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Acórdão 5/94, de 16 de Dezembro

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Sumário

EM FACE DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 48 A 52 E 401, NUMERO 1, ALÍNEA A), DO CODIGO DE PROCESSO PENAL (APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 78/87, DE 17 DE FEVEREIRO), E ATENTAS A ORIGEM, NATUREZA E ESTRUTURA, BEM COMO O ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, TEM ESTE LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA RECORRER DE QUAISQUER DECISÕES MESMO QUE LHE SEJAM FAVORÁVEIS E ASSIM CONCORDANTES COM A SUA POSIÇÃO ANTERIORMENTE ASSUMIDA NO PROCESSO. (PROC. NUMERO 46444)

Texto do documento

Acórdão 5/94
Processo 46444
Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Relatório.
1.1 - Requerimento inicial.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência nos termos e com os fundamentos seguintes:

No processo 2510 da 5.ª Secção, foi proferido acórdão que não admitiu o recurso interposto pelo Ministério Público, com fundamento em que este não pode recorrer de decisões proferidas em conformidade com a sua anterior promoção, por falta de interesse em agir, nos termos do artigo 401.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Todavia, no acórdão proferido no processo 27954, da 3.ª Secção, do mesmo Tribunal da Relação, foi proferida decisão em sentido contrário, admitindo-se aí o recurso, por se entender haver legitimidade do Ministério Público para recorrer da decisão proferida no sentido da sua anterior promoção e por se verificar que do acórdão recorrido não era admissível recurso, que os dois acórdãos transitaram em julgado e foram proferidos no domínio da mesma legislação, interpôs-se o presente recurso para fixação de jurisprudência.

1.2 - Os acórdãos em oposição.
Interessa analisar detalhadamente os argumentos expendidos nos dois acórdãos em causa.

1.2.1 - O acórdão recorrido.
Efectivamente, o acórdão recorrido começa por invocar o artigo 401.º do Código de Processo Penal, segundo o qual só pode interpôr recurso quem tem legitimidade para o efeito e quem tem interesse em agir.

Ora, tendo o Ministério Público obtido, com o despacho recorrido, deferimento total da sua promoção, coloca-se a questão de saber se mantém interesse em recorrer de uma decisão que lhe foi favorável e ainda em que medida e em que sentido se poderá conferir relevância ao facto de ter sido o recurso interposto em cumprimento de ordem dimanada do superior hierárquico do magistrado que interpôs o recurso.

Para dilucidar estas questões, o acórdão começa por fazer apelo ao princípio da boa-fé, o qual considera abertamente contrariado quando, como é o caso, se possa dar oportunidade de recorrer de uma decisão a quem no processo tenha adoptado posição com ela conforme.

A boa-fé seria, assim, postergada por quem possa ficar em posição de defender o contrário do que sustentara antes, do que derivaria a ideia de que, quem obtém uma decisão favorável, deve ser considerado sem interesse em contra ela recorrer.

Invoca-se, depois, em reforço legal desta tese, o artigo 401.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o qual, sem abrir qualquer excepção, mesmo para o Ministério Público, estabelece que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir, pelo que se deve ter como desprovido de interesse processual em agir, em impugnar uma decisão que não contém qualquer aspecto adverso à pretensão formulada na promoção que foi deferida.

Quanto à outra questão suscitada, ou seja, de que o recurso tenha sido interposto por imposição do superior hierárquico, entende este acórdão que se trata de questão irrelevante, por isso mesmo que a magistratura do Ministério Público está estruturada como entidade indivisível, devendo entender-se como definitiva a intervenção de cada um dos seus magistrados no processo, sem possibilidade de a posteriori ser alterada de acordo com diferentes entendimentos provindos dos vários degraus da hierarquia.

Foi esta, em suma, a posição assumida pelo acórdão recorrido sobre esta matéria.

1.2.2 - O acórdão fundamento.
Já o acórdão fundamento começa por salientar que o Ministério Público está vinculado, nos termos do artigo 53.º, n.º 1, da Constituição, a defender a legalidade, que não interesses individuais, pelo que não pode estar vinculado a qualquer erro de uma posição assumida anteriormente no processo, devendo obediência apenas a critérios de estrita objectividade.

Alude-se, depois, à faculdade que a lei reconhece ao Ministério Público para recorrer, ainda que seja no exclusivo interesse do arguido [artigo 401.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal].

