Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1 - Nos presentes autos vem Ricardo Manuel da Silva Monteiro Bexiga, na qualidade de candidato da lista do Partido Socialista ("PS") apresentada às eleições para a Câmara Municipal da Maia a realizar em 29 de setembro de 2013, recorrer, ao abrigo do artigo 31.º, n.º 1, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, adiante referida como "LEOAL") da decisão de 18.08.2013 (fls. 121 e ss.) que, nos termos do artigo 29.º, n.º 4, da citada lei, indeferiu a reclamação por si oportunamente deduzida contra a decisão de considerar elegível no âmbito das mesmas eleições o candidato António Gonçalves Bragança Fernandes, cabeça de lista da candidatura apresentada pela coligação integrada pelo Partido Social Democrata - PPD/PSD e pelo CDS - Partido Popular - CDS-PP, com a denominação «Sempre pela Maia».
O recorrente pugna pela inelegibilidade daquele candidato com fundamento no artigo 1.º da Lei 46/2005, de 29 de agosto, em virtude de o mesmo exercer o mandato de Presidente da Câmara Municipal da Maia desde junho de 2002, nos seguintes termos:
Tendo integrado o segundo lugar da lista apresentada pelo PSD nas eleições realizadas em 2001, substituiu em junho de 2002 o Presidente da Câmara Municipal da Maia, Professor Vieira de Carvalho, entretanto falecido;
António Gonçalves Bragança Fernandes foi eleito Presidente da Câmara Municipal da Maia nas eleições autárquicas de 2005 e nas de 2009 (factos assentes nos autos, como resulta de fls. 123).
2 - Não se suscitam exceções ou questões prévias impeditivas do conhecimento do mérito do recurso (artigos 29.º, 31.º, n.os 1 e 2, e 32.º, todos da LEOAL).
3 - A questão que se apresenta nos autos diz respeito à aplicabilidade do disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei 46/2005, de 29 de agosto, a situação em que determinado cidadão que exerceu três mandatos consecutivos como presidente de câmara, tendo sido eleito, no entanto, para essas funções apenas em dois desses três mandatos, se apresenta como candidato a tais funções num novo e sucessivo mandato.
O recorrente alega e defende, em síntese, o seguinte:
Do artigo 1.º, n.º 1 da citada lei, em especial da sua letra, decorre a inelegibilidade de candidato que, tendo exercido três mandatos consecutivos enquanto presidente de câmara, se apresenta a eleições enquanto primeiro candidato da lista;
Mesmo que pudesse haver dúvidas a propósito da fixação de tal sentido hermenêutico, essas dúvidas seriam afastadas pela ratio legis, sendo esta a "de proibir o exercício de (quatro) mandatos consecutivos no cargo de presidente das autarquias, tendo em vista prevenir os perigos de abusos decorrentes da perpetuação do exercício de cargos políticos executivos, bem como impedir os riscos decorrentes da perpetuação do poder". (cf. fls. 157 e 158).
4 - A Lei 46/2005, de 29 de agosto, segundo a respetiva epígrafe, "estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais". Dispõe-se o seguinte nesse diploma:
«Artigo 1.º
Limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais
1 - O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.
2 - O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.
3 - No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia.
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006.»
A determinação do âmbito de aplicação material deste regime tem suscitado questões diversas, algumas das questões foram já objeto de decisões deste Tribunal (cf., designadamente, os Acórdãos n.os 480/2013 e 494/2013, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
In casu o candidato António Gonçalves Bragança Fernandes vem exercendo as funções de Presidente da Câmara da Maia desde 2002, tendo sido eleito para tais funções nas eleições autárquicas de 2005 e 2009; no mandato que teve origem nas eleições autárquicas de 2001, integrava o segundo lugar de lista de candidatos a esse órgão, sendo convocado ao desempenho do cargo de presidente de câmara municipal apenas na sequência de falecimento do então Presidente, Professor Vieira de Carvalho.
