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Jurisprudência 3/2001, de 9 de Fevereiro

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Sumário

Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664.º do Código de Processo Civil. Revista ampliada n.º 994/98 - 2.ª Secção.

Texto do documento

Jurisprudência 3/2001
Revista Ampliada n.º 994/98 - 2.ª Secção
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em plenário das secções cíveis:
E & E - Engenharia, Lda., propôs acção declarativa ordinária contra Eugénio Manuel Cabrita Vieira, João Miguel de Sousa Vieira, Eugénio Manuel de Sousa Vieira e André Filipe Santos Vieira, tendo pedido que fosse julgada «anulada a transmissão da fracção objecto da doação feita pelo 1.º R aos 2.º, 3.º e 4.º RR, com restituição do bem ao património daquele, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º do Código Civil» e «ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor dos 2.º, 3.º e 4.º RR, relativo à fracção em causa».

Por sentença proferida no Tribunal de Círculo de Portimão foi julgada em parte procedente a acção e declarada a ineficácia em relação à A da doação efectuada pelo 1.º R a favor dos 2.º, 3.º e 4.º RR e titulada pela escritura pública de 19 de Março de 1997, lavrada no Cartório Notarial de Olhão, a fl. 62 v.º do livro B-194 de notas de escrituras diversas, relativa à fracção C do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Torre da Medronheira, freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 8991, a fl. 77 do livro B-24, inscrito na matriz sob o artigo 5191, podendo a A executar tal bem no património dos 2.º, 3.º e 4.º RR até 1200000 contos.

Recorreram os 1.º e 4.º e também os 2.º e 3.º RR para o Tribunal da Relação de Évora, que confirmou a sentença.

Irresignados, esses mesmos RR interpuseram recursos de revista, tendo concluído assim as respectivas alegações:

Os 2.º e 3.º RR:
«1.ª A autora não só pediu a anulação como ainda a restituição do bem ao património do doador.

2.ª Porém o douto acórdão recorrido 'convolou' tal pedido para o de ineficácia da doação relativamente à autora, mais habilitando esta a executar tal bem no património dos três donatários até ao limite de 1200000 contos.

3.ª Assim que a alteração em causa não constitua 'simples qualificação jurídica diversa dos factos' mas verdadeira alteração do pedido fora dos casos previstos no artigos 273.º e 477.º, n.º 1, do CPC.

4.ª Pelo que, assim entendendo e decidindo, praticou o douto acórdão recorrido errada interpretação dos factos e errada interpretação da lei pois que condenando em objecto diverso do pedido.

5.ª Em face disso está o douto acórdão recorrido ferido de nulidade atento o disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

6.ª E dentro do teor da petição inicial está o processo inquinado de nulidade, por os fundamentos da impugnação estarem em oposição/contradição com o pedido, existindo ineptidão da petição inicial.

7.ª Consequentemente que o douto acórdão recorrido, ao não declarar a nulidade de todo o processado, tenha violado o disposto no artigo 193.º, n.os 1 e 2, alínea b), do CPC.

8.ª Sendo que, face ao pedido de anulação da doação de 19 de Março de 1987, a autora se mostre parte ilegítima por não ser a pessoa em cujo interesse, a lei estabeleceu o instituto de anulação.

9.ª E, ao declarar a autora parte legítima, o douto acórdão recorrido tenha violado o disposto no artigo 287.º, n.º 1, do Código Civil.

10.ª O douto acórdão recorrido, ao não anular o despacho/sentença do Tribunal de Círculo de Portimão com baixa do processo para efeitos do registo da acção, violou o disposto no artigo 3.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Código do Registo Predial (Decreto-Lei 224/84, de 6 de Julho).

11.ª E também mesmo quanto ao (eventual) direito da autora de executar o bem no património dos RR donatários sempre se mostra necessário o registo da acção atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea n), e 3.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial.

12.ª Artigos esses violados pelo douto acórdão recorrido.
13.ª Deve o douto acórdão recorrido ser revogado absolvendo-se os RR do pedido.