Finalmente vai-se buscar ao confronto entre os artigos 48.º a 52.º do Código de Processo Penal a conclusão de que não resulta qualquer restrição da legitimidade do Ministério Público para recorrer em situações como a dos autos, pelo que, não ocorrendo alguma dessas restrições ou qualquer outra expressamente prevista, impõe-se a regra geral de que tem legitimidade, nos termos da primeira parte do citado artigo 48.º

1.3 - Termos ulteriores.
Foi o recurso recebido pela forma legal e corridos os vistos, por Acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Maio de 1994, foi reconhecida a existência de oposição entre os dois acórdãos em questão, considerando-se que as soluções a que cada um chegou sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação são contraditórias e substancialmente opostas entre si, tendo-se ordenado, depois, o prosseguimento dos autos.

1.4 - Alegações.
Alegaram o recorrido Henrique da Cruz Oliveira, representado pelo Exmo. Defensor Oficioso nomeado, que ofereceu o mérito dos autos, pretendendo o suprimento das questões de direito como acto de justiça.

E a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal produziu uma douta e brilhante peça jurídica em que, quanto à questão de mérito, procedeu a um correcto e minucioso enquadramento da magistratura do Ministério Público à luz da lei, doutrina e jurisprudência aplicáveis, tendo em conta, designadamente, os princípios constitucionais pertinentes e o direito comparado, tudo acompanhado de numerosas e eruditas referências e citações, o que a levou a propor para a resolução do conflito o seguinte projecto de fixação de jurisprudência:

O Ministério Público, em função dos seus poderes-deveres no âmbito do processo penal, tem legitimidade e interesse em agir na interposição de recursos, ainda que a decisão de que decorre tenha acolhido integralmente a sua promoção ou parecer, por força do que dispõem os artigos 48.º a 52.º e 401.º, todos do Código de Processo Penal de 1987.

Decorrido o prazo legal, foram colhidos os vistos simultâneos dos restantes juízes e, sendo o processo inscrito em tabela, procedeu-se ao julgamento em conferência pelo plenário das secções criminais, nos termos do artigo 443.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, pois, decidir.
2 - Fundamentos e decisão.
2.1 - Relance sobre o Ministério Público.
Como se trata aqui de apreciar fundamentalmente o interesse e a legitimidade do Ministério Público em recorrer no processo penal, importa fazer um breve busquejo sobre esta magistratura na sua génese e evolução, designadamente no nosso país, no qual teve uma formação e desenvolvimento muito especiais, os quais culminaram actualmente num estádio que, quer do ponto de vista constitucional, quer legal, se pode considerar dos mais avançados em relação ao que se passa nos outros Estados, quer da Europa quer do mundo.

A análise dessa evolução do Ministério Público desde as suas mais remotas origens ajudar-nos-á a compreender a sua posição actual e fundamentalmente a sua posição relativamente aos interesses cuja defesa lhe está cometida e tem por obrigação legal assegurar.

Como se sabe, o direito português teve no direito romano uma das suas principais origens e este recebeu da Grécia grande cópia de ensinamentos e aquisições.

Assim é que a função de acusar hoje característica do Ministério Público apareceu na Lei de Solon como comum a todos os cidadãos e nessa forma passou para Roma, onde, porém, se desdobrou, por um lado, em verdadeira acção popular sem magistratura a que fosse confiada e, por outro, em acção de defesa e administração do fisco, que era confiada aos procuratores Caesaris ou rationales.

Deste desdobramento de funções talvez se possa explicar o dualismo que desde os mais remotos tempos da nossa história se verificou nas funções do Ministério Público, de uma parte exercidas pelo «procurador da coroa» e de outra, pelo «procurador da fazenda».

Há, no entanto, que observar que, embora as origens mais remotas do Ministério Público se possam encontrar na Grécia e em Roma, não se podem considerar tais origens como levando à configuração de uma verdadeira magistratura institucionalizada, tudo se achando disperso e sem qualquer espírito sistemático.

Daí, talvez, aquele dito de um velho praxista coimbrão, comentador das Ordenações, que referia que para haver tribunal era apenas preciso «juiz que julgue, homem que acuse e réu que se defenda».

O Ministério Público só começou a aparecer como instituição quando se confiou a um determinado corpo de pessoas certos objectivos de defesa da sociedade que deviam incumbir especificamente a essas mesmas pessoas.

Com as invasões dos bárbaros, desapareceu o princípio greco-romano da acção pública, para dar lugar à acção particular representada pela vingança, e é curioso notar que esta acção particular de vingança só começou a desaparecer quando se deu a substituição do direito territorial pelo direito pessoal, facto este que ocorreu mais cedo na Península Ibérica do que em qualquer outra parte ocupada pelos invasores.