5 - Invoca o recorrente, em primeiro lugar, que da letra da lei não decorrem quaisquer dúvidas acerca do enquadramento desta situação fáctica na previsão normativa. Em seu entender, "[a] lei de Limitação de Mandatos Autárquicos proíbe de forma peremptória, a todos aqueles que já tenham exercido três mandatos consecutivos no cargo de presidente de Câmara Municipal, a assunção de idênticas funções no quadriénio imediatamente seguinte" (cf. fls. 144). E, ainda que subsistissem dúvidas, a letra do n.º 2 do mesmo artigo reforçaria tal interpretação.
Contudo, não lhe assiste razão. Aliás, a letra da lei parece não deixar grandes dúvidas quanto ao afastamento de situações deste tipo do respetivo âmbito de aplicação. Com efeito, diz expressamente o artigo 1.º, n.º 1, que o presidente de câmara municipal só pode ser eleito para três mandatos sucessivos. A limitação abrange, portanto, desde logo, a eleição para as funções de presidente de câmara - e não o simples ato de candidatura a determinadas eleições. A limitação de mandatos tem em vista, por conseguinte, a eleição para o cargo de presidente de câmara.
Com o intuito de prevenir fraudes à lei, o legislador estabeleceu, no n.º 2 do mesmo artigo que o presidente de câmara municipal, depois de concluídos os três mandatos sucessivos para que foi eleito, não pode assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido. A ratio deste preceito é óbvia e de fácil compreensão: se este limite não fosse expressamente consagrado, seria admissível que, tendo determinado cidadão cumprido os três mandatos previstos no n.º 1 do preceito, poderia nas eleições seguintes integrar em outro lugar que não o primeiro a lista de candidatura ao mesmo órgão, e, eventualmente, ser chamado a exercer, de novo, as funções de presidente de câmara por via, por exemplo, de renúncia ou suspensão do mandato dos candidatos eleitos que figurassem. Na verdade, pretende-se acautelar uma atuação posterior - isto é, depois de cumpridos os três mandatos de presidente para que havia sido eleito - que tivesse por objetivo frustrar a limitação legal. Esta previsão opera para o futuro.
E dificilmente se pode estabelecer um paralelismo para o passado, no sentido de que, tendo ocorrido, anteriormente, situação de desempenho de funções de presidente em função, não da eleição mas de outras circunstâncias (designadamente de substituição de presidente), tal deva igualmente relevar para efeitos de se computar esse mandato nos três mandatos consecutivos relevantes à luz da limitação legal à renovação de mandatos. Ora, como o exercício de hipotização da situação desde logo o demonstra, a lei não abrange, expressamente, uma tal circunstância.
Em especial, num caso como o dos autos, não se pode falar na necessidade de acautelar uma eventual situação de fraude à lei por via de uma previsão que operasse para trás, com efeitos reportados a mandatos anteriores. Com efeito, no caso sub iudicio a assunção inicial das funções de presidente de câmara deu-se por força de necessidade de substituição do anterior presidente, entretanto falecido.
O que o recorrente pretende funda-se numa interpretação algo simétrica da previsão deste n.º 2 do artigo 1.º da Lei 46/2005. Com efeito, aquele sustenta que a limitação existe ainda que em algum desses mandatos sucessivos o candidato tenha exercido as funções de presidente de câmara por outras circunstâncias que não a de ter sido eleito enquanto primeiro candidato da lista.
Nos termos do artigo 57.º da Lei 169/99, de 18 de setembro, com as alterações posteriores (estabelece o quadro de competências e o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias), "é presidente da câmara municipal o primeiro candidato da lista votada ou, no caso de vacatura do cargo, o que se lhe seguir na respetiva lista [...]". Daqui decorre que, quando é apresentada uma lista de candidatura à câmara municipal, o candidato que ocupa o primeiro lugar nessa lista se encontra a concorrer às funções de presidente de câmara. Tratando-se da lista efetivamente vencedora, então tal candidato preencherá parcialmente, desde logo, a previsão normativa do artigo 1.º, n.º 1, da Lei 46/2005, o qual abrange o presidente de câmara que seja eleito para três mandatos consecutivos.
