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Acórdão 11/97, de 5 de Junho

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Sumário

Todos os trabalhadores da CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., cujos contratos de trabalho estejam em vigor no mês de Dezembro têm, nos termos do n.º 1 da cláusula 110.ª do respectivo acordo de empresa (celebrado em 28 de Novembro de 1980 entre a CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., e a Federação dos Sindicatos Ferroviários e outros, publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 3, de 22 de Janeiro de 1981, a p.p. 180 a 230), direito a receber um subsídio de Natal de valor igual à retribuição a receber nesse mês, por inteiro. Rec. n.º 156/96 - Secção Social).

Texto do documento

Acórdão 11/97
Recurso n.º 156/96 - Secção Social. - Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - O Sindicato dos Ferroviários do Centro veio, ao abrigo dos artigos 177.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, intentar, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., acção declarativa ordinária, pedindo se reconheça que, nos termos do n.º 1 da cláusula 110.ª do acordo de empresa (AE), todos os trabalhadores associados do autor ao serviço no mês de Dezembro têm direito a receber um subsídio de Natal igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos e ainda se condene a ré a pagar a cada um desses trabalhadores que estiveram ao serviço no mês de Dezembro de 1992 as importâncias descontadas no subsídio de Natal desse ano, sempre que tais descontos decorressem da verificação de factos que implicaram perda de vencimento, exceptuadas as abrangidas pelos n.os 2 e seguintes da dita cláusula 110.ª

A ré contestou, alegando, em síntese, não ser essa a interpretação correcta da referida cláusula, mas sim aquela que pratica, pela qual o 13.º mês é igual à retribuição mensal a que o trabalhador tem direito, concretamente, no mês de Dezembro. Assim, no seu entender, devem repercutir no 13.º mês, ou subsídio de Natal, eventuais faltas injustificadas que o trabalhador dê no dito mês de Dezembro.

Condensada e julgada a causa, proferiu-se sentença que condenou a ré:
a) A reconhecer que, ao abrigo do disposto no n.º 1 da cláusula 110.ª do AE, todos os trabalhadores associados do autor ao serviço no mês de Dezembro têm direito a receber um subsídio de Natal igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos;

b) A pagar a cada um dos trabalhadores associados do autor que estiveram ao serviço no mês de Dezembro de 1992 as importâncias descontadas no subsídio de Natal desse ano, sempre que tais descontos decorressem da existência de faltas que implicaram perda de vencimento, exceptuadas as abrangidas pelos n.os 2 e seguintes da cláusula 110.ª do dito AE.

Apelou a ré, mas a Relação de Lisboa, pelo seu acórdão a fls. 275 e seguintes, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença.

Desse acórdão pediu a ré revista, concluindo assim a sua alegação:
«1 - O douto acórdão recorrido, aliás no seguimento da douta sentença da 1.ª instância, fez errónea interpretação e aplicação do regime jurídico aplicável à situação sub judice, mais concretamente do regime constante da cláusula 110.ª do AE de 1980 (também designado por AE/FSF - 1981), já devidamente identificado nos autos, e respeitante ao 'subsídio de natal' ou '13.º mês'.

2 - Na verdade e como a ora recorrente vem repetidamente sustentando nos autos, face a tal regime convencional, o montante do 'subsídio de Natal' ou '13.º mês' varia em função da remuneração efectivamente recebida e devida no mês de Dezembro de cada ano - se se quiser, em função dos dias de trabalho 'realizados' nesse mesmo mês.

3 - De forma tal que, em situação limite, se um trabalhador deixar de ter retribuição no mês de Dezembro por ter pedido todo esse mês de licença sem vencimento ou licença sem retribuição, obviamente não terá direito ao '13.º mês'.

4 - É que, não havendo retribuição (ou situação equivalente - situação de baixa 'atestada' pela segurança social) em Dezembro, por hipótese, não se pode pagar um 'subsídio de Natal' por referência a uma retribuição que nesse mês não existe - que nesse mês é zero! Isto no regime da convenção acima referenciada, entenda-se!

