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Acórdão 8/97, de 9 de Abril

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Sumário

O artigo 1200º, n.º 1, alínea b) - actos resolúveis em benefício da massa/as fianças de dívidas -, do Código de Processo Civil (Aprovado pelo Dec.-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961), revogado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, durante a sua vigência nunca abrangeu os avales de dívidas; O legítimo possuidor de letras avalizadas que descontou e não lhe foram pagas tem legitimidade para requerer a insolvência do avalista desses títulos. (Proc. n.º 86659 - 1ª Secção)

Texto do documento

Acórdão 8/97
Processo 86659 - 1.ª Secção. - Acordam no plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

José Abreu Coelho Lima interpôs recurso para o tribunal pleno do Acórdão de 26 de Abril de 1994, proferido nos autos de revista n.º 84821 da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, em que aquele ali figura como recorrido e é recorrente o Banco Comercial Português, alegando oposição do dito acórdão com o que foi proferido também por este Supremo Tribunal em 7 de Novembro de 1990, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 50.º, Dezembro de 1990, pp. 703 e seguintes.

Por Acórdão de 14 de Fevereiro de 1995 do plenário da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal, julgou-se verificada a existência da alegada oposição, pelo que o recurso prosseguiu a posterior tramitação prevista na lei.

Na sua alegação a fls. 61 e seguintes o recorrente concluiu que deveria ser proferido assento de harmonia com o julgado no citado Acórdão de 7 de Novembro de 1990 deste Supremo Tribunal.

Diversamente, o Banco ora recorrido, na sua contra-alegação, concluiu que o assento que se viesse a proferir fosse no sentido expresso no acórdão sub judice, de 26 de Abril de 1994.

O ilustre representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, configurando a prolacção de assento, nos seguintes termos:

«I - O artigo 1200.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil deve ser interpretado extensivamente, de modo a abranger os avales de dívidas.

II - O credor possuidor de letras avalizadas que descontou e que não lhe foram pagas carece de legitimidade para requerer a insolvência do avalista.»

Colhidos os vistos, cumpre decidir, esclarecendo que, com a publicação do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, mercê do disposto nos seus artigos 3.º, 16.º e 17.º, n.os 2 e 3, o objecto do presente recurso passou a circunscrever-se à resolução em concreto do conflito, visando a uniformização da jurisprudência, nos termos dos novos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil.

No que respeita à questão preliminar, analisando-a de novo, entende-se que nada surge em contrário ao que foi julgado no Acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, constante a fls. 50 e seguintes dos autos.

Vê-se que, tanto no acórdão recorrido como no fundamento, se discutiu se um banco dono e possuidor de livranças avalizadas que descontou e que, depois, não lhe foram pagas tinha legitimidade para requerer a insolvência do avalista, nos termos do artigo 1313.º do Código de Processo Civil.

O acórdão fundamento, considerando o disposto no artigo 1200.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1315.º do mesmo Código, julgou que o Banco requerente não tinha interesse em demandar porque, declarada a insolvência, deixaria automaticamente de ser credor, visto a resolução prevista naquele artigo 1200.º ter carácter retroactivo. Carecia, portanto, de legitimidade para requerer a insolvência do avalista.

Contrariamente, o acórdão recorrido julgou que um banco, em situação idêntica, tinha legitimidade para requerer a insolvência do avalista. Em seu entender, tinha de se considerar sempre o banco como credor do avalista, ainda que o seu crédito pudesse, eventualmente, vir a ser considerado ineficaz, depois de declarada a insolvência. É que o aval, segundo o citado acórdão, não era, nem é, resolúvel, mesmo depois da publicação do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.

Temos, portanto, que os dois acórdãos sobre matéria de facto idêntica versaram a mesma questão fundamental de direito e foram proferidos em processos diferentes, presumindo-se o trânsito em julgado do acórdão fundamento.

É certo que entre a publicação do acórdão anterior e a do recorrido, em 26 de Abril de 1994, foi publicado o Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, que, no seu artigo 9.º, revogou os artigos 1135.º a 1325.º do Código de Processo Civil. Todavia, o artigo 8.º daquele decreto-lei determinou que o novo Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência não se aplicava às acções pendentes à data da sua entrada em vigor (90 dias depois de 23 de Abril de 1993). Como o acórdão recorrido foi proferido em processo que teve o seu início em 1992 (v. fl. 11), a modificação legislativa operada não interferiu directa ou indirectamente na solução da questão de direito controvertida. Deste modo, os acórdãos em oposição foram decididos com base no mesmo diploma legal.

