de 22 de Agosto
Pela Lei 93/99, de 14 de Julho, a Assembleia da República aprovou o diploma que regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal, em consonância com o movimento internacional de reconhecimento dos direitos das testemunhas, plasmado na Recomendação R (97) 13 do Conselho da Europa. Esta lei determina que, com a publicação de legislação regulamentar, se desenvolverão e concretizarão os mecanismos de protecção de testemunhas ali previstos. É o que agora se leva a efeito através do presente decreto-lei.Numa curta síntese, destaca-se que o presente diploma concretiza as regras de confidencialidade essenciais à efectiva protecção de testemunhas que requeiram a reserva do conhecimento da identidade, desenvolve os meios de efectivar as diferentes medidas pontuais de segurança previstas naquela lei e desenvolve as regras de funcionamento da comissão de programas especiais de segurança.
Assim:
Ao abrigo do artigo 32.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposição geral
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei regulamenta a Lei 93/99, de 14 de Julho, que regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal.
CAPÍTULO II
Reserva do conhecimento da identidade da testemunha
Artigo 2.º
Processo de averiguação
1 - O Ministério Público, assim que tenha conhecimento de testemunha que alegadamente preencha os pressupostos do artigo 16.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, abre um processo de averiguação secreto.2 - A testemunha é identificada no processo de averiguação com um nome de código e com uma residência diferente da sua residência habitual, constando a verdadeira identidade e residência de documento também secreto.
3 - O documento referido no número anterior é colocado em envelope fechado na primeira inquirição da testemunha e na sua presença, sendo guardado em cofre, à guarda e sob responsabilidade do Ministério Público.
4 - No caso de o Ministério Público não confirmar que a testemunha preenche os pressupostos previstos no artigo 16.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, determina a destruição imediata do auto de inquirição e do envelope fechado.
5 - O acto de destruição referido no número anterior é realizado na presença da testemunha, ficando apenas a constar do processo de averiguação o auto de destruição e o despacho fundamentado do Ministério Público que ordenou aquele acto.
6 - No caso de o Ministério Público confirmar que a testemunha preenche os pressupostos previstos no artigo 16.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, prossegue com o requerimento previsto no n.º 1 do artigo 17.º da mesma lei.
7 - No requerimento referido no número anterior a testemunha é identificada através do nome de código e da residência diferente da residência habitual, seguindo, em apenso e em envelope lacrado, a verdadeira identificação.
Nomeação de advogado da defesa
Para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 18.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, a Ordem dos Advogados garante a urgência e a confidencialidade do processo de nomeação de advogado, observando, com as necessárias adaptações, as regras de confidencialidade previstas no artigo 6.ºArtigo 4.º
Inquirição de testemunha no processo complementar
Para efeitos do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 18.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, sempre que, em diligência sujeita ao contraditório, o juiz de instrução considerar necessária a inquirição da testemunha, pode recorrer às medidas previstas no capítulo II da mesma lei.
Artigo 5.º
Não concessão da medida de reserva do conhecimento da identidade
1 - No caso de o juiz de instrução decidir não conceder a medida de reserva do conhecimento da identidade da testemunha, ou de esta ser revogada, são destruídos todos os autos que identifiquem ou possam identificar a testemunha, assim como o envelope que contém aquela identificação, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 5 do artigo 2.º 2 - O processo administrativo aberto no Ministério Público e o envelope fechado são igualmente destruídos, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 5 do artigo 2.º
Artigo 6.º
Confidencialidade
1 - No processo de reserva do conhecimento da identidade da testemunha, a autoridade judiciária competente em cada fase processual designa elemento de órgão de polícia criminal ou funcionário de justiça responsável pela comunicação dos actos processuais e por todos os actos de secretaria.2 - A tramitação processa-se em mão entre a autoridade judiciária e o responsável designado e entre este e os restantes intervenientes no processo.
3 - Para cada processo é elaborado um registo próprio, sob a responsabilidade do funcionário designado, que será remetido ao cofre da autoridade judiciária competente no termo do mesmo.
4 - O requerimento de interposição de recurso de decisão judicial relativa à reserva do conhecimento da identidade da testemunha é entregue em mão ao funcionário judicial designado no processo, que procede de acordo com o disposto nos números anteriores.
CAPÍTULO III
Medidas pontuais de segurança
Artigo 7.º
Indicação de residência diferente
1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, no caso de indicação, no processo, de residência diferente da residência habitual ou que não coincida com os lugares de domicílio previstos na lei civil, o documento com a indicação da residência verdadeira permanece à guarda e sob responsabilidade do Ministério Público pelo período de tempo de aplicação da medida pontual de segurança.2 - As notificações da testemunha são solicitadas ao Ministério Público, que procede de acordo com o disposto no artigo 6.º
Artigo 8.º
Transporte em viatura e segurança da testemunha
Para efeitos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, a autoridade judiciária solicita à força de segurança territorialmente competente a disponibilização de viatura e respectivo condutor para o transporte da testemunha, bem como os meios necessários à sua segurança nas instalações judiciárias ou policiais.