5 - Na verdade, com a devida vénia, a conclusão anterior - que mais não é do que a 4.ª conclusão do recurso de apelação - afigura-se-nos como inquestionável, uma vez que, não existindo retribuição, não poderá haver um 'subsídio' por referência a algo que não existe (zero é igual a zero!).»

O autor contra-alegou sustentando o acórdão recorrido.
A ilustre procuradora-geral-adjunta neste Supremo Tribunal (Secção Social) emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - 1 - A questão fulcral levantada nas conclusões do recurso (que, como se sabe, delimitam o seu objecto) consiste em saber se o montante do «subsídio de Natal» ou «13.º mês» deve ser calculado em função dos dias de trabalho prestados nesse mês.

Isto por contraponto à pretensão do autor recorrido no sentido de se reconhecer aos trabalhadores em serviço no mês de Dezembro o direito a receber um subsídio de Natal igual a um mês de retribuição, ou seja, igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos.

Trata-se, portanto, de fixar a interpretação do n.º 1 da cláusula 110.ª do AE em vigor na ré recorrente.

2 - Todavia, antes de se entrar na decisão da questão acima referida, impõe-se desde já a resolução do problema suscitado pela acumulação de pedidos efectuada sob as alíneas a) e b) na petição inicial, problema esse não decidido, nem sequer examinado, nas instâncias, mas que é do conhecimento oficioso do Tribunal (cf. artigo 495.º do Código de Processo Civil.)

Na verdade, sob a alínea a), pediu o autor, na petição inicial, se reconhecesse que, ao abrigo do disposto no n.º 1 da cláusula 110.ª do AE, todos os trabalhadores ao serviço no mês de Dezembro têm direito a receber um subsídio de Natal igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos.

E, sob a alínea b), pediu o autor fosse a ré condenada a pagar a cada um dos trabalhadores seus associados que estiveram ao serviço no mês de Dezembro de 1992 as importâncias descontadas no subsídio de Natal desse ano, sempre que tais descontos decorressem da existência de faltas que implicaram perda de vencimento, exceptuadas as abrangidas pelos n.os 2 e seguintes da referida cláusula 110.ª

Ao pedido deduzido na alínea a) corresponde a forma de processo especial prevista nos artigos 177.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho e ao pedido formulado sob a alínea b) corresponde a forma de processo declarativo comum.

Ora, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do Código do Processo do Trabalho (cf. artigo 470.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), só pode haver cumulação de pedidos quando lhes corresponda a mesma espécie de processo - situação que, como se viu, não se verifica.

Tratando-se, como se trata, de uma incompatibilidade processual, a sanção é a da absolvição da instância relativamente ao pedido para o qual a forma de processo seja inadequada.

Esse pedido é, neste caso, o formulado sob a alínea b) da petição inicial, pelo que, relativamente a ele, se absolve a ré recorrente da instância.

III - No acórdão recorrido fixou-se a seguinte matéria de facto:
1 - A alguns trabalhadores associados do autor que, por razões de vária ordem, faltaram ao serviço no mês de Dezembro de 1992 e, quando tais faltas implicaram desconto no vencimento, a ré, para além de proceder ao desconto no salário, procedeu também ao mesmo desconto no 13.º mês - subsídio de Natal.

2 - Assim, todos os trabalhadores associados do autor que tenham faltado ao serviço no mês de Dezembro de 1992, em virtude de terem estado alguns dias de licença sem vencimento, de terem aderido à greve legalmente decretada, ou terem faltado injustificadamente, sofreram um desconto na retribuição mensal correspondente ao período em falta.

3 - Bem como igual desconto no 13.º mês - subsídio de Natal.
4 - Tais descontos foram processados nas folhas de vencimento do mês de Janeiro seguinte.

5 - Dá-se como reproduzida a cláusula 110.ª do AE celebrado em 28 de Novembro de 1980 entre a CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., e a Federação dos Sindicatos Ferroviários e outros, publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 3, de 22 de Janeiro de 1981, a pp. 180 a 230.

