Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 8/2025
Acórdão do STA de 28 de Maio de 2025, no Processo 78/22.6BALSB-Pleno da 2.ª Secção
ACÓRDÃO
1-RELATÓRIO
1.1-A... FUNDS, Société d’Investissement à Capital Variable, interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º n.º 2, 3 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), na redação da Lei 119/2019 de 18 de setembro e artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão arbitral proferido em 28-04-2022 que correu termos no CAAD no âmbito do processo 368/2021-T, e anulou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações de IRC, referentes a 2018, condenando a AT na restituição das importâncias retidas na fonte a título de IRC, no montante de €771.712,47, bem como condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do trânsito em julgado do acórdão.
A recorrente invoca oposição entre o referido acórdão arbitral e o acórdão arbitral proferido, no processo 926/2019-T, de 19 de Outubro de 2020, já transitado em julgado.
1.2-Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto arbitral fundamento, a recorrente termina as alegações do recurso (cf. fls. 4 do SITAF), formulando as seguintes Conclusões:
A) A decisão arbitral recorrida e o Acórdão Fundamento proferido no processo de arbitragem tributária n.º 926/2019-T estão em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, em consonância com o artigo 25.º, n.º 2, do RJAT;
B) Encontram-se preenchidos os seguintes pressupostos:
(i) trânsito em julgado do Acórdão Fundamento;
(ii) prolação das decisões recorrida e fundamento em processos distintos;
(iii) identidade de situações fácticas;
(iv) existência de um quadro legislativo substancialmente idêntico;
(v) necessidade de decisões opostas expressas; e (vi) dissonância da decisão arbitral recorrida com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo;
C) Especificamente quanto à identidade de situações fácticas e de um quadro legislativo substancialmente idêntico, há que sublinhar quanto ao cenário jurídiconormativo subjacente à Decisão Arbitral recorrida e ao Acórdão Fundamento que em ambos os processos, o sujeito passivo reagiu contenciosamente das liquidações de IRC por retenção na fonte, através de reclamação graciosa, tendo aquelas sido anuladas judicialmente e sido a Administração Tributária condenada no pagamento de juros indemnizatórios;
D) Quanto à existência de decisões opostas expressas, quer a Decisão Arbitral recorrida quer o Acórdão Fundamento discutem a aplicação prática do regime da condenação da Administração Tributária em juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º da LGT;
E) Caso o Douto Tribunal a quo tivesse adoptado no âmbito da Decisão Arbitral recorrida a posição assumida no Acórdão Fundamento, o sentido decisório por si perfilhado teria sido diametralmente oposto, concluindo que o termo inicial do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.os 1 a 3 da LGT, corresponde à data das retenções na fonte ilegais;
F) O artigo 94.º, n.º 7, do CIRC habilita a entidade devedora de rendimentos (ou responsável pela sua colocação à disposição), auferidos por entidade não residente e sem estabelecimento estável em território nacional, a reter na fonte, com carácter definitivo, o respectivo imposto, tendo sido ao abrigo dessa disposição legal que o A... SECURITIES SERVICES, munido de ius imperii para a liquidação de IRC, efectuou as indevidas retenções na fonte de imposto, que estão na origem dos presentes autos;
G) A atribuição de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, decorre de ser imputável aos Serviços a ilegalidade da liquidação em causa, integrando para este efeito o substituto tributário os Serviços da Administração Tributária;
H) Caso assim se não entendesse, constituindo a substituição tributária o regimeregra de tributação em sede de IRC das entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território nacional, constata-se que estes contribuintes, no plano ressarcitório, encontrar-se-iam numa posição de desvantagem injustificada em relação aos contribuintes residentes;
I) Se às entidades não residentes fosse aplicável o regime de autoliquidação de IRC, a Recorrente não teria suportado o montante indevidamente retido na fonte, pelo que o mesmo só poderia advir de liquidação adicional de imposto emitida pela Administração Tributária, a qual, uma vez julgada ilegal em termos idênticos aos sufragados pelo Douto Tribunal a quo, daria indubitavelmente lugar, na esfera da Recorrente, ao direito à percepção de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, a partir do pagamento indevido do imposto;
J) A posição defendida pelo Tribunal a quo, ao restringir de modo injustificado e desigualitário a tutela ressarcitória, sob a forma de juros indemnizatórios, de entidades não residentes como a Recorrente, põe igualmente em causa o princípio da livre circulação de capitais previsto no 63.º do TFUE, e, consequentemente, o primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno ordinário previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, cuja salvaguarda se visou prima facie nos presentes autos;
