longo do tempo, designadamente de natureza urbanística constitui uma vertente fundamental da política agrícola, não é menos verdade que, por si só, é insuficiente para garantir a afectação das mesmas à agricultura - objectivo que, em última análise se pretende conseguir".

Daí que, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, a) deste diploma, "os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:

a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações..."

Sendo esse o objectivo do diploma, não deixou ele, porém, de estabelecer algumas excepções à exclusividade da afectação desses terrenos à agricultura. E, entre elas, conta-se a utilização de solos integrados na RAN para vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização (artigo 9.º, n.º 2, d), do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho).

Daqui resulta que a proibição de construir nos referidos solos não é absoluta, podendo a mesma ser autorizada nestes casos de interesse público.

Além disso, sempre poderá verificar-se uma desafectação dos terrenos integrados em área RAN, nomeadamente quando se verifique supervenientemente uma das situações referidas nas alíneas a) e b), do artigo 7.º, do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho.

Considerando a existência destas possibilidades de um terreno situado em área RAN ser utilizado para construção, podem existir expectativas, alicerçadas em determinada factualidade, de que aí venha a ser autorizada a realização de construções.

Ora, a possibilidade de construção, é um elemento de forte valorização fundiária.

Na verdade, na formação dos preços numa economia de mercado, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes económicos, pelo que constituem um elemento imprescindível na determinação do valor dos bens, o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projecção de futuras possibilidades de construção em solo em que actualmente é relativamente proibida essa utilização.

Não estamos aqui perante uma valorização de um qualquer fenómeno especulativo, resultante de um aumento artificial dos preços que não corresponde ao valor corrente de mercado, em situação de normalidade, mas sim perante a consideração de reais expectativas que não podem deixar de influir na determinação daquele valor corrente, pelas potencialidades que conferem ao imóvel.

Influindo essas expectativas na determinação do valor corrente de mercado de um imóvel, em situação de normalidade, e sendo este o valor de referência do conceito constitucional de uma justa indemnização, constante do artigo 62.º, n.º 2, da CRP, a ponderação dessas expectativas no cálculo da indemnização pela expropriação de um solo classificado como apto para fim diferente da construção não é, de modo algum, ofensiva daquele princípio.

2.3 - Do princípio da igualdade

A recorrente também invoca que a ponderação das referidas expectativas viola o princípio da igualdade entre expropriados e não expropriados.

Sem razão óbvia, atento o raciocínio acima explanado, a propósito do princípio da justa indemnização.

Na verdade, influindo essas expectativas no valor de terrenos inseridos na área RAN, elas repercutem-se independentemente dos mesmos serem ou não objecto de expropriação, pelo que ao pagar-se o valor de uma indemnização, por expropriação, em que se reflectiu a ponderação dessas expectativas, o valor pago é exactamente o mesmo que tem um imóvel, em idêntica situação, que não foi objecto de expropriação.

A interpretação questionada do artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp., não viola, pois, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, da CRP.

3 - Conclusão

Não se verificando que a interpretação normativa segundo a qual entre as circunstâncias a ponderar no cálculo do valor de um solo integrado na RAN, nos termos do n.º 3, do artigo 27.º, do C. das Exp., se pode incluir a existência de expectativas de construção, resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas, viole o disposto nos artigos 62.º, n.º 2, e 13.º, da CRP, nem qualquer outro parâmetro constitucional, deve o recurso interposto ser julgado improcedente.

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por "EUROSCUT Norte - Sociedade Concessionária da SCUT do Norte Litoral, S. A." do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-1-2008.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, tendo em consideração os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 11 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 31 de Julho de 2008. - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1705778.dre.pdf .

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