Ocorrendo, portanto, todos os pressupostos formais e substanciais da admissibilidade do presente recurso, há que conhecer do seu objecto.

Com a publicação do Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, que aprovou o actual Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, foram revogados os artigos 1135.º a 1325.º do Código de Processo Civil, conforme já se referiu. Portanto, a presente controvérsia respeita, fundamentalmente, à interpretação e delimitação da aplicabilidade da alínea b) do n.º 1 do extinto artigo 1200.º Segundo este normativo, eram resolúveis em benefício da massa falida as fianças de dívida. O que também se verificava quanto à massa insolvente, mercê do disposto do revogado artigo 1315.º Daqui resultava, conforme se entendeu no acórdão fundamento, que o credor do fiador não tinha legitimidade para requerer a insolvência ou falência do mesmo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1176.º do Código de Processo Civil. Tal credor não podia invocar essa sua qualidade para requerer a declaração de falência ou insolvência do devedor, porque, sendo a fiança resolúvel, no preciso momento em que procedesse o seu pedido, desaparecia o seu interesse objectivo em tal declaração, pela resolução da fiança a favor da massa (v. Meneses Cordeiro, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 50.º, n.º 1, p. 159).

Contra este entendimento julgou-se no acórdão recorrido que a circunstância de um crédito nessas condições vir a ser considerado ineficaz, por se tratar de facto futuro, porque posterior à declaração de falência ou insolvência, não poderia conduzir à conclusão de que o credor requerente era parte ilegítima para requerer aquelas medidas.

Não considerou, porém, o acórdão recorrido que se estava perante um caso de resolução de um contrato e que esta, em princípio, tem efeitos retroactivos. Só não os terá se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (v. n.º 1 do artigo 434.º do Código Civil). No caso, não se vê que tal aconteça. Deste modo, embora a declaração da falência ou insolvência seja posterior ao seu requerimento, a destruição legal da fiança tem se reportar a esta última data. Por conseguinte, o credor de fiador declarado falido ou insolvente não compartilhava com os demais credores o produto da massa falida ou insolvente, nem o seu crédito era reclamável nem susceptível de graduação no processo falimentar ou de insolvência. Em suma, não tinha legitimidade para requerer a falência ou insolvência do fiador.

É altura de decidir se a doutrina que se considerou a mais correcta para as fianças de dívidas tinha aplicação para os avales. E, depois, consoante o que se entender, julgar o caso concreto, ou seja, determinar se o portador ou possuidor de letras avalizadas que descontou e não lhe foram pagas dispunha de legitimidade para pedir a insolvência do avalista.

Argumentou-se no acórdão recorrido com a vontade do legislador para não se fazer uma interpretação extensiva da revogada alínea b) do n.º 1 do artigo 1200.º, ora em análise. Disse aquele que o legislador não podia desconhecer a questão em apreço, daí que a falta de referência ao aval significava que este, no caso, não podia ter tratamento idêntico ao da fiança. Mais adiantou que, na actual lei sobre falências, o artigo 158.º, alínea c), do citado Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência declara que se presume de má fé «a fiança, subfiança [...] em que o falido haja outorgado nos dois anos anteriores à abertura do processo conducente à falência», não havendo qualquer alusão ao aval. Será que esta omissão significa uma interpretação autêntica da lei anterior?

A constante falta de referência da possibilidade de resolução dos avales significa que o legislador nunca lha quis atribuir? Esta conclusão só deixará de estar certa caso se julgue que houve uma identidade de razão muito forte, para que se pudesse fazer a falada interpretação extensiva da questionada alínea b) do n.º 1 do artigo 1200.º, de modo a nela caberem os avales.

Face ao que se acaba de expor, julga-se conveniente aclarar alguns aspectos da interpretação da lei e integração das suas lacunas que o Código Civil regula, respectivamente, nos artigos 9.º e 10.º

Segundo o artigo 9.º:
1.º A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada;

2.º Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;

3.º Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Comentando este normativo, Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado) esclarecem que o Código, em lugar de impor um método ou consagrar uma corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, limita-se a consagrar os princípios que podem considerar-se já uma aquisição definitiva na matéria, combatendo os excessos a que os autores objectivistas e subjectivistas têm chegado muitas vezes.