Uniformidade de jurisprudência:
O Acórdão de 17 de Outubro de 1995 do STJ (publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano III, t. 3, p. 63) declarou que existe contradição entre o pedido e a causa de pedir quando, articulando-se factos que sejam fundamento de impugnação pauliana, se pede a anulação do acto.

Porém o douto acórdão recorrido entendeu poder condenar em objecto diverso como simples qualificação jurídica diversa dos factos permitida pelo artigo 664.º do CPC.

E quanto a isso e com a devida vénia dos RR donatários entendem que, se os factos conduzem a uma qualificação jurídica diferente do pedido, a resultante terá de ser a absolvição do pedido. E também que o pedido de restituição do bem ao património do doador não se confunde nem é passível de qualificação jurídica com a execução do bem no património dos executados.

Em face do exposto, os RR donatários, ao abrigo do disposto no artigo 732.º-A, requerem a intervenção do Plenário das Secções Cíveis para assegurar a uniformidade da jurisprudência.»

Os 1.º e 4.º RR:
«I - Os recorrentes alegaram, entre outros fundamentos, no seu recurso para o Tribunal da Relação de Évora, a nulidade da decisão do tribunal de 1.ª instância, por violação do disposto no artigo 661.º, n.º 1, do CPC;

II - A A, recorrida, pediu a anulação da transmissão da fracção objecto da doação feita pelo 1.º R aos 2.º, 3.º e 4.º RR, com a restituição do bem ao património daquele, bem como o cancelamento do registo efectuado a favor dos 2.º, 3.º e 4.º RR;

III - O tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou a ineficácia em relação à A da doação efectuada, por entender que não constitui condenação em objecto diverso, mas simples qualificação jurídica diversa dos factos, a declaração de ineficácia relativa a um determinado acto, tendo sido inicialmente pedida a anulação do mesmo.

IV - A douta decisão recorrida manteve o entendimento perfilhado na decisão da 1.ª instância;

V - Esta questão não é pacífica;
VI - Entendem os ora recorrentes, e conforme decisões já proferidas por este venerando Supremo Tribunal de Justiça, que existe violação do disposto no artigo 661.º do CPC, pois o decidido é qualitativamente diverso do pedido e não simples qualificação jurídica dos factos.

VII - A convolação da anulação para os efeitos da impugnação pauliana viola o disposto no artigo 661.º do CPC;

VIII - Conforme dispõe o artigo 616.º do CC, a acção pauliana torna os actos ineficazes em relação ao credor, mas não os atinge na sua validade, seja sob a forma de nulidade, seja sob a forma de anulabilidade;

IX - A A pediu explicitamente ao Tribunal a anulação da transmissão e a restituição do imóvel ao património do 1.º R;

X - A decisão recorrida está em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito;

XI - A douta decisão recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 661.º do CPC e no artigo 616.º do CC;

XII - A decisão recorrida está em oposição com o decidido por este venerando Tribunal, Acórdão de 17 de Outubro de 1995, Colectânea de Jurisprudência, ano III, t. 3, p. 63, Acórdão de 9 de Fevereiro de 1993, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 424.º, p. 615, e Acórdão de 20 de Maio de 1993, Colectânea de Jurisprudência, ano I, t. 2, p. 113;

XIII - Nos termos do artigo 732.º-A, n.º 2, requer-se o julgamento alargado para uniformização de jurisprudência.»

Nas suas alegações, a A sustentou o acórdão recorrido, tendo invocado o Acórdão deste STJ de 28 de Março de 1996, in Colectânea de Jurisprudência, ano IV, t. 1, p. 159, o primado do direito substantivo sobre o direito adjectivo (que disse consagrado na última revisão do CPC) e não poder aceitar-se que a decisão possa ter surpreendido os RR, em violação do princípio do contraditório, salvaguardado na proibição do n.º 1 do artigo 661.º do CPC.

Com parecer favorável do relator, o Sr. Presidente deste STJ determinou que se procedesse a julgamento alargado.