Surgiu, assim, novamente, a acção pública, embora restrita aos crimes mais graves e sem que fosse confiada a qualquer magistratura em especial.

No caso português, aparecem referências a procuradores do Rei nos tempos de D. Afonso II, mas sem características de verdadeiros magistrados, até que D. Afonso III, em diploma de 14 de Janeiro de 1289, criou o cargo de «procurador do Rei», a funcionar permanentemente junto dele e tendo o privilégio de chamar à «casa do Rei» as pessoas que com ela tinham pleito. Só, porém, com a extinção do feudalismo na Europa e com o findar de alguns dos seus resquícios e imitações em Portugal, com o estudo do direito romano na nossa universidade é que começaram a surgir os tribunais regulares necessários à aplicação das leis gerais que então começavam a surgir.

Para os problemas de interpretação destas leis, para que a própria Coroa definisse a sua posição quanto a eles, tornava-se necessário um corpo de juristas que, embora intérpretes da lei, tivessem autoridade para impor as suas interpretações, daqui começando a surgir a magistratura do Ministério Público.

É curioso notar que os nossos antigos jurisconsultos pretendiam entroncar directamente a magistratura do Ministério Público nas magistraturas romanas, mas as características eram tão diferentes que já Pascoal José de Melo Freire notara o facto, considerando completamente autónoma a formação em Portugal daquela magistratura relativamente às magistraturas romanas.

Foram sendo, assim, criados no nosso país vários cargos cujo conjunto de funções já poderiam caracterizar uma verdadeira magistratura do Ministério Público. E surgiram então: «o Procurador dos feitos de El-Rei e da justiça»; o «Procurador da Fazenda», e «os Promotores de justiça» nos tribunais e nas correições.

Na «Casa de Justiça na corte de El-Rei» funcionava o «procurador do Rei», e embora fizesse parte da composição do tribunal, não tinha poderes para julgar.

Onde surge nitidamente a indicação das funções consultivas do Ministério Público, que ainda hoje constituem o grande apanágio da Procuradoria-Geral da República, é no regimento do cargo de «procurador de justiça», que assim se expressava:

Devia [o procurador de justiça] ser leterado e bem intendido para saber expertar e alegar as cousas e razões, que a nossos direitos pertencem, porque muitas vezes acontece que por seu bom aviamento os nossos desembargadores são bem informados e ainda nossos direitos reais acrescentados.

No regimento da «Casa da Suplicação» aparece a figura do procurator caesari ou seja, o judex, contraposto ao avocatus fisci que é definido como promotor justitiae.

No alvará de 29 de Março de 1514 estabelecem-se procuradores régios nos diferentes juízos e no alvará de 22 de Janeiro de 1530 impõe-se a obrigação de que os «procuradores dos feitos de El-Rei, da Coroa e da Fazenda promovam de ofício, sem ser necessário, para cada um dos feitos, especial mandado».

Tem interesse, ainda, referir que nas Ordenações Manuelinas ficaram expressas as obrigações dos promotores de justiça, quer perante as casas de suplicação, como nos juízos das terras, e nas Ordenações Filipinas mantiveram-se as funções de procuradores, sendo desenvolvidamente reguladas as atribuições do «procurador dos feitos da Coroa e da Fazenda», do «Promotor de justiça da Casa da Suplicação» e do «Promotor para a Relação do Porto», havendo ainda um promotor para cada correição e sendo ainda nas terras o cargo de promotor exercido pelo escrivão ou tabelião.

Parece daqui resultar pois que a evolução do Ministério Público foi genuinamente portuguesa, sem que possa ser acusada de ser um mero produto da evolução de qualquer instituição romana, nem tão-pouco uma criação de origem francesa, desenvolvendo-se paralelamente à magistratura judicial e sempre integrada no tribunal.

Tal como escrevia o grande jurisconsulto e Procurador-Geral da Coroa e da Fazenda João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens, mais conhecido por Martens Ferrão, no seu célebre relatório de 31 de Maio de 1871, do qual nos socorremos para compilar estas notas:

É de vindicar para Portugal a organização do Ministério Público nascido das próprias tradições do País e conservando ainda hoje na sua organização superior aquele mesmo carácter tradicional, distinto das organizações estranhas. [Martens Ferrão, «Relatório do Exmo. Sr. Conselheiro Procurador-Geral da Coroa e Fazenda», in Revista de Legislação e Jurisprudência, 4.º ano, 1871 a 1872, p. 300.]

Só, porém, com o advento do regime liberal é que o Ministério Público começou a assumir uma organização parecida com a actual (Dr. Francisco Caeiro, Discurso Proferido na Sessão Solene de Abertura dos Tribunais, Realizado em 24 de Janeiro de 1944, Lisboa, 1944, p. 5).

