Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 322/2006, de 30 de Agosto

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 322/2006

Processo 915/2005

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Por despacho do Tribunal do Trabalho de Bragança de 15 de Julho de 2005, a fls. 92 e seguintes, foi indeferido o pedido, formulado pela Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial, S. A., de remição obrigatória da pensão fixada nos autos ao sinistrado António Augusto da Veiga, considerando que este declarou não aceitar a remição.

Para o efeito, o referido despacho recusou a aplicação, "por inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, [d]a norma resultante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, quando interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte".

Tal juízo de inconstitucionalidade fundamentou-se, como expressamente se afirma no despacho em causa, na jurisprudência deste Tribunal, designadamente no Acórdão 56/2005, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 3 de Maio de 2005, cujo juízo de inconstitucionalidade se entendeu que valia "igualmente para o artigo 56.º, n.º 1, alínea a)".

2 - Notificado do despacho citado, o Ministério Público recorreu para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação "do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, "quando interpretado por forma a impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte"".

O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (n.º 3 do artigo 76.º da Lei 28/82).

3 - Notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou alegações, nas quais começou por observar que, estando em causa uma pensão devida desde momento muito anterior à lei em questão, o caso presente "teria necessariamente de passar pela aplicação do regime transitório plasmado no artigo 74.º do Decreto-Lei 143/99". No entanto, como acrescentou, não podendo o Tribunal apreciar senão a conformidade constitucional de normas cuja aplicação a decisão recorrida afastou por inconstitucionalidade, terá tal apreciação de versar sobre o artigo 56.º, n.º 1, alínea a), mas deixando de fora a parte relativa à "remição de pensões atribuídas "por morte", já que não é esta a situação concreta que ocorre no caso dos autos".

Procedeu, seguidamente, à análise da jurisprudência constitucional relativa às diferentes normas dos artigos 56.º e 74.º do citado Decreto-Lei 143/99, realçando o acórdão em que se louvou a decisão recorrida, o Acórdão 56/2005, e admitiu que "perante a firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do Acórdão 56/2005 [...] deva reponderar-se efectivamente o juízo de não inconstitucionalidade emitido quanto à norma constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 143/99, submetendo tal norma ao parâmetro constitucional da justa reparação dos acidentes de trabalho", na dimensão em causa no presente recurso.

Concluiu as alegações do seguinte modo:

"1 - Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no Acórdão 56/2005, não se conforma com o princípio constitucional da justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, o regime que se traduz em impor ao trabalhador/sinistrado - contra a sua vontade expressa no processo a obrigatória remição das pensões vitalícias que - independentemente do seu montante pecuniário - visam compensar graus elevados - superiores a 30% - de incapacidade laboral.

2 - Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente à vigência do Decreto-Lei 143/99 (previstas no artigo 74.º), como às pensões decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56.º

3 - Não viola o princípio da igualdade a circunstância de - em consequência da remição da pensão - certos trabalhadores receberem um capital indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não objecto de remição.

4 - Porém, a norma constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, ofende o princípio constitucional da justa reparação de danos causados por acidentes laborais.

5 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida."

A recorrida não alegou.

4 - Cumpre começar por delimitar o objecto do recurso, tendo em conta quer a restrição feita pelo recorrente nas alegações, quer a circunstância de estar em causa a recusa de aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99 a acidentes ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor (o acidente ocorreu em 1960). Como observa o Ministério Público, o Tribunal Constitucional não pode deixar de ter este preceito como referência, por não lhe caber interferir na escolha do direito ordinário aplicável efectuada pelo tribunal recorrido.

Traduz-se tal objecto, então, na norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99, quando interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, e correspondentes a acidentes ocorridos antes da data da sua entrada em vigor.

5 - Sucede que foi entretanto aprovado o Acórdão 292/2006 (ainda inédito), no qual se decidiu "Julgar inconstitucional, por violação do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, o conjunto normativo constante do n.º 1 do artigo 33.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, quando interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente de 30% e ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela lei.".

Para o efeito, o acórdão conjugou a justificação constante do recente Acórdão 34/2006 (Diário da República, 1.ª série-A, de 8 de Fevereiro de 2006), que, remetendo para a fundamentação do Acórdão 56/2005, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral "da norma constante do artigo 74.º do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, na redacção emergente do Decreto-Lei 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas excedem 30%, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa", com a circunstância de se tratar da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, a acidentes anteriores:

"Recentemente, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 34/2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, da norma constante do artigo 74.º do Decreto-Lei 143/99, quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que elas excedam 30%.

Sendo evidente que uma tal declaração de inconstitucionalidade teve por alvo um normativo que não é o aqui em questão (tratava-se, pois, do artigo 74.º e de incapacidades parciais permanentes superiores a 30%), o problema que se põe é o de saber - sendo certo que aquele artigo não deixa de ter como referente o regime estabelecido para a remição de pensões prescrito no artigo 56.º - se o fundamental da argumentação que conduziu a essa declaração poderá cobrar plena aplicação na análise da norma que agora se aprecia, e numa hipótese em que a incapacidade parcial permanente foi fixada em 30%, a pensão é de reduzido montante (recte, não é superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação) e o trabalhador manifestou oposição à remição.