Depois, como se refere no Manual do Código Civil, de Regina Cavalheiro (anotação ao artigo 9.º, p. 8), há uma tendência geral para contestar o valor das antigas distinções que constituíram o quadro formal do problema, tais como as que se estabeleciam entre interpretação e aplicação da lei, entre história e actualidade, entre interpretação e integração de lacunas, entre interpretação extensiva e aplicação analógica, entre a vontade da lei e vontade do legislador, mesmo entre legislador e juiz.

Seja como for, na interpretação a que se terá de chegar no caso sub iudice, deve-se, pelo menos, estabelecer critérios e definir posições. Assim, dentro da problemática da interpretação da lei, há que assentar se, no caso sub iudice, estamos perante uma lacuna que deve ser suprida pela analogia ou se tem lugar uma interpretação extensiva. Mas, em qualquer das apontadas situações poderá ter que se optar entre a vontade da lei e a do legislador, segundo os princípios que se julgam emanar dos artigos 9.º e 10.º do Código Civil.

Escreveu lucidamente Ferrara (in Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de M. Andrade, 2.ª ed., p. 156) que, por muito previsora e vigilante que seja a obra legislativa, é impossível que todas as relações encontrem regulamentação jurídica especial, e que a plenitude da vida prática se deixe prender nas apertadas malhas dos artigos de um código. Por outro lado, as relações sociais mudam continuamente, surgem novas situações, mercê de descobertas e invenções em que o legislador do tempo não pensou nem podia pensar, e uma multidão de relações e conflitos novos irrompem na vida jurídica exigindo disciplina e tutela.

As lacunas podem ser intencionais ou involuntárias. No primeiro caso, o legislador deixa de regular certas situações por não as julgar ainda maduras para uma disciplina própria, abandonando a sua decisão à ciência e jurisprudência. No outro, o insuficiente da regulamentação jurídica provém de omissão involuntária ou de não se ter tido uma visão completa do assunto a regular.

É por todos sabido que, em face das lacunas da lei, o juiz não pode furtar-se a julgar, alegando que não existe norma para aplicar ao caso concreto: a sua recusa equivaleria a uma denegação da justiça. Perante casos que o legislador não cogitou, o intérprete busca regulá-los no sentido em que o legislador os teria decidido se neles tivesse pensado. E como procurando bem no sistema se podem descobrir casos análogos já regulados, extrai-se por um processo de abstracção a disciplina jurídica que vale para esses, alargando-se até compreender os casos não previstos mas cuja essência é a mesma (v. Ferrara, ob. cit., p. 158).

Mais ensinou Ferrara (ob. cit., p. 160) que, para se recorrer à analogia, é necessário faltar uma precisa disposição da lei para o caso a decidir, que portanto a questão não se encontre já regulada por uma norma de direito. E isto, não apenas segundo a letra, mas também segundo o sentido lógico dessa norma. Por isso, se uma questão se pode resolver com base na interpretação extensiva, não tem lugar a analogia, pois se trata de um caso já contemplado segundo o conceito da lei, embora fuja aparentemente à formulação do texto. Assim, há que ter em conta que a interpretação extensiva se destina a corrigir uma formulação estrita de mais. É que o legislador, ao exprimir o seu pensamento, introduz um elemento que designe espécie, quando queria aludir ao género, ou formula para um caso singular um conceito que deve valer para toda uma categoria (v. Ferrara, ob. cit., p. 150).

Decorre, portanto, do exposto que a analogia se distingue da interpretação extensiva. Aquela aplica-se quando um caso não é contemplado por uma disposição de lei, enquanto esta pressupõe que o caso já está compreendido na regulamentação jurídica, entrando no sentido de uma disposição, se bem que fuja à sua letra. Portanto, a interpretação extensiva não faz mais do que reconstituir a vontade legislativa já existente, para uma relação que só por inexacta formulação dessa vontade parece excluída. A analogia, pelo contrário, está em presença de uma lacuna, de um caso não prevenido para o qual não existe uma vontade legislativa, e procura tirá-la de casos afins correspondentes.

Flui do acabado de expor que não se está perante uma lacuna da lei. É claro que o legislador, para preservar para os credores o património da massa, tornou resolúveis em benefício deste as fianças de dívidas prestadas pelo falido ou insolvente. Deste modo, a não inclusão dos avales na dita alínea b) do n.º 1 do artigo 1200.º só podia ser ultrapassada através de uma interpretação extensiva, destinada a corrigir, pois, uma formulação demasiado estreita. Como seguidores desta posição apontam-se o acórdão fundamento e aqueloutro também proferido por este Supremo Tribunal em 6 de Maio de 1993 (no processo 83594). Argumentam eles que o aval é praticamente idêntico ou análogo da fiança, daí que lhe sejam aplicáveis os princípios fundamentais desta, desde que normas próprias da legislação cambiária não os afastem explicitamente. Opinião que está em conformidade com o defendido por Abel Delgado a p. 178 da 6.ª ed. da obra que publicou, intitulada Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada.

