Fernando Martins Peixoto, recorrente na revista n.º 85 369 da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal, onde era recorrido o Banco Totta & Açores, S. A., não se conformando com o acórdão aí proferido em 18 de Outubro de 1994, dele interpôs recurso para o tribunal pleno, nos termos dos artigos 763.º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando estar ele em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido em 29 de Setembro de 1993, na revista n.º 83 804.
A referida oposição entre os indicados dois acórdãos foi reconhecida no acórdão preliminar a fls. 52 e 53.
Seguidamente, o recorrente alegou no sentido de terceiros, para efeitos de registo predial, serem apenas os supostos adquirentes de direitos incompatíveis sobre o mesmo objecto de um mesmo autor comum, não se enquadrando em tal conceito quem, por meio de execução, adquira um direito total ou parcialmente incompatível sobre aquele mesmo objecto.
O Ex. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser proferido acórdão uniformador da jurisprudência nos seguintes termos:
«1 - Terceiros, para efeitos de registo predial, são aqueles que têm a seu favor um direito e, por isso, não podem ser afectados pela produção dos efeitos de um acto que esteja fora do registo.
2 - A compra e venda em hasta pública de um prédio é válida e sobrepõe-se a qualquer venda anterior não registada ou com registo posterior ao registo da penhora.» Colhidos os vistos, cumpre decidir.
É de referir, previamente, que este recurso, face ao disposto no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, é destinado à resolução do concreto conflito existente, ficando também a valer como uniformização de jurisprudência nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo mesmo decreto-lei.
Reexaminando a questão da existência da oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, é patente que ela se verifica.
Tal questão resume-se a saber o que são terceiros, para efeitos do registo predial, tendo em vista a norma contida no artigo 5.º do Código do Registo Predial.
No acórdão recorrido, usando-se um conceito amplo, considerou-se terceiro aquele que tem a seu favor um direito que não pode ser afectado pela produção dos efeitos de um acto que não no registo e com ele seja incompatível. Assim, a compra em hasta pública de um imóvel prevalece sobre qualquer venda anterior não registada do mesmo bem ou com registo posterior ao registo da respectiva penhora.
No acórdão fundamento, por seu lado, usando-se um conceito mais restrito, decidiu-se que terceiros são somente os supostos adquirentes de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa de um mesmo autor comum. Vendo assim a questão, não é terceiro o exequente que nomeou o bem à penhora, sendo-lhe oponível uma aquisição anterior do mesmo bem, ainda que não registada.
Verificam-se, assim, todos os pressupostos formais e substanciais da admissibilidade do recurso. O que implica que se conheça do seu objecto.
Para a definição do direito aplicável, importa relembrar os factos apurados no acórdão recorrido. São os seguintes:
Nos autos de execução ordinária em que é exequente o Banco Totta &
Açores, S. A., e executados Jorge Vieira e Daniel Mendes, L., e António Jorge Vieira foi penhorada, em 10 de Janeiro de 1992, a fracção AF, correspondente à habitação n.º 17 do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua do Prof. Bento de Jesus Caraça, 15, no Porto, inscrito na matriz sob o artigo 10 822, AF, Bonfim, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 133/070406, Bonfim;
Esta execução foi instaurada em 17 de Outubro de 1991 com base em títulos vencidos em Novembro e Dezembro de 1990, tendo essa fracção sido nomeada à penhora pelo exequente, embarcado no dia 3 de Janeiro de 1992, e, após a penhora, foi o executado notificado em 16 de Janeiro de 1992;
Essa fracção predial não se encontrava registada em nome do embargante (o terceiro Fernando Martins Peixoto) e a penhora foi registada definitivamente;
Esta fracção predial foi objecto de escritura pública de compra e venda (de fl. 5 a fl. 7 daquele processo), em que figura como comprador da mesma pelo preço de 11 000 000$, já recebido pelo vendedor, o embargante Fernando Martins Peixoto e como vendedor o executado António Jorge Sampaio Vieira.
No acórdão recorrido, os embargos de terceiro foram julgados totalmente improcedentes, por se considerar que a penhora registada prevalece sobre a compra do mesmo bem não levada ao registo.
Para um caso igual, o acórdão fundamento julgou os embargos procedentes, dando sem efeito a penhora.
Havendo que apreciar o acórdão recorrido, dir-se-á que ele deve ser confirmado, por espelhar a boa doutrina.
Transferindo-se a propriedade da fracção predial em causa para o embargante por mero efeito do contrato de compra e venda, nos termos dos artigos 408.º, n.º 1, e 879.º, alínea a), do Código Civil, dir-se-ia que a posterior penhora de tal fracção em execução instaurada contra o vendedor é ineficaz em relação ao comprador, de todo estranho ao processo executivo.
