Acórdão 1/97
Processo 48713. - Acordam no plenário das secções do Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Relatório
O Ministério Público vem interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão de 10 de Maio de 1995 do Tribunal da Relação do Porto que negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente da decisão judicial que rejeitou a acusação deduzida contra o arguido Fulgêncio José Lopes Alves, por si deduzida, recurso este ora interposto nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, com os fundamentos que passam a expor-se:
Decidiu-se no acórdão recorrido que o Ministério Público carece de legitimidade para promover a acção penal por crime semipúblico se a queixa foi apresentada por mandatário não judicial.
Decidiu, todavia, a mesma Relação por seu Acórdão de 8 de Fevereiro de 1995, proferido no recurso n.º 9450137, que para se apresentar uma queixa crime em representação de outrem não é necessário mandato judicial mas mera procuração, sendo desnecessário que o mandatário seja profissional do foro.
Tais acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, tendo o acórdão fundamento transitado em julgado, sem que seja susceptível de recurso o acórdão recorrido.
Em ambos os acórdãos referidos foi, assim, equacionada a questão jurídica do âmbito da aplicação do artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Porém, enquanto o acórdão recorrido afastou a admissibilidade de uma queixa crime apresentada por mandatário que não é mandatário judicial, embora tenha procuração nos autos sem poderes especiais e haja sido realizada a ratificação da queixa, embora para lá dos seis meses a que alude o artigo 112.º do Código Penal, já o acórdão fundamento entendeu que a declaração feita pelo subscritor da queixa, mas ratificada pelo sócio gerente da ofendida, embora para lá dos seis meses previstos no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal, integra denúncia eficaz como denúncia feita pela ofendida.
Defende o recorrente que dentro do condicionalismo verificado existe oposição entre os dois acórdãos apontados face à mesma questão de direito - a aplicação do artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Por isso requer a intervenção deste Tribunal no âmbito da sua função uniformizadora da jurisprudência, solucionando-se a invocada oposição de acórdãos.
Foi o recurso recebido pela forma legal, em conferência e por Acórdão de 31 de Janeiro de 1996 decidiu-se que as soluções a que cada um dos acórdãos chegou sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação eram contraditórias e substancialmente opostas entre si.
Tendo um dos arestos transitado em julgado e sendo o outro insusceptível de recurso, considerou-se estarem reunidas as condições para o prosseguimento do recurso.
Cumprindo-se o disposto no artigo 142.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, foram apresentadas alegações pelo Ministério Público em que se formulam as conclusões seguintes:
1 - Nos termos do artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, permitido é ao plenário das secções criminais apreciar e decidir se existe de facto a oposição de julgados que se teve por verificada no acórdão que julgou a questão preliminar.
2 - No caso em apreciação, não existindo oposição de julgados, deverá a questão ser objecto de apreciação pelo plenário das secções criminais e, a julgar-se inverificado tal requisito exigido pelo artigo 437.º do Código de Processo Penal, deverá considerar-se findo o processo.
Porém, e para o caso de se entender diferentemente, o conflito de jurisprudência deverá ser resolvido por decisão para a qual se sugere a seguinte redacção:
«3 - Tratando-se de crime de natureza semipública, a queixa apresentada por mandatário não judicial, desde que munido de poderes especiais especificados, legitima o Ministério Público a promover a acção penal.
4 - Não é aplicável o artigo 40.º do Código de Processo Civil nos casos em que o mandatário não judicial intervenha em representação do titular do direito, pelo que a haver ratificação da queixa esta terá de ser feita no prazo a que alude o artigo 112.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1982 na sua versão original.»
2 - A questão tal como resulta das decisões em oposição
2.1 - No acórdão recorrido:
O Ministério Público havia deduzido acusação no processo comum n.º 768/93 do 3.º Juízo Correcional do Porto contra Fulgêncio José Lopes Alves, sendo lesado Modelo Supermercados, S. A., e imputando àquele um crime previsto e punido pelos artigos 23.º e 24.º do Decreto 13004, de 12 de Janeiro de 1927, sendo o valor do cheque de 16132$00, com a data de emissão de 27 de Fevereiro de 1991.
Apreciada a acusação, o Exmo. Juiz decidiu rejeitá-la com o fundamento de o Ministério Público ser parte ilegítima, isto porque, tratando-se de um crime semipúblico, na procuração apresentada pelo mandatário que subscreveu a queixa não estavam conferidos poderes especiais para o efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 29.º do Código de Processo Penal, além de que a ratificação de fl. 9/10 não pode produzir efeito por ter sido manifestada para além do prazo de seis meses, estabelecido no artigo 112.º do Código Penal, para o exercício do direito de queixa.
