Decreto-Lei 434-F/82
de 29 de Outubro
Considerando que o estatuto da condição militar, actualmente em estudo, é de grande complexidade e necessariamente de demorada elaboração;
Considerando a necessidade de regular desde já os condicionamentos na carreira e na prestação de serviços nas Forças Armadas que o exercício de actividades políticas e sindicais pelos militares implica;
Considerando o princípio do apartidarismo político das Forças Armadas, acolhido na Constituição da República;
Considerando a conveniência de se regulamentar o exercício da liberdade sindical pelos militares, na estrita medida em que os interesses superiores das Forças Armadas o impõem, atenta a necessidade de se salvaguardar a sua coesão, disciplina e pronta eficiência, conforme, aliás, expressamente autorizam os artigos 22.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, 11.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 9.º da Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT):
O Conselho da Revolução decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Dos princípios gerais
ARTIGO 1.º
(Exercício de actividades políticas e sindicais nas Forças Armadas)
1 - O exercício de actividades políticas e sindicais por militares é regulado nos termos precisos do presente diploma.
2 - É proibida toda e qualquer actividade política ou sindical no interior das instalações militares, sem prejuízo do regulamento para as comissões de trabalhadores.
3 - Consideram-se, para este efeito, instalações militares todos os departamentos, unidades e estabelecimentos das Forças Armadas, e bem assim todos os seus meios terrestres, navais, aéreos ou quaisquer outros, e as infra-estruturas pelos mesmos utilizadas com carácter permanente ou temporário e seja qual for a finalidade a que se destinam para além da especificamente militar.
ARTIGO 2.º
(Exercício de actividades políticas e sindicais)
1 - Os militares não carecem de autorização para o exercício de actividades políticas e sindicais nem para a apresentação das respectivas candidaturas, quando for o caso, com as excepções previstas no capítulo V do presente diploma.
2 - Os militares na efectividade de serviço apenas ficam obrigados a comunicar, por escrito, ao chefe hierárquico imediato a sua decisão com a necessária antecedência, mas nunca inferior a 15 dias, sobre a data da entrada em exercício ou de apresentação da candidatura, para os fins consignados no presente diploma.
ARTIGO 3.º
(Condicionamentos na carreira e na prestação de serviço)
Os militares que optem pelo exercício de quaisquer actividades políticas ou sindicais ficam sujeitos aos condicionamentos na carreira e na prestação de serviço estabelecidos neste diploma.
ARTIGO 4.º
(Incompatibilidades)
1 - Salvo os casos expressamente referidos no presente diploma, o serviço nas Forças Armadas não é acumulável com o desempenho de:
a) Cargos políticos electivos;
b) Cargos políticos de nomeação;
c) Actividades políticas de carácter partidário;
d) Actividades sindicais.
2 - Os militares, durante o período de exercício daqueles cargos ou actividades e também durante o período de candidatura, quando haja, suspendem obrigatoriamente as suas actividades militares.
3 - Por despacho conjunto do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos chefes do estado-maior dos ramos, serão fixados os requisitos a que devem obedecer as actividades sem carácter partidário que, mediante autorização, poderão ser exercidas em acumulação com o serviço nas Forças Armadas.
CAPÍTULO II
Do âmbito de aplicação e de conceitos acolhidos
ARTIGO 5.º
(Âmbito de aplicação)
O presente diploma aplica-se a todos os militares, de acordo com as situações nele previstas.
ARTIGO 6.º
(Conceito de cargo político electivo)
Consideram-se cargos políticos electivos os desempenhados pelos titulares dos órgãos de soberania, da assembleia ou do governo das regiões autónomas e do poder local obtidos por sufrágio directo, secreto e periódico, nos termos constitucionais.
ARTIGO 7.º
(Conceito de cargo político de nomeação)
Consideram-se cargos políticos de nomeação os desempenhados pelos titulares dos órgãos de soberania e de governo regional e também os desempenhados por provimento directo daqueles titulares nos sectores público administrativo e empresarial do Estado, uns e outros obtidos por nomeação ou designação.
ARTIGO 8.º
(Conceito de actividade política de carácter partidário)
Considera-se como actividade política de carácter partidário toda a participação directa e activa em actos ou funções da vida política nacional ou internacional organizados ou patrocinados pelos partidos políticos nacionais ou organizações políticas estrangeiras congéneres, bem como a filiação em qualquer destas organizações.
