Regime jurídico do arrendamento rural dos baldios
1 - A especificidade da situação agrícola, pecuária e florestal da Região confere determinadas características sociológicas à sua comunidade, de tal modo que se tornou indispensável que os representantes do povo açoriano elaborassem uma lei específica para estabelecer os princípios a que devem obedecer as relações jurídicas de arrendamento rural.
2 - Este diploma legal, apesar da sua especificidade, mesmo assim teve de revestir uma grande dose de generalidade, de modo a poder aplicar-se a diversos condicionalismos, porque estes variam de ilha para ilha, ou seja, neste diploma já se reconheceu e chamou a atenção para os condicionalismos específicos de cada ilha.
3 - Estes condicionalismos correspondem a uma realidade nas relações jurídicas de arrendamento, mas não ao ponto de exigirem normas especiais para cada ilha, o mesmo acontecendo com os baldios, porquanto em relação a estes, que foram transformados em pastagens, há toda a conveniência em fazer também uma lei a aplicar nalgumas ilhas da Região, sendo progressivamente ampliada às restantes ilhas, na medida em que forem criadas condições propícias à sua aplicação.
4 - Acresce que os baldios são terrenos da Região, pelo que têm de estar necessariamente ao serviço da população, visto que a sua função social é essencial.
Daqui também a necessidade de, conforme os condicionalismos próprios de cada ilha no que respeita à divisão da propriedade e à realidade social, adaptar o diploma que vinha a regular as relações jurídicas de arrendamento daqueles terrenos aos condicionalismos existentes na Região.
5 - Este diploma tem presentes os condicionalismos regionais e as alterações substanciais verificadas com o reconhecimento e a consagração da autonomia regional.
6 - Estabelecem-se critérios muito genéricos quanto à preferência no arrendamento e isto porque se põe nas mãos dos membros do Poder Local, legítimos representantes do povo, quer a informação detalhada da situação económica do pretendente rendeiro, quer a aprovação em assembleia do plano de arrendamento.
7 - Dá-se uma estabilidade de seis anos ao arrendatário, que só poderá ser posta em causa desde que haja pretendentes ao arrendamento em situação económica mais débil, e abre-se excepção aos baldios impróprios para cultura para cinquenta anos, desde que o rendeiro queira o prédio para fins industriais.
8 - Fixam-se, também, limites, no que respeita ao número de alqueires de pastagem, para cada agricultor, ou seja, entende-se que cada agricultor não deverá ter direito a mais de trinta alqueires de pastagem.
9 - Finalmente, visa este diploma pôr nas mãos e ao serviço da população aquilo que lhe pertence, ou seja, que a função social destes terrenos seja devidamente respeitada, o que só poderá ser concretizado pondo a decisão sobre a sua utilização ao alcance dos mais directos representantes do povo.
Assim, a Assembleia Regional dos Açores decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, o seguinte:
ARTIGO 1.º
(Âmbito)
Na Região Autónoma dos Açores, as relações jurídicas de arrendamento dos baldios transformados em pastagens e, bem assim, os impróprios para qualquer tipo de cultura e que estavam sob a administração da Direcção-Geral dos Serviços Florestais ou de outros serviços ficam sujeitas ao disposto no presente decreto regional.
ARTIGO 2.º
(Administração)
1 - Os baldios referidos no artigo anterior ficam sob a administração dos serviços dependentes da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas trinta dias após a entrada em vigor do presente diploma.2 - Serão os serviços referidos no número anterior quem outorgará na qualidade de senhorio no contrato de arrendamento.
ARTIGO 3.º
(Destino)
1 - Os baldios transformados em pastagens serão destinados a arrendamento às pessoas que, por si próprias ou através do seu agregado familiar, exerçam exclusivamente a profissão de agricultor.2 - Nenhum contrato de arrendamento será feito sem que para tal tenha sido ouvida a junta de freguesia do pretendente rendeiro, a qual dará uma informação detalhada sobre a situação económica daquele.
ARTIGO 4.º
(Plano de arrendamento)
Os serviços dependentes da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, anualmente e antes de procederem ao arrendamento dos baldios, submeterão a aprovação o plano de arrendamento de cada concelho a uma assembleia formada pelos respectivos presidentes da assembleia e câmara do município e presidentes das assembleias e juntas de freguesia ou seus substitutos.
ARTIGO 5.º
(Preferência no arrendamento)
Os serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas ao procederem ao arrendamento dos baldios darão preferência aos agricultores cuja situação económica seja mais débil e, em caso de igualdade de circunstâncias, àquele que tiver residência mais próxima da pastagem em questão.
ARTIGO 6.º
(Limites no arrendamento)
1 - As áreas máximas de baldios por agricultor serão determinadas pelo plano referido no artigo 4.º, mas em caso algum poderão ultrapassar os trinta alqueires de pastagem.2 - O disposto no número anterior não se aplica aos arrendamentos já existentes à entrada em vigor deste diploma e aos novos arrendamentos para os quais aparecer um único pretendente.
ARTIGO 7.º
(Duração do arrendamento)
1 - Os arrendamentos dos baldios não podem ser celebrados por prazo inferior a seis anos.2 - Findo o prazo estabelecido no número anterior, considera-se automaticamente prorrogado o contrato por períodos iguais ou sucessivos de três anos, enquanto não houver denúncia nos termos deste diploma.
3 - O termo de qualquer prazo corresponderá, em princípio, ao fim do ano agrícola, que deve ser expressamente indicado em todos os contratos.
ARTIGO 8.º
(Arrendamento de baldios impróprios para cultura)
1 - Os baldios impróprios para qualquer tipo de cultura poderão ser arrendados por longo prazo, não superior a cinquenta anos, para fins industriais.