As coisas não podem, porém, ser vistas com esta simplicidade. Há que considerar, no caso, as regras do registo predial.
A transmissão da titularidade do direito de propriedade é apenas um efeito essencial do contrato de compra e venda. Simplesmente, a eficácia não pode ser vista somente num plano interno (entre vendedor e comprador, ou seus herdeiros), mas também num plano exterior (em relação a terceiros). E neste plano há que tomar em conta os princípios do registo predial.
A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo - artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial.
Como o está igualmente a penhora - alínea m) do n.º 1 do mesmo artigo 2.º Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo - artigo 5.º, n.º 1, do citado Código do Registo Predial.
Assim, pretendendo-se que a eficácia do contrato de compra e venda de bens imóveis não fique confina ao plano interno (artigo 4.º, n.º 1, do Código do Registo Predial), há que o levar ao registo, pois este é pressuposto da sua eficácia relativamente a terceiros.
Enquanto o acto não figurar no registo, o alienante aparece, em relação a terceiros, como titular do direito que transferiu por mero efeito do contrato de alienação.
O que deve, porém, entender-se por terceiros para efeitos do registo predial? Num conceito mais restrito, terceiros são apenas as pessoas que, relativamente a determinado acto de alienação, adquirem do mesmo autor ou transmitente direitos total ou parcialmente incompatíveis. Trata-se da definição de Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 19, considerando-se apenas a hipótese da dupla alienação do mesmo direito real.
Não é, porém, exacto que só possa falar-se de terceiros quando o transmitente ou alienante seja comum.
Como é referido por Oliveira Ascensão, Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, pp. 29 e 30, citado no Acórdão deste Supremo de 18 de Maio de 1994, in Colectânea de Jurisprudência, ano II, t. 2.º, p. 113, «parece-nos seguro que semelhante concepção (a concepção restrita) é incompatível com os dados actuais da lei sobre registo. Porque existem hoje textos categóricos a estabelecer a aquisição por meio de registo, em termos que não têm já nada a ver com as hipóteses de dupla disposição de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa.
Essas hipóteses são a da aquisição de um direito em consequência da disposição realizada pelo titular aparente, por força de registo formalmente inválido (hoje o n.º 2 do artigo 17.º), e a da aquisição de um direito de invalidade substancial, que vem prevista no Código Civil (é feita aqui referência ao artigo 291.º desse Código).» Assim sendo, o conceito de terceiros tem de ser mais amplo, de modo a abranger outras situações que não somente a dupla transmissão do mesmo direito.
Terceiros, como referem Antunes Varela e Henrique Mesquita, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 127.º, p. 20, «são não só aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompatíveis mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei, tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não haja intervindo nos actos jurídicos (penhora, arresto, hipoteca, judicial, etc.) de que tais direitos resultam». Este entendimento é também o defendido por Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.º, p. 165, quando escreve: «Pode dizer-se que, se um prédio for comprado a determinado vendedor e for penhorado em execução contra este vendedor, o comprador e o penhorante são terceiros: o penhorante é terceiro em relação à aquisição feita pelo comprador, e este é terceiro em relação à penhora, pois os direitos do comprador e do penhorante são incompatíveis entre si e derivam do mesmo autor.» E, de seguida, acrescenta o mesmo professor: «A noção de terceiro em registo predial é a que resulta da função do registo, do fim tido em vista pela lei ao sujeitar o acto a registo: e, pretendendo a lei assegurar a terceiros que o mesmo autor não dispôs da coisa ou não a onerou senão nos termos que constarem do registo, esta intenção legal é aplicável também ao caso da penhora, já que o credor que fez penhorar a coisa carece de saber se esta se encontra, ou não, livre e na propriedade do executado.» Defendendo-se este conceito amplo de terceiros, para efeitos de registo predial, pronunciaram-se Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., n.º 4 ao artigo 819.º, e Anselmo de Castro , A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª ed., p. 161.
Só este conceito amplo de terceiros tem em devida conta os fins do registo e a eficácia dos actos que devam ser registados.
Na verdade, se o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (cf. artigo 11.º do Código do Registo Predial), tão digno de tutela é aquele que adquire um direito com a intervenção do titular inscrito (compra e venda, troca, doação, etc.) como aquele a quem a lei permite obter um registo sobre o mesmo prédio sem essa intervenção (credor que regista uma penhora, hipoteca judicial, etc.).
No caso que nos ocupa, o credor embargado e o embargante são terceiros.
Por assim ser, e porque a compra efectuada pelo embargante não foi levada ao registo antes de a penhora ter sido registada, é aquela ineficaz em relação a esta, devendo a execução prosseguir os seus termos.
Não importa apurar se o credor exequente agiu de boa ou má fé ao nomear à penhora a fracção predial em causa. É que a eficácia do registo é independente da boa ou má fé de quem regista.