[...]

1 - Da jurisprudência tirada pelo Tribunal Constitucional em matéria de apreciação da conformidade ou desconformidade com a Constituição relativamente à remição de pensões devidas por infortúnios laborais retira-se que tem, numa primeira linha, sido dado relevo à tutela da autonomia da vontade do trabalhador vítima de acidente laboral ou de doença profissional que lhe impôs uma diminuição acentuada da sua capacidade para o trabalho, pois somente ele poderá ponderar se é do seu interesse continuar a perceber determinado quantitativo vitalício representativo daquela pensão ou se, pelo contrário, a perda da sua capacidade de ganho pode ser compensada com um capital ou um eventual rendimento do capital decorrente da remição. E isto desde que a pensão que tenha sido atribuída seja representativa do asseguramento de um rendimento susceptível de garantir uma existência minimamente condigna.

Outrotanto, e ainda segundo aquela jurisprudência, não sucede se em causa se colocarem situações de acidentes de trabalho ou doenças profissionais que não demandaram acentuada perda de capacidade de trabalho.

É que, em tais situações, o lesado pode ainda desempenhar o seu labor e a compensação pelo infortúnio que sofreu - ponderando os consabidamente diminutos montantes das pensões atribuídas nesses casos, a natural degradação valorativa da moeda e a sempre tendencial elevação dos custos - facilmente poderá, ao ser a pensão vitalícia "transformada", pela remição num dado capital, ser considerável como uma "justa reparação" ancorada no direito que é conferido pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.

[...]

6 - Como se viu, a situação sub iudicio cura da pretensão de remição de uma pensão atribuída por um acidente de trabalho do qual resultou para o trabalhador uma incapacidade permanente para o trabalho de 30%.

Neste conspecto, a corte argumentativa que conduziu à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral vertida no Acórdão 34/2006 poderia não ser globalmente transponível para o caso em apreço, já que se não trata de uma incapacidade parcial permanente superior a 30%.

Ainda assim, mesmo nesta perspectiva, não se vá sem dizer que o raciocínio que formou o "fio condutor" daquele aresto foi o de, porque a pensão, nas situações de "acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de auferir um salário condigno com ao menos, a sua digna subsistência" [constituindo, pois, a pensão um "complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho") e porque "a aplicação de um capital - ainda que no momento em que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em virtude de ser aleatória, comporta riscos", haveria que se atender, por forma a ser respeitado direito consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, à vontade expressa pelo trabalhador e não a uma "imposição do risco do capital a receber", a qual "limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional".

Ora, reportando-se a situação em espécie a um acidente de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente de 30%, não se poderá desconsiderar a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos artigos 33.º da Lei 100/97 e 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 143/99, entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%.

E, nesse contexto, poder-se-ia enveredar por um raciocínio semelhante ao que foi prosseguido no Acórdão 34/2006.

6.1 - No entanto, como acima se viu, o despacho ora impugnado só pode ser entendido como tendo considerado a situação que tinha que decidir como se ela se reportasse a um acidente de trabalho ocorrido já na vigência daqueles diplomas (e não a pensão fixada no domínio de lei anterior, caso em que cobrava aplicação a norma do artigo 74.º do Decreto-Lei 143/99) e estando em questão uma pensão cujo valor, à data da atribuição, não era superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, opondo-se o trabalhador à remição.

De onde dever concluir-se que, para o caso em apreciação, em que se depara uma oposição do trabalhador, não servirá a jurisprudência deste Tribunal tirada a propósito da não insolvência constitucional das dimensões normativas reportadas à alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99 (cf. acórdãos acima citados).

Assim sendo, o problema que cumpre equacionar não se coloca tanto ao nível de uma confrontação com o princípio da igualdade (cujo parâmetro foi o utilizado nos citados acórdãos), mas sim, mais acentuadamente, com o direito à justa reparação consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º do diploma básico.

Vale isto por dizer que a pergunta cabida para a solução da questão é a de saber se ofende aquele normativo a remição imposta pela alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99, se em causa estiver uma pensão de valor não superior a seis vezes a remuneração mínima mensal mais elevada à data da sua fixação, atribuída por um acidente de trabalho ou doença profissional que acarretou uma incapacidade parcial permanente não inferior a 30%, opondo-se a tanto o trabalhador.

