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Acórdão 154/2007, de 4 de Maio

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Sumário

Julga inconstitucional, por violação do princípio da responsabilidade extracontratual do Estado, consagrado no artigo 22.º da Constituição, a norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, interpretada no sentido de que um acto administrativo anulado por falta de fundamentação é insusceptível, absolutamente e em qualquer caso, de ser considerado um acto ilícito, para o efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito

Texto do documento

Acórdão 154/2007

Processo 65/02

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - AQUALADERÇA - Empreendimentos Piscícolas, Lda., instaurou contra o Estado Português uma acção "para efectivação de responsabilidade civil extracontratual" (petição inicial) por actos ilícitos de gestão pública, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 257 313 983$, acrescida de juros à taxa legal.

Em síntese, a autora alegou que, tendo iniciado as obras destinadas à instalação de um estabelecimento de cultura de rodovalho, devidamente aprovado e licenciado, foram as mesmas suspensas por assim ter sido determinado por despacho do presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte de 28 de Outubro de 1991, despacho esse que veio a ser anulado, por sofrer do vício de falta de fundamentação de facto, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Maio de 1995 (cf. fl. 43), acórdão que considerou ficar "consequentemente prejudicada a revisão por este Supremo Tribunal da apreciação que a [...] sentença [...] fez dos restantes vícios que lhe foram imputados" (violação de lei, erro sobre os pressupostos de facto e errada fundamentação de direito).

Assim, a autora pretende ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu em virtude da paralisação dos trabalhos, decorrentes, conforme alega, do despacho anulado, e que nunca puderam ser retomados.

Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto de 29 de Maio de 1998, a fl. 982, a acção foi julgada improcedente.

Inconformada, a autora recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo. Para o que agora especialmente releva, nas alegações de recurso (nesta parte, rectificadas a fl. 1029, cf. despacho a fl. 1065), a recorrente sustentou que "Na interpretação que o Tribunal faz, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967 seria inconstitucional por violação material do disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição" (cf. conclusão 34.ª, a fls. 1016 e 1017).

Por Acórdão de 13 de Fevereiro de 2001, a fl. 1031, o Supremo Tribunal confirmou a sentença recorrida, sem todavia se pronunciar sobre a questão de constitucionalidade colocada pela recorrente.

Para o efeito, deu como assente a seguinte matéria de facto:

"Na douta sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

1) A A. pretendeu instalar um estabelecimento de cultura de rodovalho, localizado no lugar de Cojo, freguesia de Vila Chã, concelho de Vila do Conde;

2) Elaborou, para tanto, um projecto que teve avaliação e parecer favorável dos seguintes organismos: Comissão de Coordenação da Região Norte, Câmara Municipal de Vila do Conde, Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, Junta de Freguesia de Vila Chã, Capitania do Porto de Vila do Conde, Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários e Instituto Nacional de Investigação das Pescas;

3) O referido projecto foi aprovado e licenciado pela Direcção-Geral de Portos e pela Direcção-Geral de Pescas nos termos constantes de fl. 16 a fl.19 do processo;

4) Em 7 de Outubro de 1991, foram iniciadas as obras de construção, após comunicação feita às diversas entidades, com um mês de antecedência;

5) Em 28 de Outubro de 1991, por despacho proferido, o presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte solicitou ao director-geral de Portos que fosse mandado proceder ao embargo imediato da obra em execução pela autora de construção de um estabelecimento de cultura de rodovalho, localizado no lugar de Cojo, freguesia de Vila Chã, concelho de Vila do Conde;

6) Foi dado como reproduzido o documento a fl. 32 dos autos;

7) A obra foi embargada conforme consta do documento junto a fl. 40 dos autos;

8) A autora recorreu contenciosamente dos despachos do presidente da Comissão de Coordenação da Região e do director-geral dos Portos, de 8 e de 29 de Outubro de 1991, vindo o Supremo Tribunal Administrativo a anular o despacho de 28 de Outubro de 1991, nos termos constantes do respectivo acórdão junto de fl. 43 a fl. 50 e onde, nomeadamente, se pode ler:

'[C]ontrariamente ao decidido na sentença, o despacho de 28 de Outubro de 1991 padece de vício de forma, por falta de fundamentação de facto, o que leva à sua anulação, ficando consequentemente prejudicada a revisão por este Supremo Tribunal da apreciação que a mesma sentença igualmente faz dos restantes vícios que lhe foram ainda imputados. Procedem, pois, nesta medida, as alegações da recorrente. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso jurisdicional, se revoga a sentença impugnada, decretando-se em sua substituição a anulação do despacho de 28 de Outubro de 1991, pelo apontado vício de forma. Sem custas.';