Como ensinaram Antunes Varela e Henrique Mesquita, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 127.º, p. 23, «o registo destina-se a facilitar e a conferir segurança ao tráfico imobiliário, garantindo aos interessados que, sobre os bens a que aquele instituto se aplica, não existem outros direitos senão os que o registo documento e publicita. Os direitos não inscritos no registo devem ser tratados como direitos `clandestinos', que não produzem quaisquer efeitos contra terceiros.
Se os efeitos do registo fossem impugnáveis pelo facto de o titular inscrito ter sabido ou ter podido saber, antes de requerer a inscrição, que havia direitos incompatíveis não registados, o instituto do registo deixaria de proporcionar a segurança e a comodidade que constituem as suas finalidades principais.» Tal como se escreveu na mesma Revista, ano 54.º, p. 378, «o registo tem uma dupla função - a função positiva, segundo a qual todos os actos registados se consideram conhecidos, e a função negativa, que consiste em se considerarem não conhecidos os actos não registados.» Não merecendo protecção legal o direito invocado pelo embargante, porque afastado pelas regras do registo predial, há que confirmar o acórdão recorrido.
Nestes termos, acordam em plenário as secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:
I - Julgar improcedente o recurso, mantendo-se o acórdão recorrido;
II - Condenar o recorrente nas custas;
III - Uniformizar a jurisprudência do modo seguinte:
Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.
Lisboa, 20 de Maio de 1997. - Tomé de Carvalho - Herculano de Lima - Costa Soares - Silva Paixão - Aragão Seia - Fernando Fabião (votei a decisão) - Machado Soares - Lopes Pinto - Torres Paulo (votei a decisão) - Figueiredo de Sousa - Mário Cancela - Sampaio da Nóvoa - Costa Marques - Pereira da Graça - Martins da Costa (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Roger Lopes (vencido, nos termos da declaração que junto) - Sousa Inês (vencido, nos termos da declaração que junto) - Sá Couto (vencido, conforme a declaração de voto do Ex. Conselheiro Sousa Inês) - Joaquim de Matos (vencido, em conformidade com a declaração de voto do Ex.
Conselheiro Dr. Sousa Inês) - Pais de Sousa (vencido, nos termos da declaração de voto do Conselheiro Martins da Costa) - Cardona Ferreira (vencido, nos termos da declaração junta) - Nascimento Costa (vencido, subscrevo a declaração de voto do Sr. Conselheiro Sousa Inês) - Fernandes Magalhães (vencido, em conformidade com a declaração de voto do Ex.
Conselheiro Martins da Costa) - César Marques (vencido, nos termos do voto do Ex. Conselheiro Martins da Costa) - Almeida e Silva (vencido, nos termos do voto expresso pelo Ex. Juiz Conselheiro Martins da Costa) - Ribeiro Coelho.
Criticando a argumentação desenvolvida no acórdão, direi que:1 - É verdade que existem hoje textos categóricos a estabelecer a aquisição por meio do registo - os contidos no n.º 2 do artigo 17.º do Código do Registo Predial e no artigo 291.º do Código Civil.
Trata-se, porém, a meu ver, de casos excepcionais, como tal previstos e disciplinados.
2 - Não subscrevo a afirmação de que «a eficácia do registo é independente da boa ou má fé de quem regista».
O registo predial confere publicidade ao direito registado, numa perspectiva de protecção da fé pública, que encontra a sua razão de ser na boa fé de quem tenha procedido ao registo.
Reportando-me agora à doutrina nele citada, referirei as opiniões expendidas por:
1 - Diogo Bártolo, Efeitos do Registo Predial, relatório apresentado no Seminário de Registos e Notariado do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas de 1985-1986, onde afirma, a p. 19, «que a expressão à `[...] só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo' não deve ser interpretada à letra porque senão estar-se-ia a legitimar, antes do registo, toda e qualquer ingerência de terceiros na esfera jurídica do verdadeiro titular do prédio, o que seria deveras estranho, dado a lei já reconhecer o direito do adquirente ainda antes do registo, como se conclui do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do Registo Predial», e, a p. 20: «Pretende-se, com a publicidade registral, informar os terceiros acerca das titularidades sobre os prédios, a fim de evitar que sejam feitas aquisições a quem não tenha legitimidade para alienar.
Sendo assim, parece legítimo concluir que a lei, no artigo 5.º, n.º 1, apenas pretendeu proteger os terceiros que, iludidos pelo facto de não constar do registo a nova titularidade, foram negociar com a pessoa que no registo (ou fora dele) continuava a aparecer como sendo o titular do direito, apesar de já o não ser.» 2 - Orlando de Carvalho, «Terceiros para efeitos do registo», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, LXX, 1994, que considera que o registo tem como características ser um registo de aquisições e não de pessoas, facultativo e declarativo (pp. 98 e 99).