2 - Os arrendamentos nos termos do número anterior não poderão abranger uma área superior a cinquenta alqueires.
3 - O prazo referido no n.º 1 poderá ser prorrogado ou renovado mediante requerimento devidamente fundamentado apresentado pelo arrendatário com, pelo menos, um ano de antecedência em relação ao termo do prazo.
(Fixação e pagamento da renda)
A renda será estipulada em dinheiro e o seu pagamento não é exigível antecipadamente.
ARTIGO 10.º
(Limites da renda)
Os valores máximos das rendas a praticar nos novos arrendamentos serão fixados até ao dia 30 de Setembro de cada ano, por cada concelho ou por cada freguesia, por portaria da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, ouvidas as respectivas assembleias municipais ou assembleias de freguesia.
ARTIGO 11.º
(Alterações da renda)
Sem prejuízo de alterações consensuais dentro dos limites fixados no artigo anterior, o montante da renda poderá ser revisto, em conformidade com os mesmos limites, pelo tribunal da situação do prédio, a pedido de qualquer das partes que o requeira dentro dos sessenta dias imediatamente anteriores ao termo de cada triénio.
ARTIGO 12.º
(Benfeitorias)
No que se refere a benfeitorias, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 12.º, 13.º e 14.º do Decreto Regional 11/77/A, de 20 de Maio.
ARTIGO 13.º
(Denúncia)
1 - Os contratos de arrendamento previstos neste diploma consideram-se sucessiva e automaticamente renovados se não forem denunciados nos termos seguintes:a) O rendeiro deverá avisar os serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano relativamente ao termo do prazo inicial ou das suas renovações;
b) Os serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas deverão avisar o rendeiro, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano relativamente ao termo do prazo inicial ou das suas renovações.
2 - Os serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas só podem usar desta faculdade quando tenham um ou mais pedidos de arrendamento e desde que os novos pretendentes se encontrem em situação económica mais débil do que o actual rendeiro e se não ponha em grave risco a subsistência deste e seu agregado familiar.
ARTIGO 14.º
(Rescisão pelos serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas)
Os serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas só podem pedir rescisão do contrato se o rendeiro:
a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório;
b) Faltar ao cumprimento de alguma obrigação com prejuízo grave para a produtividade, substância ou função económica e social do prédio;
c) Utilizar processos de cultura comprovadamente depauperantes da potencialidade produtiva dos solos;
d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto de contrato, existam no prédio arrendado;
e) Subarrendar, emprestar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, as pastagens arrendadas;
f) Efectuar a cessão da exploração pecuária;
g) Não observar as normas ou instruções dimanadas dos Poderes Públicos quanto à melhor utilização e produtividade dos prédios arrendados.
ARTIGO 15.º
(Transmissibilidade)
1 - O arrendamento rural também não caduca por morte do rendeiro e transmite-se ao cônjuge sobrevivo não separado de pessoas e bens ou de facto, parentes ou afins até ao 4.º grau que com o mesmo vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há pelo menos mais de dois anos.2 - A transmissão a que se refere o número anterior defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo;
b) Aos parentes ou afins de linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado;
c) Aos parentes ou afins do 2.º grau da linha colateral, preferindo os primeiros aos segundos;
d) Aos parentes e afins, preferindo os primeiros aos segundos e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado.
3 - A transmissão a favor dos parentes ou afins, dentro dos limites e segundo a ordem estabelecida nos números anteriores, também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
4 - O arrendamento, todavia, caducará quanto ao direito à sua transmissão conferido neste artigo se não for exercido nos três meses seguintes à morte do rendeiro ou do cônjuge não separado de pessoas e bens ou de facto, mediante comunicação escrita ao senhorio, mas a restituição do prédio nunca poderá ser exigida antes do fim do ano agrícola em curso, no termo daquele prazo.
ARTIGO 16.º
(Prazo para redução a escrito)
A redução a escrito do contrato de arrendamento dos baldios terá de verificar-se no prazo de noventa dias a contar da data em que os mesmos fiquem sob a administração dos serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas.
ARTIGO 17.º
(Receitas)
As receitas oriundas das rendas serão 40% para os serviços da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas e 60% para as juntas de freguesia, cuja distribuição será equitativa, com excepção das freguesias classificadas como urbanas.
ARTIGO 18.º
(Renovação das pastagens)
1 - As pastagens serão renovadas por proposta do arrendatário, que, após parecer dos Serviços Técnicos da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, será ou não autorizada pelo respectivo Secretário Regional.2 - Para a renovação, os serviços oficiais fornecerão máquinas, sementes e apoio técnico.
ARTIGO 19.º
(Direito subsidiário)
Nos casos omissos e em tudo que não contrarie os princípios deste diploma aplicam-se as regras gerais dos contratos e as especiais de locação, em conformidade com as leis vigentes.
ARTIGO 20.º
(Aplicabilidade)
O disposto no presente decreto regional será progressivamente aplicado às ilhas de S.Jorge, Faial, Flores, Pico, Graciosa e Corvo à medida que o Governo Regional for criando condições propícias à sua concretização nas referidas ilhas.
ARTIGO 21.º
(Entrada em vigor)
O presente diploma entra em vigor na data da sua publicação.Aprovado pela Assembleia Regional dos Açores em 25 de Junho de 1980.
O Presidente da Assembleia Regional dos Açores, Álvaro Monjardino.
Assinado em 29 de Julho de 1980.
Publique-se.O Ministro da República, Henrique Afonso da Silva Horta.