O Sr. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer, tendo concluído assim:
«1 - Perante as mencionadas orientações fácil se tornará intuir que o entendimento que logrou o acolhimento do douto acórdão recorrido (e que, tanto quanto nos é dado avaliar, é actualmente predominante a nível da orientação deste Supremo Tribunal) é indiscutivelmente, para além da salientada consistência do respectivo suporte jurisprudencial e doutrinal, o que melhor resposta dá às actuais preocupações da aceitação do primado do direito substantivo (verdade material) sobre o direito adjectivo (verdade formal).

2 - Preocupações que necessariamente não deixaram de influenciar a filosofia subjacente à recente revisão do Código de Processo Civil levada a cabo através do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, em cujo relatório, como bem assinala a recorrida, se pode ler que: 'Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.'»

Em face do exposto, somos de parecer que o conflito jurisprudencial que determinou o conhecimento ampliado do presente recurso de revista deve ser solucionado mediante a prolação do acórdão uniformizador de jurisprudência, para o qual se sugere a redacção seguinte:

«Na acção de impugnação pauliana, apesar de o autor deduzir pedido de declaração de nulidade ou anulação do acto jurídico impugnado, o juiz, ao sentenciar a ineficácia do acto, de acordo com a natureza pessoal da acção, move-se no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 664.º do Código de Processo Civil, sem violação do princípio do dispositivo emergente do artigo 661.º, n.º 1, do mesmo Código.»

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Está provado:
1 - Por escritura pública lavrada em 28 de Maio de 1990, no 10.º Cartório Notarial de Lisboa, o Banco Português do Atlântico declarou ceder à autora o seu crédito de 2707642 contos sobre a sociedade comercial por quotas Construções Golfe-Mar, Lda., e a autora declarou aceitar tal cessão, que abrange «todos os acessórios e garantias dos créditos cedidos» - documento a fls. 264-270.

2 - Por esse facto, foi a autora julgada habilitada na acção executiva que com o n.º 2331/85 correu termos na 1.ª Secção do 1.º Juízo Cível de Lisboa, através da qual o BPA procurou obter o pagamento dos seus créditos sobre a Golfe-Mar, Lda., e que deu entrada em 26 de Junho de 1985.

3 - Também por essa razão foi requerida a habilitação da autora na execução n.º 7663 da 2.ª Secção do 16.º Juízo Cível de Lisboa, instaurada pelo BPA contra o réu Eugénio Manuel Cabrita Vieira e outros e que deu entrada em 9 de Janeiro de 1986.

4 - O crédito exequendo na execução n.º 7663 constitui uma parte do crédito exequendo na execução n.º 2331.

5 - Por escritura pública denominada «hipoteca e fiança», lavrada em 19 de Janeiro de 1984, no Cartório Notarial de Olhão, o réu Eugénio Manuel Cabrita Vieira e outros declararam assumir para com o BPA, «como fiadores e principais pagadores, inteira, pessoal e solidária responsabilidade pelo cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades, incluindo despesas judiciais e extrajudiciais a que o reembolso de tais quantias venha a dar causa, que para com ele contraia a firma Construções Golfe-Mar, Lda., com sede em Faro, até ao limite de 1200000000$00, designadamente decorrentes de todos e quaisquer empréstimos concedidos por aquele Banco, neles incluindo os contratos de mútuo com hipoteca [...] com expressa renúncia ao benefício de excussão [...]» - documento a fls. 19-27.

6 - Finda a execução n.º 2331/85 da 1.ª Secção do 1.º Juízo Cível de Lisboa, foi elaborada a respectiva conta, tendo sido emitido precatório-cheque a favor da autora no valor de 95484319$00, proveniente da venda de bens aí penhorados, nela se declarando que a autora «tem a haver, para pagamento do crédito, 3642835926$00».

7 - No processo 7663 da 2.ª Secção do 16.º Juízo Cível de Lisboa o BPA registou penhora sobre a fracção C do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Torre da Medronheira, freguesia e concelho de Albufeira, descrita na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 8991, a fl. 77 do livro B-24, inscrito na matriz sob o artigo 5191, tendo tal inscrição ficado provisória por natureza, em virtude de existirem como titulares inscritos os RR João Miguel, Eugénio Manuel e André Filipe.