Diz mais este autor (p. 102): «Quem adquiriu a domino, ainda que não tenha transcrito, é sempre preferido a quem adquire a non domino, se bem que o seu título se torne público. O que importa, em suma, é realçar que terceiros são apenas os que estão em conflito entre si, o que só se verifica quando o direito de um é posto em causa pelo outro. Pressupõe isto que o transmitente ou causante é o mesmo, pois, não o sendo, só um dos adquirentes é a domino e o direito do outro, mais do que afectado pelo direito daquele, é afectado pelo não direito do seu tradens.» Para acrescentar (p. 105): «[...] a concorrência entre a posse e o registo, ou presunções fundadas numa e noutro, é referida expressamente na lei (Código Civil, artigo 1268.º, n.º 1).» E conclui (na mesma página): «[...] terceiros para efeitos de registo são os que do mesmo autor recebem sobre o mesmo objecto direitos total ou parcialmente conflituantes.» Passarei agora a comparar a situação verificada nos autos, de penhora em bens registados em nome do executado, mas com oposição por embargos de quem se considera proprietário deles, com a situação que se encontra disciplinada pelo Código do Registo Predial relativamente à penhora, de bens registados em nome de quem não é o executado.
Neste último caso, a penhora será registada provisoriamente, por natureza - Código do Registo Predial, artigo 92.º, n.º 2, alínea a).
No primeiro dos casos, o proprietário não é admitido, sequer, a ilidir em juízo a presunção derivada do registo, enquanto, no segundo, o juiz deve ouvir o titular do registo, no sentido de ele vir ao processo declarar se o bem lhe pertence ou não - artigo 119.º, n.º 1, daquele Código.
E então, se o titular inscrito declarar que o bem penhorado lhe pertence, o juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns, conforme dispõe o n.º 4 deste artigo 119.º, e, se nada disser ou se declarar que o bem já não lhe pertence, será expedida certidão à conservatória para conversão oficiosa do registo em definitivo e prosseguirem os termos da execução, por força do n.º 3.
Consequências: no caso dos autos virá eventualmente a pagar-se o crédito do exequente através da alienação de bens que, não sendo do devedor, não constituíam garantia comum do crédito daquele, e isto sem possibilidade de discussão em juízo do conflito de direitos existente, mas, na hipótese que suscitei, tudo decorrerá de harmonia com a regra de que «o património do devedor é garantia comum dos credores», já podendo, agora, os efeitos da presunção derivada do registo vir a ser discutidos em juízo.
Concordando com a argumentação constante do acórdão fundamento, penso que, no sistema português de registo meramente declarativo e que constitui presunção ilidível, a uniformização da jurisprudência deveria ter conduzido à solução conferida pelo acórdão fundamento. - Roger Lopes.
Declaração de voto
Salvo o devido respeito, entendo que o conceito de «terceiros», para efeito do registo predial, tem o sentido restrito de adquirentes, do mesmo autor ou transmitente, de direitos incompatíveis sobre certa coisa.É esse o sentido que, tradicionalmente, tem sido usado na doutrina e na jurisprudência (M. Andrade, Teoria Geral ..., vol. II, p. 19, Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 97.º, p. 56, A. Varela, na mesma Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 118.º, p. 313, e, entre outros, o Acórdão deste Tribunal de 18 de Maio de 1994, na Colectânea do Supremo Tribunal de Justiça, vol. II, 2.ª ed., p. 111), e, se tivesse pretendido a sua alteração, o legislador não teria, razoavelmente, deixado de a consignar no Código Civil de 1996 ou nos sucessivos códigos do registo predial; a falta de intervenção legislativa conduz, pois, a dever ter-se como relevante o sentido tradicional.
Tal sentido é ainda o mais razoável, em função da natureza não constitutiva mas simplesmente declarativa ou presuntiva do registo (artigo 7.º do Código do Registo Predial) e dos resultados «injustos» ou onerosos que podem advir para o primeiro adquirente pelo mero descuido em proceder ao registo.
Em face desse conceito, o exequente que nomeia bens à penhora e o seu anterior adquirente não são «terceiros»: embora sujeita a registo, no caso de imóveis, a penhora não se traduz na constituição de algum direito real sobre o prédio, sendo apenas um dos actos em que se desenvolve o processo executivo ou, mais directamente, um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satisfação dos fins da execução; quem efectua a penhora não é o exequente, que se limita a promovê-la, nem o executado, que a sofre, mas o tribunal, no uso dos poderes legais; e do entendimento de que o penhorante obtém «um direito contra o executado [...] que pode considerar-se deste, embora sem a sua intervenção» (Vaz Serra, Revista, cit., ano 103.º, p. 165), resulta uma acentuada amplitude do conceito de terceiros, incompatível com o apontado sentido restrito.
