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Acórdão 272/2008, de 23 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucionais as normas constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § i do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, bem como as normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º s 1 e 2, 8.º, n.º s 1, 2 e 3, e 9.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, quando interpretadas no sentido de permitirem a consideração de rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente de apoio judiciário, para efeitos de determinação da insuficiência económica deste, quando auferidos por cônjuge, na constância de casamento sujeito ao regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário vise dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da qual possam vir a ser penhorados bens comuns do casal

Texto do documento

Acórdão 272/2008

Processo 787/07

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - O presente recurso vem interposto pelo Ministério Público, com natureza obrigatória, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da CRP e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 3, ambos da LTC, da sentença proferida pela 3.ª Secção do 1.º Juízo de Execução do Porto e registada em 11 de Junho de 2007 (fls. 41 a 45) que deu provimento ao pedido de impugnação judicial de decisão final do Instituto de Solidariedade e Segurança Social que indeferiu pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, com nomeação e pagamento de honorários do patrono.

Nos termos da referida sentença, procedeu-se à desaplicação - sem especificação detalhada - das normas extraídas do Anexo ao regime de acesso ao Direito e aos tribunais (aprovado pela Lei 34/2004, e de ora em diante, abreviada por RADT) e da Portaria 1085/2004, de 31 de Agosto, que determinam que a insuficiência económica é aferida em função do rendimento do agregado familiar do requerente, com fundamento na sua contradição com o direito fundamental de acesso à Justiça, independentemente da eventual insuficiência económica do beneficiário daquele direito. Para fundamentar tal decisão de desaplicação, a decisão recorrida fundamenta-se no Acórdão 654/2006, proferido pela 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em 28 de Novembro de 2006. Entre outras considerações, a decisão recorrida entendeu que:

«Cumpre referir que realizando os cálculos de acordo com o simulador que existe no site da CRSS, dado ter-se em conta o agregado familiar, se obtém a decisão dada pelo CRSS, ou seja, de acordo com a fórmula de cálculo prevista na lei actual do apoio [j]udiciário[], o requerente apenas teria direito ao pagamento faseado tal como foi decidido.

(...)

Tal fórmula consta dos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da Portaria 1085/2004 de 31/8 que concretiza o que se deve entender por rendimento relevante e explicita a fórmula de calcular esse rendimento.

(...)

Sobre tal matéria foi já proferido douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 654/2006 (...).

Refere o citado Acórdão, que vamos seguir de perto, que o n.º 5 do artigo 8.º da lei em análise delimita o direito de acesso ao direito e aos tribunais, por critérios de apreciação tabelados e fixados, por recurso a uma fórmula matemática.

(...)

Por outras palavras, fazendo-se as contas ao valor 4629,6 no simulador da CRSS o requerente teria direito ao apoio judiciário, mas tendo-se em conta o valor do subsídio da esposa tal conduz a conceder o pagamento faseado.

(...)

Portanto, entende o tribunal não aplicar a norma acima mencionada por se entender que se viola o artigo 20.º, n.º 1 da CRP (...)

A aplicação do anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos tribunais, dado que o valor do rendimento relevante é determinado pelo do agregado familiar independentemente de o requerente fruir ou não desse rendimento do terceiro que integra a economia comum (mas tal poderá não ser assim, poderão existir conflitos). Tal como se refere no citado Acórdão, o dever de alimentos não compreende as despesas relativas à taxa de justiça, e como tal não se pode dar como assente que o requerente dispõe do valor do subsídio da esposa (cf. Lei 6/2001, de 11/5).

Portanto, o tribunal entende que as normas do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria 1085-A/2004 de 31/8, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir esse rendimento, não garantem o acesso aos tribunais e violam o artigo 20.º, n.º 1 da CRP, sendo inconstitucionais» (fls. 42 a 44)

2 - Perante esta decisão, o Ministério Público fixou o objecto do recurso, para si obrigatório, nos seguintes termos:

«(...) vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional da referida decisão, para apreciação da alegada inconstitucionalidade das normas constantes do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria 1085-A/2004, publicada no D.R. I-B de 31 de Agosto de 2004, na parte em que impõem que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir desse rendimento.»