Deste despacho o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto e este, por Acórdão de 10 de Maio de 1995, com a fundamentação que indicou, considerou revogado o n.º 3 do artigo 49.º do Código de Processo Penal, por efeito da entrada em vigor do Decreto-Lei 267/92, de 28 de Novembro, que estabeleceu, no concernente às procurações passadas a advogados que para que confiram poderes especiais se bastam com a especificação do tipo de actos para os quais são conferidos esses poderes.
Em virtude desse entendimento prosseguiu dizendo que não vislumbra espaço para uma queixa crime apresentada por mandatário que não seja mandatário judicial, já que em seu entender aquele decreto-lei terá revogado implicitamente o n.º 3 do artigo 49.º do Código de Processo Penal.
Por isso considerou inidónea a procuração apresentada para legitimar a queixa, irrelevante a ratificação de fl. 9/10, por apresentada para além dos seis meses previstos no artigo 112.º do Código Penal e considerou parte ilegítima o Ministério Público para deduzir acusação, negando provimento ao recurso.
2.2 - No acórdão fundamento:
Por Acórdão de 8 de Fevereiro de 1995 foi decidido o seguinte:
Como a queixa foi apresentada em 20 de Abril de 1990, até à entrada em vigor do Decreto-Lei 267/92, estava em vigor o artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, visto o princípio tempus regit actum que se infere do artigo 5.º do Código de Processo Penal.
Por isso era obrigatório que a queixa fosse apresentada por procurador com poderes especiais.
O subscritor da queixa ou não tinha a procuração ou não a juntou aos autos.
Contudo, o artigo 260.º, n.º 1, do Código Civil dispõe que se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro pode esta exigir dentro de prazo razoável que faça prova dos seus poderes.
Ora, a queixa foi apresentada em 20 de Abril de 1990. E não foi exigida a prova dos poderes. Contudo, em 16 de Abril de 1991 o sócio gerente da ofendida confirmou a queixa apresentada. E, defendendo que não é exigida forma especial para a procuração para a apresentação de queixa também essa forma não é exigida para a sua ratificação.
Prossegue que, sendo a queixa uma declaração do titular do respectivo direito a dar conhecimento ao Estado titular do ius puniendi de que pretende a punição do agente do crime, temos de entender que o artigo 268.º, n.º 2, do Código Civil é aplicável à ratificação da queixa crime, não se aplicando o artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal, que apenas rege para a apresentação da queixa, que não para a sua ratificação.
A ratificação só não poderá ter lugar se não for apresentada no prazo que a outra parte fixar para o efeito.
Julgou-se, por isso, que a confirmação ratificou a denúncia apresentada e considerou esta eficaz como denúncia feita em representação da ofendida.
3 - Fundamentos
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Sendo certo que a decisão da conferência não vincula o plenário, concluímos, todavia, que existe oposição entre os dois acórdãos referidos do Tribunal da Relação do Porto. Trata-se em ambos os acórdãos de factos que permitem concluir que as respectivas queixas foram apresentadas por mandatário sem poderes especiais, vindo ambas a ser ratificadas pelo titular do direito de queixa. Embora um desses mandatários fosse solicitador e se ignore se o outro o é, constata-se que a diferente qualidade de solicitador de um dos mandatários não envolve qualquer efeito relevante para que não seja tratado como mandatário sem poderes especiais. É, pois, idêntica a situação dos mandatários nos dois casos. E têm-se como verificados os demais requisitos exigidos pelos artigos 437.º e 438.º do Código de Processo Penal.
Assim se conclui existir oposição entre os dois referidos acórdãos.
3.1 - Normativos que interessam à solução da questão suscitada:
a) Artigo 49.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal:
«1 - Quando o procedimento criminal depender da queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público para que este promova o processo.
3 - A queixa é apresentada pelo titular do direito respectivo ou por mandatário munido de poderes especiais.»
b) Artigo 1157.º do Código Civil:
«Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem.»
c) Artigo 1178.º do Código Civil:
«1 - Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.º e seguintes.»
d) Artigo 268.º do Código Civil:
«1 - O negócio que uma pessoa sem poderes de representação celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este se não for por ele ratificado.
2 - A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
3 - Considera-se negada a ratificação se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
4 - Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.»
e) Artigo 262.º do Código Civil:
«1 - Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
2 - Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.»
f) Artigo único do Decreto-Lei 267/92, de 28 de Novembro:
«1 - As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto.
2 - As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de actos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes.»
3.2 - Acórdão 4/94, deste Supremo Tribunal de Justiça, a fixar a seguinte jurisprudência:
«Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 267/92, de 28 de Novembro, caducou a jurisprudência fixada pelo Acórdão obrigatório n.º 2/92, de 13 de Maio, deste Supremo Tribunal de Justiça, por aquele diploma ter revogado implicitamente o n.º 3 do artigo 49.º do Código de Processo Penal, motivo por que não existe qualquer necessidade de ratificação da queixa apresentada por mandatário judicial munido de simples procuração forense, dentro do prazo fixado pelo n.º 1 do artigo 112.º do Código Penal.»