9) O embargo referido no n.º 7) determinou a paralisação de todo o empreendimento;

10) A autora pagou ao empreiteiro a quem foi adjudicada a obra de construção civil das instalações do projecto (Sociedade de Construções Gomes do Monte, Lda., com sede na Rua de Gomes de Amorim, 585, apartamento 18, 4991 Póvoa de Varzim) o montante de 10 000 000$;

11) O referido valor destinou-se a pagar a instalação do estaleiro de obras e vedação da área de construção destas e materiais de construção;

12) Tais instalações e materiais, dado o decorrer do tempo, ficaram inutilizáveis umas e extraviaram-se outros;

13) O ano de arranque da exploração seria o de 1993, se não ocorresse o embargo;

14) Os resultados líquidos previsíveis seriam: 1993 - 7 119 000$; 1994 - 111 511 000$; 1995 - 97 763 068$.

Tendo por base estes factos, o tribunal a quo absolveu o réu Estado do pedido por a autora não ter conseguido provar os requisitos da ilicitude e do dano."

Recorde-se que, no julgamento da matéria de facto (a fls. 968 e 969), haviam sido dados como não provados os quesitos 2.º e 8.º do questionário, com o seguinte teor:

"2.º Com a elaboração de estudos de biotecnologia e de viabilidade económica-financeira do projecto despendeu a autora PTE 12 000 000$?

8.º A autora destruiu a duna nos termos referidos a fls. 215 e 218 dos autos, documentos que aqui dou por integralmente reproduzidos, sendo essa a razão de se ter determinado o embargo referido na alínea g) da especificação? {Trata-se, respectivamente, de um memorando da visita efectuada à AQUALADERÇA [...] realizada pela Comissão de Coordenação da Região Norte em 25 de Fevereiro de 1992, e do embargo em causa nestes autos, documentado a fl. 40}."

Quanto ao direito aplicável, o Supremo Tribunal Administrativo julgou da seguinte forma:

"A recorrente funda o seu pedido de indemnização no despacho do Sr. Presidente da Comissão de Coordenação Regional Norte de 28 de Outubro de 1991 que ordenou o embargo da obra a que procedia para construção de um estabelecimento de cultura de rodovalho localizado no lugar de Cojo, Facho, freguesia de Chã, concelho de Vila do Conde, despacho aquele que fora anulado por acórdão do STA de 9 de Maio de 1995, já transitado em julgado.

Segundo a recorrente, os prejuízos adviriam de tal embargo ter paralisado todo o investimento.

Tal qual como vem delineada a acção proposta pela recorrente, a mesma baseia-se na responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de acto ilícito de gestão pública.

Este tipo de responsabilidade está prevista e regulada no Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

Regula tal diploma legal três tipos de responsabilidade: a baseada em acto de gestão pública ilícito culposo (artigos 2.º a 7.º), a baseada em factos casuais e fundamentada no risco (artigo 8.º) e, finalmente, a responsabilidade por factos lícitos (artigo 9.º).

Alicerçando-se a recorrente, como acima se referiu, na responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito culposo praticado pelo réu, não se compreende por que é que na conclusão 36.ª das suas alegações, a recorrente vem pugnar pela violação do artigo 9.º do Decreto-Lei 48 051, pois neste preceito apenas se prevê a responsabilidade da Administração Pública pela prática de actos lícitos.

Mas nesta mesma conclusão defende a recorrente que a sentença recorrida viola os artigos 271.º da CRP e 2.º, 4.º e 6.º do Decreto-Lei 48 051.

Ao absolver o recorrido do pedido, o tribunal a quo baseou-se na não verificação da ilicitude do acto imputado ao Estado.

Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48 051 'o Estado e demais pessoas colectivas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício'.

Resulta do teor deste preceito que a responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos prevista no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil.

Os pressupostos para este tipo de responsabilidade sãos os seguintes: a) o facto; b) a ilicitude; c) a culpa; d) o dano; e e) o nexo de causalidade (Acórdão do STA de 16 de Fevereiro de 2000 - recursos n.os 41 507, de 6 de Julho de 2000, 46 005, de 10 de Outubro de 2000, e 40 576).

Para surgir o dever de indemnizar têm de se verificar cumulativamente estes requisitos, pelo que, faltando um deles, desaparecerá tal dever.