3 - Notificado para alegar, o Ministério Público apresentou as suas alegações, cujo teor ora se reproduz:

«1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada

O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da decisão, proferida nos Juízos de Execução do Porto, nos autos de impugnação da decisão da Segurança Social que denegou, em parte, o pretendido beneficio de apoio judiciário, requerido por Virgílio Ribeiro Neto, recusando aplicar o "bloco normativo" integrado pelos artigos 6º a 10º da Portaria 1085-A/04, conjugados com o Anexo à Lei 34/04, interpretado em termos de ser considerado para efeito de cálculo do rendimento relevante do requerente o rendimento do respectivo agregado familiar, sem possibilidade de indagação da eventual contitularidade ou fruição desse rendimento por parte do requerente e de saber se as pessoas que com ele vivem em economia comum têm qualquer tipo de obrigação de suportar as despesas inerentes à demanda em que aquele se encontra envolvido.

A decisão recorrida funda-se no juízo de inconstitucionalidade já formulado por este Tribunal no acórdão 654/06. E a situação dos autos é paradigmática da violação do direito de acesso à justiça por parte do economicamente carenciado, potenciada pelo esquema legal, absolutamente rígido e "matemático", de aferição de insuficiência económica. Na verdade, o juízo de (parcial) suficiência económica, formulado administrativamente, baseia-se nos rendimentos (subsidio de desemprego) auferidos por terceiros (cônjuge do requerente), sem que se saiba se a "execução" a propor - e para a qual é peticionado o apoio judiciário - tem alguma conexão com direitos, bens ou interesses do casal.

Consideramos, deste modo, plenamente transponível para o caso dos autos a solução acolhida no citado acórdão 654/06, que se mostra, aliás, em consonância com a posição sustentada na alegação ali produzida pelo Ministério Público.

2 - Conclusão

Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:

1.º Constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de acesso à justiça, sem discriminações fundadas na situação económica, a tabelar ponderação do rendimento global auferido por todas as pessoas que vivem em economia comum com o requerente, incluindo os rendimentos auferidos pelo cônjuge, independentemente da natureza da demanda para que é peticionado o apoio judiciário e da sua possível e exclusiva conexão com interesses pessoais do requerente.

2º É inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o Anexo à Lei 34/04, conjugado com os artigos 6º a 10.º da Portaria 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.

3º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.»

4 - Por sua vez, notificado das alegações do Ministério Público, o recorrido deixou expirar o prazo de resposta, sem que viesse aos autos pronunciar-se.

5 - Durante a fase de exame preliminar, a Relatora entendeu que, face às circunstância concretas do caso em apreço - acção executiva instaurada contra devedor casado em regime de comunhão de adquiridos - , se impunha a obtenção de peças processuais que não constavam dos autos, com vista a apurar do eventual interesse do cônjuge-mulher na improcedência da acção executiva movida contra o ora recorrido. Nesse sentido, em 29 de Novembro de 2007, foi proferido o seguinte despacho:

«Ao abrigo dos poderes que me são atribuídos ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-B da LTC, determino que seja oficiado o Exmo. Senhor Juiz da 3.ª Secção do 1.º Juízo de Execução do Porto para que, relativamente à acção executiva que aí corre termos sob o Proc. n.º 5860/06.9YYPRT, bem como relativamente a eventuais apensos de oposição à execução, de oposição à penhora ou de embargos de terceiro, ordene a remessa ao Tribunal Constitucional de cópias das fls. das quais constem as seguintes peças processuais:

i) Requerimento Executivo;

ii) Oposição à execução (caso haja sido deduzida);

iii) Oposição à penhora (caso haja sido deduzida);

iv) Embargos de terceiro (caso haja sido deduzida).

A remessa das cópias a este Tribunal reveste-se de manifesta utilidade para a boa decisão dos autos de recurso que correm perante a 3.ª Secção do Tribunal Constitucional, relativos a recurso por inconstitucionalidade deduzido no âmbito do Proc. n.º 5860/06.9YYPRT-C (apenso), da 3.ª Secção do 10 Juízo de Execução do Porto, relativos a impugnação de decisão administrativa sobre pedido de apoio judiciário.

Notifique-se, de imediato, por telefax.»