Com as reformas introduzidas por Mouzinho da Silveira, foi então criado, em Maio de 1832, o lugar de procurador-geral da Coroa, ao qual ficou subordinada toda a magistratura do Ministério Público, ficando ainda com o encargo de consultor jurídico do Governo e das câmaras, ao mesmo tempo que era o comissário do Governo perante estas últimas, onde tinha assento no banco dos ministros, e devendo, também, seguir os termos da acusação perante a Câmara dos Pares.

É de notar que a instituição, tal como foi concebida pelo grande legislador liberal, manteve-se nas sua linhas essenciais por mais de um século, o que mostra à evidência não só o rasgo da sua concepção, como ainda a sua adaptação ao processo evolutivo da sociedade portuguesa.

A estrutura dessa mesma instituição foi reformada um sem-número de vezes, mas o essencial manteve-se sempre.

Assim, a organização do Ministério Público de 15 de Dezembro de 1835, a Novíssima Reforma Judiciária, contida no Decreto de 21 de Maio de 1841, a reorganização de 24 de Outubro de 1901 e o próprio Estatuto Judiciário, embora alterando este ou aquele ponto, este ou aquele aspecto, respeitaram sempre, não só a estrutura do Ministério Público, como até o seu funcionamento, com particular realce para o procurador-geral, procuradores e ainda os seus delegados e subdelegados (Dr. Francisco Caeiro, op. cit., p. 8).

Interessa-nos, agora, referir ainda alguns passos da evolução do Ministério Público a partir da criação da Procuradoria-Geral da Coroa até chegarmos à recente estrutura deste organismo.

Assim, o primeiro passo no sentido de assegurar ao Ministério Público unidade e autonomia perante o poder judicial foi dado pelo Decreto de 15 de Dezembro de 1835, que regulou esta magistratura, definindo a competência dos seus diversos membros.

O Decreto de 12 de Novembro de 1896 fundiu num só organismo a Procuradoria-Geral da Coroa e a Procuradoria-Geral da Fazenda, que compreendia os serviços consultivos do Governo em matéria fiscal e do Ministério Público junto do Tribunal de Contas.

Ficou, pois, um só procurador-geral assistido pelos seus ajudantes a dirigir todos os trabalhos de consulta e a chefiar o Ministério Público.

O Decreto de 24 de Outubro de 1901 criou o Supremo Conselho de Magistratura do Ministério Público, com ampla competência em matéria disciplinar e administrativa, e o qual bem poderá considerar-se o remoto antecessor do actual Conselho Superior do Ministério Público.

Chega-se, depois, ao Estatuto Judiciário, publicado pela primeira vez em 1927, por via do Decreto-Lei 13809, de 22 de Julho, e que foi ao longo dos tempos objecto de várias reformas.

No tocante ao Estatuto Judiciário, deve dizer-se que, embora relativamente à Procuradoria-Geral da República houvesse inevitáveis diferenças de aspectos quanto à sua estrutura e funcionamento primitivos, o essencial manteve-se, a atestar a eficiência da instituição, tal como foi concebida.

Como escrevia o conselheiro Lopes Navarro, «Alguns aspectos da situação do Ministério Público perante o projecto do Código de Processo Civil», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 9.º, n.os 3 e 4, p. 384:

[...] o Estatuto Judiciário não fez mais do que exprimir uma situação legal já criada por larga evolução histórica e legislativa.

Quer isto significar que a função do Ministério Público, entre nós, tal como se encontra estabelecida naquele diploma, não é uma criação doutrinária abstracta, mas sim a expressão de uma realidade social e tradicionalista [...]

2.2 - O Ministério Público no seu enquadramento actual.
É curioso notar que o Ministério Público, apesar de uma evolução de certo modo paralela, como magistratura, em relação à magistratura judicial (que, aliás como é sabido, viveu sempre interligada com ela até um passado muito recente), não teve honras de tratamento desenvolvido no diploma fundamental, senão depois da Constituição de 1976, a qual fez a sua consagração em termos formais.

Com efeito, a Constituição de 1933 apenas referia (artigo 118.º) que «o Estado será representado junto dos tribunais pelo Ministério Público».

A Constituição de 1911 aludia ao poder judicial, mas omitia qualquer referência ao Ministério Público, o mesmo acontecendo com a Carta Constitucional e com a Constituição de 1838, sendo certo, no entanto, que a Constituição de 1822 continha uma referência ao «promotor de justiça».