No caso dos autos, está só em causa a não verificação da ilicitude, pois que o objecto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e foi isto que nela foi decidido.

O conceito de ilicitude está verificado no artigo 6.º do Decreto-Lei 48 051, onde se refere que 'se consideram ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração'.

A redacção deste preceito inculca que onde haja um acto ilegal aí mora, também, a ilicitude (Marcelo Caetano, Manual, 9.ª ed., II, p. 1201).

Mas nem sempre assim será.

Como adverte Gomes Canotilho, temos de precaver-nos contra a completa equiparação da ilegalidade à ilicitude, sugerida pela redacção do artigo 6.º Segundo este autor 'a violação dos preceitos jurídicos não é, por si só, fundamento bastante da responsabilidade. Quer se exija a violação de direitos subjectivos, quer a violação de um dever jurídico ou funcional para com o lesado, quer ainda uma falta da Administração, faz-se intervir sempre um elemento qualificador e definidor de uma relação mais íntima do indivíduo prejudicado com a Administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos' (O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, pp. 74 e 7).

Esta posição perfilhada por Gomes Canotilho é, também, defendida por Margarida Baeta Cortês, na sua tese de mestrado, inédita, sobre a responsabilidade da Administração por actos ilícitos, seguida nos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.os 46/80 e 183/81, in, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça,, n.os 306, pp. 63 e segs., e 316, pp. 57 e segs., e sufragada por este Tribunal (Acórdãos do STA de 5 de Março de 1998 - recurso n.º 30 840, e de 9 de Novembro de 2000 - recurso n.º 46 441).

São duas as razões fundamentais que sustentam esta tese.

Assim, e por um lado, radica na consideração de que nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios. Designadamente, há ilegalidades veniais (exemplo: o vício de forma e a incompetência rationae personae) que não abrem direito a indemnização (Prosper Weil, Les Conséquences de l'annulation d'un acte administratif, p. 255; Georges Vedel, Droit administratif, 3.ª ed., p. 271; René Chapus, Droit administratif géneral, I, 5.ª ed., p. 850).

Depois, e por outro, funda-se no princípio que se plasma, designadamente, na primeira parte do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 48 051: os actos inquinados por 'vício de forma' raramente poderiam ofender direitos dos particulares e, em princípio, também não ofenderiam interesses protegidos por disposições legais destinadas a proteger tais interesses, já que as normas prescritivas de 'formas' em direito administrativo nunca (ou muito raramente) visariam proteger directamente os interesses económicos dos particulares, e muito menos visariam fazê-lo através da atribuição de uma indemnização.

No caso dos autos, de falta de fundamentação de um acto administrativo, as normas que impõem tal fundamentação visam, fundamentalmente, facilitar a impugnação dos actos administrativos (cf. Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pp. 65 e segs.) e não proteger um bem jurídico cuja violação implique conferir aos particulares o direito a uma indemnização, se tais normas forem violadas.

Há, pois, que concluir, como o julgador a quo muito bem o fez, não se verificar, no caso sub judice, o requisito da ilicitude.

Em concordância com tudo o exposto, improcedendo todas as conclusões das alegações da recorrente, nega-se provimento ao presente recurso jurisdicional e confirma-se a sentença recorrida."

2 - De novo inconformada, a autora recorreu para o Tribunal Constitucional, "ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da questão da constitucionalidade material do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, por violação do disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição da República Portuguesa, que suscitou na 34.ª conclusão das alegações de recurso (rectificada em 8 de Fevereiro de 2000)".

Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.

Quanto à recorrente, veio sustentar a "inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, por violação do disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação que o acórdão recorrido faz do identificado preceito legal, no sentido de que um acto administrativo ilegal por falta de fundamentação não gera responsabilidade civil do Estado, por não ser acto ilícito susceptível de ser pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por acto de gestão pública", concluindo da seguinte forma:

"1.ª A recorrente iniciou obra de construção de estabelecimento licenciado pelo Estado.

2.ª O Estado determinou o embargo, por acto administrativo anulado por falta de fundamentação.

3.ª O Estado não provou, em sede de acção, os fundamentos que invocava para o embargo, nem alegou qualquer outro fundamento para embargo.

4.ª A recorrente teve prejuízos decorrentes do embargo decretado, conforme está provado nos autos.

5.ª O artigo 2.º do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição, na interpretação de que do seu âmbito se exclui todo e qualquer acto administrativo ilegal, por falta de fundamentação.