8 - O réu Cabrita Vieira, por escritura pública de 19 de Março de 1987, lavrada no Cartório Notarial de Olhão, a fl. 62 v.º do livro B-194 de notas para escrituras diversas, fez doação a favor dos RR João Miguel, Eugénio Manuel e André Filipe, seus filhos, da referida fracção, reservando para si o direito de uso e habitação.

Face ao disposto no n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC, há que decidir agora se se está perante oposição de decisões deste STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Ora, na vigência dos artigos 610.º a 618.º do CCIV de 1966, quanto ao pedido de declaração de nulidade de actos alegadamente nas circunstâncias do artigo 610.º feito na petição inicial de acções declarativas de condenação com base nos preceitos da impugnação pauliana, nos Acórdãos de 9 de Fevereiro de 1993 (revista n.º 82782 da 2.ª Secção) e de 20 de Maio de 1993 (revista n.º 83433 da 2.ª Secção), este Supremo decidiu que não se pode declarar a ineficácia dos actos, por tal não corresponder a mera diversa qualificação jurídica diferente, mas a condenar em algo que não se pediu, em objecto diverso do pedido, em infracção do n.º 1 do artigo 661.º do CPC; enquanto nos Acórdãos de 27 de Setembro de 1994 (revista n.º 85004 da 2.ª Secção, in Colectânea de Jurisprudência/STJ, II, p. 66), de 22 de Abril de 1997 (revista n.º 845/96 da 1.ª Secção), de 14 de Janeiro de 1998 (revista n.º 789/97 da 1.ª Secção) e no de 19 de Novembro de 1998 (revista n.º 847/98 da 2.ª Secção) se decidiu que ao juiz não estava defeso declarar nesse caso a ineficácia de tais actos em relação ao credor.

Está-se, pois, claramente, perante a oposição que justifica a emissão de acórdão unificador de jurisprudência.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 660.º do CPC (como os demais sem indicação de fonte), por remissão dos artigos 726.º e 713.º, n.º 2, há que começar pela apreciação das questões levantadas que envolvam absolvição da instância, pela ordem do n.º 1 do artigo 288.º

Assim, nulidade de todo o processado, ineptidão da petição inicial e ilegitimidade da A.

Dispõe o artigo 664.º que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º».

Este preceito tem de estar presente ao interpretar-se o n.º 1 do artigo 661.º
Como José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V, pp. 92 e segs., ensinava, face ao disposto na redacção de então do artigo 664.º, «no que respeita ao direito, a acção do juiz é livre».

«Ao fazer a aplicação da norma, há-de proclamar os efeitos e as consequências jurídicas que entende legítimas, e não as que qualquer das partes se permita reclamar», «contanto que não altere a causa de pedir».

Em anotação ao artigo 661.º (p. 70), o mesmo mestre aplaude a sentença que, numa acção de simulação, em que o autor só pediu que os RR fossem condenados a reconhecer que a venda foi simulada e feita expressamente para o prejudicar, a abrir mão dos prédios e a pagar-lhe uma quantia a liquidar em execução de sentença, como indemnização dos prejuízos, declarou nulo o contrato de compra e venda.

A causa de pedir na impugnação pauliana são os factos alinhados que preencham as circunstâncias das alíneas a) e b) do artigo 610.º e do artigo 612.º do CCIV de 1966.

Tendo invocado as normas legais da impugnação pauliana e os RR contestado nessa base, face ao estatuído no citado artigo 664.º, nada impede que, face ao erro na qualificação jurídica dos efeitos pretendidos, o juiz declare a ineficácia do contrato, em vez da pedida anulação.

É que, como ensina Antunes Varela, na Revista Decana, ano 122.º, p. 255, obrigar-se o autor num caso destes «a sofrer a improcedência da acção, para vir em seguida (dando o nome certo aos bois) requerer a declaração de ineficácia do acto, [...] seria uma violência e a clara denegação prática de tudo quanto se deve ao direito processual, na supremacia relativa do direito substantivo [...] sobre os puros ritos do direito adjectivo».