Artigo 9.º
Protecção policial
Para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, a autoridade judiciária solicita ao corpo de segurança pessoal da Polícia de Segurança Pública a protecção policial da testemunha, familiares ou outras pessoas que lhe sejam próximas, sem prejuízo da intervenção ou cooperação de outros órgãos de polícia criminal.
Artigo 10.º
Segurança na prisão
Para efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, a autoridade judiciária ordena ao director-geral dos Serviços Prisionais que seja aplicada à testemunha regime que lhe permita estar isolada de outros reclusos e ser transportada em viatura diferente.
CAPÍTULO IV
Comissão de Programas Especiais de Segurança
Artigo 11.º
Sede da Comissão
A Comissão de Programas Especiais de Segurança (Comissão) tem sede em Lisboa, em instalações facultadas pela Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, e funciona na dependência directa do Ministro da Justiça.
Artigo 12.º
Funcionamento da Comissão
1 - A Comissão reúne, ordinariamente, uma vez por semestre e, extraordinariamente, sempre que seja convocada pelo presidente, por sua iniciativa ou a solicitação de qualquer membro da Comissão.2 - De todas as reuniões da Comissão é lavrada acta, assinada por todos os membros presentes.
3 - Os membros da Comissão exercem a sua função em regime de acumulação de serviço e mantêm todos os vencimentos, benefícios e regalias correspondentes ao lugar de origem.
4 - Os membros da Comissão têm direito a uma senha de presença por cada sessão em que participem, a fixar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Justiça, ouvido o presidente da Comissão.
5 - Por proposta do seu presidente, a Comissão aprova o regulamento de funcionamento interno.
Artigo 13.º
Serviços de apoio
1 - Podem ser criados serviços de apoio da Comissão coordenados por um oficial de justiça, nomeado em comissão de serviço, ao abrigo do Decreto-Lei 343/99, de 26 de Agosto.2 - O recrutamento do restante pessoal necessário ao funcionamento dos serviços de apoio da Comissão, até dois funcionários, é feito através do recurso aos adequados instrumentos de mobilidade previstos na legislação em vigor.
CAPÍTULO V
Programas especiais de segurança
Artigo 14.º
Comunicação ou requerimento da aplicação de programas especiais de
segurança
1 - Sempre que a autoridade judiciária considerar necessária a aplicação de um programa especial de segurança às pessoas referidas no artigo 21.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, comunica-o à Comissão de Programas Especiais de Segurança.2 - A comunicação é confidencial, feita por escrito e entregue em mão ao presidente ou ao secretário da Comissão.
3 - A comunicação contém os fundamentos que justificam a aplicação do programa especial de segurança, podendo ainda propor as medidas de protecção e apoio adequadas ao caso.
4 - As pessoas referidas no artigo 21.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, podem requerer a aplicação de programa especial de segurança, em requerimento dirigido ao presidente da Comissão e entregue ao Ministério Público titular ou interveniente no processo, consoante a fase em que o mesmo se encontrar, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o número anterior.
5 - O Ministério Público, recebido o requerimento referido no número anterior, diligencia pela sua entrega, em mão, ao presidente ou ao secretário da Comissão, acompanhado de parecer sobre a necessidade da aplicação do programa especial de segurança.
Artigo 15.º
Procedimento
1 - Sempre que a Comissão receber a comunicação ou o requerimento referidos no artigo anterior, abre um processo escrito e confidencial, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 24.º da Lei 93/99, de 14 de Julho.2 - O presidente da Comissão faz exame preliminar da comunicação ou requerimento e elabora, em oito dias, projecto de decisão contendo:
a) Rejeição liminar da comunicação ou do requerimento;
b) Indicação do prosseguimento do processo com a fixação imediata do conteúdo do programa especial de segurança;
c) Indicação do prosseguimento do processo com realização de diligências para aferir da necessidade e viabilidade da aplicação de programa especial de segurança ou do tipo de medidas de protecção e apoio a aplicar.
3 - A Comissão reúne no prazo máximo de oito dias a partir do momento em que o presidente apresenta o projecto de decisão, decidindo, de imediato, no caso de rejeição da comunicação ou requerimento ou de aplicação de programa especial de segurança com fixação do seu conteúdo.
4 - No caso de o processo dever prosseguir com realização de diligências para aferir da necessidade e viabilidade da aplicação de programa especial de segurança, a Comissão decide as diligências necessárias, devendo estas ser realizadas no prazo máximo de 30 dias pelo Ministério Público, pelos órgãos de polícia criminal ou por outras entidades públicas.