O mais que se poderá admitir é que, por não dar a lei a noção de «terceiros», esta deva «ser depreendida da finalidade das disposições legais que sujeitam os actos a registos, e que ela pode variar consoante essa finalidade» (Vaz Serra, Revista, cit., ano 97.º, p. 59, nota), pelo que a sua aplicação deverá atender ao regime de cada situação jurídica, abstraindo-se de qualquer sentido amplo ou restrito.
Ora, tanto pelos efeitos que lhe são atribuídos como pelo respectivo regime processual, não é de aplicar ao caso da penhora o princípio estabelecido no artigo 5.º, n.º 1, do citado Código do Registo Predial.
Pelo artigo 819.º do Código Civil, «sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de alienação ou oneração dos bens penhorados», o que é confirmado pelo artigo 838.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Assim, esses actos podem ser praticados e são válidos, só não afectando os fins da execução, a qual prossegue como se os bens continuassem a pertencer ao executado, a não ser que o registo da penhora seja posterior ao desses actos.
Aquela ineficácia, porém, apenas se reporta aos actos posteriores ao registo da penhora, pelo que «os actos de disposição ou oneração dos bens, com data anterior ao registo da penhora, prevalecem sobre esta» (P. Lima e A.
Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 1.ª ed., p. 67, e, no domínio da lei anterior, A. Reis, Proc. Exec., vol. II, p. 115).
No mesmo sentido concorre a circunstância de, no anteprojecto do direito das obrigações, se haver proposto a extensão daquela ineficácia aos actos anteriores não registados, o que não veio a ser acolhido no Código Civil (cf.
Revista, cit., ano 103.º, p. 161), e os argumentos invocados por A. Castro para a interpretação extensiva do citado artigo 819.º (Acção Executiva ..., p. 156) são irrelevantes, pois a obrigatoriedade do registo da penhora, ao lado de outros actos, é questão diversa da dos seus efeitos, e se o código italiano contém disposição expressa destinada a «pôr termo a dúvidas [...]», mais razoável é admitir-se que o legislador português, por não ter formulado idêntica disposição, quis antes adoptar outra solução.
Por outro lado, só podem ser penhorados, em regra, bens do executado (artigos 601.º e 817.º do Código Civil) e os bens por ele já alienados, apesar da falta de oportuno registo, são bens de terceiro, que não estão sujeitos à execução nem devem, por isso, ser penhorados.
Aliás, a tese que obteve vencimento conduz à solução aberrante de esses bens poderem ser penhorados em execução movida contra o alienante (pela falta de registo) ou contra o adquirente (por se integrarem no seu património).
Com aquele objectivo de apenas serem penhorados bens do executado, a lei processual prevê a realização de diligências oficiosas, em caso de dúvida sobre a titularidade dos bens (artigo 832.º), e confere diversos meios de reacção contra as penhoras indevidamente efectuadas.
Um desses meios é o processo especial de embargos de terceiro (artigos 1037.º e seguintes), que terá de ser usado antes da venda e em que basta a posse do terceiro ofendida pela penhora; outro é a acção comum de reivindicação, que pode ser intentada pelo proprietário para pedir o reconhecimento do seu direito e o levantamento da penhora (artigo 1311.º do Código Civil, cf. A. Reis, ob. cit., p. 452, e E. Lopes Cardoso, Manual ..., p.
642).
A essa acção se referem ainda os artigos 909.º, n.º 1, alínea d), e seguintes do Código de Processo Civil e 825.º do Código Civil e, sendo lavrado «protesto pela reivindicação» no processo executivo, no acto da venda ou antes dela, os bens não podem ser entregues ao comprador sem a observância de determinadas cautelas.
Em todos esses casos, como no de ser levantada, nos embargos de terceiro, a questão da propriedade dos bens penhorados, a lei não faz depender o direito do embargante ou do reivindicante do prévio registo desse direito em relação ao da penhora, certamente por considerar que deve ser dada prevalência à efectiva titularidade dos bens sobre os fins da execução, o que não deixa de ser razoável.
Aliás, se a questão se resolvesse apenas pela anterioridade do registo, aquelas diligências oficiosas e esses meios de reacção contra a penhora não teriam verdadeira justificação, na medida em que tudo se resumiria à exibição dos títulos do registo, e sempre restará ao exequente a possibilidade de impugnação dos actos jurídicos que tiverem sido celebrados.
Apesar disso, mas por outras razões, concorda-se em que sempre seria de confirmar o acórdão recorrido.