Acrescentam aqueles que seria absurdo e injustificável que uma garantia pessoal por dívida de outrem fosse ou não resolúvel em benefício da massa, conforme revestisse a forma de fiança strito sensu ou de fiança por aval cambiário. É que o normativo em causa visava preservar para os credores o património do falido ou insolvente, defendendo-o, assim, de qualquer manobra perpetrada pelo seu titular para os prejudicar. Seria, portanto, inconcebível que o falido ou o insolvente, em alternativa à fiança, pudesse utilizar impunemente o aval, em prejuízo dos seus credores.

Em conclusão, o legislador, ao referir apenas a «fiança» na alínea b) do n.º 1 daquele artigo 1200.º, utilizou o termo no seu significado mais lato, de modo a abranger não só a fiança strito sensu mas também o aval. Por conseguinte, o legislador teria dito menos do que devia, daí que, por uma razão lógica, se aplicasse ao caso uma interpretação extensiva.

A solução acabada de expor será a melhor para a controvérsia em análise? Para responder há que considerar alguns aspectos que se têm por fulcrais.

Em primeiro lugar, vê-se que ninguém pôs em dúvida a afirmação de que o legislador não teve a percepção do problema em causa. Aceita-se que esta realidade, por si só, não justifica a omissão na lei de colocar os avales a par das fianças. Mas dá para meditar, se tivermos em conta o que escreveu Manuel de Andrade acerca do método de interpretação. Segundo este professor, «a lei deve ser entendida como se atrás dela estivesse, não a entidade real histórica - indivíduo ou pluralidade de indivíduos - que efectivamente a produziu, mas um certo legislador abstracto, convencional - um legislador razoável, quer na escolha da substância legal, quer na sua formulação técnica, que, depois de a ter editado no tempo da publicação, a fosse sempre mantendo de pé, e renovando, por assim dizer, a cada momento, em todo o período da sua vigência».

Tendo em conta os ensinamentos acabados de referir, não parece, no caso, que a não referência ao aval se tenha tratado de uma omissão involuntária do legislador. Começa que da analogia que existe entre o aval e a fiança não se podem extrair as consequências apontadas pelos defensores da sua equiparação para efeitos de resolução. Tais afinidades não convenceram o legislador, já que ele considerou outros aspectos tidos por mais importantes.

Efectivamente, resulta do disposto nos artigos 627.º e seguintes do Código Civil que a fiança se traduz no facto de um terceiro garantir com todo o seu património o cumprimento de uma obrigação, constituindo dessa maneira uma obrigação acessória da contraída pelo devedor.

Segundo o preceituado nos artigos 30.º e 31.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento desse título, por parte de um dos seus subscritores.

Ferrer Correia (in Lições de Direito Comercial, vol. III, pp. 197 e segs.) chama a atenção para a responsabilidade do avalista não ser subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do benefício da excussão prévia. E, ainda, que a nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista, tendo este direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado. Assim, à pergunta se o aval seria uma fiança, o citado professor respondeu negativamente, embora admitisse que aquele fosse uma garantia. Mais disse que o aval não pode enquadrar-se na fiança, não esgotando a sua natureza jurídica a acessoriedade, que apelidou de imprópria (v. ob. cit., pp. 200 e 201).

Pode, portanto, concluir-se que o aval e a fiança, em termos de afinidade, constituem uma garantia pessoal do cumprimento de determinada obrigação, sendo também uma obrigação subsidiária e acessória dada por um terceiro. Todavia, o aval constitui um acto cambiário que origina uma obrigação independente e autónoma de pagar o título, embora só caucione outro signatário do mesmo.

Pedro Macedo (in Manual de Direito das Falências, vol. II, p. 233), ciente destas diferenças, ao ser confrontado com a questão de o aval se integrar na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 1200.º a par da fiança, não aceitou tal equiparação. E justificou que, mesmo que se entendesse ser o aval uma fórmula particular da fiança, aquele preceito não o abrangia, por exigência da segurança que deve oferecer o título cambiário, de que é significativo reflexo o artigo 32.º, segunda parte, da Lei Uniforme - princípio da independência do aval.