K) Deste modo, exclusivamente em função do método escolhido pelo legislador para a liquidação do imposto, residentes e não residentes são tratados diferenciadamente no plano ressarcitório, sendo estes tratados mais gravosamente, o que, em última instância, pode constituir um factor de inibição da sua actividade em Portugal e, por via disso, do investimento directo, o que indubitavelmente representa uma restrição ao referido princípio comunitário;
L) Impendendo sobre a Administração Tributária o dever de conhecer as normas comunitárias e de não aplicar normas internas desconformes com aquelas, naturalmente se conclui que o incumprimento de um tal dever constitui um erro imputável aos serviços, susceptível de originar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT;
M) Decorre igualmente da aplicação conjugada do artigo 43.º, n.os 1 e 3, alínea d), da LGT, que, independentemente da ilegalidade ser ou não imputável aos Serviços da Administração Tributária, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios coincide com a data das retenções na fonte ilegais;
N) Tendo a Recorrente contestado a legalidade das referidas retenções na fonte de IRC em sede de reclamação graciosa e, subsequentemente, no processo de arbitragem tributária n.º 368/2021-T, a anulação de tais actos tributários determina o seu direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.os 1 e 3, da LGT, computados a partir da data em que os rendimentos por si auferidos foram sujeitos a retenção na fonte e não a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no referido processo de arbitragem tributária;
O) Perante o exposto, o Douto Tribunal a quo aplicou erroneamente o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, padecendo a decisão arbitral recorrida de erro de julgamento e impondo-se a esse Douto Tribunal ad quem a prolação de acórdão que, na esteira do Acórdão Fundamento, declare o direito da Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios contabilizados desde a data das retenções na fonte ilegais, nos termos do artigo 43.º, n.os 1 e 3, alínea d) da LGT, os quais, na presente data, ascendem a EUR 124.271,23, tudo com as demais consequências legais.
Pugna pela procedência do recurso, pela revogação da decisão arbitral recorrida e pela sua substituição
por Acórdão consonante com a posição perfilhada no Acórdão Fundamento invocado que declare o direito da Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios contabilizados desde a data das retenções na fonte ilegais, nos termos do artigo 43.º, n.os 1 e 3, alínea d) da LGT, tudo com as demais consequências legais
».
X
1.3-A Autoridade Tributária e Aduaneira, foi notificada da interposição do recurso e da sua admissão para este Supremo Tribunal (fls. 1011, sitaf). Não apresentou contraalegações.
X
1.4-Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público. O Senhor ProcuradorGeral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser julgado procedente o presente recurso de uniformização de jurisprudência.
Aí se consigna, designadamente, o seguinte:
Pelo exposto, deve ser fixada jurisprudência no sentido de que o artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, na redação introduzida pela Lei 9/2019, consagra que o contribuinte que tenha pago tributo considerado indevido, por decisão judicial/arbitral de inconstitucionalidade ou ilegalidade, transitada em julgado, tenha direito a juros indemnizatórios quanto ao montante indevidamente pago, sendo estes devidos desde o pagamento indevido do tributo, ou seja, no presente caso, desde a data das retenções na fonte consideradas ilegais
».
X
Colhidos os vistos de todos os Ex.os Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para decisão.
X
2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-Fundamentação de facto
Da decisão arbitral estruturada no âmbito dos presentes autos, consta provada a seguinte matéria de facto (cf. fls.912 do SITAF):
A. O Requerente é um Organismo de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários (OICVM), com sede e direcção efectiva no GrãoDucado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernam les organismes de placement collectif. que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM;
B. O Requerente é residente para efeitos fiscais no GrãoDucado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o GrãoDucado do Luxemburgo (CEDT), aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2000 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 29/2000;
C. Por via dessa CEDT, a taxa aplicada na retenção na fonte foi de 15 %, em vez da de 25 % prevista no n.º 4 do artigo 87.º e no n.º 4 do artigo 94.º do CIRC.