Estas faltas de referência ao Ministério Público, nos diplomas constitucionais aludidos, não significam a atribuição de importância menor àquela magistratura, mas tão-somente que o legislador constitucional a considerou integrada no poder judicial.

Posto isto, vejamos o dispositivo constitucional que rege actualmente o Ministério Público e que consta do artigo 221.º do diploma fundamental:

Artigo 221.º
[...]
1 - Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.

2 - O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.

3 - Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.

Por seu turno, a Lei Orgânica do Ministério Público veio depois estabelecer também o seguinte regime, que aqui se deixa apontado nos seus traços mais pertinentes para o caso que nos interessa:

a) O Ministério Público é o órgão do Estado encarregado de representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses postos por lei a seu cargo;

b) A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados e agentes do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei;

c) A competência do Ministério Público desenvolve-se, entre outras matérias, pelo exercício da acção penal, pela defesa da independência dos tribunais na área das suas atribuições e ainda por velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis, incluindo esta competência a obrigatoriedade de recurso para o Tribunal Constitucional nos casos previstos na respectiva lei orgânica;

d) A Procuradoria-Geral da República tem, entre outras, a competência para promover a defesa da legalidade democrática e, ainda, dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público e emitir as directivas, ordens e instruções a que deve obedecer a actuação dos magistrados e agentes do Ministério Público no exercício das respectivas funções.

Perante este quadro, ligado à evolução histórica que em traços muito gerais ficou atrás delineada, vê-se com facilidade que o Ministério Público relativamente ao processo penal está numa situação diferente das outras partes a que se refere o artigo 401.º do Código de Processo Penal.

Esses outros sujeitos processuais são o arguido, o assistente, as partes civis e aquelas que tiverem sido condenadas ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos do Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.

Comparando o conjunto destas outras partes com o Ministério Público, mostra-se por de mais evidente a conclusão de que nenhuma delas integra uma magistratura de tradição secular que sempre existiu ao lado do Rei ou depois, em representação da República, com o permanente escopo da defesa dos interesses reais, públicos e da legalidade democrática, num paralelismo e até integração quase constante com a magistratura judicial e que levou o legislador constitucional de 1976 a incluí-la no título respeitante aos tribunais.

Esta magistratura, por força da sua evolução histórica, pelo tratamento constitucional e legal conferido, assume, sem qualquer dúvida, a mesma dignidade e importância da magistratura judicial, apenas dela se distinguindo por não ter funções jurisdicionais.

Numa fórmula sintética mas sugestiva para caracterizar estas duas magistraturas, bem pode dizer-se que, enquanto o Ministério Público constitui a magistratura «de pé», os juízes integram antes a magistratura «sentada», ou seja, e por outras palavras, enquanto os juízes aplicam a lei, o Ministério Público pede a sua aplicação em nome do Estado (cf. H. Capitant, Vocabulaire Juridique, 1936, p. 320).

Este órgão de justiça teve em Portugal longas tradições na vida jurídica portuguesa e foi-se estratificando por um processo de evolução genuinamente português.

Significa isto que, se uma instituição se foi formando num país ao longo dos séculos e manteve durante essa evolução um núcleo essencial de estrutura e funções que resistiu às mais variadas reformas e alterações, é porque corresponde cabalmente aos anseios e necessidade de legalidade e de justiça do povo que a produziu.

Um dos núcleos essenciais que vimos manter-se nessa evolução foi que o Ministério Público não pode ser equiparado às outras partes do processo e essa característica mantém-se plenamente válida perante o processo penal vigente.

Como escrevia o actual e ilustre Procurador-Geral da República:
O processo penal português não é rigorosamente um processo de partes, sendo a posição do Ministério Público mais reconduzível à ideia de «órgão de justiça». O Código é perfeitamente claro nesta matéria ao estabelecer que o Ministério Público pode recorrer no exclusivo interesse do arguido (artigo 401.º) e ao definir o programa de actuação do Ministério Público: colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade - artigo 53.º [Conselheiro José Narciso da Cunha Rodrigues, in Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 390.]

E por fim é preciso não esquecer que é a própria lei que considera o Ministério Público como um órgão do Estado (Lei Orgânica do Ministério Público, artigo 1.º).

Será, portanto, à luz destes princípios que iremos seguir para a escolha da solução a adoptar.

2.3 - Normas que interessam directamente à solução da questão.
Essas normas são as seguintes:
A) Artigo 48.º do Código de Processo Penal:
O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º

B) Artigo 49.º do mesmo Código:
1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.

2 - Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.