Julga-se, por conseguinte, que o legislador nunca terá querido considerar resolúveis em benefício da massa os avales dados pelo insolvente ou falido, considerando a confiança e segurança que deve merecer a circulação dos títulos cambiários. Certamente que ele ponderou os termos em que ocorria a resolução em apreço. Ela operava ope legis, pelo que não era necessário provar-se, em processo contencioso, que fora assumida em prejuízo de alguém, contrariamente ao que acontece com a acção pauliana, onde esse requisito é fundamental (v. Pedro Macedo, ob. cit., p. 230). É, pois, evidente que o legislador se terá assustado com essa forma radical de proteger a massa em benefício dos credores, porque, adoptando-a, de uma forma rápida e incontestada, tornavam-se ineficazes em relação aos credores do título os avales dados. E tanto assim é que no novo e actual Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência o legislador acabou com a medida em relação às fianças de dívidas, deixando de meter no mesmo saco os actos sérios e os que não passavam de um «golpe». Com efeito, no artigo 156.º daquele Código, que discrimina os actos resolúveis em benefício da massa, não se incluíram as fianças de dívidas. Conforme se referiu, estas passaram a ser tratadas no artigo 158.º do mesmo Código, presumindo-se terem sido celebradas de má fé pelas pessoas que nelas participaram, para efeitos de impugnação pauliana. Todavia, trata-se de uma presunção tantum iuris, portanto ilidível e valendo só para as fianças outorgadas pelo falido ou insolvente nos dois anos anteriores à abertura do processo conducente à falência.

Julga-se, assim, que o intérprete tem de concluir que o legislador não formulou deficientemente a revogada alínea b) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil, dizendo menos do que devia, defeito a corrigir por interpretação extensiva. Portanto, a não se considerarem incluídos os avales nesse preceito a par das fianças de dívidas, não lhes sendo, pois, aplicável a questionada resolução, os credores dos avalistas tinham legitimidade para requererem a sua falência ou insolvência.

Nestes termos, acordam em plenário as secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

1.º Julgar improcedente o recurso interposto por José Abreu Coelho Lima, mantendo-se o acórdão recorrido;

2.º Uniformizar-se a jurisprudência nos termos seguintes:
a) O artigo 1200.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, revogado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, durante a sua vigência nunca abrangeu os avales de dívidas;

b) O legítimo possuidor de letras avalizadas que descontou e não lhe foram pagas tem legitimidade para requerer a insolvência do avalista desses títulos;

3.º Condenar o recorrente nas custas do presente recurso.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997. - António Pais de Sousa - Cardona Ferreira - Cancela de Abreu - Sampaio da Nóvoa - Costa Marques - Sousa Inês - Costa Soares - Machado Soares - Herculano de Lima - Aragão Seia - Lopes Pinto - Pereira da Graça - Almeida e Silva - Tomé de Carvalho - Ribeiro Coelho - Torres Paulo - Figueiredo de Sousa - Fernando Fabião - César Marques - Roger Lopes - Ramiro Vidigal - Martins da Costa - Fernandes Magalhães - Silva Paixão - Nascimento Costa (vencido - segue declaração de voto).


Declaração de voto
Votei pela procedência do recurso, por concordar com a doutrina acolhida no acórdão fundamento, defendida por Menezes Cordeiro (ver nota 1) e Mota Pinto (ver nota 2).

Não nos impressiona a distinção fiança/aval, feita em termos meramente conceitualistas.

O que importa, a meu ver, é que a ratio da norma do artigo 1200.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (evitar manobras em prejuízo do princípio par conditio creditorum) colhe também em relação ao aval.

Para o efeito, deve o aval equiparar-se à fiança. - Ilídio Gaspar Nascimento Costa.

(nota 1) ROA, 50, I, pp. 171 e seg.; e mesma Revista, 50, III, p. 713.
(nota 2) RDES, XXV, n.º 3-4, pp. 248 e seg.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/80831.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1993-04-23 - Decreto-Lei 132/93 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, visando auxiliar as empresas nacionais em dificuldades financeiras, mas economicamente viáveis. Altera também o Código de Processo Civil, o Estatuto Judiciário, o Código das Custas Judiciais, o Código Penal e o Código de Processo Tributário, bem como demais legislação avulsa.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1997-05-03 - Declaração de Rectificação 10/97 - Supremo Tribunal de Justiça

    Declara ter sido rectificado o Acórdão nº 8/97, processo nº 86659, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, 1ª Série-A, nº 83, de 9 de Abril de 1997.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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