D. O mecanismo de crédito de imposto previsto no artigo 24.º da CEDT não tem aplicação no caso. uma vez que a Requerente estava isenta de pagamento do imposto luxemburguês sobre os rendimentos das pessoas colectivas, ao abrigo do artigo 161.º da Lei de 4 de Dezembro de 1967 (Loi modifiée du 4 décembre 1967 concernant l’impôt sur le revemi) e do artigo 173.º da Lei de 17 de Dezembro de 2010, relativa ao regime dos organismos de investimento colectivo, que transpõe para o ordenamento jurídico luxemburguês a Directiva 2009/65/CE (Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif);
E. O Requerente é administrado pela sociedade A... ASSET MANAGEMENT LUXEMBOURG, entidade também com residência no GrãoDucado do Luxemburgo;
F. Em 2018, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 5.144.749,82, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória à taxa de 15 %, nos seguintes termos:
[IMAGEM]
G. As retenções na fonte de IRC em causa foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública pelo A... SECURITIES SERVICES, pessoa colectiva titular do número de identificação fiscal em Portugal...02, na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários;
H. O Requerente não obteve crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto dos presentes autos, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do GrãoDucado do Luxemburgo;
I. Em 30 de Dezembro de 2019, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC a título definitivo efectuada nos anos de 2017 e de 2018 (neste caso em relação às guias n.os...61 (2018-05) e...06 (2018-09) solicitando o reembolso do montante de € 1.058.713,82, perfazendo o montante global de reembolso então solicitado € 2.243.749,72;
J. A AT emitiu projecto de rejeição liminar por intempestividade, referente às guias dos períodos de 2017, e de indeferimento quanto às guias referentes a 2018;
K. Notificado para o exercício do direito de audição prévia, o Requerente nada disse, pelo que, por despacho de 15 de Dezembro de 2020, o projeto de rejeição e de indeferimento foi convolado em definitivo, o que lhe foi comunicado em 11 de Janeiro de 2021;
L. Inconformado com a decisão de indeferimento da sua pretensão de recuperar os montantes pagos por retenção na fonte em 2018, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, o Requerente intentou o supra referido PPA.
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se o seguinte:
Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e não foram controvertidos. // FACTOS NÃO PROVADOS // Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido provados
».
X
Do Acórdão proferido CAAD no âmbito do P. n.º 926/2019-T, de 19 de Outubro de 2020 (decisão fundamento) consta provada a seguinte matéria de facto (cf. fls. 40 do SITAF):
a) A requerenteThe Genesis Emerging Marktes Investment Company SICAV (GEMIC)-é uma sociedade constituída em 1994, ao abrigo do direito luxemburguês e que, para efeitos fiscais, é residente no Luxemburgo e não tem estabelecimento estável em Portugal.
b) A requerente segue, quanto à sua constituição e funcionamento, as regras previstas na Lei de 12 de Setembro de 2007, relativa aos fundos de investimento especializados e adota a forma de uma sociedade de investimento de capital variável (“Sociétè d’investissement à capital variable”-“SICAV”), sendo dotada de personalidade jurídica.
c) A Lei de 13 de fevereiro de 2007 (disponível em língua inglesa em http:
//www.cssf.lu/en/documentation/regulations/laws-regulations-and-other-texts/info/article/1473/) define, no seu artigo 1.º, um fundo de investimento especializado como “(...) qualquer empresa de investimento coletivo localizada no Luxemburgo cujo objeto exclusivo é o investimento coletivo dos seus fundos em ativos de forma a distribuir os riscos de investimento e assegurar aos investidores, os títulos “ou interesses de parceria” reservados a um ou vários investidores bem informados, e os documentos constitutivos ou documentos de oferta “ou acordo de parceria” que estabeleçam que estão sujeitos à disposição da presente lei” (Tradução livre de:
“For the purpose of this Law, specialised investment funds shall be any undertakings for collective investment situated in Luxembourg:
-the exclusive object of which is the collective investment of their funds in assets in order to spread the investment risks and to ensure for the investors the benefit of the results of the management of their assets, andthe securities “or partnership interests” of which are reserved to one or several wellinformed investors, andthe constitutive documents or offering documents “or partnership agreement” of which provide that they are subject to the provisions of this Law)”-conforme artigo 19.º do PPA e posição implícita de aceitação por parte da Requerida, que não o impugna especificadamente esta redacção da lei luxemburguesa;
d) De acordo com o artigo 3.º dos respetivos Estatutos o objeto social da A... compreende o investimento em valores mobiliários de todos os tipos, bem como em Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”) e quaisquer outros ativos idênticos, com vista a dispersar os riscos de investimento e permitir aos seus acionistas beneficiar dos resultados da sua gestãoconforme artigo 20.º do PPA, documento n.º 4 em anexo ao PPA e artigo 6.º da Resposta da AT que reproduz o artigo 20.º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
e) Encontra-se ainda previsto nos seus estatutos que a Requerente pode tomar quaisquer medidas e realizar quaisquer operações que considere adequadas para alcançar ou desenvolver o seu objeto, de acordo com o regime jurídico luxemburguês relativo a fundos de investimento especializadosconforme artigo 21.º do PPA e artigo 7.º da Resposta da AT que reproduz o artigo 21.º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