3 - A queixa é apresentada pelo titular do direito respectivo ou por mandatário munido de poderes especiais.

4 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender da participação de qualquer autoridade.

C) Artigo 50.º do mesmo Código:
1 - Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido e de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.

2 - O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo anterior.
D) Artigo 51.º do mesmo Código:
1 - Nos casos previstos nos artigos 49.º e 50.º, a intervenção do Ministério Público no processo cessa com a homologação da desistência da queixa ou da acusação particular.

2 - Se o conhecimento da desistência tiver lugar durante o inquérito, a homologacão cabe ao Ministério Público; se tiver lugar durante a instrução ou o julgamento, ela cabe, respectivamente, ao juiz de instrução ou ao presidente do tribunal.

3 - Logo que tomar conhecimento da desistência, a autoridade judiciária competente para a homologação notifica o arguido para, em três dias, declarar, sem necessidade de fundamentação, se a ela se opõe. A falta de declaração equivale a não oposição.

E) Artigo 52.º do citado diploma:
1 - No caso de concurso de crimes, o Ministério Público promove imediatamente o processo por aqueles para que tiver legitimidade, se o crime mais grave não depender de queixa ou de acusação particular, ou se os crimes forem de igual gravidade.

2 - Se o crime pelo qual o Ministério Público pode promover o processo for de menor gravidade, as pessoas a quem a lei confere o direito de queixa ou de acusação particular são notificadas para declararem, em três dias, se querem ou não usar desse direito. Se declararem:

a) Que não pretendem apresentar queixa ou acusação, ou nada declararem, o Ministério Público promove o processo pelos crimes que puder promover;

b) Que pretendem apresentar queixa, considera-se esta apresentada;
c) Que pretendem deduzir acusação e o não fizerem em 10 dias, o Ministério Público promove o processo pelos crimes que puder promover.

F) Artigo 401.º do mesmo diploma:
1 - Têm legitimidade para recorrer:
a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;

b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;
d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.

2 - Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
2.4 - Apreciação do problema.
2.4.1 - A questão da boa-fé.
Um dos argumentos mais impressionantes do ponto de vista da tese de que o Ministério Público não poderia recorrer de decisão que lhe fosse favorável e adoptada por um dos acórdãos em conflito (o recorrido) consistiu em que contraria abertamente os princípios da boa-fé que possa ser dada oportunidade de recorrer de uma decisão a quem no processo, tendo adoptado posição com ela conforme, fica em posição de defender o contrário do que sustentara antes.

Desta forma, quem obteve uma decisão favorável deve ser considerado sem interesse em contra ela recorrer.

Não se diz no acórdão quais sejam estes princípios da boa-fé que possam estar em causa, para além de se entender como ilegítimo o recurso de uma decisão favorável. Portanto, parece nada mais estar em causa.

Ora, em primeiro lugar, ocorre salientar que relativamente à actuação de uma magistratura que constitucional e legalmente se pauta pela defesa da legalidade democrática e cuja autonomia se caracteriza pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade, não tem qualquer sentido falar-se em infracção dos princípios da boa-fé.

Depois, e isto constitui um argumento deveras interessante, é o próprio Código de Processo Penal [artigo 401.º, n.º 1, alínea a)] que afasta implicitamente a infracção do princípio da boa-fé, integrado pela possibilidade de o Ministério Público recorrer, de certa maneira contraditoriamente, de uma posição que lhe era favorável.

Pois se se admite a legitimidade para recorrer de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido, permite-se o recurso em processo penal de uma decisão favorável ao Ministério Público, porque condenatória, embora desfavorável ao arguido. E favorável porque de acordo com a acusação.

Explicando melhor: se se admite um recurso de uma decisão penal é porque fatalmente foi produzida uma acusação contra um determinado arguido. Havendo recurso, foi porque o arguido foi condenado e se se admite que o Ministério Público recorre no interesse do próprio arguido, na tese do acórdão recorrido, haveria sempre infracção do princípio da boa-fé, isto porque se estaria a recorrer de uma decisão favorável ao recorrente, mas que a lei expressamente permite.

O interesse do Ministério Público, na óptica do citado acórdão, só poderia coincidir com o interesse da acusação, com o interesse do exercício da acção penal e nunca compatibilizar-se com o interesse do próprio arguido.

Quer isto dizer, por conseguinte, que a boa-fé, o abuso de direito e outros princípios congéneres que têm a sua sede mais própria no direito civil, não podem colocar-se relativamente à actuação do Ministério Público em processo penal, já que os critérios por que esta magistratura se rege aqui são outros muito diferentes, como se viu, ou sejam, a defesa da legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.