6.ª O artigo 2.º do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição, na interpretação de que nunca há dever de indemnizar, em caso de acto administrativo ilegal, por ausência de fundamentação, cujo conteúdo represente a interdição, suspensão ou, por qualquer forma, vedação de exercício de actividade privada assente em prévia permissão administrativa.

7.ª O douto acórdão recorrido violou, pois, por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição, no sentido em que interpretou o artigo 2.º do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e 483.º do Código Civil."

Juntou, com as alegações, um parecer jurídico.

O Ministério Público contra-alegou, tendo a final concluído nos seguintes termos:

"1.º Não viola o princípio constitucional da responsabilidade de entidades públicas, consagrado no artigo 22.º da Constituição a interpretação normativa que - cindindo os puros conceitos de ilegalidade e ilicitude do acto administrativo exige que os direitos e interesses do particular, pretensamente lesados, se situem no círculo de interesses tutelados pela disposição legal infringida, aplicando e adaptando ao domínio do direito administrativo a teoria do 'fim protegido', consagrado no artigo 483.º do Código Civil.

2.º Incumbe aos tribunais, na interpretação e aplicação do direito infraconstitucional, identificar o bem protegido pela disposição legal desrespeitada pelo acto administrativo anulado, de modo a determinar se certo vício procedimental ou formal do acto administrativo deve implicar, no circunstancialismo do caso concreto, ilicitude material, traduzida na violação de direitos ou interesses contidos no horizonte de responsabilização da norma.

3.º Não constitui interpretação inconstitucional das normas que definem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado a que se traduz em considerar que não é materialmente ilícito o acto administrativo deficientemente fundamentado, relativamente à pretensa lesão de direito decorrente de um licenciamento precário, temporário e condicionado, não cumprindo o lesado o ónus de especificar, como fundamento da pretensão indemnizatória deduzida, factos demonstrativos da lesão substancial do seu direito e do respeito pelos condicionalismos que lhe foram impostos no referido acto de licenciamento.

4.º Termos em que deverá improceder o presente recurso."

3 - Cumpre começar por fixar o objecto do recurso.

É o seguinte o texto da norma impugnada:

"Artigo 2.º

1 - O Estado e demais pessoas colectivas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício."

O acórdão recorrido, interpretando restritivamente este preceito - assim afastando a equiparação "sugerida", como afirma, pelo artigo 6.º do mesmo Decreto-Lei 48 051 entre "ilegalidade" e "ilicitude", entre acto ilícito e acto que viole "as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis", considerou que um acto administrativo ilegal por falta de fundamentação não pode ser considerado "acto ilícito" para o efeito de gerar responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos.

Em síntese, relembre-se, o Supremo Tribunal Administrativo excluiu a verificação do pressuposto da ilicitude - o que é naturalmente suficiente para afastar a procedência do pedido de indemnização baseado em responsabilidade civil por acto ilícito - por duas razões.

Em primeiro lugar, e em abstracto, porque "nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios. Designadamente, há ilegalidades veniais (exemplo: o vício de forma e a incompetência rationae personae) que não abrem direito a indemnização" e ainda porque, como decorre do princípio plasmado na primeira parte do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 48 051, "os actos inquinados por 'vício de forma' raramente poderiam ofender direitos dos particulares", e, "em princípio, também não ofenderiam interesses protegidos por disposições legais destinadas a proteger tais interesses, já que as normas prescritivas de 'formas' em direito administrativo nunca (ou muito raramente) visariam proteger directamente os interesses económicos dos particulares, e muito menos visariam fazê-lo através da atribuição de uma indemnização".

Em segundo lugar, porque, no caso concreto, o vício em causa - "falta de fundamentação de um acto administrativo" - decorre da violação de normas que "visam, fundamentalmente, facilitar a impugnação dos actos administrativos [...] e não proteger um bem jurídico cuja violação implique conferir aos particulares o direito a uma indemnização, se tais normas forem violadas".

Constitui, então, o objecto do presente recurso a norma do n.º 1 do artigo 2.º acima transcrito, interpretada no sentido de que um acto administrativo anulado por falta de fundamentação é insusceptível, absolutamente e em qualquer caso, de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, norma que a recorrente acusa de violar o disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição.

Não envolve qualquer alteração de análise a circunstância de a norma em causa constar de um diploma anterior à Constituição de 1976, uma vez que a verificação de que se não manteve com a entrada em vigor da referida Constituição implica um juízo de inconstitucionalidade (n.º 2 do artigo 290.º da Constituição e, por exemplo, Acórdão 29/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, pp. 431 e segs., ou, especificamente para este diploma, o parecer da Comissão Constitucional n.º 22/79, Pareceres da Comissão Constitucional, 9.º, pp. 39 e segs.)