f) Não obstante adotar uma forma societária, a Requerente constitui, em substância, um OIC categorizado como um fundo de investimento especializado na aceção daquela Lei de 13 de fevereiro de 2007, sobre Fundos de Investimento Especializados, de acordo com a qual (artigo 1.º, n.º 2 e capítulo 3.º da referida Lei) os tais fundos podem adotar a forma de uma SICAVconforme artigo 22.º do PPA e artigo 8.º da Resposta da AT que reproduz o artigo 21.º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
g) Sendo que uma SICAV é definida pelo ordenamento jurídico luxemburguês (artigo 25.º da Lei de 17 de dezembro de 2010, que transpôs a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, relativa a Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários) como “uma empresa que tenha adotado a forma de sociedade anónima regida pela lei luxemburguesa,-cujo único objetivo é investir os seus fundos em valores mobiliários e/ou outros ativos financeiros líquidos referidos no n.º 1 do artigo 41.º a fim de repartir os riscos de investimento e assegurar aos seus participantes o benefício do resultado da gestão de seus ativos; e-cujas unidades se destinam a ser colocadas junto do público através de uma oferta pública ou privada;
-e cujos estatutos preveem que o montante do capital seja, em todos os momentos, igual ao valor do património líquido da empresa” (Tradução livre de:
“SICAVs shall be taken to mean those companies which have adopted the public a société anonyme governed by Luxembourg law,-whose sole object is to invest their funds in transferable securities and/or other liquid financial assets referred to in Article 41(1) in arder to spread the investment risks and to ensure for their unitholders the benefit of the public or the management of their assets; andwhose units are intended to be placed with the public by means of a public or private offer; andwhose articles of incorporation provide that the amount of capital shall, at all times, be equal to the value of the net assets of the company”, ou seja, ao que no direito português se designa como organismo de investimento coletivo (OIC) sob forma societária (artigos 5.º, 6.º, n.º 3, 11.º, 49.º e seguintes da Lei 16/2015, de 24 de fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo)-conforme artigos 23.º e 24° do PPA e artigos 9.º e 10° da Resposta da AT que reproduzem o artigo 23.º e 24.º do PPA, mas não o impugna especificadamente;
h) A Requerente, além de ser qualificada como um fundo de investimento especializado, corresponde a um Fundo de Investimento Alternativo (“AlF”), é gerido, nos termos da Lei luxemburguesa sobre AlFs de 12 de julho de 2013 (implementou a Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011) por um gestor autorizado (“Alternative lnvestment Fund Manager”-“AlFM”), a C..., LLPconforme artigos 25.º e 26° do PPA, documento n.º 5 em anexo ao PPA e artigo 11.º da Resposta da AT que reproduz os artigos 25.º e 26° do PPA, mas não os impugna especificadamente;
i) O gestor autorizado é qualificado como uma Limited Liability Partnership, constituída de acordo com as Leis do Estado do Delaware (Estados Unidos da América) e que, por isso, é um AIFM extracomunitário, em consonância com o disposto no artigo 1.º, n.º 48, daquela Lei de 12 de julho de 2013-conforme artigo 27.º do PPA e posição implícita de aceitação por parte da Requerida, que não o impugna especificadamente esta redacção da lei luxemburguesa;
j) Enquanto fundo de investimento especializado constituído à luz da legislação luxemburguesa, a Requerente é uma entidade regulada no GrãoDucado do Luxemburgo pela entidade local competente, a Comission de Surveillance du Secteur Financier (“CSSF”)-conforme artigo 28.º do PPA e Documento n.º 6 em anexo ao PPA posição implícita de aceitação por parte da Requerida, que não impugna especificadamente.
k) No âmbito do respetivo objeto social, a Requerente, em momentos diversos, efetuou investimentos na sociedade B..., SGPS, S. A., NIPC..., entidade residente em território português, através da aquisição de participações sociais nesta entidade, participações essas que, em 2017, geraram rendimentos a título de dividendos, abaixo melhor explicitados, a saber:
[IMAGEM]-conforme artigos 29.º e 30° do PPA, documento n.º 7 junto pela Requerente em 15 de Julho de 2020 e artigos 12.º e 13° da Resposta da AT que reproduz os artigos 29.º e 30° do PPA, mas não os impugna especificadamente;
l) A Requerente não beneficiou, na sua jurisdição de residência, de qualquer crédito de imposto respeitante ao IRC retido na fonte em Portugal, sendo que, se não fosse uma entidade constituída e estabelecida no GrãoDucado do Luxemburgo, mas, ao invés, perante um Organismo de Investimento Coletivo constituído e a operar de acordo com a legislação doméstica portuguesa na matéria, a mesma não teria sido sujeita a tributação em território nacional relativamente ao mesmo tipo de rendimento, incluindo beneficiando de uma dispensa de retenção na fonteconforme artigos 33.º e 34.º do PPA e 17.º e 18.º da Resposta da AT que reproduz os artigos 33.º e 34° do PPA, mas não os impugna especificadamente;
m) Por não se conformar com a situação descrita, em 28 de maio de 2019, a ora Requerente apresentou a Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de Retenção na Fonte de IRC sobre dividendos obtidos em território português nos períodos de tributação de 2017, no montante de € 372.339,08, alegando que ocorre uma discriminação que afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), não tendo a AT, no prazo de 4 meses respondido ao pedido de anulação da liquidação impugnadaconforme artigos 36.º, 37° e 38° do PPA, documento n.º 1 em anexo ao PPA e artigo 21.º da Resposta da AT;
n) Em 31 de Dezembro de 2019 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA)-registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consta da decisão fundamento o seguinte:
//
Factos considerados não provados // Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual. // Fundamentação da fixação da matéria de facto // Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendolhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). // Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). // Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação
».