6 - O desconto efectuado na retribuição decorrente de faltas, como o acima mencionado, ocorrido em qualquer outro mês que não o de Dezembro, não tem outra consequência que não seja o desconto do período de tempo em causa no vencimento do mês a que respeita.

8 - A ré propôs em sede de negociação colectiva que para cálculo do 13.º mês se introduzisse a regra da «proporcionalidade», a qual pode assumir vários conteúdos e que, no caso, não se determinam em globo.

9 - Porém, este critério não tem tido aceitação sindical.
IV - 1 - O n.º 1 da cláusula 110.ª em questão reza assim:
«Os trabalhadores receberão até 10 de Dezembro um subsídio não inferior à retribuição mensal a que têm direito no mês de Dezembro.» (Cf. fl. 20.)

É este normativo que se visa interpretar, o que se deverá fazer mediante a aplicação das normas sobre interpretação da lei, dado se inserir no conteúdo regulativo do AE (cf. assento 2/96 da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, Diário da República, 1.ª série, de 22 de Março de 1996).

Visa-se, assim, a reconstituição do pensamento que norteou tal normativo, em conformidade com os critérios do artigo 9.º do Código Civil.

Para se erguer desde a superfície verbal da norma até ao pensamento legislativo que a informa, é de todos sabido dever o intérprete socorrer-se dos conhecidos instrumentos hermenêuticos que são os elementos gramatical e lógico e, dentro deste último, os elementos racional ou teleológico, sistemático e histórico.

Mas, na impossibilidade de reconstituição histórica - dado o défice indiciário que a afecta - do texto legal ou normativo, a tarefa interpretativa apoia-se sobretudo na pesquisa da intencionalidade que a ele presidiu, reconhecendo-se assim um peso decisivo aos elementos racional ou teleológico e sistemático.

2 - Apesar de só com a entrada em vigor do Decreto-Lei 88/96, de 3 de Julho, se ter tornado obrigatório o subsídio de Natal - ou «13.º mês» -, encontrava-se já consagrado pela generalidade dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho (IRC). Esse subsídio consiste na atribuição de um mês de vencimento aos trabalhadores por ocasião do Natal ou do fim do ano.

O problema principal - e estamos no plano racional ou teleológico de interpretação - que se põe a propósito deste subsídio é o de saber se ele exige, concomitantemente, a presença do trabalhador na empresa na época em que é satisfeito e a prestação de trabalho em todo o ano de referência (cf. Bernardo Lobo Xavier, «Introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português», RDES, 1986, n.º 1, p. 89).

Ao exigir-se a presença do trabalhador na empresa na época do pagamento do subsídio e, concomitantemente, a prestação do trabalho durante todo o ano a que ele se reporta, acentua-se um carácter extra-salarial ao «13.º mês» e dá-se-lhe uma função de prémio de fidelidade à empresa, bem como uma destinação de cobertura de despesas próprias da época.

Ao contrário, quando se considera ser o subsídio de Natal também devido àqueles cuja relação laboral cessou anteriormente à época do seu pagamento (cabendo-lhe então a parte proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano), põe-se sobretudo em relevo a natureza retributiva desse subsídio e a sua função de correctivo do salário base relativamente ao rendimento real do trabalho prestado, encarando-se a referida prestação como objecto de um direito que se vai sedimentando ao longo do ano de serviço (cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I, 9.ª ed., pp. 408 e 409, Lobo Xavier, Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Anotado, Coimbra, 1979, pp. 172 e segs.).

Dado que o direito ao subsídio de Natal surge consagrado, em termos de uma quase generalidade, pelos instrumentos de regulamentação colectiva, é da interpretação das respectivas cláusulas que deve apurar-se qual das referidas concepções foi consagrada. Monteiro Fernandes (ob. cit. e loc. cit.) aponta, porém, como regra supletiva, a de se conexionar o subsídio de Natal ao tempo de serviço, conforme a última das indicadas concepções e de harmonia com o entendimento dessa prestação como parcela da retribuição global.