ARTIGO 9.º
(Conceito de actividade política sem carácter partidário)
Considera-se como actividade política sem carácter partidário toda a participação directa e activa em actos ou funções da vida política nacional ou internacional, em especial a exercida a título individual, não organizada ou patrocinada de qualquer forma por partidos políticos nacionais ou organizações políticas estrangeiras congéneres.
ARTIGO 10.º
(Conceito de actividade sindical)
Considera-se como actividade sindical o desempenho de cargos electivos ou de nomeação em sindicatos ou organizações de classe visando a protecção de interesses profissionais estranhos à instituição militar, bem como toda e qualquer participação directa e activa nos mesmos ou sob sua orientação com ressalva do estabelecido no artigo 24.º
CAPÍTULO III
Dos cargos políticos electivos
ARTIGO 11.º
(Candidaturas)
1 - Os militares na efectividade de serviço candidatos a cargos políticos electivos entram de licença especial até à data da publicação no Diário da República do mapa oficial com os resultados eleitorais, licença essa contada como tempo de serviço efectivo para todos os efeitos, incluindo o direito aos seus vencimentos e demais abonos.
2 - A referida licença especial tem início:
a) Na data da apresentação das respectivas candidaturas, para os candidatos a Presidente da República;
b) Na data em que se inicia a campanha eleitoral para os candidatos a deputados à Assembleia da República e às Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira e para os candidatos a titulares dos órgãos de poder local.
3 - Aos militares futuros candidatos à eleição para Presidente da República poderá ainda ser concedida, anteriormente à data da apresentação da respectiva candidatura, uma licença registada até ao máximo de 6 meses.
4 - A licença especial concedida nos termos dos n.os 1 e 2 destes artigos será prorrogada:
a) Até à data de investidura como Presidente da República, ao militar eleito para este cargo;
b) Até à data de início da primeira sessão legislativa, aos militares eleitos deputados à Assembleia da República e às Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira e aos militares que, embora não eleitos, estejam incluídos em listas eleitorais com outros candidatos eleitos deputados àquela assembleia;
c) Até à data do início do período de mandato dos órgãos do poder local, aos militares eleitos para estes órgãos e aos militares que, embora não eleitos, estejam incluídos em listas eleitorais com outros candidatos eleitos para os mesmos órgãos.
ARTIGO 12.º
(Presidente da República)
1 - Nos termos constitucionais, o Presidente da República desempenha, por inerência, as funções de comandante supremo das Forças Armadas.
2 - Quando militar dos quadros permanentes, mantém-se na situação do activo ou transita para esta situação à data da sua investidura como Presidente da República, se, do antecedente, se encontrava na reserva, ou na reforma, passando em qualquer dos casos à comissão especial.
Findo o mandato, mantém a situação do activo ou regressa à anterior situação de reserva ou reforma, conforme o caso.
3 - Quando militar em regime de contrato, este é-lhe rescindido à data da sua investidura no cargo de Presidente da República.
ARTIGO 13.º
(Deputados à Assembleia da República e às assembleias regionais)
1 - Os militares eleitos deputados à Assembleia da República e às Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira à data da sua investidura nesses cargos:
a) Passam à situação de licença ilimitada ou de reserva, quando militares nos quadros permanentes no activo, de acordo com opção própria;
b) Passam a licenciados, quando militares dos quadros permanentes na reserva na efectividade de serviço;
c) É-lhes rescindido o contrato, quando militares nesta situação;
d) É-lhes adiado ou interrompido o serviço militar obrigatório, quando militares nesta situação.
2 - Findo o mandato:
a) Os militares nas condições das alíneas a) e b) ficam subordinados ao disposto no § 3.º do artigo 14.º do EOFA.
b) Os militares nas condições da alínea d) do número anterior cumprem o serviço militar obrigatório nos termos da Lei do Serviço Militar.