Na sequência do cumprimento do referido despacho, foram juntos aos autos: i) certidão do requerimento executivo apresentado por Banco Comercial Português, S.A - Sociedade Aberta, contra o recorrido e mais quatro executados, na qualidade de avalistas de empréstimo concedido à COCAMABÉ - Cooperativa de Marceneiros, CRL; ii) oposição à execução deduzida pelo recorrido, com junção de: a) contrato de mútuo com promessa de hipoteca; b) respectivo aditamento; c) escritura de hipoteca; d) condições do empréstimo; e) requerimento de apoio judiciário apresentado pelo recorrido.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

II - Fundamentação

6 - Em primeiro lugar, impõe-se fixar o objecto do presente recurso, uma vez que, na sequência da desaplicação genérica, sem individualização precisa, por parte da decisão recorrida, o Ministério Público optou por interpor recurso para julgamento da constitucionalidade das normas extraídas do «Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria 1085-A/04, publicada no D.R. I-B de 31 de Agosto de 2004, na parte em que impõem que rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir desse rendimento» (fls. 48).

Sucede que, conforme jurisprudência consolidada neste Tribunal, apenas pode conhecer-se das normas que hajam sido efectivamente aplicadas ou desaplicadas - como é o caso - por parte do tribunal "a quo". É certo que a decisão recorrida refere-se genericamente às «normas do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria 1085-A/2004, na parte em que impõem que rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir desse rendimento» (fls. 44), mas tal não se afigura suficiente para assegurar a clareza necessária à decisão da questão em apreço nos presentes autos. Ora, apesar de a decisão recorrida não especificar de modo inequívoco quais as normas que desaplicou (atente-se na margem interpretativa permitida pela mera remissão, a final, para as diversas normas mencionadas ao longo da decisão), deve esclarecer-se que tais normas são necessariamente aquelas que fazem referência à consideração do rendimento total do agregado familiar do requerente de apoio judiciário e não outras.

Assim, e em suma, o presente Acórdão não apreciará nem todas as normas constantes do Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, nem todas as normas constantes da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto. Muito menos apreciará quaisquer outras interpretações normativas que não passem pela consideração do rendimento total do agregado familiar do requerente de apoio judiciário, ainda que não auferido por este, para efeitos de determinação da insuficiência económica justificadora de apoio.

Obviamente em causa estarão apenas aquelas normas que foram especificamente aplicadas à situação concreta do ora recorrido. Num esforço interpretativo que visa a clareza da presente decisão, frisa-se que este Tribunal apenas indagará da constitucionalidade das normas constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I do Anexo, bem como das normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º s 1 e 2, 8.º, n.º s 1, 2 e 3 e 9.º da Portaria 1085-A/2004, pois só estas normas foram efectivamente aplicadas ao caso concreto ora em apreço.

Feita esta prevenção, passemos à ponderação, em concreto, da questão suscitada pelos presentes autos de recurso.

7 - A questão central que se impõe decidir é a de saber se o sentido decisório do Acórdão 654/2006, proferido pela 1.ª Secção deste Tribunal, é passível de transposição para o caso concreto em apreço, conforme entendeu a decisão recorrida e defende o Ministério Público.

Ao apreciar a constitucionalidade das normas constantes do «Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta", a 1.ª Secção deste Tribunal veio julgar inconstitucionais aquelas normas "na parte em que impõe[m] que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento».

A fundamentação que presidiu àquele acórdão residiu, sucintamente, na seguinte linha de argumentação:

i) A consideração do rendimento global do agregado familiar para efeitos de determinação da insuficiência económica do requerente de apoio judiciário descura situações concretas da vida em que aquele não beneficia efectivamente dos rendimentos de outros membros do agregado familiar;

ii) No caso hipotético de se verificarem interesses conflituantes entre os membros do agregado familiar, que possam ser alvo de contradição no âmbito de processo a correr perante órgão jurisdicional, os restantes membros do agregado familiar não podem permanecer vinculados a suportar (indirectamente) os custos do litígio;

iii) No caso daqueles autos, em que se aferia dos deveres de assistência entre uma avó e um neto, não podia afirmar-se que o dever de alimentos previsto nos artigos 2003.º e 2005.º do Código Civil abrangesse as despesas relativas às custas judiciais e aos honorários de mandatário forense;

iv) No caso de execução por dívida de custas judiciais, o n.º 1 do artigo 116.º do Código das Custas Judiciais não determina que respondam pela dívida os bens de pessoas que vivem em economia comum com o devedor, nos termos da Lei 6/2001, de 11 de Maio, «já que as pessoas que integram esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão em causa nos presentes autos» (cf. § 4, parágrafo 3.º).