X
2.2-Fundamentação de direito
2.2.1-É interposto recurso para a uniformização de jurisprudência visando a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 368/2021-T que correu termos no CAAD, datada de 28-04-2022, a qual anulou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações de IRC, referentes a 2018, condenando a AT na restituição das importâncias retidas na fonte a título de IRC, no montante de €771.712,47, bem como no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do trânsito em julgado do acórdão.
2.2.2-A recorrente invoca que a decisão arbitral sob escrutínio, ao escolher como termo a quo da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios a data do trânsito em julgado da decisão judicial que decidiu anular as retenções na fonte em causa, colide com a decisão fundamento que definiu como termo a quo da referida obrigação a data da retenção do imposto.
Alega, em síntese, que:
i) A posição defendida pelo Tribunal a quo, ao restringir de modo injustificado e desigualitário a tutela ressarcitória, sob a forma de juros indemnizatórios, de entidades não residentes como a Recorrente, põe igualmente em causa o princípio da livre circulação de capitais previsto no 63.º do TFUE, e, consequentemente, o primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno ordinário previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, cuja salvaguarda se visou prima facie nos presentes autos;
ii) Decorre igualmente da aplicação conjugada do artigo 43.º, n.os 1 e 3, alínea d), da LGT, que, independentemente da ilegalidade ser ou não imputável aos Serviços da Administração Tributária, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios coincide com a data das retenções na fonte ilegais;
iii) Tendo a Recorrente contestado a legalidade das referidas retenções na fonte de IRC em sede de reclamação graciosa e, subsequentemente, no processo de arbitragem tributária n.º 368/2021-T, a anulação de tais actos tributários determina o seu direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.os 1 e 3, da LGT, computados a partir da data em que os rendimentos por si auferidos foram sujeitos a retenção na fonte e não a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no referido processo de arbitragem tributária.
2.2.3-O Acórdão arbitral recorrido julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral. Determinou a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações de IRC, referentes a 2018, condenando a AT na restituição das importâncias retidas na fonte a título de IRC, no montante de €771.712,47, bem como no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do trânsito em julgado do acórdão.
Considerou, em síntese, que:
i) Da norma do artigo 22.º/1, 3 e 10, do EBF, flui a dispensa de retenção na fonte, em IRC, para os organismos de investimento coletivo, constituídos e a operar segundo a legislação nacional.
ii) Da jurisprudência do TJUE resulta que “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
iii) Deve assim considerar-se incompatível com o Direito da União a restrição do regime do artigo 22.º do EBF aos OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
iv) O acórdão recorrido determinou a anulação das liquidações por retenção na fonte, em relação aos dividendos distribuídos ao Requerente por empresas nacionais em 2018-
agora certificadamente discriminatórias e contrárias ao Direito da União bem como as ditas liquidações
».
Em sede de tutela reconstitutiva da situação ex ante, o acórdão recorrido, para além de ordenar à entidade impugnada a restituição das quantias indevidamente retidas, considerou ser de julgar procedente o pedido de condenação daquela no pagamento de juros indemnizatórios ao requerente.
Ponderou, em síntese, que:
Uma vez que, ao contrário das situações anteriormente previstas nas diferentes alíneas desse n.º 3, em que há sempre alguma censura à actuação da AT, no caso da alínea d) a censura só pode ser dirigida ao legisladorcomo acontece no presente caso, em que a norma legislativa em que se fundou a liquidação da prestação tributária foi julgada desconforme com Direito de hierarquia superior-compreende-se que só a partir do trânsito em julgado das decisões aí referidas estejam a cargo da AT os juros indemnizatórios, sem prejuízo dos mecanismos próprios disponíveis na ordem jurídica para a responsabilização do legislador
».