Podemos, pois, concluir que a sentença confirmada não padece de nulidade, prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º, como vem arguido, pois não condenou em coisa diferente do pedido, corrigido este, ao abrigo do artigo 664.º

Isto mostra que a petição inicial não é inepta, pois, tendo a A feito apelo aos preceitos da impugnação pauliana, o que os RR contestaram, o efeito erradamente pretendido pode e deve ser corrigido pelo juiz.

Não há incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido devidamente entendido, geradora de ineptidão, nos termos do artigo 193.º, n.os 1 e 2, alínea b).

E será a A parte ilegítima?
Sendo parte legítima, segundo os n.os 1 e 2 do artigo 26.º, quem tem interesse directo em demandar, exprimido pela utilidade derivada da procedência da acção, feita a devida qualificação ao pedido, é patente que a A tem interesse directo na declaração de ineficácia.

É parte legítima, portanto.
Não sendo caso de anulação da doação, mas de declaração da ineficácia do acto em relação à A, não é caso de registo da acção de impugnação pauliana, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea n), e 3.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código de Registo Predial, pois a titularidade do bem doado mantém-se nos RR filhos do A Eugénio Manuel Cabrita Vieira.

Improcede, portanto, a crítica feita pelos recorrentes ao acórdão recorrido.
Termos em que se decide:
a) Negar as revistas, com custas pelos recorrentes; e
b) Firmar jurisprudência nestes termos: «Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664.º do Código de Processo Civil.»

Lisboa, 23 de Janeiro de 2001. - José Alberto de Azevedo Moura Cruz (relator) - Armando Figueira Torres Paulo (vencido, conforme voto que junto) - Roger Bennett da Cunha Lopes (vencido, junto declaração) - António Pais de Sousa - José Miranda Gusmão de Medeiros (vencido, conforme declarações de votos dos Exmos. Conselheiros Torres Paulo e Roger Lopes) - José Carlos Carvalho Moitinho de Almeida - Agostinho Manuel Pontes Sousa Inês (votei nos termos da declaração de voto que junto) - Afonso de Melo - Jorge Alberto Aragão Seia - João Fernando Fernandes de Magalhães - Ilídio Gaspar Nascimento Costa - Rui Manuel Brandão Lopes Pinto - Armando Castro Tomé de Carvalho - João Augusto Moura Ribeiro Coelho - José da Silva Paixão - José Augusto Sacadura Garcia Marques - Fernando João Ferreira Ramos - Fernando José Matos Pinto Monteiro - Dionísio Alves Correia - Luís António Noronha do Nascimento - Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida - António da Costa Neves Ribeiro - Armando Lopes de Lemos Triunfante - João José Silva Graça (vencido, nos termos da declaração de voto dos Exmos. Conselheiros Torres Paulo e Oliveira Barros) - Armando Moita dos Santos Lourenço - José Dias Barata Figueira - Abílio de Vasconcelos Carvalho - Manuel Maria Duarte Soares - Joaquim José de Sousa Dinis (vencido, nos termos da declaração dos Exmos. Conselheiros Torres Paulo e Roger Lopes) - Abel Simões Freire - Óscar Manuel Loureiro Catrola - Fernando de Azevedo Ramos (vencido, em conformidade com as declarações de voto dos Exmos. Conselheiros Torres Paulo, Roger Lopes e Oliveira Barros) - Manuel José da Silva Salazar (vencido, de harmonia com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Torres Paulo) - Álvaro de Sousa Reis Figueira (vencido, conforme voto de vencido dos Exmos. Conselheiros Cunha Lopes, Torres Paulo e Oliveira Barros) - Manuel José Boavida Oliveira Barros (vencido, consoante declaração de voto que junta).


Declaração de voto
1 - É hoje ponto assente - doutrina e jurisprudência - que a acção de impugnação pauliana não é uma acção de anulação.