ARTIGO 14.º
(Titulares dos órgãos do poder local)
1 - Aos militares eleitos para as autarquias locais através de listas de partidos políticos ou de coligações de frente de partidos onde foram incluídos sem a declaração expressa de candidatos independentes são-lhes aplicadas as disposições do artigo 13.º
2 - Os militares eleitos como candidatos independentes através das listas referidas no número anterior ou de listas apresentadas por grupos de cidadãos eleitores:
a) Quando dos quadros permanentes no activo, passam à comissão especial durante o mandato, findo o qual regressam à situação anterior;
b) Quando dos quadros permanentes na reserva mas ao serviço, deixam a efectividade de serviço durante o mandato, findo o qual podem, mediante autorização da entidade militar competente, regressar novamente ao serviço;
c) Quando em regime de contrato, este é-lhe rescindido durante o mandato, findo o qual poderão requerer novo contrato;
d) Quando em serviço militar obrigatório, são-lhes aplicadas as disposições do artigo 13.º que a eles se referem.
ARTIGO 15.º
(Militares não eleitos)
1 - Os militares candidatos não eleitos para o cargo de Presidente da República regressam à anterior situação militar no final da licença especial, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 11.º
2 - Logo que terminem a licença especial concedida nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 11.º ou a sua prorrogação nos casos previstos no n.º 4 do mesmo artigo:
a) Os militares candidatos não eleitos para deputados à Assembleia da República e às Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira ficam sujeitos ao artigo 13.º, considerando-se, para o efeito, nula a duração do mandato;
b) Os militares candidatos não eleitos para as autarquias locais nas condições do n.º 1 do artigo 13.º passam às situações militares referidas na alínea anterior;
c) Os militares candidatos não eleitos para as autarquias locais nas condições do n.º 2 do artigo 14.º regressam às situações militares anteriores.
CAPÍTULO IV
Dos cargos políticos de nomeação
ARTIGO 16.º
(Membros do Governo central e dos governos regionais)
Aos militares nomeados para as funções de membros do Governo Central e dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira, à data da sua tomada de posse, são aplicadas as disposições constantes das alíneas dos n.os 1 e 2 do artigo 13.º
ARTIGO 17.º
(Ministro da República junto das regiões autónomas)
Os militares nomeados para as funções de Ministro da República junto das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, à data da sua tomada de posse:
a) Passam à comissão especial, que lhes é dada por finda, com a sua exoneração, quando militares dos quadros permanentes no activo;
b) Deixam a efectividade de serviço, quando militares dos quadros permanentes na reserva ao serviço, podendo regressar novamente à efectividade, nos termos legais, após a sua exoneração;
c) Quando em regime de contrato, este é-lhes rescindido, podendo requerer novo contrato, nos termos legais, após a sua exoneração;
d) Quando sujeitos ao serviço militar obrigatório, este é-lhes adiado ou interrompido durante o exercício das respectivas funções, vindo a cumpri-lo nos termos da Lei do Serviço Militar.
ARTIGO 18.º
(Outros cargos públicos)
Aos militares nomeados para outros cargos públicos, designadamente na administração central, territorial, regional e local, são aplicadas as disposições do artigo anterior.
ARTIGO 19.º
(Sector empresarial do Estado)
Aos militares nomeados para cargos do sector empresarial do Estado são aplicadas as disposições constantes do artigo 17.º, excepto no que se refere aos militares dos quadros permanentes no activo, que passam à licença ilimitada, podendo regressar à efectividade de serviço, nos termos legais, após o termo das respectivas funções.
CAPÍTULO V
Das outras actividades políticas - Das actividades sindicais - Das actividades cívicas, culturais ou recreativas.
ARTIGO 20.º
(Actividades políticas de carácter partidário)
1 - Os militares dos quadros permanentes que optem pelo exercício de actividades políticas de carácter partidário não abrangidos pelos capítulos III e IV transitam para as seguintes situações:
a) Reserva, se ainda não estiverem nesta situação;
b) Licenciados, se estiverem na reserva na efectividade de serviço.
2 - Aos militares em regime de contrato que fizerem tal opção é rescindido o contrato.
3 - Aos militares em serviço militar obrigatório não é permitido o exercício das actividades referidas no n.º 1 deste artigo durante o cumprimento do serviço militar.
ARTIGO 21.º
(Actividades políticas sem carácter partidário)
1 - As actividades políticas sem carácter partidário previstas nos termos do n.º 3 do artigo 4.º podem ser exercidas, mediante autorização dos respectivos chefes de estado-maior, pelos militares na efectividade de serviço, em acumulação com o serviço nas Forças Armadas.