2.2.4-O Acórdão arbitral proferido, no processo 926/2019-T, de 19 de Outubro de 2020 (Acórdão fundamento), declarou ilegal
o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia
»; julgou procedenteo pedido de anulação da liquidação de retenção na fonte de IRC sobre dividendos obtidos em território português no período de tributação de 2017, no montante de € 372.339,08, e, bem assim, a da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa, apresentada em 28 de Maio de 2019
»; julgouprocedente o pedido de restituição de quantia paga, de € 372 339.08
»; e julgouprocedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto III-C) desta decisão
».
A propósito da tutela ressarcitória e por referência ao preceito do artigo 43.º/3/d), da LGT, ponderou, em síntese, que:
Esta alínea d) foi aditada pela Lei 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º,
a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011
». // Neste caso, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT. // Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.os 3, alínea d), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data de 05-04-2017 (data da distribuição dos dividendos que coincidirá com a data da retenção na fonte dos IRC retido), em que em se considera que ocorreu o pagamento indevido, até à data do processamento da respectiva nota de crédito
».
Cumpre, pois, aferir da admissibilidade do presente recurso de uniformização.
2.2.5-Do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT (1) e no artigo 152.º do CPTA (2), defluem os requisitos de admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência seguintes:
-que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
-que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;
-que o acórdão/decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA.-que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;
(3)
É idêntica a questão fundamental de Direito quando:
-as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;
-o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;
-quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.(4)
Vejamos.
2.2.6-A situação de facto analisada no Acórdão recorrido é a seguinte:
i) O requerente é um organismo de investimento colectivo em valores mobiliários, com sede no Luxemburgo (alínea A).
ii) Em 2018, o requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 5.144.749,82, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória à taxa de 15 % (alínea F).
iii) O requerente invocou a proibição de Direito da União Europeia de tratamento discriminatório, no quadro da liberdade de circulação de capitais, dado que as entidades congéneres residentes em Portugal não estavam sujeitas à referida obrigação de retenção na fonte em relação aos dividendos que lhe sejam distribuídos (Relatório da decisão arbitral).
iv) O acórdão arbitral recorrido acolheu o pedido de declaração de ilegalidade das retenções na fonte; os juros indemnizatórios foram outorgados desde a data do trânsito em julgado da decisão que desaplicou a norma declarada incompatível com o Direito da União Europeia até à data da emissão da nota de crédito relativa à restituição das quantias indevidamente retidas.
2.2.7-A situação de facto objecto de análise no Acórdão fundamento é a seguinte:
i) A requerenteThe Genesis Emerging Marktes Investment Company SICAV (GEMIC)-é uma sociedade constituída em 1994, ao abrigo do direito luxemburguês e que, para efeitos fiscais, é residente no Luxemburgo e não tem estabelecimento estável em Portugal (alínea a).
ii) No âmbito do respetivo objeto social, a Requerente, em momentos diversos, efetuou investimentos na sociedade B..., SGPS, S. A., NIPC..., entidade residente em território português, através da aquisição de participações sociais nesta entidade, participações essas que, em 2017, geraram rendimentos a título de dividendos (alínea k).
iii) A Requerente não beneficiou, na sua jurisdição de residência, de qualquer crédito de imposto respeitante ao IRC retido na fonte em Portugal, sendo que, se não fosse uma entidade constituída e estabelecida no GrãoDucado do Luxemburgo, mas, ao invés, perante um Organismo de Investimento Coletivo constituído e a operar de acordo com a legislação doméstica portuguesa na matéria, a mesma não teria sido sujeita a tributação em território nacional relativamente ao mesmo tipo de rendimento, incluindo beneficiando de uma dispensa de retenção na fonte (alínea l).
iv) A requerente invocou a proibição de Direito da União Europeia de tratamento discriminatório, no quadro da liberdade de circulação de capitais, dado que as entidades congéneres residentes em Portugal não estavam sujeitas à referida obrigação de retenção na fonte em relação aos dividendos que lhe sejam distribuídos (alínea m) e Relatório da decisão arbitral).
v) O pedido de declaração de ilegalidade de tais retenções na fonte foi acolhido pelo acórdão arbitral fundamento, e os juros indemnizatórios foram pelo mesmo outorgados desde a data das retenções de imposto indevidas até à restituição das quantias indevidamente retidas.
2.2.8-
Para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito (ou de oposição de acórdãos) entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento devem seguir-se os critérios jurisprudenciais firmados na vigência da legislação anterior (ETAF/1984 e LPTA), sendo, pois, exigível para a verificação de contradição relevante, que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos:
o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas
»(5).
