Decreto-Lei 63/83
de 3 de Fevereiro
A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., apresenta uma estrutura financeira gravemente desequilibrada a que se chegou, fundamentalmente, por distorções no mercado dos transportes, por sucessivos desequilíbrios da exploração empresarial e pela falta de uma definição clara e oportuna dos objectivos de produção e de modernização dos transportes e das obrigações de serviço público impostos à empresa contra o que não foi possível implementar as soluções mais adequadas para ultrapassar as crescentes dificuldades com que se vinha debatendo, não obstante as orientações de princípio já expressas no Decreto-Lei 80/73, de 2 de Março.
Expressões salientes e inequívocas da grave situação da empresa são-nos dadas pelos seguintes indicadores, reportados a 31 de Dezembro de 1981:
O passivo a curto prazo é de 34 milhões de contos, enquanto que as disponibilidades, créditos a curto prazo e existências, ascendem apenas a 5,9 milhões de contos;
O imobilizado é de 26,6 milhões de contos, enquanto o capital atinge só 3,6 milhões de contos;
Os prejuízos acumulados ascendem a 7,6 milhões de contos, a que acrescem 11,2 milhões de contos correspondentes a indemnizações compensatórias e 8,4 milhões de contos de comparticipações em investimentos da empresa solicitados ao Estado, mas por esta não assumidos;
Se não se considerarem estes valores como créditos da empresa sobre o Estado, a sua situação líquida passiva atinge 23,5 milhões de contos;
Os apoios do Estado ascenderam, nos últimos 5 anos, a 24,5 milhões de contos.
O desequilíbrio da exploração empresarial (sem consideração de subsídios ou indemnizações compensatórias) deve atingir, só no ano de 1982, o valor de 12,5 milhões de contos, sendo a totalidade das despesas com pessoal de 11,3 milhões de contos e as receitas (sem subsídios), apenas de 9 milhões de contos. Para tal défice concorrem as despesas e encargos financeiros em 4,9 milhões de contos, pelo que o défice operacional sem encargos financeiros será de 8,5 milhões de contos.
A situação é tanto mais grave quanto é certo que de 1981 para 1982 o défice operacional, sem encargos financeiros, se degradou sensivelmente face ao acréscimo das despesas com pessoal, combustíveis e energia e à possível diminuição das receitas.
Sucessivos Governos foram constantemente adiando as soluções de fundo que se impunham e que todos os Governos da Europa adoptaram a partir da crise energética de 1973. Constitui, por isso, imperativo de defesa dos interesses públicos a tomada urgente de medidas, algumas já excepcionais, que iniciem a recuperação económica e financeira da empresa por forma a garantir-se a satisfação das necessidades de transporte ferroviário readquirindo-se a estabilidade dos postos de trabalho da empresa.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º O regime de exploração do transporte ferroviário contido no Decreto-Lei 80/73, de 2 de Março, será aplicado à CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., com as adaptações inerentes à natureza pública da empresa e aos princípios e medidas estabelecidos neste diploma.
Art. 2.º - 1 - A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., assume a responsabilidade exclusiva por todos os investimentos ferroviários de transporte público.
2 - Em casos excepcionais, o Ministro de Estado e das Finanças e do Plano e o Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes poderão propor a concessão do aval do Estado em empréstimos ou a associação de outras entidades públicas nos investimentos.
3 - Só poderão ser inscritos no Plano de Investimentos do Sector Empresarial do Estado os empreendimentos com uma adequada cobertura financeira e que associem qualquer das seguintes características:
a) Equilíbrio da situação económica;
b) Equilíbrio de custos - benefícios em termos sociais;
c) Elevada taxa interna de rentabilidade;
d) Segurança.
4 - A CP fica isenta de qualquer obrigação de remunerar os capitais aplicados na empresa.
Art. 3.º - 1 - A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., fica sujeita apenas às obrigações de serviço público de transporte de exploração e de prática de tarifas sociais que tenham contrapartida económica.
2 - O Ministro de Estado e das Finanças e do Plano e o Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes definirão as obrigações de serviço público com contrapartida financeira sob a forma de indemnizações compensatórias.
3 - A concessão de transportes gratuitos ou bonificados para passageiros ou mercadorias não incluídos no número anterior será regulamentada por contrato a celebrar entre a CP e as entidades patrocinadoras do transporte.
Art. 4.º - 1 - O encerramento de linhas ou estações previsto nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei 80/73, de 2 de Março, só se pode verificar desde que estejam criadas alternativas equivalentes de transporte ou se demonstre a inexistência de interesses sociais relevantes a salvaguardar.
2 - Nos casos previstos no número anterior, a CP pode negociar a concessão de exploração de linhas ou troços de linhas a entidades públicas, nomeadamente municípios, e, bem assim, condicionar a exploração à atribuição de subsídios que concorram para a cobertura dos custos directos.
Art. 5.º - 1 - As dívidas da CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., ao Tesouro, ao Fundo Especial de Transportes Terrestres, à Previdência, ao Fundo de Desemprego, à banca e aos restantes credores do sector público são consolidadas, sendo garantido um prazo de amortização superior a 10 anos.
2 - As importâncias contabilizadas pela empresa a débito do Estado são anuladas em relação às infra-estruturas de longa duração e aos subsídios e indemnizações compensatórias não atribuídos.
3 - As condições da consolidação prevista na parte final do n.º 1 serão estabelecidas pelos ministros da tutela, ponderada, em relação ao sector público empresarial industrial, a capacidade financeira das empresas.
4 - Os encargos com as amortizações e juros das dívidas consolidadas serão cobertos através de dotações e subsídios, desde que a empresa tenha cumprido, em relação ao ano anterior, as metas de viabilidade económica definidas.
Art. 6.º - 1 - A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., deverá manter actualizado o cadastro valorizado do património, incluindo os bens de domínio público, atendendo-se ao cálculo de reavaliação, ao valor real dos bens e à sua vida útil previsível.
2 - A CP deverá apresentar ao Ministro de Estado e das Finanças e do Plano e ao Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes, no prazo de 90 dias, um cadastro valorizado do património que seja susceptível de alienação imediata e, até 31 de Dezembro de 1983, um cadastro valorizado de todo o património, incluindo os bens de domínio público, com referência à utilidade ou necessidade dos bens para a realização dos objectivos da empresa.
Art. 7.º - 1 - A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., deve apresentar, no prazo de 90 dias, uma proposta de acordo de saneamento económico e financeiro que, baseada no regime definido neste diploma, contemple os seguintes princípios:
a) Estabelecimento de margens positivas e crescentes de autofinanciamento;
b) Reformulação progressiva da rede por forma a alcançar-se a cobertura dos custos directos;
c) Fixação de preços reflectindo os custos reais, salvo no que se refere aos preços dos transportes de passageiros e mercadorias que tenham sido sujeitos ao regime de obrigação de serviço público, sem prejuízo, nestes casos, das respectivas contrapartidas financeiras;
d) Melhoria dos padrões de qualidade para a segurança, regularidade, prazos de transporte e conforto que contribuam para o aumento da procura;
e) Aumento dos índices de produtividade específica (PK/UK, TK/UK e PK/TK) e dos índices de consumo energético (Kcal/UK);
f) Não incidência de amortizações sobre as infra-estruturas de longa duração e sobre investimentos financiados a mais de 90% por dotação de capital não sem que, para permitir a determinação dos custos reais, se lance a débito e crédito nas contas de resultados o valor correspondente às amortizações que incidiriam sobre esses bens;
g) Aplicação da reserva gerada por reavaliação do imobilizado à cobertura dos prejuízos;
h) Desinvestimento de todos os bens com valor comercial e não essenciais ao transporte ferroviário, tendo em vista assegurar, por esta via, uma contribuição para o equilíbrio dos resultados anuais, devendo o remanescente das receitas provenientes da alienação desses bens ser aplicado no financiamento de novos investimentos.
2 - Para além das medidas e princípios definidos no número anterior, é necessária a redução do peso relativo dos encargos com pessoal na estrutura de custos, para o que deverá a empresa promover as acções indispensáveis à realização dos seguintes objectivos:
a) Aumentos de produtividade;
b) Aproveitamento racional dos recursos humanos pela mobilidade, reclassificação e transferência do pessoal;
c) Antecipação de reformas.
3 - A fim de se garantir a realização dos objectivos referidos nos números anteriores, serão assegurados à CP os seguintes apoios financeiros:
a) Atribuição anual da verba de 4 milhões de contos a título de indemnização compensatória pela obrigação tarifária nos transportes suburbanos;
b) Atribuição da verba de 2 milhões de contos, quer em 1983 quer em 1984, com redução progressiva nos anos seguintes a título de subsídio destinado ao reajustamento progressivo da rede;
c) Realização de um mínimo de 2 milhões de contos, quer em 1983 quer em 1984, a título de dotação de capital para saneamento financeiro.
Art. 8.º - 1 - No caso de trabalhadores excedentes, o Ministério do Trabalho poderá atribuir um subsídio anual para a manutenção de postos de trabalho excedentes.
2 - No caso previsto no número anterior, os Ministros da Habitação, Obras Públicas e Transportes e do Trabalho determinarão, por despacho, a não aplicação, total ou parcial, das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e o respectivo regime sucedâneo.
3 - Poderão ainda ser aplicadas à empresa as medidas previstas no Decreto-Lei 353-E/77 e demais legislação aplicável relativamente a empresas em situação económica difícil.
Art. 9.º - 1 - O Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes apresentará, no prazo de 180 dias, proposta de alteração do regime fiscal dos transportes terrestres no que concerne, nomeadamente, aos impostos ferroviários de camionagem e de compensação, por forma a optimizar a harmonização das condições de concorrência entre os diferentes meios de transporte.
2 - No prazo de 90 dias deverá ser igualmente alterado o estatuto da CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., por forma a adaptar a orgânica da empresa aos objectivos económicos e funcionais servidos por uma gestão assente fundamentalmente em critérios empresariais.
Art. 10.º O Ministro de Estado e das Finanças e do Plano e o Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes adoptarão as medidas extraordinárias e transitórias necessárias à adequação destes princípios com a disciplina orçamental e com as necessidades da empresa no ano de 1983.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de Outubro de 1982. - Francisco José Pereira Pinto Balsemão - João Maurício Fernandes Salgueiro - Luís Alberto Ferrero Morales - Luís Eduardo da Silva Barbosa - Ricardo Manuel Simões Bayão Horta - José Carlos Pinto Soromenho Viana Baptista.
Promulgado em 21 de Janeiro de 1983.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 25 de Janeiro de 1983.
O Primeiro-Ministro, Francisco José Pereira Pinto Balsemão.