4 - Como é sabido, não cabe no âmbito do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade analisar a questão em causa do ponto de vista do direito ordinário aplicável.

Não cabe, pois, ao Tribunal Constitucional censurar ou concordar - sempre do ponto de vista do direito ordinário, repita-se - com a distinção adoptada pelo acórdão recorrido entre ilegalidade e ilicitude para efeitos de preenchimento do pressuposto da ilicitude no âmbito da responsabilidade civil do Estado (da Administração, no caso) por acto ilícito; nem tão pouco discutir se a questão da natureza formal do vício com base no qual o acto foi anulado se deverá analisar a propósito do pressuposto da ilicitude ou, antes, do nexo de causalidade (como, por exemplo, sustenta Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Coimbra, 1992, pp. 169 e 206 e segs.; v. ainda a explicação da alternativa, por exemplo, em Vieira de Andrade, "Panorama geral da responsabilidade 'civil' da Administração Pública em Portugal",in La Responsabilidad Patrimonial de los Poderes Públicos, III Colóquio Hispano-Luso de Derecho Administrativo, Madrid, 1999, pp. 39 e segs., p. 49, ou em Carlos Alberto Fernandes Cadilha, "Regime geral da responsabilidade civil da Administração", in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 40, Julho/Agosto de 2003, pp. 18 e segs., maxime p. 27).

Cumpre-lhe apenas tomar como objecto deste recurso a norma tal como ela foi interpretada e aplicada, no caso, pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Como se disse já, o Supremo Tribunal Administrativo optou por afastar uma interpretação do artigo 6.º do Decreto-Lei 48 051 que equipare ilegalidade e ilicitude (sustentada entre nós por exemplo por Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª ed., reimpressão, Coimbra, 1980, p. 1225, ou Antunes Varela, n. 1 da p. 536, vol. I, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, Coimbra, 2000), adoptando um conceito de ilicitude que aproxima a responsabilidade do Estado (por actos de gestão pública) da responsabilidade civilística (cf. n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil), e exigindo que a ilegalidade se traduza na violação de direitos subjectivos do lesado ou, pelo menos, de interesses cuja protecção a norma violada se destina a proteger.

Seguiu, assim, como aliás expressamente afirma, a orientação preconizada por Gomes Canotilho (O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, Coimbra, 1974, pp. 73 e segs.), autor que, reconhecendo embora que "no nosso direito positivo, facilmente se constata que o ilícito definido no artigo 6.º do Decreto-Lei 48 051 [...] é mais amplo que o ilícito civil definido no artigo 483.º do Código Civil", sustenta que não se deve adoptar uma "completa equiparação da ilegalidade à ilicitude, possivelmente sugerida pela redacção do citado artigo 6.º [...]", antes se deve exigir "uma relação mais íntima do indivíduo prejudicado para com a administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos", ou por Margarida Cortez (Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, Coimbra, pp. 65 e segs., em particular pp. 74 e segs.).

Aceitando portanto esta distinção, o acórdão recorrido concluiu que dificilmente constituirá ilicitude (para efeitos de responsabilidade civil da Administração) uma ilegalidade resultante de um vício formal, em geral, e, em caso algum, a que decorra da falta de fundamentação, porque a norma que a exige não se destina a proteger o interesse dos destinatários de actos administrativos.

Também não vem ao caso discutir esta conclusão, quer quanto à inclusão da falta de fundamentação entre os vícios de forma, quer quanto aos interesses que as normas de procedimento administrativo que a impõem realmente têm em vista proteger.

Sempre se observa, todavia, que o n.º 4 do artigo 268.º (n.º 3, na versão anterior à revisão constitucional de 1997) da Constituição inclui entre as garantias dos administrados o dever de fundamentação [ao qual, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, I, 2.ª ed., Lisboa, 2006, p.152, consideram corresponder um direito fundamental dos particulares, "de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º da CRP)]" "expressa e acessível" dos actos administrativos que "afectem direitos ou interesses legalmente protegidos"; e que, se é certo que as normas sobre fundamentação não dispõem sobre os interesses substanciais que os actos em causa possam afectar, não é menos certo que o "fim último" com que a Constituição consagra tal obrigação é "a garantia de valores substanciais", entre os quais se conta "a protecção dos direitos dos particulares" (Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Coimbra, 1991, p. 219). Como este autor escreve, "os preceitos relativos ao dever de fundamentação formal são afinal aquilo que parecem ser: normas de acção que regulam o comportamento administrativo em função de um conjunto multipolar de interesses, incluindo interesses dos administrados, que nessa medida são juridicamente protegidos".