3.3 - Generalidades.
Quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público para que este promova o processo - artigo 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
A queixa é apresentada pelo titular do direito respectivo ou por mandatário munido de poderes especiais - artigo 49.º, n.º 3, do mesmo diploma.
É ainda claro, face aos artigos 1157.º e 262.º do Código Civil, que existe clara distinção entre mandato e procuração. O mandato pressupõe que, por incumbência do mandante, o mandatário se tenha obrigado a praticar um ou mais actos jurídicos por conta do mandante. É um contrato de prestação de serviços na prática de actos jurídicos haja ou não representação.
A procuração é um acto jurídico pelo qual alguém confere a outrem poderes de representação e que pode ou não coexistir com um mandato. Acresce que a representação pode ser originária ou subsequente. Há a primeira se os poderes são conferidos antes de celebrado o negócio representativo, há representação subsequente se o representado só posteriormente aprovou ou ratificou o negócio - Cavaleiro Ferreira, Scientia Jurídica, XVIII, p. 269.
Ratificação é «o acto pelo qual, na representação sem poderes ou em caso de abuso no seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído declara aprovar tal negócio, que de outro modo seria ineficaz em relação a ele» - Rui Alarcão, Confirmação, n.º 1, p. 118. A ratificação tem eficácia retroactiva, sem prejuízo do direito de terceiros - artigo 268.º, n.º 2, do Código Civil.
Compulsado o artigo 127.º, n.os 2 e 3, do Código do Notariado, verifica-se ainda que não era prevista forma especial para uma procuração destinada a apresentar uma queixa crime, ao tempo. E não o é face ao artigo 116.º do Código do Notariado vigente - Decreto-Lei 207/95, de 14 de Agosto.
E colhe-se do Código das Sociedades Comerciais e da doutrina que as sociedades são representadas pelos seus órgãos. Mas nada na lei impede que as sociedades estabeleçam mandato com terceiras pessoas pelo qual estas se obriguem a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da sociedade, ao abrigo do artigo 1157.º do Código Civil.
Questão fundamental é se para a apresentação de queixa crime através de mandatário as sociedades só o podem fazer através de profissionais do foro, como opina o acórdão recorrido, ou se o podem fazer através de pessoas que não detenham essa qualidade, desde que a essas pessoas sejam conferidos poderes especiais.
Questão complementar desta é, se tendo o mandato sido conferido a pessoa que não é advogado, mas vindo o mandato a ser ratificado posteriormente, embora para lá dos seis meses previstos no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal, essa ratificação é eficaz, tornando a denúncia válida.
3.4 - Abordagem conclusiva.
As queixas em qualquer dos processos em que foram proferidos o acórdão recorrido e o acórdão fundamento são anteriores ao Decreto-Lei 267/92, de 28 de Novembro.
E em qualquer desses processos as queixas foram aceites sem ter sido estipulado qualquer prazo para a regularização do mandato ou representação.
Não obstante, a confirmação das queixas pelas sociedades titulares do direito de queixa veio a ser produzida antes do Acórdão obrigatório n.º 2/92, referido, antes do Decreto-Lei 267/92 mencionado e, evidentemente, antes do Acórdão 4/94 deste Supremo Tribunal de Justiça.
Ainda, pois, que o artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo Penal haja sofrido inflexões em resultado da oscilação normativa e da orientação da jurisprudência que veio a ser fixada, é de chamar à colação o disposto no artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea b), se resultar quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
Se, pois, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, plenamente vigente ao tempo, se admitia que a queixa pudesse ser deduzida por mandatário com poderes especiais, ainda que alguns hajam restringido esse conceito de mandatário a profissionais do foro, havemos de concluir que mesmo depois do Decreto-Lei 267/92, no qual só são referidos os advogados, da previsão deste ficam excluídos os profissionais do foro que não sejam advogados.
Consequentemente, há que aceitar uma correcção explicativa no Acórdão obrigatório n.º 4/94 deste Supremo Tribunal de Justiça, pois quando este considera implicitamente revogado o n.º 3 do artigo 49.º do Código de Processo Penal deve entender-se que essa revogação é limitada aos advogados.
Quanto ao titular do direito de queixa e aos mandatários não advogados, o n.º 3 referido mantém a sua plena validade. Assim, entendemos que a queixa poderá continuar a ser apresentada por quaisquer profissionais do foro, ou pessoa desprovida dessa qualidade, desde que munida de poderes especiais. E isto porque a lei não exige a qualidade de advogado ou solicitador explicitamente, tal como o faz sempre que considera essa qualidade imprescindível.