O fundamento dos embargos de terceiro deduzidos contra a penhora é a posse do embargante sobre a coisa penhorada, com posse real e efectiva, só esta sendo susceptível de conferir a presunção de titularidade do respectivo direito (A. Reis, Proc. Esp.,I, p. 404, e, entre outros, o Acórdão deste Tribunal de 28 de Novembro de 1975, no Boletim, n.º 251, p. 135).
Como consta daquele acórdão, o embargante não fez qualquer prova dos factos integrantes da posse e, só por isso, os embargos teriam de improceder, sendo de todo dispensável a apreciação e aplicação do aludido conceito de «terceiros».
O conflito de jurisprudência que aqui se pretende resolver respeita ao alcance desse conceito, mas o tribunal de recurso, mesmo em recurso para o «tribunal pleno», não está impedido de manter a decisão recorrida por outros fundamentos jurídicos, com base no princípio consignado no artigo 664.º do Código de Processo Civil, como resultava, aliás, do artigo 678.º, n.º 3, desse Código.
Assim, mesmo aderindo-se ao conceito restrito de terceiros, seria de confirmar o acórdão recorrido, que manteve a improcedência dos embargos, por falta de prova da posse do embargante.
Pelo exposto, e em conclusão, entendo que haveria de confirmar-se o acórdão recorrido, na parte relativa à improcedência dos embargos, e de formular-se decisão uniformizadora, no sentido de que:
Para efeito do registo predial, são «terceiros» as pessoas que do mesmo autor ou transmitente adquiriram direitos incompatíveis sobre certa coisa;
Não têm essa qualidade o exequente que nomeia bens à penhora e o
anterior adquirente desses bens;
Mesmo que eles fossem considerados «terceiros», a penhora não prevalece sobre a anterior e válida alienação dos bens, apesar do prévio registo da primeira, se o adquirente desses bens reagir, oportuna e procedentemente, pelos meios legais ao seu dispor, contra aquele acto judicial.José Martins da Costa.
Declaração de voto
1 - Muito em resumo, não obstante o carácter douto do acórdão recorrido, tenho entendido, e não encontro razões concretas para deixar de entender, que a solução mais razoável do problema em apreço está com o acórdão fundamento, na linha dos princípios reflectidos, v. g., no artigo 9.º do Código Civil, basicamente no n.º 3.Claro que já La Palice diria que cada caso é um caso.
Mas a orientação do acórdão fundamento, embora eu aceite que, em direito, tudo, ou quase tudo, é controvertível, tem estado explícita ou implícita em vários estudos e arestos como, por exemplo, o recente Acórdão de 8 de Abril de 1997, na revista n.º 826/96, da 1. Secção deste Supremo.
Aliás, é inquestionável que o acerto ou desacerto de uma opção jurídica não é dependente da mera aritmética de apoios.
Se a divergência estivesse no elemento «posse», ainda o acórdão recorrido encontraria um meio de reflexão nesse âmbito, embora entenda que os embargos de terceiro nunca rejeitaram, como sua base, a posse causal, até mais relevante que a meramente formal; aliás, na actual versão processual dos embargos de terceiro, como processo de intervenção de terceiros, a posse vem já explicitamente acompanhada da hipótese de «qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência» (novo artigo 351.º n.º 1, do Código de Processo Civil).
2 - Mas sabe-se que a questão a dilucidar, aqui e agora, se reporta ao conceito de «terceiro».
Aquela expressão «conceito» conduz-nos a pensar que este caso parece ser uma situação em que, por um lado, estão excessivas regras conceituais e, por outro, uma realista jurisprudência de interesses ou, mais do que isso, de valores.
É que tudo consiste em viabilizar, ou não, que um bem de terceiro, sem qualquer justificação substantiva, responda por débito de outrem.
Isto ofenderia os mais claros princípios da razoabilidade, da boa fé e do próprio direito substantivo, que não pode deixar de ser mais importante do que o meramente registral, fazendo interpretar este à luz daquele, na unidade do sistema jurídico.
3 - O que transfere a titularidade de um bem não é o registo, é, designadamente, o negócio de compra e venda, com a sua eficácia real [artigos 408.º e 879.º, alínea a), do Código Civil].
O registo predial continua a ser essencialmente declarativo (o comercial é que, por força do Código das Sociedades Comerciais, poderá ser visto por outro prisma): artigo 1.º do Código do Registo Predial (de 1984), numa linha tradicional (v. g., artigo 1.º do Código do Registo Predial de 1967 e artigo 1.º do Código do Registo Predial de 1959).
E, procurando sintonizar o direito substantivo com o registral, continua a ser válida a orientação segundo a qual «terceiros», para efeitos do artigo 5.º do Código do Registo Predial, são as pessoas que adquirem direitos incompatíveis do mesmo transmitente Prof. Manuel de Andrade (Teoria Geral, vol. II, p. 19).