5 - E igualmente se observa que é útil relacionar a norma em apreciação neste recurso com outras normas de direito ordinário (ter-se-á tão-somente em conta o direito vigente até à data do acórdão recorrido) respeitantes a determinadas consequências da anulação de actos administrativos com base, como é agora o caso, em falta de fundamentação; em particular, com certas regras relativas à execução - ou inexecução - da sentença anulatória.

Tal como sucede em outras hipóteses que agora não interessam (outros vícios de forma, ou incompetência, por exemplo) do que se costuma designar por actos renováveis, a execução de uma sentença que os anule pode consistir na prática de um segundo acto que mantenha o sentido da decisão substancial que o primeiro continha, naturalmente corrigindo o vício que determinou a anulação.

Como se sabe, tem-se colocado o problema de saber se deve ser atribuída eficácia retroactiva ao segundo acto (cf. a evolução da doutrina e da jurisprudência referida, a este propósito, por Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., Coimbra, pp. 90 e segs.).

A lei veio resolver expressamente este ponto. Com efeito, o artigo 128.º do Código do Procedimento Administrativo, do mesmo passo que definiu a regra de que "têm eficácia retroactiva os actos administrativos [...] que dêem execução a sentenças dos tribunais, anulatórias de actos administrativos" [n.º 1 e alínea b) respectiva], ressalvou dessa regra a hipótese de se tratar de actos administrativos praticados em execução de sentenças anulatórias de "actos renováveis" [mesma alínea b), in fine].

Esta ressalva, todavia, apenas foi acrescentada com a alteração que o Decreto-Lei 6/96, de 31 de Janeiro, introduziu ao Código do Procedimento Administrativo, ele próprio, aliás, aprovado por um diploma posterior ao embargo (decretado em 28 de Outubro de 1991), o Decreto-Lei 442/91, de 15 de Novembro.

Já todavia se tratava desta questão, naturalmente, quer na doutrina, quer na jurisprudência. A controvérsia - que, note-se, nem tem relevância para o julgamento do presente recurso, uma vez que não foi praticado novo acto de embargo, em execução do acórdão anulatório - pode ver-se, por exemplo, em Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª ed., Coimbra, 1997, pp. 621 e 622).

Conclui-se, pois, mesmo discordando de Afonso Queiró (que sustentava a irretroactividade do novo acto, sob pena de frustração da "reintegração da ordem jurídica violada", de inutilização do recurso de anulação e de afastamento de "efectiva sanção jurídica" para "a actuação ilegal da Administração" - Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 119.º, pp. 302 e 303.), que, ainda que um acto anulado por vício formal venha a ser repetido com o mesmo conteúdo decisório, "a verdade é que, enquanto o acto ilegal não for renovado, a sua anulação obriga a considerá-lo como nunca tendo existido" (Freitas do Amaral, op. cit., p. 92).

Finalmente, também interessa relembrar o regime então definido para a inexecução ilegítima da sentença anulatória do acto inválido por falta de fundamentação, que se encontrava abrangida pelo artigo 11.º do Decreto-Lei 256-A/77, de 17 de Junho, e que, nos termos ali determinados, previa a hipótese de conduzir a uma indemnização resultante de responsabilidade civil da Administração.

A interpretação do artigo 2.º do Decreto-Lei 48 051 que é questionada no âmbito deste recurso leva a que se exclua em absoluto a possibilidade de indemnização de qualquer prejuízo que, porventura, se possa ligar causalmente a um acto anulado por falta de fundamentação, mesmo não tendo nunca sido praticado novo acto, em execução da decisão anulatória, podendo sê-lo, nem se demonstrando que o efeito do acto invalidado podia ter sido produzido por uma conduta alternativa lícita.

E leva igualmente a que fique sem qualquer consequência uma eventual recusa ilegítima, por parte da Administração, da execução da sentença anulatória, à luz do regime acima descrito.

6 - A recorrente sustenta a inconstitucionalidade da norma em apreciação, acusando-a de violar o "disposto nos artigos 22.º e 271.º da Constituição da República Portuguesa".

Não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional se vê confrontado com a alegação de inconstitucionalidade por violação do artigo 22.º da Constituição. É, todavia, a primeira vez que lhe é colocada a questão de que trata o presente recurso.