Sucede, porém, que nenhum destes argumentos se pode transpor para os presentes autos, por falta de similitude com o caso ora concretamente em apreço. Senão, veja-se.

8 - Enquanto que naqueles autos se ponderou da constitucionalidade de interpretação normativa que fizesse imputar o rendimento auferido por determinada pessoa, a título de pensão de sobrevivência, a um neto que com aquela vivia em economia comum, por ser órfão, estudante e apenas auferindo uma pensão de sobrevivência de 100,00 (euro), nestes autos discute-se da imputação do rendimento auferido pelo cônjuge-mulher ao respectivo cônjuge-marido, para efeitos de determinação da insuficiência económica deste.

Importa assim aferir se as particularidades do presente caso concreto impõem decisão distinta.

Em primeiro lugar, decorre dos elementos juntos aos autos que:

i) O requerimento de apoio judiciário foi apresentado para efeitos de dedução de oposição a acção executiva instaurada contra o recorrido (fls. 2), enquanto avalista de um empréstimo concedido a cooperativa de marcenaria da qual o recorrido era cooperante e legal representante (cf. artigos 1.º a 3.º da oposição à execução, a fls. 74 e 75);

ii) A dívida do recorrido decorre da sua actividade comercial enquanto ex-cooperante e legal representante da COCAMABÉ - Cooperativa de Marceneiros, CRL;

iii) O recorrido é casado, segundo o regime de comunhão de adquiridos com Maria Cândida Oliveira, conforme decorre do requerimento de apoio judiciário (fls. 4);

iv) No âmbito da acção executiva instaurada contra o recorrido, foi expressamente requerida a penhora de bens móveis (entre os quais, «móveis antigos e modernos, aparelhagens sonoras e de vídeo, televisores, frigoríficos, quadros, tapetes, cadeiras, mesas, estantes, livros, diversos objectos decorativos e de adorno e outros bens móveis de difícil discriminação que compõem o recheio da residência» sita na Rua Lino Paupério, n.º 125, 4440-672 Valongo (fls. 71);

v) De acordo com a informação expressamente facultada pelo próprio recorrido, mediante preenchimento do requerimento de apoio judiciário, a casa de morada-de-família deste e de Maria Cândida Oliveira corresponde ao imóvel sito na Rua Lino Paupério, n.º 125, 4440-672 Valongo (fls. 4).

Ora, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 1691.º do Código Civil, «são dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges: (...) as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar o regime de separação de bens». Daqui decorre que, uma vez casados em regime de comunhão de adquiridos - e salvo prova da inexistência de proveito comum do casal - quer o recorrido quer o cônjuge-mulher são patrimonialmente responsáveis por aquelas dívidas, respondendo por estas quer os bens comuns do casal, quer, na sua falta, os bens próprios de qualquer um dos cônjuges, conforme resulta do n.º 1 do artigo 1695.º do Código Civil.

A circunstância de o cônjuge-mulher não constar do título executivo seria, aliás, irrelevante, para efeitos de acção executiva, caso o exequente houvesse alegado a comunicabilidade da dívida, nos termos do n.º 2 do artigo 825.º do CPC - o que, apesar de teoricamente admissível não ocorreu nos autos, conforme decorre do requerimento executivo (fls. 68 a 73). Mas, ainda que assim não seja, o património pertencente a Maria Cândida Oliveira, cônjuge do recorrido, permanecerá susceptível de penhora no âmbito da acção executiva, enquanto esta não cessar com trânsito em julgado, visto que, por força do n.º 1 do artigo 1695.º do Código Civil e do n.º 1 do artigo 825.º do CPC, os bens comuns do casal podem sempre ser alvo de penhora e consequente venda executiva, enquanto aquela não requerer a separação judicial de bens.

9 - Este excurso pelo Direito infra-constitucional aplicável aos autos de acção executiva, na qual foi deduzido pedido de apoio judiciário, afiguram-se essenciais para aferir do proveito que a eventual procedência do incidente de oposição à execução, deduzido exclusivamente pelo recorrido, poderá reverter para o referido cônjuge, cujos rendimentos auferidos foram imputados ao recorrido, por pertencerem ao mesmo agregado familiar.