Por outras palavras,
[p]ara que se considere existir oposição, exige-se que se tenha perfilhado, nas decisões em confronto, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta
».(6)
No caso em exame nos presentes autos, verifica-se que os dois arestos em confronto apreciaram e decidiram, de forma diversa, a mesma questão jurídica, a saber:
tendo ocorrido retenção na fonte definitiva, por conta do IRC, no momento do pagamento por entidades residentes em Portugal de dividendos a organismo de investimento colectivo não residente em Portugal e tendo sido declaradas ilegais pelo tribunal arbitral as referidas retenções na fonte, por violação do princípio do tratamento nacional de Direito da União Europeia, em sede de livre circulação de capitais, que obriga a que o regime nacional de dispensa de retenção na fonte aplicado às entidades beneficiárias residentes seja também aplicado às entidades beneficiárias não residentes, o termo a quo do juros indemnizatórios coincide, no aresto recorrido, com a data do trânsito em julgado da decisão judicial que desaplicou tal regime e, no aresto fundamento, com a data da retenção indevida do imposto. Ou seja, os arestos em referência apreciaram situação de facto semelhante e enquadraramna no mesmo regime jurídico. Tal regime decorre do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o funcionamento da União EuropeiaLiberdade de circulação de capitais; tendo ocorrido retenção na fonte definitiva, por conta do IRC, no momento do pagamento por entidades residentes em Portugal de dividendos a organismo de investimento colectivo não residente em Portugal e tendo sido declaradas ilegais pelo tribunal arbitral as referidas retenções na fonte, por violação do princípio do tratamento nacional de Direito da União Europeia, em sede de livre circulação de capitais, que obriga a que o regime nacional de dispensa de retenção na fonte aplicado às entidades beneficiárias residentes seja também aplicado às entidades beneficiárias não residentes, o termo a quo do juros indemnizatórios coincide, no aresto recorrido, com a data do trânsito em julgado da decisão judicial que desaplicou tal regime e, no aresto fundamento, com a data da retenção indevida do imposto. Ou seja, os arestos em referência apreciaram situação de facto semelhante e enquadraramna no mesmo regime jurídico. Tal regime decorre do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o funcionamento da União EuropeiaLiberdade de circulação de capitais; com base em tal regime, ambas as decisões arbitrais decidiram desaplicar a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na medida em que restringe a dispensa da retenção na fonte em IRC às sociedades beneficiárias do rendimento residentes em território nacional, em detrimento das sociedades residentes noutros Estados membros da União Europeia. Todavia, perante o mesmo regime da obrigação de pagamento de juros indemnizatórias, decorrente do preceito do artigo 43.º/3/d), da LGT, aplicado em situação em que decisão judicial transitada em julgado que determina a desaplicação da norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, os arestos em confronto concluíram em sentido divergente quanto ao termo inicial da obrigação de pagamento dos juros indemnizatórios referidos, dado que o acórdão recorrido considera que o termo inicial da obrigação coincide com a data do trânsito em julgado da decisão judicial que determina a desaplicação da norma julgada ilegal e o acórdão fundamento considera ser a data do pagamento da prestação tributária indevida (data da retenção na fonte).
2.2.9-O artigo 43.º da LGT, na redação introduzida pela Lei 9/2019, de 1.02 dispõe que são devidos
juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido
»(n.º 1). E, bem assim, que são devidos no
caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução
»(n.º 3, alínea d)).
Nos termos do artigo 3.º da Lei 9/2019, a redação da alínea d) do artigo 43.º da LGT aplica-se às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 01.01.2011.
