Jurisprudência 3/2002
Processo 342/2001-AFJ - 3.ª Secção
Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
I - 1 - O Exmo. Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpôs o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do Acórdão de 18 de Outubro de 2000, proferido nos autos de recurso penal n.º 6727/2000 - 3.ª Secção, daquela Relação.
Invoca como fundamento a oposição entre tal aresto e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 28 de Janeiro de 1998, no processo 948/97 (ver nota 1), oposição esta no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito, havendo ambas as decisões transitado em julgado.
Entende que deve ser fixada jurisprudência no seguinte sentido:
«Deduzido o pedido cível em processo penal, se for recebida a acusação e tal pedido, no despacho proferido nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, a posterior declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, antes da realização da audiência de julgamento, não obsta a que o processo deva prosseguir para conhecimento do pedido cível, caso o lesado o requeira.»
O acórdão fundamento transitou em julgado e o acórdão recorrido é insusceptível de recurso ordinário.
Tendo o Ministério Público legitimidade, estando em tempo e verificados os restantes requisitos legais, o recurso foi considerado admissível, com efeito meramente devolutivo.
Instruiu-se o processo com certidão das decisões proferidas, alegadamente em oposição.
2 - Pelo Acórdão de 5 de Abril de 2001, a fls. 17 e 18, foi constatada a invocada oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
A legislação em ambos aplicada - artigos 71.º e seguintes do Código de Processo Penal - é a mesma, sendo também a mesma a questão de direito, ou seja a do prosseguimento ou não prosseguimento do processo para conhecimento do pedido de indemnização civil oportunamente deduzido, tendo sido declarado extinto o procedimento, por prescrição, antes da realização da audiência de julgamento.
No acórdão recorrido entendeu-se:
«O Tribunal declarou extinto o procedimento criminal por prescrição antes de realizar o julgamento, por despacho, pelo que o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, em representação do Estado, na acusação, não pode ser conhecido em processo penal.»
Contrariamente, no acórdão fundamento, considerou-se:
«A extinção do procedimento criminal por prescrição não impede o prosseguimento do processo para apreciação do pedido de indemnização civil anteriormente deduzido.»
3 - Ordenado o prosseguimento do processo, e efectuadas as notificações a que se refere o artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apresentaram alegações escritas o Ministério Público e o recorrido Albano Francisco Garcia Gomez.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto defende que o conflito de jurisprudência entre os apontados acórdãos seja resolvido através da seguinte uniformização:
«Tendo sido declarado extinto o procedimento criminal, por prescrição, já após a prolação do despacho a que se refere o artigo 311.º do Código de Processo Penal, mas antes de realizado o julgamento, deve o processo prosseguir, se o lesado o requereu ou se manifestou inequivocamente essa sua vontade, para efeitos de conhecimento do pedido cível por si deduzido.»
O recorrido Garcia Gomez defende solução contrária, idêntica à do acórdão recorrido, e que condensa nestas conclusões:
«1 - O artigo 71.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da adesão obrigatória, como regra, da acção cível de indemnização à acção penal.
2 - A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização civil decorre, apenas, do facto de a acção cível estar conexionada com a acção penal.
3 - O recurso aos meios cíveis, do artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, no caso, não é uma faculdade.
4 - Com efeito, trata-se de um corolário lógico-imperativo do nosso sistema de processo penal.
5 - Declarado extinto o procedimento criminal antes de a sentença transitar em julgado, não pode o tribunal conhecer do pedido cível nele enxertado.
6 - Assim, impõe-se a fixação de jurisprudência no sentido consagrado no Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Outubro de 2000, nos seguintes termos:
'Deduzido o pedido cível em processo penal, se for recebida a acusação e tal pedido, no despacho proferido nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, a posterior declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, antes da realização da audiência de julgamento, obsta a que o processo prossiga para conhecer do pedido civil deduzido com a acusação.'»
Corridos os vistos, procedeu-se a julgamento, em conferência do pleno das secções criminais. Tendo feito vencimento a tese oposta à que era apresentada, foi o processo redistribuído, nos termos da lei.
De novo apreciado, cumpre ponderar e decidir.
II - Uma vez que a decisão emanada da conferência da secção, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, carece de força de caso julgado formal, atenta a diferente composição do órgão competente para a decisão última, impõe-se a reapreciação dos indispensáveis pressupostos legais da oposição de julgados - decisão da mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação.
Sem que se justifiquem latos desenvolvimentos, não temos dúvidas em afirmar a dita oposição de julgados, emitidos sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
Com efeito, no acórdão recorrido decidiu-se que uma vez extinto, por despacho, o procedimento criminal por prescrição antes de se realizar o julgamento, o pedido cível deduzido pelo Mininstério Público em representação do Estado, na acusação, não pode ser conhecido em processo penal - artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Enquanto no acórdão fundamento se decretou que, extinto o procedimento criminal por prescrição, quando já havia sido deduzido o pedido de indemnização cível e designada data para julgamento, o processo deve prosseguir para julgamento desse pedido, a menos que os lesados intentem, como podem, acção cível em separado, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Trata-se evidentemente da mesma questão de direito e as decisões são opostas - numa, entendeu-se que o processo penal, após a declaração de prescrição, deve terminar, ainda que deduzido o pedido cível, na outra, o processo penal deve prosseguir -, proferidas na pendência da mesma legislação processual penal.
Ponderando o que acaba de ser reavivado, é patente que se deve manter a anterior conclusão, obtida em conferência, de que existe oposição de julgados, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma referida questão de direito, qual seja a de saber se extinta a a acção penal por prescrição, em momento posterior à dedução do pedido cível mas antes do julgamento, deve ou não prosseguir o processo para a apreciação do pedido cível.
Determinado que está o objecto do presente recurso para fixação de jurisprudência, importa agora encontrar o sentido em que essa fixação deve ser feita.
III - Enunciemos os dispositivos legais em análise e, logo de seguida, a argumentação em confronto.
1 - Dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal («Princípio de adesão»):
«O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.»
Acrescenta-se no artigo 72.º do mesmo diploma («Pedido em separado»):
«1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:
a) ...
b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;
...
2 - ...»
Dispõe, por seu lado, o artigo 77.º («Formulação do pedido»), na redacção da Lei 59/98, de 25 de Agosto (ver nota 2):
«1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada.
2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.
3 - Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 10 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.
4 - Quando, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnização civil. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas.
5 - Salvo nos casos previstos no número anterior, o pedido de indemnização civil é acompanhado de duplicados para os demandados e para a secretaria.»
De interesse, apresenta-se também o artigo 377.º, n.º 1, que determina:
«A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82.º, n.º 3.»
2 - Debrucemo-nos então sobre a fundamentação jurídica invocada por cada um dos acórdãos em oposição.
2.1 - Eis o modo como se discorreu o acórdão fundamento:
«Com efeito, segundo o princípio da adesão com assento no artigo 71.º do Código de Processo Penal o recorrente deduziu o pedido de indemnização civil no presente processo ao abrigo desse normativo.
E tal pedido só podia ser deduzido em separado nos casos taxativamente enunciados no artigo 72.º do mesmo Código, que consagrou o princípio da opção.
Ora, acontece que o procedimento criminal se extinguiu por prescrição, quando já havia sido deduzido neste processo o falado pedido de indemnização cível e já havia também sido proferido o despacho nos termos do artigo 311.º ou equivalente designando data para a audiência de julgamento.
Assim, o processo prosseguirá para o julgamento desse pedido a menos que os lesados intentem como podem acção cível em separado, nos termos do artigo 72.º , n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Porém, o assistente e demandante civil manifestou inequivocamente a vontade de ver apreciado nos presentes autos aquele pedido - v. alegações de recurso -, pelo que em obediência ao princípio da economia e celeridade processuais, o processo deverá prosseguir apenas para o julgamento da matéria cível (ver nota 3).»
2.2 - Por sua vez, em abono da solução contrária argumenta-se do seguinte modo no acórdão recorrido:
«É sabido que a nossa lei processual consagra o princípio de adesão obrigatória, como regra, da acção cível de indemnização à acção penal; assim, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei - artigo 71.º do Código de Processo Penal.
'O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia e cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente'», Germano Marques da Silva, Curso, vol. I, p. 324.
As razões de economia processual são perfeitamente atendíveis nos casos em que, tendo-se realizado o julgamento, venha, a final, a concluir-se pela extinção do procedimento criminal por, v. g., prescrição: não seria curial que feita a produção da prova não se aproveitasse esta para conhecer do pedido civil (evitar-se também a possibilidade de julgados contraditórios se a acção civil viesse a ser julgada em separado).
O artigo 377.º do Código de Processo Penal prevê, aliás, a situação da condenação em pedido civil do arguido no caso de sentença absolutória se o pedido vier a revelar-se fundado.
Estas situações, porém, têm o pressuposto de se ter realizado a audiência de discussão e julgamento.
Já assim não será no caso - que é o dos autos - de, apesar de deduzido pedido civil, o processo penal se extinguir por qualquer causa sem que tenha chegado a haver julgamento.
Nestes casos, não existem nem razões de economia processual - pois não há prova a aproveitar para conhecer do fundamento do pedido civil - nem há o risco de julgados contraditório, pois, como é evidente, nunca chega a haver julgamento da acção penal.
Nestas situações, a acção civil terá de ser deduzida no tribunal civil.
É o que resulta, de resto, do artigo 72.º, n.º 1, alínea b) - uma das excepções ao princípio da adesão obrigatória consagradas neste artigo.
Aí se dispõe que o pedido civil pode ser deduzido em separado se o processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento (ver nota 4).
3 - Vejamos mais detidamente como explana a sua opinião o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal.
Salientando a consagração do princípio da adesão e ainda o que se dispõe no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - em que a absolvição do crime não impedirá a condenação em indemnização civil -, a regra neste fixada «valerá para qualquer fase do processo desde que, por um lado, se encontre fixada a causa de pedir e, por outro, se verifiquem os pressupostos que fundamentam o próprio princípio da adesão», a qual estabiliza com o despacho a que se refere o artigo 311.º do Código de Processo Penal.
E já refutando os argumentos do acórdão recorrido, da economia processual porque não há prova a aproveitar e do risco de julgados contraditórios, acrescenta:
«De um lado, como é sabido, aquele artigo 72.º não determina que o pedido cível seja deduzido em separado logo que o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento, limitando-se a permitir que tal excepção ao princípio da vinculação obrigatória ocorra, designadamente, se for essa a vontade do lesado. Não o impõe, porém [...] Onde não pode deixar de reconhecer-se razão ao acórdão recorrido é no ponto em que refere não ocorrer o perigo de decisões contraditórias, uma vez que se não trata já de duas acções mas tão-só de uma. Tal observação, porém, não parece suficiente para, só por si, fundamentar a rejeição da manutenção aqui, para todos os efeitos, do princípio da adesão obrigatória.
Chegamos, assim, à questão de saber se, mantendo-se inalterada a causa de pedir e manifestada de forma inequívoca a vontade do lesado de que o processo prossiga, mesmo depois de extinguido o procedimento criminal, para julgamento do pedido cível, as razões que fundamentam o princípio da adesão se mantêm ainda quando, proferido o despacho do artigo 311.º do Código de Processo Penal, se não iniciou o julgamento.
Como é sabido, na base do princípio da adesão encontra-se uma pluralidade de fundamentos que vão desde a economia processual até à necessidade de conferir maior protecção à vítima, passando pela celeridade processual e pela importância de evitar que, sobre o mesmo objecto, venham a proferir-se decisões contraditórias (ver nota 5).
Ora, qualquer destas razões, capazes de servirem de suporte ao princípio da adesão, parece manifestar-se independentemente da fase processual da acção penal à qual vem aderir a acção cível. E, se assim já nos parece ser logo em sede intraprocessual, onde as questões assumem uma natureza particularmente formal, por maioria de razão o é quando o problema se coloca em termos extraprocessuais, onde aquelas adquirem uma dimensão essencialmente social.
Com efeito, aí, à vítima abstracta, extraída da dogmática penal e processual penal, sucede aquela vítima concreta impregnada de realidade material. A um princípio de economia processual marcado por razões adjectivas e estruturado em torno do interesse do próprio processo, há-de suceder uma exigência de economia processual radicada no interesse daquele lesado concreto, sendo que é nestes lesados e nestas vítimas que deve personificar-se a razão de ser do próprio princípio da celeridade processual.
Aliás, por outras palavras, é isso que afirma Figueiredo Dias quando chama a atenção para a correspondência do processo de adesão 'a uma certa tradição e a um sentimento jurídico já de certo modo ancorado na comunidade' (ob. cit., loc. cit.), prosseguindo asseverando que 'a sua maior vantagem, que o torna um instrumento indispensável em qualquer Estado de direito social dos nossos dias, reside em permitir uma realização mais rápida, mais barata e mais eficaz do direito do lesado à indemnização', concluindo que 'a consagração, em termos aceitáveis, de um processo de adesão contribuirá, pois, para esbater a desproporção económico-social dos contendores e, neste sentido, para assegurar uma real e eficaz protecção a muitas vítimas de uma infracção penal' (idem).
Do mesmo modo, entretanto, pensa Gil Moreira dos Santos quando dá guarida às teses de Figueiredo Dias, que, segundo as suas palavras, 'defendia uma acentuação do carácter social da reparação arbitrada em processo penal, e dando ênfase a razões de economia processual que subjazem à adopção do princípio da adesão, a que acrescem a maior acessibilidade, simplicidade e rapidez do processo penal, menos atreito a tricas processuais, e o facto de os lesados nem sempre terem meios de exigir reparação civil e a maior protecção do dano moral pelo juiz criminal em confronto com o juiz cível' (ob. cit., loc. cit.).
Na mesma linha, entretanto, discorrem Simas Santos e Leal Henriques, elegendo razões de economia processual, de economia de meios e de prestígio institucional para nelas fundarem o princípio da adesão obrigatória (ver nota 6), pensamento que vai encontrar-se, também, em Carlos Lopes do Rego quando, apontando os 'reflexos em cadeia' que o novo regime do processo penal virá a provocar, constata que 'não podendo deixar de ter em conta o carácter social e o interesse público subjacente à reparação dos danos causados à vítima com o facto punível, o legislador terá entendido que se continuava a justificar um empenhamento do Estado na obtenção da indemnização a favor dos lesados'(ver nota 7).
Tudo motivos para confirmarem a orientação de acordo com a qual, uma vez conhecida a causa de pedir, não será a extinção do procedimento criminal que impedirá o prosseguimento do respectivo processo para julgamento do pedido cível correspondente.
Assim, entende, por exemplo, José António Barreiros, exactamente em relação ao arquivamento 'pós-acusatório' que, segundo ele, 'não preclude a regra da adesão obrigatória em favor do pedido separado' (ver nota 8).
E assim nos parece, também a nós, que deve ser.
Na verdade, ao prestígio institucional invocado para prevenir que sejam adoptadas decisões contrárias sobre o mesmo objecto, acresce hoje a exigência de uma resposta pronta e produzida em termos também processualmente inequívocos por parte dos tribunais. E, se assim é, difícil será explicar, nos nossos dias, que estando a correr um processo para julgamento de determinada questão vem ele a ser arquivado, sem mais, permitindo-se ao respectivo lesado, que viu já prescrever o procedimento criminal relativo à conduta que o vitimou, que interponha nova acção, porventura no mesmo tribunal, para obter exactamente o mesmo resultado, que ali lhe foi dito não ser possível realizar!
Não podemos, pois, acolher a tese do acórdão recorrido quando afirma, para antes do julgamento, que 'nestes casos não existem razões de economia processual - pois não há prova a aproveitar para conhecer do fundamento do pedido cível'.
Julgamos constituir esta uma interpretação demasiado restritiva do sentido do princípio da economia processual e, sobretudo, uma sua visão moldada apenas na interioridade do próprio processo, como se aí tivesse nascido para também e só aí se esgotar nos seus objectivos.»
4 - Em posição diametralmente oposta se coloca o recorrido Garcia Gomez (ver nota 9).
Em sua opinião, o artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, contemplando excepções ao princípio da adesão, prevê a possibilidade de o pedido de indemnização civil ser deduzido em separado perante o tribunal civil, quando o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento (ver nota 10). Entende que a lei é clara e inequívoca ao exigir, para o conhecimento do pedido cível, no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que haja sentença, portanto, decisão que conheça, a final, do objecto, opinando que, no caso de o processo penal se extinguir por qualquer causa sem que tenha chegado a haver julgamento, não se verificam razões de economia processual, pois não há prova a aproveitar para conhecer do fundamento do pedido civil, nem há o risco de decisões contraditórias, uma vez que nunca chega a haver julgamento da acção penal.
Invocando os artigos 30.º e 33.º do Código de Processo Penal de 1929 - sendo a redacção deste «A extinção da acção penal antes do julgamento impedirá que o tribunal continue a conhecer da acção de perdas e danos, a qual todavia poderá ser proposta no tribunal civil» - e citando Luís Osório (ver nota 11), remata nos seguintes termos:
«O princípio da adesão sempre teve o aplauso da doutrina portuguesa em geral, apesar de às soluções consagradas no Código de 1929 se terem apontado algumas deficiências. Designadamente, defendeu-se que se deveria alargar o leque das situações em que o lesado poderia optar pela jurisdição civil. Todavia, nunca, que saibamos, foi posta em causa a obrigatoriedade, corolário do princípio da adesão, de recurso a esse meio no caso de extinta a acção penal, pelo menos, quando ocorrida antes do julgamento, isto é, jamais se defendeu que, extinta a acção penal, o processo pudesse prosseguir para conhecimento do pedido cível. [...] O autor do anteprojecto do Código de Processo Penal propôs o alargamento das situações em que o lesado poderia optar pela jurisdição civil, tendo sido acolhidas no artigo 72.º do Código de Processo Penal para além das hipóteses que já constavam do Código de 1929, as outras preconizadas pelo ilustre professor.
O facto de não existir, actualmente, nenhuma disposição idêntica ao citado artigo 33.º, não significa que se possa concluir que se o lesado já tiver deduzido o pedido cível no momento da extinção da acção penal o processo deverá ou pelo menos poderá prosseguir para conhecimento do mesmo.
Desde logo, por força do argumento histórico, porquanto o aludido preceito nunca foi alvo de críticas que justificassem uma mudança de orientação, sendo razoável que, se houvesse intenção de mudar a orientação, o Código de Processo Penal, procedesse a uma regulamentação da matéria, designadamente fixando os termos em que o processo deveria prosseguir.
Por outro lado, refira-se que, apesar de o artigo 72.º referir que 'o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado', tal não significa que seja dada uma opção ao lesado, que lhe permitiria escolher entre a instauração da acção em separado ou o prosseguimento do processo penal com a exclusiva finalidade de apreciação do pedido cível. Esta orientação está patente no acórdão da Relação de Lisboa (ver nota 12), no qual se refere:
"A palavra 'pode', relativamente à alínea b), há-de significar a faculdade, sem alternativa, de o lesado, perante a impossibilidade de obter a indemnização no processo penal, recorrer à acção cível. O mesmo se passa, aliás, no que respeita à alínea e) - que contempla a hipótese de a sentença penal não se ter pronunciado sobre o pedido de indemnização civil nos termos do artigo 82.º, n.º 2 - e aí sem margem para dúvidas".»
Termina preconizando que seja fixada jurisprudência nessa conformidade.
IV - 1 - Passemos em revista a jurisprudência, que nesta matéria, aliás, se mostra escassa.
No sentido do acórdão fundamento:
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 1999, Colectânea de Jurisprudência, ano VII, t. II, p. 222, no qual, após ter sido declarada a extinção do procedimento criminal por via da prescrição, se ordenou se conhecesse do pedido cível formulado pelo Ministério Público em representação do Estado, com a seguinte fundamentação:
«Em primeiro lugar, o pedido de indemnização civil não está exclusivamente dependente 'da apreciação das consequências do processo criminal' e tanto assim que, mesmo no caso de absolvição, há que dar cumprimento ao disposto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal desde que o pedido se revele fundado.
Em segundo lugar, a prescrição do procedimento criminal não prejudica a questão da prescrição do direito a indemnização, que tem de ser alegada e não é de conhecimento oficioso (v. artigos 498.º e 303.º do Código Civil), sendo certo que não se vê dos autos que tenha sido invocada essa prescrição.»
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2001, processo 859/2001, do qual resulta que após o julgamento o Tribunal alterou a qualificação jurídica dos factos de burla agravada para burla simples, declarando prescrito o procedimento criminal.
Todavia, conheceu do pedido cível, condenando o arguido no pedido, ao abrigo do artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mantendo o Supremo Tribunal de Justiça tal condenação.
Neste caso, a decisão é posterior ao julgamento absolutório do arguido.
No sentido do acórdão recorrido:
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2000, processo 211/2000 - 3.ª Secção, do qual se extrai:
«Como já decidiu este Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de Março de 1985 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 345, p. 456), ao preceituar que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, o artigo 128.º do Código Penal de 1982 (correspondente ao actual artigo 129.º) apenas remete para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização. Como resulta do artigo 71.º do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização que adere ao processo penal é apenas o que tem como causa um crime. Se este vem a desapareceu, como, por exemplo, se o ofendido desiste da queixa e o procedimento criminal é, como consequência, julgado extinto - caso dos autos -, então o pedido de indemnização formulado morre também, a não ser que uma lei especial preveja a continuação da acção de indemnização.»
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2001, processo 3988/2000, que, a propósito da questão da admissibilidade de recurso limitado ao pedido cível, fazendo várias considerações acerca do princípio da adesão, remata:
«Em qualquer caso, como resulta da natureza acessória da acção cível enxertada, seja o recurso seja outra qualquer vertente de prosseguimento desta acção, só é possível enquanto sobreviver a instância penal.» Explicita-se, em certo passo, que «as normas relativas ao desenvolvimento da acção cível enxertada, nomeadamente quanto a recursos, têm como pressuposto ou pano de fundo essencial aquela sobrevivência da causa penal. Sob pena de a acção aderente se transformar, contra os conceitos, princípios legais e doutrinais expostos, na acção suporte, o acessório em principal». E mais adiante:
«Ora, transitada em julgado a decisão proferida em julgamento da causa penal, extingue-se a instância respectiva - artigo 287.º, alínea a), do diploma adjectivo subsidiário -, circunstância que torna conceptualmente inconcebível o prosseguimento da causa cível que naquela estava ancorada.
A extinção da primeira arrasta inelutavelmente consigo a da segunda. Sob pena, até, de saírem irremediavelmente comprometidas algumas das vantagens esperadas da unificação das duas causas: celeridade, especialmente na causa penal, e simplificação no tratamento conjunto.»
O Acórdão da Relação do Porto de 16 de Março de 1994 (ver nota 13):
«Declarado extinto o procedimento criminal antes da sentença transitar em julgado, designadamente antes da data do julgamento por morte do arguido, não pode o tribunal criminal conhecer do pedido cível enxertado no processo crime. Em tal caso fica facultado ao lesado o recurso aos meios cíveis.»
2 - Como já se deixou antever, também na doutrina a solução encontrada não é uniforme.
Simas Santos e Leal Henriques (ver nota 14) entendem que nos casos de extinção do procedimento criminal (que pode ocorrer por prescrição, por falecimento do arguido, por amnistia, por renúncia e por desistência da queixa ou da acusação particular ou em caso de revogação da lei que prevê e pune a infracção), «se houver já pedido de indemnização cível formulado, o processo penal continua para conhecimento desse pedido, salvo se os lesados preferirem, entretanto, a via cível autónoma».
Germano Marques da Silva (ver nota 15) escreveu: «ao contrário do que sucedia com o Código de Processo Penal de 1929, mesmo no caso de absolvição pelo crime de que o arguido é acusado, o tribunal condena o arguido em indemnização civil, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (artigos 84.º e 377.º), o que revela a autonomia da responsabilidade civil e da responsabilidade criminal.
Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo. A razão da condenação em indemnização civil mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal é ainda determinada por razões de economia processual.
A obrigação de indemnizar pode emergir do crime, mas podem também os factos objecto da acusação não constituírem crime, mas serem geradores de responsabilidade civil ou de responsabilidade pelo risco, nos termos da lei civil (artigos 483.º e seguintes e 499.º e seguintes do Código Civil). Por isso que o artigo 377.º), disponha que a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado.
O tribunal conhece necessariamente dos factos da acusação crime e, por isso, razões de economia processual aconselham a que mesmo no caso de absolvição pelo crime o tribunal deve condenar o arguido e ou os responsáveis meramente civis que tenham sido demandados ou intervindo voluntariamente no processo, quando verificar que aqueles mesmos factos são geradores de responsabilidade civil ou fundada no risco». Poderá dizer-se, porém, que esta posição incide, predominante ou exclusivamente, sobre a situação em que existe julgamento final.
Elementos de relevo se recolhem da extensa monografia de Jorge Leite Ribeiro de Faria (ver nota 16), posto que elaborada quando em vigor o Código de Processo Penal de 1929.
Defende a opinião de que «a ilicitude civil, mesmo quando conexa com a ilicitude criminal, não perde a sua natureza fundamentalmente privada [...] não participa da estrutura e dimensão penais [...] devendo haver um ajustamento de formalidades à particular fisionomia do objecto acessório» (p. 55). A problemática está em saber «o quanto, a medida, da coexistência de princípios de processo penal e outros, que, por terem o assento próprio no domínio do processo civil, são inteiramente estranhos aos primeiros».
Posto que os fins do processo de adesão sejam fins penais (p. 118), o que sobreleva não são os danos causados pelo crime mas os danos provenientes da violação de um interesse civilmente relevante (p. 80).
Enfatizando também como um dos fundamentos da adesão a economia processual, diz-se: «se todo o processo é ou constitui um mal tanto para o ofendido como para o autor e para o Estado, esse mal agudiza-se quando por via da mesma fonte (ainda que naturalisticamente entendida) são propostos ou têm lugar dois procedimentos judiciais». Não é preciso dar tratos ao pensamento para concluir que «é exigido trabalho a mais juízes e escrivães, se aumentam consideravelmente as despesas, se abusa em desmedida forma do tempo e das disponibilidades não só do lesado como de outros eventuais intervenientes processuais» (p. 121).
Indicando outra mancha de fins ou objectivos para o sistema da adesão, salienta: a uniformização de julgados; a «rapidez da decisão sobre a reparação devida pelo crime quando em confronto com o puro processo civil»; a cooperação dada em função ou por força de interesses privados, ao processo penal; a finalidade penal atribuída ao processo de adesão (p. 125).
Atenta a unidade física do autor de ambas as ilicitudes (penal e civil), a reparação, embora de natureza civil, pode ser usada na potencialização das próprias finalidades penais, sem que o processo deixe de manter «uma individualidade específica».
Sendo mais simples (o processo penal) que o comum processo civil, contém uma ideia de preferência, dando, por essa mesma razão «uma especial protecção do lesado-ofendido» (p. 131). E sem essa simplificação não há economia, não há benefício para o ofendido, não há incentivo para o uso da adesão penal.
Não obstante se anotar que o princípio dispositivo, pelo menos em parte, tem lugar no processo de adesão: «ao lesado é que cabe dizer, e sempre, se há ou não há processo de adesão» (p. 218).
Amparado na autonomia, aí vai buscar fundamento para a continuação da acção civil para além do termo do processo penal (p. 331). Ainda porque, com esse desligamento, se realiza economia de processo.
Todavia, em termos que agora estão no centro da nossa temática, refere:
«Mas o que é muito importante que seja dito [...] é que a ideia de autonomizar o processo de adesão em face do processo penal só tem aplicação, nos moldes em que a pensamos e definimos, se está decurso um largo caminho deste último processo. Insistimos que só com a sentença ou a partir dela, isto é, em plano de recurso adesivo ou conjunto. É que sendo a razão primeira dessa autonomia uma de economia processual, só a partir daí (dos momentos processuais referidos) esta se poderá considerar indiscutivelmente existente e realizada» (p. 333).
De qualquer modo, uma ideia se repete, os fins da utilidade são indissociáveis do processo de adesão, sem postergar para secundário plano os interesses próprios do processo penal (p. 388).
V - Decidindo. - 1 - Convirá começar por clarificar os invocados (embora haja outros, como vimos) fundamentos para o princípio da adesão, expressos de vários lados, isto é, a economia e celeridade processual e o desiderato de não prolação de decisões contraditórias.
1.1 - A economia processual, se bem que reclamada nos dois acórdãos em conflito, é afastada no acórdão recorrido por se entender que tem como pressuposto já se ter realizado a audiência de discussão e julgamento. Se ainda se não atingiu essa fase, nada se «economiza», passe a expressão, «pois não há prova a aproveitar para conhecer do fundamento do pedido civil», pelo que os interessados são remetidos para o exterior do processo penal.
Esta posição vimos ser também a defendida por Ribeiro de Faria, embora sem uma concreta fundamentação (no excerto transcrito).
Não cremos, porém, que ao conceito de economia processual deva aplicar-se a visão redutora de estar ou não recolhida a prova em audiência de discussão e julgamento.
Como bem anota o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, é demasiado estreita a visão intraprocessual, uma vez que não pode deixar de se olhar à exigência de economia processual radicada no interesse do «lesado concreto, sendo que é nestes lesados e nestas vítimas que deve personificar-se a razão de ser do próprio princípio da celeridade processual».
Na verdade - acrescentaremos -, a formulação do pedido de indemnização civil implicou evidentemente um conjunto de actos materiais prévios por parte do lesado, entre os quais, a procura de patrocínio de advogado (exigido na maioria dos casos), a indicação de elementos de prova, depois a entrega do requerimento e o acompanhamento dos autos, a contestação do demandado, para depois se entrar no saneamento do processo e designação de data para julgamento - artigos 76.º (ver nota 17) a 79.º, 311.º e 312.º do Código de Processo Penal. Pode ter sido ordenada a produção de prova pericial, a junção de documentos pelo lesado e a audição para memória futura (artigos 271.º e 294.º).
Portanto, não é apenas a produção de prova que está em causa, mas o conjunto da actividade processual a que se fez referência.
1.2 - A propósito da não contradição de julgados, todos estão de acordo em que constitui um resultado a evitar. Algo de semelhante se dirá, embora de menor gravidade, para a reprodução de uma decisão anterior.
A contradição tanto se evita com o sistema da adesão como com o da separação.
Porém, ela pode surgir consoante o valor que for atribuído ao caso julgado penal quanto à matéria cível. Se o lesado, após decisão civil absolutória proferida no processo penal, ainda tiver o direito de discutir a causa no tribunal civil, então podem produzir-se decisões contraditórias.
De acordo com o disposto no artigo 84.º do Código de Processo Penal «a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis».
Por seu turno, o artigo 674.º-B do Código de Processo Civil, sobre a «Eficácia da decisão penal absolutória (ver nota 18), refere-se à decisão absolutória por não prática dos factos imputados, como presunção legal de inexistência, ilidível mediante prova em contrário.
Não é esta a situação dos autos, já que o procedimento criminal se extinguiu por prescrição, consequência jurídica que é, neste domínio processual, de conhecimento oficioso.
Mas se a absolvição por não prática dos factos constitui mera presunção de inexistência destes, por maioria de razão a simples actuação da prescrição transportará ainda uma eficácia e menor relevo da decisão penal, em qualquer acção de natureza civil.
Seja como seja, não se vê, no entanto, onde estará uma diferença saliente, nesta especial incidência do caso julgado, entre uma decisão proferida antes do julgamento ou após o julgamento em processo crime, já que a extinção da acção penal por prescrição pode igualmente ocorrer após o julgamento.
Serve isto para concluir que o argumento da disparidade de julgados não é determinante para a solução a que haja de se chegar.
2 - O que se adiantou sobre o fundamento da economia processual e a irrelevância da eventual contradição de julgados, neste ponto, já deixa antever que nos inclinamos para a tese do acórdão fundamento, isto é, do prosseguimento do processo, salvo se outra for a vontade do lesado.
A solução que atenda ao aproveitamento máximo dos actos acima discriminados, no seu relevo material e processual, será a que promove uma realização mais célere, menos onerosa e mais eficaz do direito do lesado à indemnização, assegurando, como já se referiu, uma protecção mais eficiente a muitas das vítimas de uma infracção penal. A nova percepção dos interesses da vítima, designadamente com o nascimento de um novo ramo da criminologia - a vitimologia -, tem conduzido os legisladores a reforçar a sua participação no processo penal e a facilitar a indemnização dos danos sofridos (ver nota 19).
Salvo por uma vantagem significativa proveniente do processo em separado, que não se vê, o princípio da economia processual tem, a nosso ver, pleno cabimento não apenas quando já ocorreu o julgamento em processo crime como também a partir da dedução do pedido de indemnização civil.
Por outro lado, se houvesse que propor a acção no tribunal civil, não poderia desvalorizar-se a actividade de repetição do cumprimento da maior parte dos actos atrás referidos e especialmente o decurso do tempo. E também sem esquecer o que vai de dispêndio em diligências e comunicações quer das partes quer do próprio Estado, através do Tribunal, ainda que circunscrito ao pedido cível.
2.1 - Pormenorizemos o restante dos argumentos, ao mesmo tempo que procuraremos refutar os adversos.
A tese antagónica - diz-se - beneficia do apoio inequívoco do elemento gramatical ou literal, na medida em que, consagrando o artigo 71.º do Código de Processo Penal, como regra, o princípio da adesão, a impor a dedução do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime no processo penal respectivo, admite-o em separado, de forma excepcional, perante o tribunal civil, nos casos elencados no artigo 72.º seguinte, onde se destaca expressamente a alínea b) do seu n.º 1, já acima transcrito - se «o processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento».
O sistema articular-se-ia com o disposto no artigo 377.º, n.º 1, do mesmo Código, ao admitir (impor) a condenação do arguido, no caso de sentença absolutória, no pagamento de indemnização civil, sempre que o respectivo pedido se revelar fundado. Se tivesse havido sentença (leia-se decisão judicial), poderia ser determinado o pagamento de indemnização civil; se o processo penal terminasse antes, poderia haver acção cível em separado.
Afigura-se-nos que esta avaliação não resiste a um olhar mais aprofundado dos textos em causa.
Todos concordam que o princípio-regra é o da adesão do pedido de indemnização civil ao processo criminal e a doutrina adianta várias razões nesse sentido, que agora não temos de repetir (ver nota 20). Sendo pluriofensiva a ilicitude penal, está em causa, por parte do Estado, o apuramento da responsabilidade penal do arguido e o exercício do jus puniendi, e, por parte do lesado, a aplicação da sanção civil.
Existem, porém, excepções, é verdade.
Mas se bem repararmos, essas excepções funcionam em favor do lesado. Basta atentar, principalmente, nas alíneas a), c), d), g), h) e i) do n.º 1 do citado artigo 72.º
Além disso, o frontispício do preceito - «o pedido [...] pode ser deduzido» - aponta para uma faculdade/possibilidade que é deixada ao seu critério (não parece ajustado falar numa faculdade [...] que transformamos em obrigação).
Se é assim, por que não entender que também a alínea b) só confere ao lesado a possibilidade de acção civil em separado, se a indemnização não tiver sido arbitrada ou não tiver havido prosseguimento do processo penal para esse efeito?
No que respeita ao regime do citado artigo 377.º, é clara a sua razão de ser, como decorre do já referido - o aproveitamento de toda a actividade processual realizada, os ganhos de tempo, o não agravamento das despesas e incómodos havidos pelos intervenientes, a começar pela vítima -, mas isso não tolhe que situações de aparente menor gravidade não mereçam o mesmo tratamento, desde que não haja diferente pedido do lesado (ver nota 21).
Raciocinar aqui a contrario sensu seria confirmar a falibilidade do argumento.
Por conseguinte, a letra da lei não fornece elemento de interpretação decisivo no sentido da opinião contrária.
Ao invés, o que dela releva é um forte apoio ao interesse da vítima ou do lesado, numa conjuntura em que se vai despertando, cada vez com mais entusiasmo, para essa vertente do crime, muitas vezes esquecida (ver nota 22). E sendo assim, atender à sua própria vontade ao dizer qual a actividade processual que se lhe mostra mais conveniente para ver apreciado o pedido de indemnização consiste em ir ao encontro desses mesmos interesses, o que só não seria admissível se razões de natureza pública se perfilassem em direcção diferente.
2.2 - Extinto o procedimento criminal, estabilizado o processo com o despacho que recebeu a acusação, o destino do pedido de indemnização civil não pode ser outro que não a sua consequente extinção - diz-se ainda por banda da tese oposta.
O que resta demonstrar.
Perante o elemento literal não decisivo há que prosseguir pela hermenêutica em busca da melhor solução, sendo que a teleologia das normas e a unidade do sistema jurídico continuam a situar-se no centro decisório.
Para além da letra e da linguística, Castanheira Neves (ver nota 23) insiste na teleologia e nos factores metatextuais de sentido prático-institucional e normativo.
Citando (ver nota 24) Dworkin para quem «law is an interpretative concept», não há apenas que explicar mas que argumentar. Não ao subjectivismo, sim à realização de objectivos. Não será tanto a intenção dos responsáveis políticos, legisladores ou outros que fundamentalmente importa, mas antes a «conception of the integrity and coherence of law as institution». A concepção do direito hoje prevalente será a que se refere aos «direitos» e aos seus «princípios» com «uma fundamental dimensão ético-jurídica (político-moral ou de 'political morality')».
Na prática jurisprudencial deve procurar-se uma justificação normativa, segundo determinados princípios em que se exprimem os direitos.
E daí que a ratio juris devesse transcender a própria ratio legis.
Mas para aquele autor é mediante a «decisão judicativa de sentido essencialmente normativo-jurídico, na sua intencionalidade e no seu modus constitutivo, que sabemos operar a concreta realização do direito (ver nota 25).
Vem isto a propósito do destaque a conceder aos elementos que apontem para o fundamento da solução, determinada mais pela razão substancial que pela razão formal.
O «direito moderno encontra-se dependente de princípios» e a positivação do direito precisa de ser fundamentada. A interpretação terá de conformar-se não apenas com as fontes de produção jurídica mas também com os princípios éticos da justiça, como obra de um único autor, a comunidade jurídica personificada, exprimindo uma concepção coerente e racional da justiça e da equidade. Construir um autêntico direito do caso. Este «direito dos juízes» deriva a sua autoridade e independência do método científico da fundamentação (ver nota 26).
Ora, neste contexto, a solução que melhor responde aos interesses aqui prevalentes, os dos lesados, melhor se conforma com a economia e celeridade processuais, com a ideia de justiça e equidade, é sem dúvida a que permite o prosseguimento do processo.
E nem se diga, por outro lado, que solução contrária é a mais plausível porque coloca em igual situação os lesados, independentemente da natureza da ilicitude.
Não obstante a lei e a doutrina apontarem para que a ilicitude civil mesmo quando conexa com a ilicitude criminal não perde a sua natureza fundamentalmente privada, o paralelismo não pode ir ao ponto de esquecer a intensidade da violação e o consequente dano que normalmente anda associado à ilicitude penal, a exigir uma reacção que a tenha em conta, ao menos em termos de tempo, na reposição que vem da indemnização.
O jurisconsulto do século XVI, Julius Clarus (ver nota 27) já dizia: «Maior enim et dignior est causa criminalis, quam civilis, et ubi una causa est maior altera, non possunt duae actiones simul cumular».
Acentuam-se hoje as virtualidades da autonomia do processo penal, com mais poderes de investigação e por isso com crescentes possibilidades de atingir a verdade material.
Sendo mais simples que o comum processo civil, contém uma ideia de preferência, dando, por essa mesma razão, «uma especial protecção do lesado ofendido» (ver nota 28). E «sem essa simplificação não há economia, não há benefício para o ofendido, não há incentivo para o uso da adesão penal».
Isto não impede que o princípio dispositivo, pelo menos em parte, tenha lugar no processo de adesão, pois que, «ao lesado é que cabe dizer, e sempre, se há ou não há processo de adesão».
Salienta Figueiredo Dias (ver nota 29) que a despeito de a adesão ser em princípio obrigatória (agora com mais excepções no novo Código de Processo Penal) e ainda que as partes devam ser «consideradas sujeitos do processo penal num sentido eminentemente formal, já de um ponto de vista material são sujeitos da acção civil que adere ao processo penal e que como acção civil permanece até ao fim».
No direito italiano (ver nota 30), onde o princípio da adesão consagrado no Código de Processo Penal de 1988 e menos incisivo do que entre nós, reconhece-se que os poderes atribuídos à pessoa ofendida, de «adesão» à actividade do Ministério Público ou de «controlo» da mesma, «uma espécie de contributo para o exercício ou prosseguimento da acção penal», constituem pressuposto da escolha da sede onde quer fazer valer a pretensão civil (ver nota 31).
O Tribunal Constitucional (ver nota 32), pronunciando-se sobre o disposto no artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, em termos de avaliar da constitucionalidade ou não do regime do processo penal comparado com o do processo civil, ao suscitar-se a disparidade de recursos relativamente ao pedido cível formulado num e noutro caso, afirmou a justificação da desigualdade, e salientou: «é a existência de uma profunda conexão entre os dois ilícitos resultante da unidade do facto gerador, tanto da responsabilidade civil como da criminal, que justifica a apreciação no mesmo processo da questão criminal e da questão civil. Assim, o julgamento em processo penal do pedido de indemnização civil tem de implicar que se apliquem a este pedido as regras do processo penal quanto ao recurso, para que o sistema seja dotado de coerência e de racionalidade».
2.3 - Diz-se, ainda, que só em face do entendimento contrário, isto é, que o pedido de indemnização seria deduzido no processo civil, se compreende que o legislador tenha tido necessidade, nas Leis de Clemência, n.os 23/91, de 4 de Julho, 15/94, de 11 de Maio, e 29/99, de 12 de Maio, nos seus artigos 11.º, 7.º e 12.º, respectivamente, de admitir a possibilidade de o lesado, uma vez extinta a acção penal, requerer o prosseguimento do processo apenas para apreciação do pedido civil, com aproveitamento da prova indicada.
O argumento é reversível: para a extinção do procedimento criminal por amnistia, o legislador regulou as condições em que o processo penal pode prosseguir apenas para apreciação da responsabilidade civil. Tal não significa que em casos semelhantes essa possibilidade não exista e que essa regulamentação não deva mesmo ser usada na integração de eventuais lacunas. Se atentarmos na regulação das intervenções previstas nos diversos números desses artigos, constatamos as seguintes distinções:
Assistente que à data da entrada em vigor da lei tenha sido notificado e esteja em prazo para deduzir pedido de indemnização cível - pode fazê-lo, oferecendo prova nos termos do processo declarativo sumário;
Lesado não constituído assistente ou assistente ainda não notificado para deduzir pedido cível - sê-lo-á, para, querendo, em 10 dias, deduzir o pedido cível, sob pena de o dever fazer em separado no foro cível;
Lesado que já haja deduzido pedido - pode, no prazo de 10 dias contados da notificação que para tanto lhe deve ser feita, requerer o prosseguimento do processo, apenas para apreciação do mesmo pedido, com aproveitamento implícito da prova indicada para efeitos penais;
O mesmo procedimento que o acabado de descrever para os processos com despacho de pronúncia ou de designação de dia para julgamento - requerimento para prosseguimento, apenas para fixação da indemnização cível, com aproveitamento implícito da prova indicada para efeitos penais.
Para o caso de acções cíveis interpostas em separado, todos aqueles diplomas de medidas de clemência prevêem ainda a possibilidade de ser solicitada a apensação do processo crime em que foi determinada a extinção do procedimento criminal ou certidão de peças do mesmo, por razões probatórias.
Mas sendo assim, da regulação prevista em tais leis se recolhe a demonstração da completa falência do argumento principal em que assenta a tese oposta, isto é, se ainda não se realizou a audiência de julgamento e a prova não foi produzida, não vale a razão da economia processual. O que vem afirmar-se em tais diplomas - não é arrojado dizer, que no propósito de acautelar os interesses dos lesados - é exactamente que também aí vale a economia processual, isto é, o aproveitamento da actividade processual desenvolvida, nomeadamente a probatória, desde as fases mais prematuras da apresentação do pedido cível.
Uma nota final: se o lesado intentar ou pretender intentar, como constitui sua faculdade, acção cível em separado, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, não tem mais que vir ao processo penal requerer o seu não prosseguimento já que, nesta matéria, o impulso ou contra-impulso a si pertence.
VI - De harmonia com o exposto, acordam os juízes que compõem o pleno das secções criminais deste Supremo Tribunal de Justiça no seguinte:
Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;
Em consequência, revogar o Acórdão recorrido de 18 de Outubro de 2000, proferido nos autos de recurso penal n.º 6727/2000 - 3.ª Secção, da Relação de Lisboa;
Fixar, nos termos do artigo 445.º do Código de Processo Penal, a seguinte jurisprudência:
Extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o artigo 311.º do Código de Processo Penal mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste.
Dê-se observância ao disposto no artigo 444.º do Código de Processo Penal.
Não é devida tributação.
Honorários à Exma. Defensora Oficiosa: os fixados na lei, a suportar pelo CGT.
(nota 1) Publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, 1998, t. I, p. 50.
(nota 2) A redacção anterior era a seguinte:
«1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada.
2 - Fora dos casos previstos no número anterior, o pedido é deduzido, em requerimento articulado, até cinco dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de pronúncia ou, se o não houver, o despacho que designa dia para a audiência.
3 - O pedido de indemnização civil é acompanhado de duplicados para os demandados e a secretaria.»
(nota 3) Cita em abono Costa Pimenta, in Código de Processo Penal Anotado, 2.ª ed., p. 239, e Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho, Código de Processo Penal Anotado, edição de 1996, vol. I, p. 341.
(nota 4) Invoca Maia Gonçalves, em nota ao artigo 72.º do Código de Processo Penal (1999, p. 220) - a alínea b) aplica-se a todos os casos de extinção do procedimento criminal antes de a sentença transitar em julgado, quaisquer que sejam, e ainda no caso de o processo ficar provisoriamente suspenso nos termos do artigo 281.º
(nota 5) V. por exemplo, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º vol., Coimbra Editora, p. 562; José António Barreiros, Processo Penal, Almedina, Coimbra, pp. 507 e segs.; José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª ed., Rei dos Livros, pp. 235 e segs.; e Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal, O Oiro do Dia, Porto, p. 133.
(nota 6) Código de Processo Penal Anotado, vol. I, 1999, p. 380.
(nota 7) «As partes civis e o pedido de indemnização deduzido no processo penal», Revista do Ministério Público, Cadernos, 4, p. 62.
(nota 8) Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, II, p. 332.
(nota 9) Logo a começar, o recorrido apela para o pensamento de Vaz Serra (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 91, p. 156), que na sua habitual profundidade dizia:
«A doutrina, segundo a qual a responsabilidade civil emergente de crimes deve ou pode ser exercida no processo criminal, funda-se em que:
a) A acumulação tem a vantagem da economia processual;
b) A indeminização serve como adjuvante da pena criminal;
c) A parte lesada, intervindo no processo penal, pode auxiliar a acção do tribunal criminal;
d) O juiz civil não está muitas vezes em tão boas condições para avaliar o dano moral como o juiz criminal, perante o qual o delito aparece com toda a sua veemência;
e) Muitos lesados não têm meios para demandar a indemnização no juízo civil;
f) O processo criminal é simples, rápido e mais inacessível a tricas forenses.»
(nota 10) Cita, a propósito, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 2001, pp. 231 e 720.
(nota 11) Comentário ao Código de Processo Penal, vol. I, p. 331.
(nota 12) De 13 de Abril de 1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, 1999, t. II, p. 149.
(nota 13) Publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XIX, t. II, p. 220.
(nota 14) Loc. cit., pp. 340 e 341.
(nota 15) Curso de Processo Penal, 2000, vol. I, p. 128.
(nota 16) «Indemnização por perdas e danos arbitrada em processo penal - O chamado processo de adesão», Almedina, Coimbra, 1978.
(nota 17) Repare-se que os demandados e intervenientes devem fazer-se também representar por advogado.
(nota 18) No seu texto completo:
«1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.»
(nota 19) Sintomaticamente é a tendência no seio da União Europeia - cf. a Decisão Quadro do Conselho de 15 de Março de 2001 (2001-220/JAI), relativa ao estatuto da vítima em processo penal. Diz o seu artigo 9.º:
«1 - Cada Estado-Membro assegura às vítimas de infracção penal o direito de obter uma decisão, dentro de um prazo razoável, sobre a indemnização pelo autor da infracção no âmbito do processo penal, salvo se a lei nacional prever que, em relação a determinados casos, a indemnização será efectuada noutro âmbito.»
(nota 20) Para além do que anotava Vaz Serra, podem ver-se desenvolvimentos sobre o fundamento da acção civil no processo crime, em Paolo della Sala, «Natura giuridica della azione civile nel processo penale e conseguenze sul danno», in Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Julho-Setembro, 1989, pp. 1081 a 1095.
(nota 21) Na posição que seguimos não se antolha qualquer choque com a doutrina do Assento 7/99, de 17 de Junho, inserto no Diário da República, 1.ª série-A, de 3 de Agosto de 1999, onde se diz:
«Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.»
Aliás, também aí se conclui que:
«1.ª No nosso direito positivo, a questão da indemnização a fixar pela prática de um crime consiste no sistema da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, com algumas excepções expressas na lei (artigos 71.º e 72.º do Código Penal);
2.ª Em face do artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, verifica-se a autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal, mas isso não impede que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o Tribunal conheça da responsabilidade civil, mas que tem necessariamente a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal.»
Cf., embora em escassa conexão com a matéria, o Assento 5/2000, de 19 de Janeiro, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 2 de Março de 2000.
(nota 22) Manifestação desse movimento de protecção às vítimas, especialmente de crimes graves e quando a indemnização não pode ser satisfeita pelo agente, constitui o Decreto-Lei 423/91, de 30 de Outubro, e a Lei 10/96, de 23 de Março, na sequência do disposto no (actual) artigo 130.º do Código Penal.
(nota 23) «O actual problema metodológico da interpretação jurídica», Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132.º, n.os 3905 e 3906, pp. 226 e segs.
(nota 24) Na mesma Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3911, Junho-Julho de 2000, pp. 12 e segs.
(nota 25) Ibidem, n.º 3918, p. 260.
(nota 26) Cristina Queiroz - Interpretação Constitucional e Poder Judicial - Sobre a Epistemologia da Construção Constitucional, Coimbra Editora, 2000, p. 329.
(nota 27) Apud Paolo della Sala, loc. cit., p. 1079.
(nota 28) Ribeiro Faria, op. cit., pp. 131 e 218.
(nota 29) «Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1988, p. 15.
(nota 30) Cf. artigos 74.º a 95.º, 427.º, 538.º a 542, 578.º, 651.º, 652.º e 654.º do Códice di Procedura Penale, aprovado em 22 de Setembro de 1988.
(nota 31) Ibidem, Paolo Della Sala, p. 1111.
(nota 32) Acórdão 320/2001/TC, de 4 de Julho de 2001, inserto no Diário da República, 2.ª série, de 7 de Novembro de 2001.
17 de Janeiro de 2002. - António Gomes Lourenço Martins (relator) - Florindo Pires Salpico - Manuel de Oliveira Leal Henriques - António Luís Sequeira Oliveira Guimarães - Dionísio Manuel Dinis Alves - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira (vencido conforme declaração de voto que junto) - Manuel José Carrilho de Simas Santos - David Valente Borges de Pinho - José Marcelino Franco de Sá - José António Dias Bravo - Armando Acácio Gomes Leandro - Virgílio António da Fonseca Oliveira - Luís Flores Ribeiro - António Correia de Abranches Martins - Hugo Afonso dos Santos Lopes (vencido conforme declaração que junto) - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira (vencido por concordar com as declarações de voto dos Exmos. Conselheiros Pereira Madeira e Hugo Lopes).
Declaração de voto
Sendo indiscutíveis o brilho e a valia jurídica da tese que fez vencimento, votei, não obstante, pela confirmação do acórdão recorrido, não apenas em coerência com os fundamentos expressos no Acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Fevereiro de 2001, proferido no processo 3988/2000, que relatei, por vencimento, e que, embora não visando, explicitamente, resolver a questão ora em causa, é indicado no texto como sendo tirado no sentido daquele acórdão impugnado.
Sem enjeitar a tese nele perfilhada, cujos fundamentos me escuso, porém, de aqui repetir, e que, em suma, comungam, ao que julgo, do entendimento de Ribeiro de Faria, sobre o alcance processual do princípio de adesão, apenas acrescentarei estas observações sumárias.
A primeira, para afirmar que, contra o que parece postulado no texto que, doutamente, fez vencimento, também no modesto entendimento que perfilho está presente, não, apenas e só, a consideração de um qualquer formalismo processual estéril e considerado a se, olhado de dentro, antes, também, e acima de tudo, uma indeclinável preocupação com a «realidade material» de que fala o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, só que, agora, mais orientada para a vertente criminal da causa.
Com efeito, se, como no caso, o procedimento criminal é declarado extinto por prescrição, o fundamento substantivo desse resultado não prescinde de uma consideração de presumida pacificação social, ante o que o Prof. Figueiredo Dias considera ser a «estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas» pelo decurso do tempo, então, há que fazer com que, pela via processual, se não minem aqueles objectivos substantivos supostos no instituto prescricional.
Ora, salvo o devido respeito, a tese que fez vencimento, fazendo prosseguir (o mesmo) processo, no mesmo tribunal, com os mesmos envolvidos, irá, a meu ver, contrariar ou, pelo menos, dificultar as finalidades de tal instituto ao supor, sem a necessária dose de realismo, que aqueles se apercebem da mudança radical que, de um momento para o outro, a natureza do procedimento sofreu, isto é, o olvidar da etiqueta criminal e toda a carga sociológica associada, com que o processo nasceu para, doravante, passar a sobreviver como inócuo (do ponto de vista criminal, já se vê) processo cível.
A segunda, para afirmar que a tese que ora fica vencida não prejudica, necessariamente, uma adequada compreensão do princípio da economia processual, mormente na vertente de salvaguarda das provas já produzidas. Ponto é que haja regulamentação processual em consonância, que permita o uso do que, nesse campo, foi já adquirido no processo criminal arquivado, nomeadamente para fins de eventual prosseguimento da acção cível no tribunal correspondente.
Finalmente, expressar que, como não podia deixar de ser, também para a tese que defendo, os interesses da vítima não são de consideração indiferente.
Apenas me parece que essa consideração está positivada, em termos de processo penal, até onde o legislador o julgou ser, por ora, admissível.
Pois, se fosse sua intenção ir mais longe, decerto não teria perdido a oportunidade para o fazer, mormente aquando da introdução da reforma assumida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, nomeadamente em clara consideração desses interesses vitimológicos, como é documentado com a importante inovação que o artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, nesse domínio, passou a representar.
Para além de que, a solução que fez vencimento deixa, a meu ver, em aberto algumas questões processuais importantes, nomeadamente do ponto de vista do novo estatuto processual das partes, como, por exemplo, esta: se o processo sobrevive, no mesmo tribunal (criminal), com as mesmas pessoas, qual agora o real estatuto do arguido? Pode recusar-se, como antes, a prestar declarações, sem que isso o possa prejudicar, ou, ao invés, passa a ter de sujeitar-se às consequências processuais civis previstas para uma tal recusa?
Enfim, concluindo: se a solução vencedora não deixa de me oferecer algumas dúvidas jure condendo, estas mais se densificam, se encarada aquela pelo prisma do direito constituído.
Estas, em suma, as razões do meu voto discordante. - António Pereira Madeira.
Declaração de voto
No projecto que elaborei defendi posição contrária à que fez vencimento.
E, apesar do respeito que esta me merece, continuo a entender ser aquela a mais correcta.
Antes de mais porque tem consigo um inequívoco apoio na letra da lei, quando no artigo 71.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da adesão, a impor a dedução do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime no processo penal respectivo, só o admitindo em separado, perante o tribunal civil, nos casos legalmente previstos, e no seguinte artigo 72.º, que elenca os casos em que aquele pedido pode ser deduzido em separado perante o tribunal civil, prevê como excepção a tal princípio, na alínea b) do seu n.º 1, ter o processo penal sido arquivado ou suspenso provisoriamente ou o procedimento se haver extinguido antes do julgamento. E ainda quando no artigo 377.º, n.º 1, do mesmo Código admite a condenação do arguido, no caso de sentença absolutória, no pagamento de indemnização civil, sempre que o respectivo pedido se revelar fundado.
Depois, porque é a solução que, no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, coloca em igual situação os lesados, independentemente da natureza da ilicitude.
Por último, porque na fase processual a que há que atender no caso considerado nos autos, ainda não foi produzida prova a produzir em audiência de julgamento, o que é de molde a arredar as vantagens de celeridade processual invocadas pelos defensores da posição contrária.
Extinto o procedimento criminal estabilizado com o despacho que recebeu a acusação, o destino do pedido de indemnização civil não pode ser outro que não a sua consequente extinção.
Aliás, só face ao entendimento que defendemos se compreende que o legislador tenha tido necessidade de nas Leis 23/91, de 4 de Julho, 15/94, de 11 de Maio e 29/99, de 12 de Maio, nos seus artigos, respectivamente, 12.º, n.º 3, 7.º, n.º 4, e 11.º n.º 4, admitir a possibilidade de quem deduziu pedido de indemnização civil requerer o prosseguimento do processo, apenas para apreciação do mesmo pedido, «com aproveitamento implícito da prova indicada para efeitos penais».
Acresce que os recursos para fixação de jurisprudência têm por finalidade pôr termo a situações de conflito de interpretação da lei, não podendo de modo nenhum servir para criar soluções jurídicas novas, ou seja, para criar lei, o que constituiria injustificada intromissão na área do poder legislativo.
A bondade de uma solução de jure constituendo não justifica que se adopte como de jure constituto.
Daí o defender que a jurisprudência a fixar fosse:
«A declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição, já após a prolação do despacho a que se refere o artigo 311.º do Código de Processo Penal, mas antes da realização da audiência de julgamento, obsta a que o processo prossiga para conhecer do pedido civil deduzido com a acusação.» - Hugo Afonso dos Santos Lopes.