É que, através do Acórdão 654/2006, este Tribunal apenas julgou inconstitucional as normas extraídas do «Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento», ou seja, naquele caso concreto «na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta.

Ora, nos presentes autos, a imputação ao recorrido dos rendimentos do cônjuge-mulher, Maria Cândida Oliveira, decorre expressamente do regime de bens ao qual está sujeito o respectivo casamento, visto que nos termos da alínea b) o subsídio de desemprego que é auferido pelo cônjuge-mulher é considerado como bem integrado na comunhão matrimonial.

Acresce ainda, que por força do n.º 1 do artigo 1675.º do Código Civil, o cônjuge-mulher do recorrido está vinculado ao cumprimento do dever de assistência, que compreende não só o mero dever de prestação de alimentos, como o de «contribuir para os encargos da vida familiar». Frise-se, aliás, que aquele preceito legal nem sequer adopta a noção, mais restritiva, de «encargos normais da vida familiar» (com sublinhado nosso) - como sucede, por exemplo, no caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 1691.º do Código Civil. Na medida em que o intérprete deve presumir que o legislador se expressou correctamente, pretendendo distinguir meros «encargos» de «encargos normais» sempre se concluirá que, ainda que as custas judiciais possam não ser consideradas como «encargos normais», sempre serão qualificáveis como «encargos (tout court)» da vida familiar, na medida em que foram contraídas na sequência de dívida comum a ambos os cônjuges.

Deste modo, ao contrário do que sucedia nos autos que deram lugar ao Acórdão 654/2006, existem deveres legais, directamente decorrentes da celebração e vigência de casamento sob o regime de comunhão de adquiridos, que determinam a existência de proveito, por parte do recorrido, dos rendimentos auferidos por parte do seu cônjuge-mulher. Tal circunstância, só por si, já imporia solução distinta à adoptada anteriormente adoptada por este Tribunal, a propósito de situação distinta, que serviu de fundamento à decisão ora recorrida.

10 - Do supra exposto, resulta que não procede igualmente o argumento explanado, a propósito do Acórdão 654/2006, quanto à potencial verificação de conflito entre os interesses dos membros do agregado familiar. Perante o caso concreto ora em apreço, constata-se que o recorrido mantém o mesmo interesse processual que o cônjuge-mulher, visto que, sendo a dívida comum, os bens comuns do casal podem vir a ser alvo de penhora - tendo estes, aliás, já sido nomeados à penhora pelo exequente. Deste modo, não se verifica qualquer constrangimento a que o cônjuge-mulher, casada sob o regime de comunhão de adquiridos, fique vinculada a suportar os custos do litígio.

11 - Improcede igualmente o argumento relativo à não abrangência das custas judiciais e dos honorários de mandatário forense por parte do dever de alimentos previsto nos artigos 2003.º e 2005.º do Código Civil, visto que, ao contrário do que sucedia no caso em julgamento no Acórdão 654/2006, não se discute agora o âmbito do dever de alimentos entre ascendentes/descendentes, mas antes o dever de assistência (mais amplo do que o mero dever de alimentos) entre cônjuge-marido e cônjuge-mulher.

12 - Por fim, quanto ao argumento segundo o qual o n.º 1 do artigo 116.º do Código das Custas Judiciais não determina que respondam pela dívida os bens de pessoas que vivem em economia comum com o devedor, nos termos da Lei 6/2001, de 11 de Maio, o mesmo não procede nos presentes autos, na medida em que, conforme já supra demonstrado, o recorrido e Maria Cândida Oliveira encontram-se casados, sob o regime da comunhão de adquiridos. Ora, sucede que o conceito de «bens penhoráveis» constante do n.º 1 do artigo 116.º do Código das Custas Judiciais abrange, necessariamente, pelo menos, os bens comuns do casal que respondem, quer pelas dívidas comuns (cf. n.º 1 do artigo 1695.º do Código Civil), quer mesmo pelas dívidas da responsabilidade exclusiva do recorrente, desde que restringida à respectiva meação (cf. n.º 1 do artigo 1696.º do Código Civil).

Daqui decorre que, mesmo no caso de o recorrido não poder liquidar eventual dívida de custas judiciais, aferida a final do processo, os bens do seu cônjuge-mulher respondem igualmente nos limites anteriormente fixados.