3 - Quanto ao caso concreto sub judice, diz a recorrente que o n.º 1 da cláusula 110.ª se deve interpretar no sentido de que o montante do subsídio de Natal varia em função dos dias de trabalho realizados no mês de Dezembro de cada ano. Assim, para a recorrente, se um trabalhador deixar de ter retribuição no mês de Dezembro por ter pedido todo esse mês de licença sem vencimento, não terá direito ao 13.º mês.

É claramente a adopção da concepção que acentua o carácter extra-salarial do subsídio de Natal e a sua função de prémio de fidelidade à empresa.

No entanto, tal interpretação não encontra apoio na cláusula 110.ª em questão.
Ela choca com o disposto nos n.os 6 e 7 daquela cláusula, onde se consagra uma regra de proporcionalidade do subsídio de Natal nos anos de admissão ou readmissão ou no caso de cessação do contrato de trabalho antes de 15 de Dezembro, em função do tempo de serviço prestado. Os trabalhadores terão, pois, direito a um subsídio proporcional ao tempo de serviço prestado. E o mesmo se verifica em relação aos trabalhadores contratados a prazo (n.º 10).

Nestes números adoptou-se na cláusula 110.ª a concepção da natureza retributiva do subsídio de Natal, conexionando-o ao tempo de serviço prestado.

Seria ilógico pretender que o n.º 1 dessa cláusula se inspirasse em concepção diferente, afrontando-se o espírito do sistema.

Assim, quando no dito n.º 1 se diz que os trabalhadores receberão até 10 de Dezembro um subsídio não inferior à retribuição mensal a que têm direito nesse mês, a realidade que se pretende exprimir é que eles têm direito a um subsídio igual à retribuição que venceriam naquele mês em conformidade com a aplicação da respectiva tabela de vencimentos. Por inteiro e sem descontos.

A esta conclusão se chega igualmente se dermos, como aliás se deve fazer, valor interpretativo ao disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei 88/96, de 3 de Julho, em cujo n.º 1 se diz que o subsídio de Natal é igual a um mês de retribuição, e em cujo n.º 2 se consagra também uma regra de proporcionalidade em função do trabalho prestado no ano.

4 - Finalmente, o n.º 1 da cláusula 110.ª afrontaria o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, ao implicar uma diferenciação manifestamente infundada entre os trabalhadores da recorrente.

Na verdade, e em conformidade com a tese da recorrente, se a suspensão do contrato de um trabalhador ocorrer durante o mês de Novembro, esse trabalhador terá direito ao subsídio de Natal; todavia, se semelhante circunstância se verificasse com outro trabalhador durante o mês de Dezembro, este já não terá direito ao subsídio.

Trata-se de uma discriminação claramente abusiva, e como tal não permitida pela Constituição (artigo 13.º).

V - Pelo exposto, firma-se a seguinte interpretação do n.º 1 da cláusula 110.ª em causa:

Todos os trabalhadores da ré recorrente cujos contratos de trabalho estejam em vigor no mês de Dezembro têm direito a receber um subsídio de Natal de valor igual à retribuição a receber nesse mês, por inteiro.

Custas pela ré recorrente.
Lisboa, 23 de Abril de 1997. - José Manuel Carvalho Pinheiro - Isidro Matos Canas - Fernando José Leal Loureiro Pipa - Victor Manuel de Almeida Devesa - António Manuel Pereira.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/82467.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1996-03-22 - Assento 2/96 - Supremo Tribunal de Justiça

    Assento tirado pelo plenário da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça que fixa a interpretação a dar à cláusula 54.ª do acordo de empresa respeitante aos trabalhadores da Rodoviária Nacional, E. P., publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 45, de 8 de Dezembro de 1983.

  • Tem documento Em vigor 1996-07-03 - Decreto-Lei 88/96 - Ministério para a Qualificação e o Emprego

    Institui o subsídio de Natal para a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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