Esta perspectiva tem sido largamente reflectida na jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça (só para referir alguns arestos mais ou menos recentes: Acórdãos de 13 de Fevereiro de 1979, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 284, p. 176, de 27 de Maio de 1980, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 297, p. 271, de 21 de Setembro de 1989, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 389, p. 593, de 26 de Abril de 1988, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 376, p. 613, de 8 de Dezembro de 1988, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 382, p. 463, de 29 de Outubro de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 410, p. 731, de 29 de Setembro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, Supremo Tribunal de Justiça, I, n.º 3, p. 29, de 18 de Maio de 1994, in Colectânea de Jurisprudência, Supremo Tribunal de Justiça, II, n.º 2, e III, de 13 de Dezembro de 1996, in
Colectânea de
Jurisprudência, Supremo Tribunal de Justiça, IV, n.º 1, p. 88, e de 12 de Dezembro de 1996, processo 86 129, da 2.ª Secção, «Sumários», 6, 35).4 - Tudo isto a conjugar com o carácter meramente presuntivo do direito registado, conforme se reflecte no artigo 7.º do Código do Registo Predial.
E ainda, pensando que uma penhora não transfere direitos de propriedade, e que, porventura mais relevantemente, nada indicia que tenha sido o executado vendedor, neste caso, a indicar o bem à penhora, creio que é inaceitável, no circunstancialismo vertente, fazer um bem de terceiro responder por dívida de outrem, contra o alcance, a contrario sensu, designadamente, do artigo 817.º do Código Civil, em sintonia com o artigo 818.º do mesmo Código e o artigo 821.º do Código de Processo Civil.
Naturalmente, não me refiro a casos excepcionais, mas apenas aos princípios gerais e a este caso concreto.
5 - Penso que a máxima suum quique tribuere continua a ser um muito relevante leit motiv da actividade jurisdicional, que não sai salvaguardado, neste caso, com a tese contrária à que defendo.
Daí que, ressalvando o devido respeito pela opinião em contrário , decidisse em sentido contrário ao do douto projecto de acórdão. - Cardona Ferreira.
Declaração de voto
1 - Votei a uniformização de jurisprudência nos seguintes termos: «Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os que do mesmo autor ou transmitente recebam sobre o mesmo objecto direitos total ou parcialmente conflituantes.» Louvo-me no ensino de Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1960, pp. 19-20, e Orlando de Carvalho, «Terceiros para efeitos de registo», in Boletim da Faculdade de Direito, ano 70.º, 1994, pp. 97 e segs.2 - Continua inteiramente válida a justificação deste conceito «restrito» de terceiros para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial que foi dada por Manual de Andrade: não existe cadastro geométrico dos prédios urbanos, o dos prédios rústicos não abrange todo o país e não é rigoroso, e o que se regista são actos de transmissão com base em título que pode ser bem pouco fiável, nomeadamente pelo que respeita aos casos de justificação judicial, justificação notarial (em que se permite que se supere o princípio do trato sucessivo) e habilitação de herdeiros.
Explicando melhor: em consequência de o registo não ser constitutivo, pode dar-se o caso de o titular inscrito haver transmitido o seu direito a um primeiro adquirente, deixando aquele de ser titular do direito.
Isto permite que um terceiro obtenha um título (mediante justificação notarial, justificação judicial, habilitação de herdeiros - com ou sem partilha -, penhora e arrematação e, quiçá, outras) sem intervenção daquele titular inscrito. Este título é substancialmente inválido porque representa aquisição a non domino. A sua criação só é possível por o sistema ser imperfeito, por permitir a transmissão independentemente do registo.
O intérprete tem de reconhecer a imperfeição do sistema. É por isto que tem de deixar de fora da previsão do artigo 5.º do Código do Registo Predial estas situações em que o título é obtido pelo terceiro sem intervenção do titular inscrito.
Há que ser coerente: ou se institui um registo constitutivo, e então pode dar-se de terceiro a noção do acórdão, ou, sendo o registo meramente declarativo, não se pode ir além da definição clássica.
Do mesmo passo, não é terceiro aquele que adquira de quem não é o titular inscrito (ou seja, aquela hipótese em que os titulares de direitos em conflito adquiriram a diferentes sujeitos); ora, na noção «extensiva» do acórdão, também estes seriam terceiros entre si.
Há direitos não inscritos no registo; e neste podem subsistir não direitos.
3 - A hipótese que está em causa no artigo 5.º do Código do Registo Predial é a de dupla transmissão de direito sobre o mesmo objecto.
Esta hipótese é diferente das previstas nos artigos 17.º, n.º 2, do Código do Registo Predial e 291.º do Código Civil. Estes preceitos ocupam-se de hipóteses de transmissões sucessivas.