É uma acção pessoal, onde se faz valer apenas um direito de crédito do A.
Do n.º 1 do artigo 616.º do CC resulta:
O acto sujeito à impugnação pauliana não tem nenhum vício genético;
É totalmente válido;
É eficaz: não há perca de disponibilidade;
Respondendo os bens transmitidos pelas dívidas do alienante, agora no património do adquirente - terceiro -, na medida do interesse do credor, após procedência da impugnação;

Mantendo-se o acto - aqui doação - na sua pujança jurídica em tudo quando exceda a medida daquele interesse.

Este poder (artigos 616.º, n.º 1, e 818.º) do credor de agredir o património do adquirente, quanto ao objecto transmitido, é excepção à regra de que só o património do devedor responde pelas respectivas obrigações.

Com estes desvios é, no fundo, uma acção independente, fundada directamente na lei, em face da equidade, razoabilidade, oportunidade e boa fé.

Aquele enfraquecimento alienatório desenrolado no seu seio tipifica-se numa impugnabilidade e não numa inoponibilidade nem numa verdadeira ineficácia.

A impugnabilidade é uma causa de ineficácia.
Fundamenta-se na existência de um facto que faz nascer um outro direito inconciliável com os direitos originados naquele acto jurídico a impugnar, tendo em consideração um prejuízo emergente da prática do acto, que se quer impugnar, prejuízo esse que fere interesses tutelados pelo direito.

2 - O A pediu a anulação da doação, com restituição do bem ao património do doador e cancelamento do registo efectuado a favor dos terceiros adquirentes da fracção objecto da doação.

3 - Pediu mal:
Quando invocou a anulabilidade da doação para justificar a restituição do bem, pois, como vimos, a impugnação pauliana pressupõe a validade da alienação;

Quando, na sequência da pressuposta nulidade, requereu o cancelamento dos registos efectuados a favor dos RR adquirentes.

Mas pediu irremediavelmente mal quando pretende a restituição de um bem doado ao património do R doador para ser executado nesse património pelo A.

Tudo porque, como vimos, o acto impugnado não é na impugnação pauliana anulado com regresso à titularidade do devedor alienante.

4 - Tal não é simples qualificação jurídica diferente; não estamos perante errada qualificação jurídica atribuída ao A.

Há errada qualificação quando as partes, ao celebrar certo acto, lhe apõem um determinado nomen iuris, que não corresponde ao conteúdo do negócio jurídico por elas celebrado: divergência entre as estipulações das partes e o nome jurídico atribuído ao acto.

A errada qualificação não releva por ser qualificação que não se ajusta à materialidade, ao real conteúdo do negócio - Prof. Carvalho Fernandes, Conversão, p. 711.

Assim, no erro da qualificação, o negócio produz os efeitos adequados ao seu próprio tipo e não os daquele cujo nome as partes atribuíram.

O que o A pretende é efeito que a impugnação pauliana não suporta: destruição de acto de alienação com regresso do seu objecto à titularidade do alienante.

5 - Há, pois, contradição entre o pedido e a causa de pedir, apresentando-se a petição viciada de ineptidão - artigo 193.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

Estamos perante «uma questão de pedido substancial» - Prof. Menezes Cordeiro, parecer in Colectânea de Jurisprudência, XVII, 1992, t. 3, p. 63.

E a sentença não pode condenar em objecto diverso do que se pediu - artigo 661.º, n.º 1, do CPC.

Em projecção do princípio do contraditório.
Armando Figueira Torres Paulo.

Declaração de voto
1 - Julgo que a solução adoptada nos acórdãos que subscrevi como relator (de 13 de Março de 1997 - processo 700/96, e de 12 de Junho de 1997 - processo 961/96) e como adjunto (16 de Maio de 2000 - processo 294/2000, e de 28 de Setembro de 2000 - processo 2221/2000) não assenta em fazer prevalecer «puros ritos» em prejuízo da solução justa em termos de direito substantivo.

As questões relativas à ineptidão da petição inicial, formulação de pedido (na petição inicial) compatível com a causa de pedir e possibilidade de decidir apenas dentro do âmbito dos factos alegados e do pedido formulado não dizem respeito a ritos.