Quanto ao artigo único do Decreto-Lei 267/92, entende-se que só veio simplificar a situação dos advogados, dispensando-os de procuração notarial e especificação dos poderes especiais. É com esses limites que deve considerar-se revogado em parte o n.º 3 do artigo 49.º, no que aos advogados se refere. Mas de tal decreto-lei não se infere que o mandato para efectuar a denúncia só pode ser conferido a advogado. Isso seria uma limitação ao contrato de mandato que a lei em lugar algum consagra. Daí continuar a entender-se que o mandato para o exercício do direito de denúncia pode ser exercido por outras pessoas que não possuam a qualidade de advogado - v. Costa Pimenta, Introdução ao Processo Penal, p. 172.
Concretamente, no acórdão recorrido o mandatário apresentou procuração que lhe conferia poderes para agir em nome do mandante. Tratava-se, por isso, de mandato com representação - artigo 1178.º do Código Civil.
O que sucedeu é que tal procuração não discriminava poderes especiais para o acto. Mas o mandante ratificou posteriormente a denúncia efectuada, declarando fazer sua essa denúncia. E o Ministério Público, até ser efectuada a ratificação, nunca declarou não aceitar a denúncia.
Ora, parece que ao Ministério Público, como destinatário de tal denúncia, só assistia a faculdade de revogar ou aceitar a denúncia por falta de poderes enquanto o negócio não fosse ratificado - artigo 268.º, n.º 4, do Código Civil.
Como não exercitou essa faculdade de rejeição da denúncia, a ratificação do titular do direito de denúncia convalidou o direito de representação nos termos exigidos na lei.
Uma última questão importa abordar. Tendo a ratificação sido operada após o prazo previsto pelo artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal, perdeu a sua eficácia?
Tal dispositivo legal estabelece que o direito de queixa se extingue no prazo de seis meses a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que se tornou incapaz.
Regerá tal prazo quer para a queixa quer para a sua ratificação?
Em princípio só deve abranger a queixa, pois o dispositivo legal só esta prevê.
Acresce, porém, que a própria lei regula a representação sem poderes no artigo 268.º do Código Civil. E neste a lei apenas concede ao destinatário da queixa a faculdade de a revogar ou rejeitar - artigo 268.º, n.º 4, referido.
Se a lei penal quisesse estabelecer regime diverso tê-lo-ia dito expressamente. Não o fazendo, é de aceitar que considerou aplicável o regime do Código Civil.
E como a queixa não foi revogada nem rejeitada pelo Ministério Público destinatário da mesma, segue-se que ratificada a queixa nada impõe a sua rejeição por a mesma não ter sido operada no prazo legal da queixa.
Poderia questionar-se se com a situação criada pela não ratificação da queixa no prazo legal do artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal não haveria expectativas legítimas do arguido a proteger. E concluindo-se afirmativamente surgiria a necessidade de postergar o direito de ratificar a queixa.
Tal questão haverá, porém, de receber resposta negativa. Com efeito, uma vez que foi apresentada a queixa e que esta se tornou plenamente eficaz, face ao efeito retroactivo da ratificação, tem de concluir-se não subsistir expectativa legítima do arguido a proteger. É a orientação deste Supremo Tribunal de Justiça, afirmada no Acórdão de 27 de Setembro de 1994, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 439/94, a p. 45, onde se conclui: «O acto praticado por quem não possui os necessários poderes para o fazer não é um acto inválido, mas apenas inquinado de simples ineficácia, sanável através de ratificação, daí que [...] sendo ratificada pelo titular do direito ofendido adquira toda a sua eficácia, uma vez ser aceite uniformemente que a ratificação opera retroactivamente ab initio, garantida assim ficando a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal.»
Concluímos, assim, pela validade da queixa efectuada, a qual confere ao Ministério Público legitimidade para acusar.
4 - Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes que constituem a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
a) Em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que considere o Ministério Público parte legítima para deduzir acusação;
b) E elabora-se a seguinte jurisprudência: «Apresentada a queixa por crime semipúblico, por mandatário sem poderes especiais, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal se a queixa for ratificada pelo titular do direito respectivo - mesmo que após o prazo previsto no artigo 112.º, n.º 1, do Código Penal de 1982.»
Sem custas.
Lisboa, 19 de Dezembro de 1996. - Augusto Alves - Manuel António Lopes Rocha - Virgílio António da Fonseca Oliveira - José Damião Mariano Pereira - Florindo Pires Salpico - João Henrique Martins Ramires - Manuel de Andrade Saraiva - Joaquim Dias - Norberto José Araújo de Brito Câmara - Luís Flores Ribeiro - Emanuel Leonardo Dias - Vítor Manuel Ferreira da Rocha - José Moura da Cruz - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - António de Sousa Guedes - Manuel Fernando Bessa Pacheco - José Pereira Dias Girão - Hugo Afonso dos Santos Lopes - Carlindo Rocha da Mota e Costa - Joaquim Lúcio Faria Teixeira.