5 - Realizadas as diligências referidas no número anterior, a Comissão reúne de imediato, devendo decidir pela rejeição da comunicação ou do requerimento ou pela aplicação de programa especial de segurança.
6 - O processo escrito com o programa especial de segurança contém, nomeadamente, a indicação:
a) Das pessoas beneficiárias do programa;
b) Dos motivos que fundamentam a aplicação do programa;
c) Do conjunto de medidas de protecção e apoio a ser aplicadas;
d) Da duração do programa;
e) Das regras de comportamento a ser observadas pelos beneficiários do programa.
7 - O processo confidencial relativo ao programa especial de segurança fica à guarda e sob responsabilidade do presidente da Comissão.
8 - No caso de rejeição da aplicação do programa especial de segurança, a Comissão procede à destruição da comunicação ou do requerimento, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 5 do artigo 2.º
Artigo 16.º
Fornecimento de documentos
1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 22 .º da Lei 93/99, de 14 de Julho, a Comissão ordena ao director-geral ou entidade correspondente do serviço responsável pela emissão de documentos oficiais as diligências necessárias à elaboração de documentos fictícios que contenham elementos de identificação criados pela Comissão e respectivo registo nas bases de dados.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os elementos de identificação entregues pela Comissão ao director-geral ou entidade correspondente não podem ter qualquer referência àqueles que constem ou devessem constar dos documentos substituídos.
3 - O director-geral ou entidade correspondente designa um funcionário que fica especialmente incumbido da emissão dos documentos e inserção dos elementos de identificação nas bases de dados respectivas, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o artigo 6.º 4 - A emissão dos documentos fictícios é tramitada em processo secreto e urgente.
5 - Sem prejuízo do disposto no artigo 348.º do Código Penal, as entidades que intervenham no processo de emissão dos documentos fictícios, em estrita obediência às normas previstas no presente decreto-lei, estão isentas de responsabilidade civil, administrativa e penal.
6 - Os beneficiários da nova documentação entregam à Comissão todos os documentos que contêm a sua verdadeira identificação, ficando estes à guarda e sob responsabilidade do presidente, pelo período que durar o programa especial de segurança.
7 - Os beneficiários da nova documentação não podem:
a) Utilizar os documentos que contêm a sua verdadeira identificação;
b) Celebrar contratos que impliquem a apresentação de qualquer documento de identificação sem autorização da Comissão.
8 - Findo o programa especial de segurança:
a) O beneficiário devolve à Comissão os documentos fictícios por esta fornecidos, que procede à sua destruição imediata;
b) A Comissão devolve ao beneficiário os documentos que contêm a sua verdadeira identificação;
c) A Comissão ordena ao director-geral ou entidade correspondente que emitiu a documentação a destruição dos elementos de identificação fictícios que tenham sido inseridos nas respectivas bases de dados.
Artigo 17.º
Outras medidas de protecção e apoio
1 - Para efeitos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 22.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, a Comissão promove a integração do beneficiário no meio social em que passa a estar inserido, diligenciando pelo acesso a actividade profissional ou a cursos de formação profissional, tendo em consideração, na medida do possível, as suas habilitações académicas e profissionais.2 - Para efeitos do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 22.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, a Comissão decide da concessão de um subsídio de subsistência ao beneficiário tendo por referência o salário mínimo nacional e o nível de vida do beneficiário no momento da entrada no programa especial de segurança.
Artigo 18.º
Plano de protecção e assistência temporário
1 - Na pendência da decisão sobre a aplicação do programa, a Comissão pode decidir, a requerimento fundamentado do Ministério Público, o estabelecimento de um plano de protecção e assistência temporário.
2 - O plano só pode ser aplicado se houver indícios fortes de ameaça séria e eminente das pessoas referidas no artigo 21.º da Lei 93/99, de 14 de Julho.
CAPÍTULO VI
Testemunhas especialmente vulneráveis
Artigo 19.º
Afastamento temporário
1 - Para efeitos do disposto no artigo 31.º da Lei 93/99, de 14 de Julho, o juiz ordena à instituição de acolhimento a protecção temporária da criança ou jovem, nos termos da lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei 147/99, de 1 de Setembro, ou a qualquer instituição, pública ou privada, que tenha acordo de cooperação com o Estado Português adequada àquele acolhimento.2 - No caso de a testemunha especialmente vulnerável ser adulta, o juiz ordena o seu acolhimento em serviços do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, previstos no Decreto-Lei 316-A/2000, de 7 de Dezembro, em instituições particulares de solidariedade social que tenham acordo de cooperação com o Estado Português ou em casas da rede pública de apoio a mulheres vítimas de violência.
CAPÍTULO VII
Disposição final
Artigo 20.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 31 de Julho de 2003. - José Manuel Durão Barroso - Maria Manuela Dias Ferreira Leite - João Luís Mota de Campos.
Promulgado em 6 de Agosto de 2003.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 8 de Agosto de 2003.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.