O rito dirige-se à forma.
Os ditos problemas devem ser resolvidos tendo na devida consideração princípios de processo, condicionantes e dirigentes do exercício do direito de acção processual e não com base em meras questões da forma a adoptar nos actos e diligências.

E os princípios existem para acautelar e efectivar os direitos das partes, na perspectiva do processo equitativo e solução justa impostos, designadamente, pelo artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, em vigor em Portugal, como ninguém contesta.

2 - Julgo também que não existe erro na qualificação dos efeitos pretendidos pela autora ao instaurar a presente acção.

É que uma coisa é o deduzir o pedido correcto, em face da causa de pedir e qualificá-lo erradamente e outra, muito diferente, a formulação errada do próprio pedido, considerada a causa de pedir invocada.

No primeiro caso, o autor pede a declaração do direito subjacente à causa de pedir e, por erro seu, qualifica-o em termos de direito, erradamente.

Invoca mal determinada norma jurídica ou determinado princípio jurídico.
No segundo caso, o autor formula um pedido que o juiz jamais poderá vir a julgar procedente, porque se trata de um efeito jurídico que não é o correspondente a tal causa de pedir.

Arroga-se ter um direito que não tem.
Exemplifiquemos.
A autora alegou factos que, a provarem-se, lhe concederiam o direito a que, sem que o bem alienado voltasse ao património do alienante, esse bem fosse objecto de penhora neste último património, com vista à satisfação do seu crédito.

Pediu isso?
Não.
Pediu que a alienação fosse anulada, que o bem alienado regressasse ao património do alienante e, mais, que fosse cancelado o registo respectivo.

Este pedido, a ser julgado procedente, conduziria a que:
Anulada a alienação, o adquirente do bem perdê-lo-ia;
O património do alienante volta a integrar o bem que fora alienado;
O que ficaria a constar dos Serviços de Registo Predial.
Por sua vez, esta situação conduziria a que:
Reintegrado o bem alienado no património do alienante, ele seria garantia comum de todas as dívidas deste;

Podendo ser penhorado, como garantia, não só da dívida da autora sobre o alienante mas também de qualquer outra dívida, pelo menos se existente à data do negócio anulado.

Note-se, porém, que se, contrariamente ao que sucede no caso dos autos, a alienação tivesse sido onerosa, com a anulação nasceria, para o adquirente, o direito a reaver o que tivesse despendido.

Pelo que, reintegrado o bem no património do alienante, seria reconhecido ao adquirente, que perdera o bem, o direito de instaurar execução, se não fosse efectuada, voluntariamente, aquela prestação.

Na realidade, o que aconteceu foi que a autora não errou a qualificação jurídica do efeito da acção pauliana que instaurou, errou sim, na definição desse efeito, no caso concreto, com reflexo no pedido que deduziu e consequente compreensão do direito a declarar a final.

Erro na qualificação jurídica do efeito da acção pauliana existiria se a autora tivesse formulado o pedido de declaração de ineficácia do negócio de alienação, para que executasse o bem alienado no próprio património do adquirente e tivesse invocado, por exemplo, os artigos 287.º e 290.º do Código Civil.

Concluindo.
O artigo 664.º do Código Civil abrange a errada qualificação de direito porventura atribuída, por qualquer das partes, aos factos que alegou no processo, ou dos efeitos que, efectivamente, se pretendeu ver declarados.

Mas não abrange aquilo que foi pedido, em concreto, e não era consequência jurídica dos factos alegados.

3 - Com os factos provados, afigura-se-me que o prejuízo sofrido pela autora com a solução contrária àquela que fez vencimento poderia vir a ser ressarcido através do instituto de responsabilidade civil profissional e não pela atribuição, ao juiz, de poder que o Código, e salvo sempre o devido respeito, lhe não confere.

Roger Bennett da Cunha Lopes.

Declaração de voto
A questão subjacente à pretendida fixação de jurisprudência, ou seja, a de saber se o tribunal, tendo sido pedida a declaração de nulidade ou a anulação de determinado acto jurídico, no âmbito de acção pauliana, pode declarar a ineficácia desse acto ao abrigo do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, carece inteiramente de razão de ser no presente recurso.