Em suma: é a própria lei processual que expressamente num caso permite ao Ministério Público o recurso interposto de uma decisão favorável, com base na prossecução de um determinado interesse relevante, pelo que se poderá adiantar que este princípio é passível de ser alargado a todos os casos de interesses relevantes, sem que seja posta em causa a boa-fé.

Desta forma, não pode invocar-se a infracção ao princípio da boa-fé para justificar a impossibilidade de recurso por parte do Ministério Público de uma decisão que lhe seja favorável, já que tal recurso se poderá basear na defesa dos interesses acima assinalados e o princípio da boa-fé não se coloca, nem pode colocar, relativamente à actuação de uma magistratura que está subordinada a princípios em que aquela está naturalmente sempre inerente e implícita.

2.4.2 - A falta de interesse em agir.
Relativamente a este ponto da falta de interesse em agir, o acórdão recorrido invocava, como vimos, o n.º 2 do artigo 401.º do Código de Processo Penal, para considerar que, no caso concreto, deveria ter-se este como desprovido de interesse processual em agir, em impugnar uma decisão que não contém qualquer aspecto adverso à pretensão formulada na promoção que foi deferida.

Efectivamente o n.º 2 do artigo 401.º do Código de Processo Penal estipula que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

Embora Maia Gonçalves (in Código de Processo Penal Anotado, p. 454), sustente que, dada a extensão dos deveres do Ministério Público, o requisito do interesse em agir dificilmente lhe não será aplicável, a verdade é que não resolve em termos claros a questão do interesse em agir no caso do Ministério Público.

Ora aqui teremos de reconhecer que por força da estrutura legal e organização hierárquica daquela magistratura, quem define legalmente o interesse em agir do Ministério Público só pode ser aquela hierarquia, isto por força da própria lei, já que, nos termos do artigo 8.º, alínea c), da Lei Orgânica do Ministério Público, os magistrados têm o dever de obedecer às directivas, ordens e instruções, no exercício das suas funções, dimanadas da Procuradoria-Geral da República.

É certo que se poderá dizer que estas ordens e directivas vinculam apenas no plano interno da magistratura do Ministério Público, mas na medida em que, como se viu, o Ministério Público, na sua concepção histórico-evolutiva, constitucional e legal, é um órgão do tribunal, terá de se reconhecer sem qualquer dificuldade que a ordem ou directiva produzida pela hierarquia do Ministério Público para que actue em recurso penal num determinado sentido conduz à presunção do interesse em agir inerente ao magistrado ou agente que cumpre essa ordem e em tal conformidade recorre.

Quer isto dizer, tal como aconteceu no caso vertente, que, se a hierarquia do Ministério Público impôs aos seus magistrados a obrigação de recorrerem num determinado caso, independentemente de qualquer posição assumida anteriormente em sentido contrário, deve presumir-se o interesse em agir a que alude o n.º 2 do artigo 401.º do Código de Processo Penal.

E isto sempre porque tem de presumir-se que a sua actividade global e indivisível, como salienta o acórdão recorrido, consiste, em qualquer nível, na defesa da legalidade democrática, com uma autonomia caracterizada pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade.

Pode, assim, considerar-se que, e ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido, a imposição do superior hierárquico não é irrelevante do ponto de vista do interesse em agir, mas, pelo contrário, integra a presunção da existência desse mesmo interesse.

Aliás, foi sempre este o panorama tradicional em matéria de recursos quanto ao Ministério Público, reconhecido já desde os tempos do Código de Processo Penal de 1929, por variada jurisprudência, a qual aceitava pacificamente a legitimidade do Ministério Público para recorrer de quaisquer decisões nos casos de determinação hierárquica, mesmo que os respectivos agentes se tivessem conformado com a decisão.

2.4.3 - A ausência das restrições quanto à legitimidade.
O acórdão fundamento já havia salientado que do confronto dos artigos 48.º a 52.º do Código de Processo Penal não resultava qualquer restrição da legitimidade do Ministério Público para recorrer de decisão que houvesse sido favorável a uma anterior posição.

E na verdade assim é.
Embora o artigo 48.º do Código de Processo Penal estabeleça o princípio geral de legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal, embora com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º, não se encontra nas aludidas restrições qualquer uma que o impeça de recorrer num caso como o dos autos.

Isto é assim pelo lado negativo, mas até se poderá ir mais longe, apreciando as coisas pelo lado positivo.

Na realidade, poderá encontrar-se até uma regra que pela positiva afirma a legitimidade do Ministério Público neste caso.