Com efeito, no Acórdão 153/90 (Diário da República, 2.ª série, de 7 de Setembro de 1990), o Tribunal Constitucional analisou o artigo 22.º da Constituição, concluindo que não abrangia a responsabilidade contratual do Estado.

No Acórdão 107/92 (Diário da República, 2.ª série, de 15 de Julho de 1992), observou que "no artigo 22.º consagra-se, na verdade, o princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos cidadãos, ao menos quando esses danos hajam sido causados por actos ilícitos".

No Acórdão 45/99 (Diário da República, 2.ª série, de 26 de Março de 1999) afirmou, sempre a propósito de uma questão diferente da que agora está em causa, que "o que naquele artigo 22.º se postula é a regra da responsabilidade civil do 'Estado e demais entidades públicas [...] por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício'", e disse, acolhendo "o dizer de J. J. Gomes Canotilho (anotação ao Acórdão de 9 de Outubro de 1990 do Supremo Tribunal Administrativo, em Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, p. 86), [que] ali não apenas se estabelece a 'garantia institucional da responsabilidade directa do Estado [...] como se reconhece o direito do particular à reparação indemnizatória e ou compensatória no caso de lesão de direitos, liberdades e garantias'".

Mais recentemente, nos Acórdãos n.os 236/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 4 de Junho de 2004) e 5/2005 (Diário da República, 2.ª série, de 18 de Abril de 2005), e salientando as dificuldades suscitadas pela interpretação do referido artigo 22.º, o Tribunal considerou que este preceito veio constitucionalizar o princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, em particular no que respeita à responsabilidade da administração.

Escreveu-se, então, no citado Acórdão 236/2004:

"6 - A norma do artigo 22.º da Constituição de 76 constitui uma inovação relativamente aos textos constitucionais anteriores, elevando a nível supralegal (constitucional) princípios que até então haviam apenas sido acolhidos no direito infraconstitucional, maxime no Decreto-Lei 48 051.

Ela veio a ser inscrita na parte I da CRP, referente aos 'Direitos e deveres fundamentais', e no título I que contempla os 'Princípios gerais' sobre a matéria.

Trata-se, pois, de uma norma que respeita aos direitos, liberdades e garantias, o que, obviamente, não basta - como não basta a sua qualificação como princípio geral - para uma caracterização rigorosa do tipo de norma em causa. Com efeito, como assinala Maria Lúcia Amaral (Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, p. 430) '[...] estas mesmas normas podem ser ainda de tipos diversos consoante atribuem ou não atribuem verdadeiros direitos subjectivos aos particulares'."

Também já a Comissão Constitucional se vira confrontada com o (então) n.º 1 do artigo 21.º da Constituição (cf. parecer 22/79, já citado, em especial a pp. 51 e segs.); mas igualmente a propósito de questão diferente da que nos ocupa.

7 - Segundo o artigo 22.º da Constituição, "O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem.".

É controverso o significado preciso da consagração desta regra na Constituição.

Assim, e em síntese, encontram-se opiniões no sentido de que aquele preceito consagra um princípio geral (Barbosa de Melo, "Responsabilidade civil extracontratual do Estado - Não cobrança de derrama pelo Estado", Colectânea de Jurisprudência, ano XI, t. IV, 1986, pp. 33 e segs., maxime p. 36) ou "uma garantia institucional" (Vieira de Andrade, Panorama cit., p. 52, e Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, 2004, p. 144, Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, Coimbra, 1998, pp. 439 e segs., ou Margarida Cortez, Responsabilidade cit., pp. 23 e segs.) que carece de ser concretizada pelo legislador ordinário; nomeadamente, caberia no âmbito da sua liberdade de conformação a definição dos pressupostos da obrigação de indemnizar. Em todo caso, tal liberdade sempre teria como limite o respeito pelo "núcleo essencial" da garantia, ou seja, não poderia ser exercida de forma a contrariar, desde logo, o próprio princípio da responsabilidade.

Diferentemente, há quem sustente que a concretização de tal princípio se tem de encontrar na "conexão de normativos constitucionais" relativos "ao estatuto orgânico-funcional dos órgãos do Estado", sob pena de se desvirtuar a natureza de "direito subjectivo fundamental" do direito consagrado no artigo 22.º, garantindo-lhe assim a "aplicabilidade directa" que lhe impõe o n.º 1 do artigo 18.º da Constituição (Manuel Afonso Vaz, A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o Seu Estatuto Constitucional, pp. 4 e segs.). Nomeadamente, para a responsabilidade da administração por actos ilícitos haveria que entender o artigo 22.º em conjunto com o artigo 271.º da Constituição, para encontrar o "âmbito material" dessa responsabilidade. Nomeadamente, para a responsabilidade da Administração por actos ilícitos haveria que entender o artigo 22.º em conjunto com o artigo 271.º da Constituição, para encontrar o "âmbito material" dessa responsabilidade.

Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, p. 170) afirmam expressamente que "na falta de lei concretizadora, o artigo 22.º é uma norma directamente aplicável [...]"; Jorge Miranda ("A Constituição e a responsabilidade civil do Estado", Boletim da Faculdade de Direito, Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, pp. 928 e segs., e Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, pp. 209 e segs.), Maria da Glória Garcia (A Responsabilidade Civil do Estado e demais Pessoas Colectivas Públicas, Lisboa, 1997, pp. 53 e segs.) ou Rui Medeiros (Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Coimbra, 1992, pp. 92 e segs.), por exemplo, sustentam que se trata de "um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias" (cf. artigo 17.º da Constituição), directamente aplicável (artigo 18.º, n.º 1) e sujeito ao respectivo regime.

8 - Ora, seja qual for a opção tomada nesta controvérsia, a verdade é que não é compatível com o artigo 22.º da Constituição uma interpretação do artigo 2.º do Decreto-Lei 48 051 que exclua sempre e em qualquer caso a responsabilidade do Estado por danos verificados na sequência de um acto administrativo anulado por falta de fundamentação, quando a sentença anulatória não for executada e não for praticado novo acto, sem o vício que determinou a anulação, com o fundamento de que se não verifica nunca o pressuposto da ilicitude do acto.

E isto se diz sem embargo de se não excluir a possibilidade de o pedido de indemnização vir a ser julgado improcedente por não verificação de qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil.

A absoluta insusceptibilidade de ressarcimento desses danos não permite, para utilizar as palavras do Acórdão 236/2004, cumprir "a principal função do instituto da responsabilidade civil - a função reparadora - que especialmente garante aos particulares o ressarcir de danos causados por actos praticados pelos titulares dos órgãos, funcionários e agentes do estado e das entidades públicas".

Assim, quer se entenda que o direito à indemnização previsto no artigo 22.º da Constituição é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, quer se considere que ali se encontra apenas uma "garantia institucional", sempre se chega à inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do presente recurso.

Na primeira perspectiva, porque implicaria uma restrição não admitida pelo n.º 2 do artigo 18.º; na segunda, porque, ao afectar o próprio princípio da responsabilidade do Estado, excederia o âmbito da liberdade de conformação do legislador, afectando o "núcleo essencial" de tal garantia.

9 - Nestes termos, decide-se:

a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da responsabilidade extracontratual do Estado, consagrado no artigo 22.º da Constituição, a norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, interpretada no sentido de que um acto administrativo anulado por falta de fundamentação é insusceptível, absolutamente e em qualquer caso, de ser considerado um acto ilícito, para o efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito;

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Lisboa, 2 de Março de 2007. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Gil Galvão - Vítor Gomes (com declaração anexa) - Bravo Serra (com declaração idêntica à formulada pelo Exmo. Sr. Conselheiro Vítor Gomes) - Artur Maurício.

Declaração de voto

Acompanho a decisão e o essencial dos seus fundamentos, com o esclarecimento de que entendo que o artigo 22.º da Constituição não impede que, independentemente do que a lei ordinária disponha quanto à eficácia retroactiva dos actos renovadores de actos contenciosamente anulados, se atribua relevância excludente da indemnização à "conduta alternativa lícita" da Administração, mesmo quanto aos efeitos produzidos medio tempore. - Vítor Gomes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1564446.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1967-11-21 - Decreto-Lei 48051 - Ministérios do Interior e da Justiça

    Regula em tudo o que não esteja previsto em Leis especiais a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domímio dos actos de gestão pública.

  • Tem documento Em vigor 1977-06-17 - Decreto-Lei 256-A/77 - Ministérios da Administração Interna e da Justiça

    Reforça as garantias de legalidade administrativa e dos direitos individuais perante a Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-15 - Decreto-Lei 442/91 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova o Código do Procedimento Administrativo, publicado em anexo ao presente Decreto Lei, que visa regular juridicamente o modo de proceder da administração perante os particulares.

  • Tem documento Em vigor 1996-01-31 - Decreto-Lei 6/96 - Presidência do Conselho de Ministros

    Revê o Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro.

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