Ora, estando em causa um direito constitucionalmente conferido aos trabalhadores, e porque se não trata de um infortúnio laboral de que redundou uma perda de capacidade laboral inferior a 30%, não obstante o montante da pensão (tido por reduzido pelo legislador ordinário), entende-se, com a entidade recorrente, que a dimensão normativa daquele preceito que agora se analisa, ao não devolver ao trabalhador "a sua livre opção sobre o modo como pretende ser ressarcido" das consequências da incapacidade que o afecta (que o próprio legislador ordinário considera não serem de pequena monta, justamente por não ser inferior a 30%) deixa de privilegiar "em última análise, o valor 'autonomia' da vontade que, em regra, deverá funcionar como parâmetro fundamental nesta sede".

E, assim sendo, são, para a situação em presença, transponíveis, quanto ao ponto conexionado com a relevância da autonomia da vontade do trabalhador, as considerações que têm sido utilizadas pela jurisprudência deste Tribunal para alcançar juízos de inconstitucionalidade quanto à remição de pensões e a que acima se aludiu."

6 - Tem plena aplicação ao caso dos autos este julgamento, efectuado no citado Acórdão 292/2006.

Na verdade, e como ali se explica, não releva, do ponto de vista da constitucionalidade das normas em apreciação, a circunstância de, então, se tratar de uma pensão atribuída por uma incapacidade de 30% e de aqui ocorrer uma incapacidade superior a 30%.

Para além disso, também está agora em causa a aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99 a acidentes ocorridos à data da sua entrada em vigor (cf. o artigo 41.º, n.º 1, da Lei 100/97, que faz reportar a produção de efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a regulamentar, e que foi o Decreto-Lei 143/99), em nada alterando a questão de que nos ocupamos a não inclusão, no objecto do presente recurso, do n.º 1 do artigo 33.º da Lei 100/97, que estabelece o princípio da remição obrigatória das "pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados".

A aplicação a acidentes anteriores - no caso, em 1960 - suscita, na verdade, a dúvida da compatibilização da norma em apreciação com as exigências do princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de direito, pois se trata da aplicação de um regime "que prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor mas que se mantêm nessa data" (Acórdão 232/91, Diário da República, 2.ª série, de 17 de Setembro de 1991. V., ainda, os Acórdãos n.os 287/90, Diário da República, 2.ª série, de 20 de Fevereiro de 1991, e 467/2003, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Novembro de 2003, e jurisprudência neles citada).

Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, isto não significa, naturalmente, que exista qualquer "direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo ou das pensões, por exemplo [...] Cabe saber se se justifica ou não na hipótese da parte dos sujeitos de direito ou dos agentes um "investimento na confiança" na manutenção do regime legal [...]" (citado Acórdão 287/90).

Significa, antes, que não será consentânea com tal princípio a aplicação de uma lei nova a efeitos decorrentes de factos anteriores se "a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso, com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão. E isso porque, tendo tal confiança, nesse caso, maior "peso" ou "relevo" constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira" (mesmo Acórdão 232/91); dito por outras palavras, será inconstitucional se "atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar" (Acórdão 486/97, Diário da República, 2.ª série, de 17 de Outubro de 1997).

Ora, no caso presente, impor ao beneficiário de uma pensão actualizável correspondente a um acidente ocorrido em 1960 a sua substituição por um capital de remição, obrigando-o a providenciar pela respectiva aplicação em termos de garantir, em idêntica medida, a sua subsistência, afecta de forma inaceitável a expectativa que legitimamente fundou na manutenção de um regime legal que lhe permitiu organizar a vida contando com o pagamento periódico e vitalício daquela quantia.

É certo que a obrigatoriedade de remição traz óbvias vantagens para a seguradora, obrigada a pagar repetidamente e durante um longo período de tempo inúmeras pensões de reduzido montante; e que, por essa via, o novo regime se explica facilmente por critérios de racionalidade económica. Não se vê, todavia, que tais vantagens sejam aptas a prevalecer sobre o risco que dela poderá resultar para a subsistência do beneficiário, que confiou, nos termos expostos, na manutenção da pensão.

Deve assim concluir-se pela inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do presente recurso, por violação conjugada do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição).

Nestes termos, decide-se:

a) Julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.

Lisboa, 17 de Março de 2006. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Vítor Gomes - Bravo Serra (com declaração idêntica à que apus no acórdão hoje tirado no processo 890/2005) - Gil Galvão (com a declaração de que votei a decisão pelos fundamentos do Acórdão 34/2006, que igualmente subscrevi) - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1510787.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-13 - Lei 100/97 - Assembleia da República

    Aprova o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.

  • Tem documento Em vigor 1999-04-30 - Decreto-Lei 143/99 - Ministério das Finanças

    Regulamenta a Lei 100/97, de 13 de Setembro, no que respeita à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-22 - Decreto-Lei 382-A/99 - Ministério das Finanças

    Altera para 1 de Janeiro de 2000 as datas de entrada em vigor dos Decretos-Leis n.ºs 142/99 e 143/99, de 30 de Abril, e do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio.

  • Tem documento Em vigor 2006-02-08 - Acórdão 34/2006 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda