Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 300/2007, de 17 de Julho

Partilhar:

Sumário

Não conhece do recurso por a decisão recorrida não ter aplicado, como sua ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada

Texto do documento

Acórdão 300/2007

Processo 1099/06

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1.1 - Auto Táxis Portela do Homem, Lda., impugnou judicialmente a decisão da Inspecção-Geral do Trabalho (IGT) que lhe aplicou uma coima no valor de Euro 267, pela prática do ilícito contra-ordenacional previsto e punido pelos artigos 179.º, n.os 1 e 3, 620.º, n.os 1 e 2, alínea a), e 5, e 659.º, n.º 2, do Código do Trabalho, em conjugação com o disposto no Despacho Normativo 22/87, de 4 de Março.

Por sentença do 4.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (a fls. 78 e seguintes) foi o recurso julgado improcedente. Inconformado, o arguido interpôs recurso para a Relação de Lisboa (a fls. 95 e seguintes).

1.2 - A Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Novembro de 2006 (a fls. 119 e seguintes), negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, fundamentando o seu juízo nos seguintes termos:

"[...] O Código do Trabalho procedeu à alteração de diversos dispositivos que o precederam, nuns casos mais radicalmente que noutros, mas em relação a muitos limitou-se a fazer uma mera transposição do regime precedente, sistematizando-os, embora, como não podia deixar de ser, no contexto do próprio Código.

E se confrontarmos as disposições legais acima transcritas, verificamos que, em relação à publicidade dos mapas de horário de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis, o regime previsto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, foi transposto para o artigo 179.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho.

O quadro é o mesmo. A inserção material desse quadro é que foi alterada, pela razão óbvia da codificação da legislação dispersa.

É verdade que o legislador do Código do Trabalho remeteu a regulamentação das condições de publicidade para o formato de portaria da autoria conjunta dos Ministros responsáveis da área laboral e do sector dos transportes. Mas essa alteração de formato não esvazia a referida previsão legal. Ao revogar, no artigo 21.º, n.º 1, alínea b), da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, o Decreto-Lei 407/71, de 27 de Setembro, o legislador não quis, de modo algum, deixar um vazio legal até à formatação em portaria do conteúdo do Despacho Normativo 22/87, de 4 de Março.

No artigo 179.º, n.º 3, do Código do Trabalho, ao remeter as condições de publicidade dos horários de trabalho para portaria conjunta dos Ministros responsáveis pela área laboral e pelo sector dos transportes, o legislador nada mais faz do que traduzir em linguagem actual a estrutura governativa que se verificava à data da emissão do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro (Ministro das Corporações e Previdência Social corresponde ao Ministro responsável pela área laboral; Ministro das Comunicações corresponde ao Ministro do sector dos transportes; organismos corporativos interessados corresponde às organizações sindicais e de empregadores interessadas).

Em substância, a autoria do regulamento e a audição prévia previstas no n.º 2 do artigo 44.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, mantêm-se inalteradas, apenas a denominação foi actualizada.

Não se pode falar sequer em modificação ou em alteração da lei, uma vez que o respectivo dispositivo legal continua igual, tendo-se alterado apenas o enquadramento sistemático.

Deste modo, com a revogação do Decreto-Lei 409/71, não ficámos nesta matéria com um vazio legal.

Se bem que revogado, este diploma foi, na parte que ora interessa, reinscrito e para vigorar no Código do Trabalho, seu sucedâneo, sendo de considerar em vigor a regulamentação da norma revogada, uma vez que não contraria a norma actualmente em vigor.

A tal interpretação não obstam as normas do Código Penal, subsidiariamente aplicáveis, na exacta medida em que o facto punível não foi eliminado pelo actual Código do Trabalho que, bem pelo contrário, o manteve nos exactos termos, sendo de considerar em vigor as condições de publicidade que já antes regulamentavam a previsão do facto.

Do que se trata aqui não é da aplicação estrita das normas punitivas que, como se viu, se sucederam ipsis verbis, mas sim de acto regulamentador não prejudicado pelo conteúdo da norma, que se manteve actual.