Não restam, pois, dúvidas, face ao artigo 1.º, n.º 1, da Lei 46/2005, confrontado com o regime do disposto no artigo 57.º, da Lei 169/99, de que a inelegibilidade que decorre daquele preceito abrange o cidadão que, candidatando-se ao mesmo órgão, cumpriu já três mandatos consecutivos enquanto presidente de câmara, mandatos esses para os quais tenha sido eleito.
Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida de julgar elegível o cidadão António Gonçalves Bragança Fernandes, primeiro candidato da lista de candidatos às eleições a realizar em 29 de setembro de 2013 para a Câmara Municipal da Maia apresentada pela coligação «Sempre pela Maia».
Lisboa, 13 de setembro de 2013. - Pedro Machete - Maria João Antunes - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - João Cura Mariano - Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida nos termos da declaração junta) - Joaquim de Sousa Ribeiro.
Declaração de Voto
Fiquei vencida, por não concordar com a solução que o Tribunal Constitucional propôs para o caso em presença, pois considero que esta não corresponde ao espírito da Lei 46/2005, de 29 de agosto, na linha do que defendi em declaração de voto ao Acórdão 494/2013.
Nesse voto, defendi uma interpretação da lei em causa que atende à sua ratio e à realidade material subjacente. No caso presente, a mesma linha interpretativa conduz a que seja determinante para aferir da aplicação da limitação de mandatos o facto de, efetivamente, o mandato em causa ter sido exercido ou não - não a forma de acesso ao cargo, seja a eleição enquanto primeiro candidato da lista, seja qualquer outra. É o exercício efetivo do cargo que se pretende limitar, de forma a evitar a concentração e personalização do poder que poderia decorrer de uma permanência excessiva da mesma pessoa no mesmo cargo. Uma interpretação que apenas atende ao facto de o candidato ter sido eleito ou não escapa ao essencial da norma - a limitação do exercício dos mandatos.
Para esta interpretação concorre o n.º 2 do artigo 1.º da Lei 46/2005, de 29 de agosto, onde se estabelece um mecanismo para impedir fraudes à regra da limitação de mandatos estabelecida no artigo 1.º, n.º 1. A lógica desse preceito é impedir que o presidente do órgão executivo autárquico abrangido pela limitação de mandatos, apesar de inelegível, pudesse alcançar esse mesmo cargo, para um novo mandato durante o quadriénio imediatamente subsequente, através de uma outra qualquer via, por exemplo, de renúncia ou suspensão do mandato do candidato colocado em primeiro lugar da lista.
Justifica-se uma aplicação simétrica da regra que decorre do n.º 2 - que impede o retomar do cargo depois de ser alcançado o limite - à situação dos autos, que ocorre antes de alcançado o limite. O motivo para a limitação é, substancialmente, o mesmo: impedir que alguém abrangido pela limitação de três mandatos consecutivos ultrapasse o limite legalmente estabelecido.
De facto, se não for de aplicar neste caso o limite, permite-se que existam candidatos que, efetivamente, cumpram mais de três mandatos como presidente do órgão executivo autárquico (o mandato em que se assumiu o cargo por um motivo diferente do da eleição e mais três mandatos) - o que representa uma violação da ratio da lei.
Considero que o Acórdão procede a uma interpretação excessivamente restritiva da lei, atendendo apenas ao elemento literal e não ao teleológico (quanto à interpretação que considero correta da Lei 46/2005, de 29 de agosto, remeto para as minhas declarações de voto anexas aos Acórdãos n.os 480/2013 e 494/2013).
Diga-se, aliás, que com esta interpretação se está a tratar de forma diferente quem sempre gozou de legitimidade democrática enquanto presidente do órgão executivo autárquico (tendo sido eleito, diretamente, como primeiro candidato, para todos os mandatos que exerceu) - que apenas pode exercer três mandatos, de alguém que exerceu um primeiro mandato de presidente do órgão executivo autárquico (sem para tal ter sido diretamente eleito, enquanto primeiro candidato) - a quem é permitido ultrapassar esse limite. - Maria de Fátima Mata-Mouros.
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