13 - Em suma, este Tribunal não pode deixar de notar que, caso a situação fosse idêntica aos autos que lhe deram lugar, reiteraria integralmente o sentido da jurisprudência vertida no Acórdão 654/06, ou seja, que não é compatível com o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva permitir a imputação do rendimento de outros membros do agregado familiar ao requerente de apoio judiciário quando este não frua de tal rendimento.

Sucede, porém, que os factos concretos que configuram a questão ora submetida a este Tribunal não permitem julgar inconstitucional as normas constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I do Anexo, bem como das normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º s 1 e 2, 8.º, n.º s 1, 2 e 3 e 9.º da Portaria 1085-A/2004, quando interpretadas no sentido de permitirem a consideração de rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente de apoio judiciário, para efeitos de determinação da insuficiência económica deste, quando auferidos por cônjuge-mulher, na constância de casamento sujeito ao regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário vise dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da qual possam vir a ser penhorados bens comuns do casal.

O direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (cf. n.º 1 do artigo 20.º da CRP) não fica prejudicado pela circunstância de serem imputados ao requerente de apoio judiciário rendimentos pertencentes ao seu cônjuge-mulher, quando vigore qualquer um dos regimes de comunhão de bens legalmente previstos, na medida em que, necessariamente, nesses casos, o requerente - como sucede com o recorrente nos autos - pode deles fruir livremente. O direito de acesso aos tribunais e ao Direito, como qualquer outro direito fundamental, não constitui um direito absoluto, exigindo apenas a Lei Fundamental que tal acesso não seja denegado em função da insuficiência económica do indivíduo carenciado de protecção jurídica. A medida da insuficiência económica não encontra densificação específica no enunciado constitucional, antes ficando dependente de um juízo de proporcionalidade (cf. n.º 2 do artigo 18.º da CRP). A livre margem de determinação pelo legislador do valor do rendimento que se afigura indiciador da insuficiência económica apenas permitiria a este Tribunal julgar inconstitucionais as normas ora em apreço, caso ocorresse uma manifesta violação do princípio da proporcionalidade.

Ora, no caso em apreço, através do preenchimento do pedido de apoio judiciário, o recorrido reconheceu que o seu agregado familiar auferiu 11.505,73 (euro), no ano fiscal anterior ao pedido, e que não suportam quaisquer despesas com habitação própria (cf. fls. 4-verso). A aplicação das fórmulas de cálculo constantes dos artigos 6.º a 9.º da Portaria 1085-A/2004, no caso concreto ora em apreço, não se traduz numa restrição desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais, até porque determina a aplicação da medida concretamente menos lesiva para o recorrente, ou seja, a mera sujeição ao pagamento faseado das custas judicias, nos termos da alínea c) do n.º 1 do § I do Anexo à Lei 34/2004.

Atentas as particularidades do caso em apreço, entende-se assim não subsistirem fundamentos razoáveis para concluir pela inconstitucionalidade das normas alvo de desaplicação por parte da decisão recorrida.

III - Decisão

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I do Anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, bem como as normas constantes dos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º s 1 e 2, 8.º, n.º s 1, 2 e 3 e 9.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, quando interpretadas no sentido de permitirem a consideração de rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente de apoio judiciário, para efeitos de determinação da insuficiência económica deste, quando auferidos por cônjuge, na constância de casamento sujeito ao regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário vise dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da qual possam vir a ser penhorados bens comuns do casal.

b) Conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade.

Sem custas, por não serem devidas.

Lisboa, 13 de Maio de 2008. - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral. - Vítor Gomes - Gil Galvão.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1694456.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-05-11 - Lei 6/2001 - Assembleia da República

    Estabelece o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum há mais de 2 anos.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

  • Tem documento Em vigor 2004-08-31 - Portaria 1085/2004 - Ministérios da Economia, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, da Educação, da Cultura e da Segurança Social e do Trabalho

    Aprova o modelo de símbolo a utilizar pelos artesãos e unidades produtivas artesanais nos respectivos produtos manufacturados, e comete o registo e gestão da utilização do referido simbolo à Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das Microempresas Artesanais.

  • Tem documento Em vigor 2004-08-31 - Portaria 1085-A/2004 - Ministérios da Justiça e da Segurança Social, da Família e da Criança

    Fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão da protecção jurídica.

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