2 - O exercício de actividades políticas sem carácter partidário não consideradas nas condições do número anterior nem abrangidas pelos capítulos III e IV implica:
a) A passagem à licença ilimitada ou de reserva para os militares dos quadros permanentes no activo de acordo com a opção própria;
b) A passagem a licenciado, para os militares dos quadros permanentes na reserva em efectividade de serviço;
c) A rescisão do contrato, para os militares nesta situação.
3 - Findas tais actividades, estes militares podem voltar à efectividade de serviço, nos termos legais.
4 - Aos militares em serviço militar obrigatório não é permitido o exercício das actividades políticas referidas no n.º 2 durante o cumprimento do serviço militar.
ARTIGO 22.º
(Actividades sindicais)
1 - Aos militares que optem pelo exercício de actividades sindicais são aplicadas as disposições do artigo anterior.
2 - Aos militares em serviço militar obrigatório não é permitido o exercício de actividades sindicais durante o cumprimento do serviço militar.
ARTIGO 23.º
(Actividades cívicas, culturais e recreativas)
1 - No exercício de actividades cívicas, culturais ou recreativas fora das horas do tempo de serviço, os militares não têm outros limites ou condicionamentos além dos relativos à generalidade dos cidadãos, desde que as referidas actividades não estejam abrangidas no artigo 8.º
ARTIGO 24.º
(Filiação e exercício de voto sindical)
Não se consideram abrangidos pelo artigo 22.º a filiação e o exercício do voto sindical.
ARTIGO 25.º
(Uso do uniforme)
1 - Os militares em qualquer situação, incluindo os na reforma e na reserva fora da efectividade de serviço, não podem fazer uso do uniforme quando presentes em reuniões e manifestações políticas ou sindicais.
2 - Exceptua-se a presença devidamente autorizada ou em representação das Forças Armadas em actos oficiais dos órgãos de soberania e dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
ARTIGO 26.º
(Militares regressados ao activo)
Os militares nas situações de reserva e reforma regressados ao activo nas condições do n.º 2 do artigo 12.º não podem ser promovidos durante o respectivo mandato.
ARTIGO 27.º
(Disposição transitória)
Enquanto não forem publicados os estatutos dos sargentos e das praças, a convocação de militares dos quadros permanentes na situação de reserva licenciados processa-se do seguinte modo:
a) Se, eleitos para cargos políticos electivos nos termos dos artigos 13.º e 14.º, cessarem os seus mandatos, a sua convocação segue os trâmites e procedimentos previstos no Decreto-Lei 314/82, de 9 de Agosto;
b) Se não eleitos ou em caso de renúncia ou, ainda, no caso de opção pelo exercício de actividades políticas e sindicais, nos termos dos artigos 20.º, 21.º e 22.º, a sua convocação segue os trâmites e procedimentos previstos no Decreto-Lei 314/82, de 9 de Agosto, nomeadamente a obtenção de parecer do Conselho Superior de Disciplina, com excepção da alínea c) do § 1.º do artigo 48.º do Estatuto dos Oficiais das Forças Armadas, podendo a convocação processar-se por simples conveniência de serviço e por decisão do titular do respectivo departamento.
ARTIGO 28.º
(Estatutos dos oficiais)
As alterações decorrentes do presente diploma no Estatuto dos Oficiais das Forças Armadas e nos estatutos dos 3 ramos das Forças Armadas serão introduzidas por portaria conjunta do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos chefes dos estados-maiores, no primeiro caso, e por portaria do chefe do estado-maior competente, no segundo.
ARTIGO 29.º
(Interpretação)
Os casos omissos e as dúvidas suscitadas na execução do presente diploma serão resolvidos por despacho conjunto do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos chefes dos estados-maiores dos 3 ramos das Forças Armadas.
ARTIGO 30.º
(Entrada em vigor)
O presente diploma entra em vigor na data da sua publicação, excepto para os militares já no exercício de cargos políticos electivos e de nomeação, os quais mantêm as situações actuais até final dos respectivos mandatos ou até à exoneração dos titulares dos órgãos de soberania ou de governo regional que os nomearam, respectivamente.
Visto e aprovado em Conselho da Revolução em 4 de Outubro de 1982.
Promulgado em 20 de Outubro de 1982.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.