E essa norma que, ao contrário daquela que define a legitimidade geral para promover, é apenas respeitante aos recursos vem definir nesse campo específico a legitimidade do Ministério Público para recorrer.

Tal norma só pode ser a da alínea a) do n.º 1 do artigo 401.º do Código de Processo Penal e que dispõe que o Ministério Público tem legitimidade para recorrer de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido.

Poderá com facilidade defender-se que essa regra surge como o princípio fundamental da legitimidade para recorrer relativamente ao Ministério Público e, assim, não estabelecendo a mesma quaisquer limites ou restrições, temos que o Ministério Público poderá sempre recorrer em processo penal de quaisquer decisões, mesmo que lhe sejam favoráveis ou consentâneas com posições por si defendidas.

Ficaria, desta forma, o aludido preceito como exclusivo regulador da legitimidade do Ministério Público, passando a norma do n.º 2 do artigo 401.º a ter aplicação genérica às restantes partes processuais.

3 - Conclusões.
As considerações feitas permitem tirar as seguintes conclusões:
1.ª A evolução histórica no direito português da magistratura do Ministério Público revela um certo paralelismo e interpenetração relativamente à magistratura judicial como órgão integrante do tribunal e participante na administração da justiça, com funções sempre ligadas à defesa do interesse do Rei, da República e da legalidade democrática, em suma, interesses públicos, que se não compadecem com a mera defesa de interesses privados;

2.ª O actual enquadramento constitucional e legal do Ministério Público impõe-lhe o exercício da acção penal e a defesa da legalidade democrática, sendo a sua autonomia caracterizada pela vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados e agentes do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei;

3.ª É a própria lei processual [artigo 401.º, n.º 1, alínea a)] que permite expressamente num caso o recurso, interposto pelo Ministério Público, de uma decisão que lhe foi favorável, isto quando tal recurso for interposto no interesse do arguido;

4.ª A boa-fé, o abuso de direito e outros princípios congéneres que têm a sua sede própria no direito civil não podem colocar-se relativamente à actuação do Ministério Público em processo penal, isto porque os critérios que aqui regem esta magistratura são outros e diversos, tais como a defesa da legalidade democrática e dos interesses que a lei determinar;

5.ª Assim, o Ministério Público, ao recorrer de uma decisão que concordou com uma posição por si anteriormente defendida, não pratica conduta violadora dos princípios da boa-fé;

6.ª O interesse em agir do Ministério Público está em correlação directa com a defesa da legalidade democrática e dos interesses que a lei determinar e pode ser também definido pela respectiva hierarquia;

7.ª Se a hierarquia do Ministério Público impõe aos seus magistrados e agentes a obrigação de recorrer num determinado caso, independentemente de qualquer posição assumida anteriormente em sentido contrário, deve presumir-se o interesse em agir a que alude o n.º 2 do artigo 401.º do Código de Processo Penal;

8.ª Da conjugação dos artigos 48.º a 52.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 401.º do Código de Processo Penal resulta que o Ministério Público em processo penal poderá recorrer de quaisquer decisões sem nenhuma restrição, mesmo que no exclusivo interesse do arguido, e mesmo de decisões que lhe sejam favoráveis ou concordantes com posições anteriormente por si defendidas.

4 - Decisão.
Portanto e o mais dos autos:
Acordam os deste Supremo Tribunal de Justiça em revogar, como revogam, o acórdão recorrido e outrossim determinam a repetição do julgamento na respectiva Relação, de harmonia com a decisão que seguidamente se passa a proferir e que estabelece, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, a seguinte jurisprudência:

Em face das disposições conjugadas dos artigos 48.º a 52.º e 401.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal e atentas a origem, natureza e estrutura, bem como o enquadramento constitucional e legal do Ministério Público, tem este legitimidade e interesse para recorrer de quaisquer decisões mesmo que lhe sejam favoráveis e assim concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.

Sem custas por não serem devidas.
Honorários: 15000$00.
Lisboa, 27 de Outubro de 1994. - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - Fernando Lopes de Melo - José Sarmento da Silva Reis - António Alves Teixeira do Carmo - Fernando Jorge Castanheira da Costa - Coelho Ventura - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - António de Sousa Guedes - José António Lopes Cardoso Bastos - Humberto Amado Gomes - José Henriques Ferreira Vidigal - Pedro Helmano Figueiredo Marçal - Vítor Manuel Ferreira da Rocha - Afonso de Melo.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/63454.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2011-01-27 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2/2011 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa jurisprudência no seguinte sentido: em face das disposições conjugadas dos artigos 48.º a 53.º e 401.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.

Aviso

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