É certo que ainda não foi publicada a referida portaria. Mas isso não significa que a norma do artigo 179.º do Código do Trabalho não possa ser aplicada, embora ainda não através da portaria para que remete o seu n.º 3, mas antes através do Despacho Normativo emitido ao abrigo da lei anterior - o já citado Despacho Normativo 22/87, de 4 de Março, emitido, em execução do n.º 2 do artigo 44.º do Decreto-Lei 409/71 - pois, apesar de revogada a lei que se destinava a regulamentar, ele não caducou pelo facto daquela lei ter sido substituída por outra, uma vez que o conteúdo do citado regulamento não é contrário à nova lei.

A doutrina e a jurisprudência entendem que a revogação da lei a que o regulamento sirva de complemento acarreta também, por regra, a revogação deste. Mas se essa lei é substituída por outra lei nova ainda não regulamentada, ela continua a ser regulamentada pelo regulamento antigo em tudo aquilo em que este a não contrariar.

Também o Prof. Freitas do Amaral ensina que 'O regulamento caduca se for revogada a lei que ele veio executar, caso não seja substituída por outra. Portanto, se havia um regulamento em execução ou complementar de uma lei e essa lei foi revogada e não foi substituída por outra, o regulamento caduca; se a lei for substituída por outra, o regulamento manter-se-á em vigor em tudo o que não for contrário à nova lei'.

Afigura-se-nos, assim, que o entendimento perfilhado na sentença recorrida está em conformidade com a lei e com a doutrina e a jurisprudência existentes sobre esta matéria, dado que, como dissemos atrás, o diploma que regulamentava, nessa matéria, a lei que foi substituída ainda está e continuará em vigor até à publicação do novo regulamento, sendo completamente descabido sustentar, como sustenta a recorrente, que esta tese recorre à interpretação extensiva ou mesmo à analogia (ao fazer corresponder 'portaria' a 'regulamento') e viola os princípios da legalidade e tipicidade consagrados no artigo 2.º do RGCO."

1.3 - Novamente inconformado o arguido recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, por ter o Tribunal da Relação "aplicado norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo".

Notificado para apresentar alegações, fê-lo o recorrente concluindo nos termos que seguem:

"[...]

A) Dever-se-á declarar prescrito o procedimento contra-ordenacional nos termos conjugados dos artigos 27.º, alínea c), 27.º-A e 28.º, n.º 3, do RGCO.

B) As normas aplicadas pela decisão recorrida, tais como aí foram definidas, violam o princípio da legalidade e da tipicidade estabelecido no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

O douto acórdão recorrido interpreta extensivamente a expressão 'portaria' constante no artigo 179.º, n.º 3, do Código do Trabalho, considerando que a mesma abrange também 'regulamentos', e designadamente o mero 'despacho normativo'.

A interpretação de que 'portaria' abrange 'despacho normativo' permite integrar os elementos do tipo sancionatório.

Considera a Recorrente que a norma assim obtida ultrapassa o sentido possível das palavras da lei penal, ofendendo o conteúdo essencial do princípio da legalidade na vertente nulla poena sine lege.

Devia o artigo 179.º, n.º 3, do Código do Trabalho ser interpretado no sentido de a expressão 'portaria' abranger apenas o seu significado literal."

1.4 - Contra-alegou o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional a fls. 143 e seguintes), levantando a questão do não conhecimento do objecto do recurso.

O recorrente respondeu (a fl. 148), mantendo o seu entendimento de que as normas aplicadas pela decisão recorrida violam o princípio da legalidade e da tipicidade estabelecido no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

2.1 - Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o seu objecto é delimitado pelo requerimento de interposição de recurso.

Ora, resulta desse requerimento que o objecto do recurso não consiste numa questão de inconstitucionalidade normativa susceptível de ser conhecida pelo Tribunal Constitucional.

Vejamos:

2.2 - É recorrido o acórdão proferido pela Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso do recorrente essencialmente por entender que o Despacho Normativo 22/87 não caducou com a entrada em vigor do Código do Trabalho, apesar da expressa revogação do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, por o conteúdo de tal regulamento não ser contrário à nova lei.