Em todo o caso, a noção de terceiros que resultaria dos preceitos legais agora citados não seria a do acórdão, mas sim esta, dita «intermédia»: «Terceiros são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, adquirido por via negocial, de boa fé, a título oneroso, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado posteriormente.» Não é, assim, lícito invocar estes preceitos legais em ordem a justificar a noção de terceiros dada no acórdão, dita «extensiva».
4 - A definição do acórdão aponta (ou parece apontar) no sentido de atribuir à inscrição no registo o valor de presunção juris et de jure, como se o registo fosse constitutivo, o que é inadmissível.
O registo definitivo atribui ao respectivo titular, de harmonia com o artigo 7.º do Código do Registo Predial, apenas uma presunção juris tantum da existência e titularidade do direito susceptível de ser ilidida por prova em contrário, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.
Assim, o facto jurídico registado, base da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, pode ser impugnado mediante acção na qual se peça simultaneamente o cancelamento do registo (que é substancialmente inválido), nos termos dos artigos 3.º, 8.º e 13.º do Código do Registo Predial.
5 - Em todo o caso, o conflito entre o primeiro adquirente (o que adquire a domino) e o segundo adquirente (o que adquire a non domino) de má fé no momento da aquisição ou a título gratuito, mas que registou a aquisição, deverá ser sempre resolvido com sacrifício do segundo. Esta solução impõe-se por o mafioso não merecer a tutela do direito, no primeiro caso, e por o direito, em caso de conflito, preferir sacrificar aquele que sofre menor prejuízo, no segundo caso, e deve fundamentar-se no disposto nos artigos 17.º, n.º 2, do Código do Registo Predial e 291.º do Código Civil, que disciplinam hipóteses que apresentam afinidade.
Esta a contribuição que os defensores da solução dita «intermédia» trouxeram.
6 - Tudo isto que vem sendo dito respeita ao direito de propriedade (e a outros direitos referidos no artigo 2.º do Código do Registo Predial).
7 - Mas o primeiro adquirente poderá, além do direito de propriedade, ter adquirido também a posse, nomeadamente mediante constituto possessório, nos termos do artigo 1264.º do Código Civil.
A posse não está sujeita a registo, sendo eficaz
erga omnes,
independentemente dele.Um dos efeitos da posse, sem que seja necessário que esta tenha uma determinada duração temporal, é o da presunção da titularidade do direito correspondente a favor do possuidor, nos termos do artigo 1268.º do Código Civil.
Pode, assim, ocorrer conflito de presunções, ambas a indicar o respectivo beneficiário como titular do mesmo direito, uma a favor do possuidor e outra a favor de quem obteve o registo de determinado facto jurídico, ambas ilidíveis. O legislador resolve este conflito atribuindo prevalência à presunção mais antiga (artigo 1268.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, sendo o início da posse do primeiro adquirente anterior à penhora (1) é a presunção a favor daquele a que prevalece sobre a presunção a favor do arrematante, apesar de a aquisição deste se reportar à data do registo da penhora (2) .
Neste caso, o primeiro adquirente é admitido a defender a sua posse nos termos dos artigos 1267.º e seguintes do Código Civil, nomeadamente por embargos de terceiro, e sem que o segundo adquirente, enquanto apenas beneficiário da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, possa opor esta presunção (por ser posterior) ou o direito adquirido (dada a nulidade da penhora e da venda de bem alheio).
8 - Finalmente, o primeiro adquirente, caso possa beneficiar de posse com a necessária duração temporal, adquire o direito correspondente por usucapião, nos termos do disposto nos artigos 1287.º e seguintes do Código Civil, aquisição esta que retroage os seus efeitos à data do início da posse (artigo 1288.º do Código Civil), com inutilização de todas as situações substantivas ou registais existentes (com prevalência, até, sobre a aquisição tabular).
9 - Isto mostra que aquele que pretenda ter o domínio de uma coisa deve, antes de a adquirir, assegurar-se acerca da propriedade e da posse do transmitente e curar de adquirir ambas, dado que o registo não tem efeito constitutivo.
Se o direito de propriedade é o rei dos direitos reais, então a posse é a rainha:
aquele que pretenda o domínio de uma coisa tem de assegurar-se de ter ambos por si.
É por isto que à «negligência» do primeiro adquirente que não logre obter registo prioritário se poderá opor, as mais das vezes, a «negligência» do segundo adquirente que haja descurado a posse.
10 - Em consequência do exposto, votei a revogação do aliás douto acórdão recorrido. - Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês.
(1) Sendo a posse do primeiro adquirente titulada, presume-se que há posse desde a data do título (artigo 1254.º, n.º 2, do Código Civil).
(2) Note-se que a prevalência a favor do possuidor também ocorre se houver dúvidas acerca de qual das presunções é a mais antiga (artigo 1268.º, n.º 1, do Código Civil).