O pedido não deve ser tomado em termos literais. Deve ser objecto de interpretação em ordem a captar o seu verdadeiro alcance, de harmonia com a vontade do autor, contanto que expressa por modo a poder ser compreendido pelo réu e pelo tribunal (cf. artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Muitas vezes, esta actividade interpretativa será suficiente para que o julgador, ao decidir, nem sequer tenha necessidade de fazer uso da faculdade que lhe é concedida pelo primeiro segmento do artigo 664.º do Código de Processo Civil de que se lança mão no acórdão.

Acontece, todavia, que na espécie em julgamento nem tanto é preciso.
Na verdade, o pedido da autora foi:
a) Julgar-se anulada a transmissão da fracção objecto da doação feita pelo 1.º réu aos 2.º, 3.º e 4.º réus, com restituição do bem ao património daquele, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º do Código Civil;

b) Ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor dos 2.º, 3.º e 4.º réus, relativo à fracção em causa.

Daqui que, sem necessidade de se proceder à interpretação do pedido ou à correcção da respectiva qualificação jurídica, caiba, muito simplesmente, julgar a acção procedente enquanto se pediu a restituição do bem nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º do Código Civil e improcedente na parte restante.

Não cabe que na parte decisória da sentença o juiz classifique juridicamente esta consequência da procedência da acção pauliana como constituindo uma ineficácia ou ineficácia relativa, até porque a lei o não diz. Em rigor, a lei limita-se a atribuir ao credor o direito à restituição do bem na medida do seu interesse, impondo ao 3.º adquirente a obrigação de o restituir, suportando a execução respectiva no seu património, o que leva alguns autores a classificar a acção pauliana como de responsabilidade ou indemnizatória e não de declaração de ineficácia (em sentido amplo).

É isto o que cabe decidir, mantendo-se o tribunal inteiramente dentro do âmbito do pedido, sem necessidade de se proferir acórdão uniformizador.

Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês.

Declaração de voto
Abandonada a concepção da acção pauliana como acção de anulação (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 75, pp. 277 e segs., e Revista de Legislação e de Jurisprudência, 100.º, p. 206), e tal sendo o que de imediato revela o n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil, resulta, a meu ver, ilegal o deferimento de pedido formulado como se ainda estivesse em vigor o Código de 1867. Como, bem que a outro propósito, já observou voz autorizada, não deve arvorar-se o tribunal em órgão de tutela ou curatela de qualquer das partes.

Designadamente da que, ao recorrer o juízo, pede - ainda - o que a lei não consente, há mais de 30 anos, ao transformar-se o teor substantivo do pedido incorrectamente deduzido no que a lei actualmente admite, excede-se, segundo creio, o que o artigo 664.º do CPC permite, pois não se trata de alcançar qualificação diversa da causa de pedir consubstanciada nos factos articulados, mas de conceder, não apenas um menos relativamente ao que vem pedido, antes, isso sim, um aliud. É a qualidade do pedido que assim se modifica. Infringe-se, por isso, o n.º 1 do artigo 661.º do CPC (v. Reis, Anotado, V, p. 68), e incorre-se, em meu entender, na nulidade decisória prevenida na parte final da alínea e) do n.º 1 do seu artigo 668.º Acompanho, por conseguinte, a opinião, se bem a entendo, dos Profs. Henrique Mesquita, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, 128.º, pp. 251 e 252, e Menezes Cordeiro na Revista da Ordem dos Advogados, 51.º, p. 536, e os votos dos Srs. Conselheiros Roger Benett da Cunha Lopes e Torres Paulo.

Oliveira Barros.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/130847.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1984-07-06 - Decreto-Lei 224/84 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código do Registo Predial, substitui a tabela de emolumentos do registo predial e aprova os modelos do livro Diário, das fichas e dos outros instrumentos previstos em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2008-03-31 - ACÓRDÃO 1/2008 - SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    Fixa a seguinte jurisprudência: na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7 (...)

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