Para o recorrente não existiria quadro legal conformador de acto ou conduta ilícita, por força do regime de sucessão de leis no tempo e da caducidade das normas revogadas. Na óptica do recorrente, a decisão recorrida permitiria a integração de elementos de tipo sancionatório em apreço, ofendendo o conteúdo essencial do princípio da legalidade na vertente nulla poena sine lege consagrado no artigo 29.º da Constituição.

2.3 - Na realidade, porém, não foi este o entendimento perfilhado pela Relação (a fls.119 e seguintes):

Pode ler-se no texto do acórdão recorrido, no que à pretensa questão de constitucionalidade diz respeito, o seguinte:

"[...] Afigura-se-nos, assim, que o entendimento perfilhado na sentença recorrida está em conformidade com a lei e com a doutrina e a jurisprudência existentes sobre esta matéria, dado que, como dissemos atrás, o diploma que regulamentava, nessa matéria, a lei que foi substituída ainda está e continuará em vigor até à publicação do novo regulamento, sendo completamente descabido sustentar, como sustenta a recorrente, que esta tese recorre à interpretação extensiva ou mesmo à analogia (ao fazer corresponder 'portaria' a 'regulamento') e viola os princípios da legalidade e tipicidade consagrados no artigo 2.º do RGCO."

Da fundamentação do aresto resulta que o diploma regulamentar está e continuará em vigor até à publicação do novo regulamento, ou seja, o acórdão parte da consideração de que existe quadro legal de suporte para aplicação da coima em questão.

Ao fazer este raciocínio, a decisão recorrida aplicou um regime que considerou metodologicamente sustentado no quadro legal em vigor pelo que, ao contrário da alegação do recorrente, não procedeu a nenhuma interpretação - extensiva ou analógica - violadora do princípio constitucional ínsito no artigo 29.º da Lei Fundamental. Para aplicar os n.os 1 e 3 do artigo 179.º do Código do Trabalho não teve a decisão recorrida necessidade de interpretar extensivamente qualquer comando, na medida em que - como resulta do texto da decisão recorrida - o regime das normas punitivas aplicado pela decisão é o mesmo e o quadro legal disciplinador da sua aplicação mantém-se em vigor.

Em suma, a decisão recorrida não aplicou a norma recorrida.

3.1 - Por último, e sendo novamente parâmetro definidor das questões a analisar por banda deste Tribunal as que constam no requerimento de interposição de recurso, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e tendo em conta, igualmente, o que comanda a Lei do Tribunal Constitucional e a própria Constituição - cf. artigos 277.º e seguintes da CRP e 6.º da LTC - quanto à competência deste órgão de fiscalização concreta da constitucionalidade em razão da matéria (ao qual cabe em último grau determinar a existência e dimensão das questões que lhe são colocadas como condição da sua própria competência em razão da matéria, bem como dizer se as questões que até ele sobem são ou não questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade - qualificação do vício arguido - uma vez que o Tribunal Constitucional não está vinculado nem à qualificação operada pelas instâncias recorridas, nem à admissão de recursos por estas efectuadas), resta acrescentar que não é da competência deste Tribunal apreciar e decidir a questão invocada relativa à prescrição do procedimento contra-ordenacional (a avaliar nos termos do disposto nos artigos 27.º e 28.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, contido no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro), cuja apreciação e correspondente decisão compete, em exclusivo, aos tribunais judiciais.

Não pode, pois, o Tribunal Constitucional conhecer desta questão.

4 - Em face do que acima se deixou dito, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.

Custas pelo recorrente em 12 unidades de conta.

Lisboa, 15 de Maio de 2007. - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - José Borges Soeiro - Gil Galvão - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1587077.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1971-09-27 - Decreto-Lei 409/71 - Ministério das Corporações e Previdência Social

    Estabelece o novo regime jurídico da duração do trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-27 - Lei 99/2003 - Assembleia da República

    Aprova o Código do Trabalho, publicado em anexo. Transpõe para a ordem jurídica interna o disposto nas seguintes directivas: Directiva nº 75/71/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 10 de Fevereiro; Directiva nº 76/207/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 9 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 2002/73/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro; Directiva nº 91/533/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 14 de Outubro; Directiva nº 92/85/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 19 de Outubro; Directiva nº 93/1 (...)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda