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Acórdão 652/2005/T, de 5 de Janeiro

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Texto do documento

Acórdão 652/2005/T. Const. - Processo 1094/2004. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida GOLDTUR - Hotéis e Turismo, S. A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto de 15 de Abril de 2004. Considerou-se nesta sentença que a "taxa de salubridade", prevista no artigo 7.º do regulamento de saneamento básico da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, é ilegal e inconstitucional, pelo que viola o princípio da legalidade tributária previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 8.º da lei geral tributária.

2 - A recorrida impugnou judicialmente as liquidações e cobranças de taxa de salubridade efectuadas em 30 de Setembro de 2002 pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, sustentando, desde logo, a inconstitucionalidade do tributo, uma vez que, por falta de sinalagma, aquele deixa de se configurar como taxa e assume contornos de verdadeiro imposto. Foi julgada procedente a impugnação, mediante sentença que, quanto à questão de inconstitucionalidade, se pronunciou pela forma seguinte:

"No caso sub judice importa agora analisar a 'taxa de salubridade' liquidada e aqui impugnada, no sentido de apurar qual o serviço público individualizado a que a ela corresponde.

No artigo 7.º, n.º 2, o regulamento de saneamento básico da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim diz que 'a tarifa de salubridade consubstancia a comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas, correspondente aos encargos da sua disponibilidade e utilização'.

A tarifa a que se refere este artigo serve para custear a exploração e conservação dos sistemas, quais sistemas? E correspondente ao encargo da sua disponibilidade e conservação. 'Sua' de quem? Qual?

Não é do saneamento, nem de abastecimento de águas, nem de lixos, nem se refere a ramais de saneamento específicos, nem à drenagem de esgotos, nem à recolha de resíduos sólidos, nem à aferição de contador, nem à limpeza de fossas, nem à desobstrução de colectores, nem à desinfecção de cisterna, nem a vistorias, pois embora tudo isto faça parte da manutenção e conservação do saneamento básico, tem as suas tarifas próprias, fls. 30, 31 e 32 dos autos.

Então qual é de facto a contrapartida pela taxa/tarifa de salubridade?

Invoca a Câmara na sua contestação que a norma se refere ao funcionamento dos sistemas de distribuição pública e predial de água e de drenagem pública e predial de águas residuais, visando a tarifa de salubridade compensar a autarquia dos encargos decorrentes do facto de o sistema de saneamento básico se encontrar permanentemente em funcionamento e apto a ser utilizado. Ao que parece não se trata de um serviço semipúblico individualizado e concreto, o qual permita saber quem particularmente o pretende utilizar ou utiliza e como tal tornar o seu uso dependente do pagamento de uma determinada quantia.

A existência de uma rede de pública de distribuição e drenagem de água é um bem público e que satisfaz necessidades colectivas, indivisíveis, sendo por isso impossível atribuir, num determinado momento, o seu uso a um sujeito passivo individualizado e concreto.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão 26 472 refere-se a este assunto na análise de uma tarifa de conservação de esgotos liquidada aos proprietários dos imóveis prevista no regulamento de canalizações e esgotos de Lisboa dizendo: 'o tributo em causa deve, assim, qualificar-se como taxa, dada a contrapartida directa do serviço prestado pelo município ao contribuinte: a conservação da rede e tratamento de esgotos à qual os prédios se encontram ligados.'

Fazendo o paralelismo das situações, parece evidente que a contraprestação a que se refere o acórdão citado, não tem equivalência no caso sub judice uma vez que não se pode definir qualquer contrapartida directa, a um sujeito passivo em concreto, à qual possa corresponder uma taxa de salubridade.

Tratando-se de um verdadeiro imposto, a 'taxa de salubridade' liquidada pelo município da Póvoa de Varzim é ilegal e inconstitucional, pelo que viola o princípio da legalidade tributária previsto no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 8.º da lei geral tributária."

3 - Recebidos os autos neste Tribunal, alegou o recorrente, nos seguintes termos:

"O presente recurso vem interposto pelo Ministério Público da sentença - proferida no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto - que, nos autos de impugnação judicial em que figura como recorrente GOLDTUR - Hotéis e Turismo, S. A, desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, a norma constante do artigo 7.º, n.º 2, do regulamento de saneamento básico do município da Póvoa de Varzim, por qualificar como 'imposto' a 'tarifa de salubridade' ali instituída, como forma de obrigar à comparticipação dos utentes dos serviços de fornecimento de água e de drenagem de águas residuais nos encargos da disponibilidade e utilização das respectivas infra-estruturas.

A dirimição da questão de constitucionalidade suscitada passa, deste modo, por determinar se tal tributo reveste ainda carácter ou natureza sinalagmática, traduzindo uma utilização individualizável de bens do domínio público autárquico pelo utente do sistema público municipal de fornecimento de água e drenagem de águas residuais.

O artigo 1.º de tal regulamento estabelece que o respectivo objecto é a regulação das relações contratuais entre a autarquia e os utentes no que se refere à prestação dos serviços de fornecimento de água, drenagem de águas residuais e recolha de lixos. O 'regime tarifário' instituído caracteriza-se por:

Estabelecer directamente a 'tarifa' correspondente ao fornecimento de água com base nos valores efectivamente medidos;

Estabelecer, por via indirecta e presumida, a tarifa referente à drenagem de águas residuais e recolha de lixos, com base indirectamente - no consumo de água facturada em certo período temporal, multiplicado pelo factor correspondente às 'tarifas de saneamento e de recolha de lixo';

Finalmente, prever (a partir de 2001) uma tarifa adicional de salubridade, consubstanciando a comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação daqueles sistemas, previstos no artigo 1.º, calculada com base no consumo médio mensal facturado no ano anterior.

É esta tarifa adicional de salubridade que a decisão recorrida qualifica como imposto, por nela não vislumbrar qualquer correspectividade ou contrapartida para os utentes.

Não parece, todavia, que assim seja, já que - como decorre da jurisprudência constitucional editada, nomeadamente em sede de apreciação da conformidade constitucional da 'taxa de urbanização' (cf., por todos, o Acórdão 357/99) - não obsta à qualificação como taxa o facto de inexistir uma prestação absolutamente individualizada aos particulares/utentes, nos casos em que a contrapartida de certo 'tributo' se traduz na utilização ou possibilidade de utilização de equipamentos ou infra-estruturas urbanísticas 'colectivas'; tal como não obsta a tal qualificação jurídica o facto de ser impossível determinar uma precisa 'equivalência económica' entre o montante do serviço e a taxa ou tarifa imposta ao utente.

No caso dos autos, é inquestionável que os utentes dos serviços públicos de fornecimento de águas, drenagem de águas pluviais e recolha de lixos beneficiam, em termos individuais e 'personalizados', da existência e do funcionamento eficaz e adequado de tais equipamentos colectivos, cuja manutenção implica, como é notório, custos que transcendem o puro 'preço' do fornecimento da água consumida, revestindo ainda natureza 'sinalagmática' a imposição de comparticipação em tais encargos de exploração e conservação das infra-estruturas que potenciam a prestação do serviço.

É certo que o regulamento em causa parece ter procedido (como nota, aliás, o Ministério Público, no parecer a fls. 58 e segs.) a um desdobramento ou autonomização das tarifas (propriamente ditas) de consumo e drenagem de águas e de recolha do lixo (estabelecidas, em perfeita correspectividade económica, com o valor individual e comprovado daquele consumo) e a 'taxa de salubridade', destinada a suportar os custos globais de manutenção dos equipamentos colectivos que integram as redes de fornecimento e escoamento de águas. Ou seja, em vez de se prever uma taxa unitária agravada para a prestação de tais serviços (que incluísse, no seu cômputo, quer o 'consumo' individualizado do utente quer a percentagem da sua comparticipação nos custos globais de manutenção da rede), optou-se antes pelo desdobramento e autonomização de duas taxas - uma traduzindo o preço do consumo efectivo ou presumido do utente e outra - a referida 'tarifa de salubridade' - traduzindo a comparticipação de cada utente nos custos globais de manutenção da rede.

Afigura-se, porém, que - no plano jurídico-constitucional - nada obsta a tal desdobramento, não havendo, nomeadamente, nos autos qualquer elemento que permita, com base num juízo de manifesta desproporcionalidade, qualificar a tarifa de salubridade como traduzindo uma imposição contributiva que - por transcender claramente o custo provável ou previsível de tais serviços de manutenção das infra-estruturas urbanísticas em causa - pudesse ser desprovida de fundamento sinalagmático."

4 - A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do juízo formulado pela decisão recorrida, no que concerne à questão de constitucionalidade. Formulou as seguintes conclusões:

"1 - Estando em causa a eventual desconformidade da 'taxa de salubridade', importa proceder à qualificação da aludida figura.

2 - A 'taxa de salubridade' tem o seu fundamento legal no artigo 20.º da Lei das Finanças Locais e no artigo 7.º, n.º 2, do regulamento de saneamento básico.

3 - A questão suscitada perante este Tribunal é a de saber se o dito regulamento apenas concretizou a lei habilitante ou se, pelo contrário, criou um verdadeiro imposto.

4 - Os municípios têm competência legislativa para a criação de taxas em áreas do seu interesse específico.

5 - As taxas revestem carácter sinalagmático, que deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que não consiste na prestação de uma actividade pública especialmente dirigida ao respectivo particular ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares.

6 - O imposto é uma prestação pecuniária, singular e reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contraprestação retributiva.

7 - O critério de diferenciação entre imposto e taxa, segundo a jurisprudência constitucional, consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos em causa.

8 - Sendo a ora recorrida utente do sistema público de saneamento básico, não há qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água, da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos, que possa justificar a liquidação da 'taxa de salubridade'.

9 - Fica assim precludido o vínculo de reciprocidade que caracteriza as taxas, uma vez que a ora recorrida não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida económica proporcional por parte da Câmara.

10 - O tributo cobrado pela Câmara apresenta-se como uma forma de autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos de verdadeiro imposto.

11 - Atenta a sua natureza jurídica, de verdadeiro imposto, só poderia ser criada pela Assembleia da República (já não por deliberação da Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim), o que configura uma inconstitucionalidade orgânica e formal das respectivas normas do regulamento de saneamento básico e do tarifário de saneamento básico, nos termos dos artigos 103.º, n.º 3, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição."

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 1 - Como resulta de quanto acima ficou relatado, está em causa no presente recurso a qualificação jurídico-tributária da tarifa de salubridade, prevista no n.º 2 do artigo 7.º do regulamento de saneamento básico aprovado pela Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim em 27 de Junho de 1996 e alterado em 1 de Março de 2001, cujo pagamento foi reclamado da ora recorrente.

Na decisão do Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto entendeu-se, tal como sustentado pela agora recorrida, que, apesar da denominação adoptada, não estava em causa qualquer taxa ou tarifa, mas antes um verdadeiro imposto, razão por que se concluiu pela inconstitucionalidade da norma e pela sua desaplicação no caso concreto. O Ministério Público sustenta posição contrária, entendendo que a norma criou uma taxa.

É o seguinte o teor da norma em apreço:

"Artigo 7.º

Regime tarifário

1 - Compete à Câmara Municipal estabelecer, nos termos legais, as tarifas correspondentes aos serviços prestados no âmbito do saneamento básico e a tarifa de salubridade.

2 - A tarifa de salubridade consubstancia a comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização.

3 - A facturação será mensal e o seu montante será determinado em função do consumo médio mensal de água em termos definidos pela Câmara Municipal." (Itálico aditado.)

Importa ainda considerar, com relevo para o problema em apreciação, o teor dos seguintes artigos do mesmo regulamento:

"CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objecto

O presente diploma regula as relações contratuais entre a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim e os utentes, no âmbito da prestação dos serviços de fornecimento de água, drenagem de águas residuais e recolha de lixos.

Artigo 2.º

Contrato de saneamento básico

1 - O contrato de saneamento básico estabelece as condições que se fixam entre a Câmara Municipal e os utentes no que respeita à prestação por parte daquela dos serviços descritos no artigo 1.º

...

Artigo 9.º

Denúncia do contrato

1 - Os utentes podem denunciar, a todo o tempo, o contrato de fornecimento.

...

CAPÍTULO II

Fornecimento de água e drenagem de águas residuais

...

Artigo 16.º

Suspensão do fornecimento a pedido do utente

1 - Os utentes podem requerer a suspensão do fornecimento de água.

2 - ...

3 - A suspensão nos termos deste artigo não desobriga o utente do pagamento da tarifa de salubridade."

Por outro lado, importa ainda atentar nos seguintes excertos das normas tarifárias de saneamento básico aprovadas pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim em 6 de Julho de 1998 (cf. artigo 7.º, n.º 1, do regulamento), que estabelecem o tarifário relativo aos serviços prestados pelos serviços municipais no âmbito do abastecimento de água, da ligação, conservação e tratamento de esgotos e da recolha, depósito e tratamento de lixos em todo o concelho da Póvoa de Varzim:

"1 - O presente tarifário abrange os serviços prestados no âmbito do abastecimento de água, da drenagem dos esgotos e da recolha dos resíduos sólidos e aplica-se a todo o concelho da Póvoa de Varzim.

...

12 - Da factura/recibo mensal, que terá em consideração o tarifário anexo, constarão as quatro parcelas seguintes:

a) A parcela do consumo de água será o produto resultante da multiplicação do consumo facturado pela tarifa de água;

b) A parcela referente à drenagem dos esgotos será o produto resultante da multiplicação do consumo de água facturado pela tarifa de saneamento;

c) A parcela que se reporta à recolha dos resíduos sólidos será o produto resultante da multiplicação do consumo de água facturado pela tarifa de recolha de lixo;

d) A taxa de salubridade será determinada pela potência do consumo médio mensal facturado no ano civil anterior elevado a 2,4 (consumo em metros cúbicos elevado a 2,4), valor este convertido em escudos, e assumirá um valor total mínimo de 1000$ e um valor unitário máximo (por metro cúbico) de 300$ [...]

13 - As tarifas dos serviços específicos referentes ao abastecimento de água, à ligação, conservação e tratamento de esgotos e à recolha, depósito e tratamento de lixos, relacionados na tabela anexa, serão processados em documento próprio.

15 - Ficam isentos do pagamento da taxa de salubridade os titulares de contadores totalizadores, as entidades oficiais locais e as instituições sem fins lucrativos.

16 - Os consumidores com média mensal de consumos igual ou inferior a 5 m3 que comprovem a sua debilidade económica ficam sujeitos ao pagamento de metade da taxa de salubridade."

2 - Da leitura dos preceitos transcritos ressalta, desde logo, a circunstância de, nas referências ao tributo em causa, ser utilizada quer a expressão taxa quer a expressão tarifa. Não impressiona, porém, do ponto de vista da questão a resolver, tal duplicidade de designação. Como se escreveu no Acórdão 76/88 (Diário da República, 1.ª série, de 21 de Abril de 1988): "a tarifa, no campo das finanças locais [não se] delineia como uma figura tributária em absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tertium genus entre a taxa e o imposto. Ela, de facto, e sob todos os aspectos, apresenta-se como uma simples taxa, embora taxa sui generis, cuja especial configuração lhe advém apenas da particular natureza dos serviços a que se encontra ligada [...] A tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa, e nada mais."

3 - Não oferece dúvida que, caso venha a concluir-se estar em causa um imposto, a norma se apresentará ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.os 2 e 3, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP). Na verdade, a matéria de criação de impostos e sistema fiscal integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, estando em absoluto vedado às autarquias locais, através dos seus órgãos, a intervenção normativa neste âmbito. Por esta razão, já o Tribunal Constitucional se pronunciou pela inconstitucionalidade de diversas normas criadas pelos municípios, considerando que, pese embora não assumissem tal denominação, estavam em causa verdadeiros impostos (assim, v. g., Acórdãos n.os 313/92, 63/99 e 113/2004, in Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 18 de Fevereiro de 1993, de 31 de Março de 1999 e de 31 de Março de 2004).

Por outro lado, também é isento de dúvida que assiste às autarquias o poder de criarem e cobrarem taxas, que constituem receitas próprias, pelos serviços por si prestados (artigo 238.º, n.os 1, 3 e 4, da CRP e 19.º e 20.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto).

4 - A extensa jurisprudência do Tribunal Constitucional que analisou já a questão da distinção entre taxa e imposto tem vindo a eleger como critério distintivo entre as duas figuras a nota da sinalagmaticidade. Enquanto o imposto tem carácter unilateral, a taxa apresenta-se sempre com a característica da bilateralidade. Deste critério dá conta, entre vários outros, o Acórdão 115/2002 (Diário da República, 2.ª série, de 28 de Maio de 2002):

"3.1 - O Tribunal Constitucional já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa.

O critério básico de diferenciação com que tem operado consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: enquanto o imposto tem estrutura unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático.

Assim, a estrutura das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública.

Como se escreveu no Acórdão 558/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 11 de Novembro de 1998, que se debruçou sobre a natureza jurídica das "taxas de publicidade" previstas em regulamento de taxas e licenças municipais, a relação sinalagmática característica da taxa implica uma contrapartida do ente público, sendo entendimento da doutrina que "são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo menos, de um bem público ou semipúblico ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares" (assim, Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., Coimbra, 1995, pp. 252 e segs., e "Noção jurídica de taxa", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117.º, pp. 289 e segs., Paulo de Pitta e Cunha, José Xavier de Basto e António Lobo Xavier, "Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais", in Fisco, n.os 51/52, pp. 3 e segs.).

Mas, como então se escreveu, "quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção - in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade - só pode configurar-se como 'taxa' se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico (v. autores por último citados e Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.ª ed., vol. 1, p. 33, que, em vez de bens semipúblicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública quer de bens colectivos impuros)"."

Importa também ter presente que o Tribunal tem vindo a referir, embora nem sempre em decisões unânimes, outras notas na definição do critério distintivo procurado. Assim, para qualificação do tributo, entendeu-se que não é relevante a designação adoptada pelo autor da norma (Acórdãos n.os 29/83 e 357/99, in Diário da República, 2.ª série, respectivamente, de 23 de Abril de 1984 e de 2 de Março de 2000); que, no que concerne ao sinalagma, este não tem de corresponder a uma equivalência económica entre as prestações, mas antes apenas a uma equivalência jurídica (para além do já referido Acórdão 76/88, cf. os arestos com os n.os 205/87 - Diário da República, 1.ª série, de 3 de Julho de 1987 - , e 410/2000 - Diário da República, 2.ª série, de 22 de Novembro de 2000); que não é necessária a utilização efectiva e imediata da prestação em causa, bastando a possibilidade da sua utilização (Acórdãos n.os 357/99 e 410/2000, já citados); finalmente, que deve utilizar-se na distinção um critério funcional que atenda aos fundamentos e objectivos constitucionais da reserva de lei (Acórdãos n.os 1108/96, Diário da República, 2.ª série, de 20 de Dezembro de 1996, e 410/2000, já mencionado).

5 - No caso presente, uma primeira aproximação ao conteúdo da norma em causa pode fazer-se pela negativa, partindo de uma leitura conjunta das normas transcritas do regulamento e do tarifário.

Na verdade, deste ponto de vista, é possível identificar, desde logo, o que não é a tarifa de salubridade: ela não corresponde nem ao valor do consumo de água, nem ao da drenagem de esgotos, nem ao da recolha de resíduos sólidos (n.º 12 das normas tarifárias), tão-pouco corresponde ao valor de qualquer serviço específico, identificado no n.º 13 das mesmas normas (de que são exemplo a limpeza de fossas, a desobstrução de colectores e caixas particulares e a desinfecção de cisternas).

Também resulta líquido, agora já face ao teor da norma, mas ainda considerando os demais preceitos, que o tributo em causa, tendo sido criado no âmbito do saneamento básico, não se reporta apenas ou ao fornecimento de água ou à drenagem de esgotos, estando, contudo, relacionado com estas duas vertentes do saneamento básico. Neste sentido, depõe a inserção sistemática da referência à tarifa nas disposições comuns e, depois, o teor do artigo 16.º, n.º 3, do regulamento, inserido no capítulo relativo a fornecimento de água e drenagem de águas residuais.

6 - A norma em causa refere que a tarifa de salubridade consubstancia a comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas, correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização.

Face à delimitação efectuada, é ainda possível descortinar a que se refere a norma em análise?

A resposta não pode deixar de ser positiva, não acompanhando, por conseguinte, a conclusão da decisão recorrida, no sentido de que "não se pode definir qualquer contrapartida directa, a um sujeito passivo em concreto, à qual possa corresponder uma taxa de salubridade". De facto, importa considerar, como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/88, em termos que, nesta parte, se têm por inteiramente transponíveis para a situação dos autos, que não invalida a conclusão de que se está perante uma taxa "o facto de a parcela em causa da 'tarifa de saneamento' [...] se destinar a financiar os encargos de exploração e de administração dos respectivos serviços, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento. De um lado, porque, como atrás se notou, o decisivo, neste campo não é o destino financeiro da receita mas a prestação ou não de um serviço. E, de outro lado, porque, se tal destinação tivesse ainda aqui algum relevo, então sempre se observaria que o custo da reintegração do equipamento é ainda custo do serviço, como, aliás, era reconhecido expressamente pelo artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei 98/84, e continua a sê-lo pelo artigo 12.º, n.º 2, da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, que praticamente o reproduz (neste sentido, v. ainda Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., t. II, p. 1060, que, significativamente, e a este respeito, escreve: 'os preços das prestações dos serviços públicos são calculados a partir do custo de produção, mas acrescentando a este os encargos gerais e administrativos, de maneira a cobrir os gastos de exploração e de equipamento do serviço')." (Itálico aditado).

Também no caso presente se considera que os custos de exploração e conservação dos sistemas são ainda custos dos serviços (de saneamento básico). Aliás, a Lei 42/98, que revogou a Lei 1/87, de 6 de Janeiro, mencionada na decisão citada, continua a sustentar, de forma expressa, a doutrina que se extrai do aresto, estabelecendo, no n.º 3 do seu artigo 20.º, que "as tarifas e os preços, a fixar pelos municípios, relativos aos serviços prestados e aos bens fornecidos pelas unidades orgânicas municipais e serviços municipalizados não devem, em princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços." (Itálico aditado).

Acresce que a leitura do Decreto-Lei 207/94, de 6 de Agosto, que aprova o regime de concepção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e drenagem de águas residuais, revela esses outros encargos, com evidente expressão económica, que não se reconduzem ao mero custo do fornecimento da água. Estabelece, designadamente, que cabe à entidade gestora dos sistemas públicos, nomeadamente aos municípios (artigo 4.º, n.º 2), providenciar pela elaboração dos estudos e projectos dos sistemas públicos, promover o estabelecimento e manter em bom estado de funcionamento e conservação os sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem e desembaraço final de águas residuais e de lamas, submeter os componentes dos sistemas de distribuição de água e de drenagem de águas residuais, antes de entrarem em serviço, a ensaios que assegurem a perfeição do trabalho executado, garantir que a água distribuída para consumo doméstico, em qualquer momento, possua as características que a definam como água potável, e, ainda, promover a instalação, substituição ou renovação dos ramais de ligação [artigo 4.º, n.º 3, alíneas b), c), d), e) e h)]. Tais encargos, sendo necessários para a prestação dos serviços em causa, para a garantia da sua continuidade e qualidade, são diversos do mero valor, v. g., da água fornecida. Daí que, no regulamento em apreço, apenas a denúncia do contrato de saneamento, não a suspensão do fornecimento de água, determine a cessação do seu pagamento (artigo 16.º).

Em reforço do carácter sinalagmático do tributo em causa, importa considerar, também, a respectiva fórmula de cálculo, por referência ao consumo de água. Na verdade, existe "afectação das condições de fornecimento de água (o seu aprovisionamento e tratamento), através da medida da solicitação do seu fornecimento [...] É assim claro que quem mais consome mais exige da empresa que fornece um bem relativamente escasso e dispendioso, na perspectiva do tratamento e distribuição de tal bem" (Acórdão 1108/96, já referido).

Finalmente, diga-se, ainda, acompanhando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 357/99 (já citado), que a circunstância de a exploração e conservação dos sistemas poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado, que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível).

Reconhecido o carácter sinalagmático do tributo criado pela norma em apreciação nos presentes autos de recurso, resta, pois, afirmar, como bem sustenta o Ministério Público, que a mesma não viola a Constituição.

III - Decisão. Pelo exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 7.º do regulamento de saneamento básico aprovado pela Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim em 27 de Junho de 1996, com a redacção introduzida em 1 de Março de 2001; em consequência,

b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 16 de Novembro de 2005. - Maria João Antunes - Rui Moura Ramos - Maria Helena Brito - Pamplona de Oliveira (vencido conforme declaração) - Artur Maurício.

Declaração de voto

Votei em sentido divergente pois, em meu entender, a decisão recorrida deveria ser confirmada quanto à questão de inconstitucionalidade. Na verdade, se o elemento caracterizador da taxa reside na sua sinalagmaticidade, afigura-se-me essencial que a contraprestação devida ocorra - e se manifeste - em cada situação concreta, ao proporcionar ao particular pagador a utilidade económica especificamente equivalente. Ora, quando a utilidade proporcionada se dilui em tarefas que cabem nas competências administrativas da pessoa pública e representa um benefício genericamente atribuído, a correspectividade desaparece. Aliás, no presente caso é até muito difícil aferir da proporcionalidade da taxa, pois a falta de concretização da utilidade proporcionada prejudica de forma irreversível a possibilidade da sua avaliação. - Pamplona de Oliveira.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1457703.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1984-03-29 - Decreto-Lei 98/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova o novo regime das finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1987-01-06 - Lei 1/87 - Assembleia da República

    Finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1988-04-21 - Acórdão 76/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DA 1, 2, 3, E 4 NORMAS DA DELIBERAÇÃO NUMERO 17/C/85, DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA E NOS TERMOS DO ARTIGO 282, NUMERO 4 DA CONSTITUICAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, COM RESSALVA, POREM, DA SITUAÇÃO DOS CONTRIBUINTES QUE NAO TIVEREM AINDA PAGO, NO TODO OU EM PARTE, A 'TARIFA DE SANEAMENTO', RESTRINGEM-SE OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DE TAL MODO QUE ELES SÓ VIRÃO A PRODUZIR-SE PARA O FUTURO, OU SEJA, A PARTIR DA DATA DA PUBLICAÇÃO DO PRESENTE A (...)

  • Tem documento Em vigor 1994-08-06 - Decreto-Lei 207/94 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    APROVA O REGIME DE CONCEPCAO, INSTALAÇÃO E EXPLORAÇÃO DOS SISTEMAS PÚBLICOS E PREDIAIS DE DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E DE DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS, PREVENDO A APROVAÇÃO, ATRAVES DE DECRETO REGULAMENTAR, DAS NORMAS DE HIGIENE E SEGURANÇA NECESSARIAS A SUA IMPLEMENTAÇÃO. DEFINE O REGIME SANCIONATÓRIO APLICÁVEL DESIGNADAMENTE NO QUE SE REFERE A CONTRA-ORDENACOES E COIMAS. O PRESENTE DIPLOMA ENTRA EM VIGOR EM SIMULTÂNEO COM O DECRETO REGULAMENTAR REFERIDO, COM EXCEPÇÃO DO ARTIGO 3.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-06 - Lei 42/98 - Assembleia da República

    Lei das finanças locais. Estabelece o regime financeiro dos municípios e das freguesias, organismos com património e finanças próprio, cuja gestão compete aos respectivos orgãos.

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