A este propósito, o STA teve ocasião de referir que
[n]os termos da alínea d) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, aditada pela Lei 9/2019, de 1 de Fevereiro, são devidos juros indemnizatórios
em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução
» e, de acordo com o art. 3.º da referida Lei 9/2019,A redacção da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de Janeiro de 2011
».(7)
A propósito da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nas situações em que existe decisão judicial transitada em julgado que desaplique a norma base da liquidação com fundamento na sua inconstitucionalidade ou na sua ilegalidade, constitui jurisprudência assente do STA a seguinte:
i) Com a entrada em vigor do regime consagrado no n.º 3, alínea d) do artigo 43.º da Lei Geral Tributaria Tributária (introduzido na ordem jurídica pela Lei 9/2019, de 1 de Fevereiro) é indiscutível que são devidos juros indemnizatórios nas situações em que seja proferida decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução, são devidos juros indemnizatórios. // Não consagrando o n.º 3, alínea d) do artigo 43.º da LGT como pressuposto necessário da atribuição de tais juros indemnizatórios uma prévia declaração de ilegalidade ou inconstitucionalidade das normas fundantes da liquidação pelo Tribunal Constitucional, nem exigindo o mesmo preceito que previamente haja uma pronúncia por parte desse mesmo Tribunal no caso concreto ou em casos semelhantes, o julgamento do Juiz Tribunal Tributário que anula a liquidação impugnada após desaplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, as referidas normas, constitui fundamente bastante ao reconhecimento e atribuição dos juros indemnizatórios em apreço (artigo 43.º, n.º 3 alínea d) da LGT, 204.º e 207.º da Constituição da República Portuguesa)
»(8). ii)
A aplicação do 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, não exige que exista uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, concluímos que estão reunidos os pressupostos legais para que seja devido à recorrente o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do tributo até à data do processamento da respetiva nota de crédito (nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT e da Portaria 291/2003, de 08.04, aprovada ao abrigo do disposto no artigo 558.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT)
»(9).
Na situação em apreço, está em causa a desaplicação de norma legal, por decisão judicial transitada em julgado, em virtude de ilegalidade/desconformidade com Direito Convencional supra legal (artigo 8.º, n.º 4, da CRP e artigo 70.º/1/i), da Lei Orgânica do Tribunal ConstitucionalLei 28/82, de 15 de Novembro), da norma do artigo 22.º/1, do EBF, quando se entenda ser de aplicar apenas aos organismos de investimento colectivo, residentes em território nacional, em detrimento de idênticas entidades sedeadas noutros Estados membro da União Europeia, que se encontram na mesma situação. Tendo ocorrido retenções na fonte consideradas ilegais, constitui jurisprudência assente do STA a fixada no Acórdão do Pleno da CT, de 29-06-2022, P. 093/21.7BALSB, segundo a qual,
Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, n.os.1 e 3, da L.G.T
».
A solução assenta nos fundamentos seguintes. Por um lado, a impugnação judicial das retenções na fonte em causa está sujeita à reclamação administrativa necessária (artigo 132.º/3 e 4, do CPPT). Por outro lado, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios não depende apenas da prova do prejuízo do contribuinte; importa também que tais prejuízos, derivados de actuação pública ilegal, sejam imputáveis à Administração Fiscal. Tal nexo de imputabilidade em relação à Administração Fiscal apenas se verifica quando ocorre o indeferimento do meio administrativo impugnatório das retenções na fonte em apreço A solução assenta nos fundamentos seguintes. Por um lado, a impugnação judicial das retenções na fonte em causa está sujeita à reclamação administrativa necessária (artigo 132.º/3 e 4, do CPPT). Por outro lado, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios não depende apenas da prova do prejuízo do contribuinte; importa também que tais prejuízos, derivados de actuação pública ilegal, sejam imputáveis à Administração Fiscal. Tal nexo de imputabilidade em relação à Administração Fiscal apenas se verifica quando ocorre o indeferimento do meio administrativo impugnatório das retenções na fonte em apreço; ou seja, no caso em exame nos autos, em 11/01/2021, data da notificação do indeferimento da reclamação graciosa (alínea K), do probatório). É que, através da instauração do meio impugnatório gracioso, foi activado o poderdever da Administração Fiscal de, no quadro do exercício dos poderes revisivos do acto tributário, corrigir as retenções na fonte contestadas, conformandoas com o ordenamento jurídico da União Europeia. Poderdever que, após 11/01/2021, se verifica que não foi exercido, ao invés do que devia ter sucedido (artigo 100.º/1, da LGT).
Em face do exposto, impõe-se conceder provimento parcial ao recurso de uniformização de jurisprudência, no sentido seguinte:
Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito
».
Termos em que se impõe prover parcialmente o presente recurso de uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida no segmento sob censura.
X
Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendolhe parcial provimento, anular a decisão arbitral no segmento objecto do presente recurso e uniformizar jurisprudência nos termos referidos em 2.2.9., ou seja:
Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia, e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito
».
X
Condena-se o recorrente e a entidade recorrida em custas (cf. artº.527, do C.P.Civil), fixando-se o decaimento em 1/3, para o primeiro e 2/3, para a segunda, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, em relação à segunda, dado não ter contraalegado.
X
Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
(1) (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto Lei 10/2011, de 20/01, com alterações posteriores.)
(2) (Código do Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22/02, com alterações posteriores.)
(3) (Acórdão do STA, de 17-10-2024, P. 027/24.7BALSB.)
(4) (Acórdão do STA, de 17-10-2024, P. 023/24.4BALSB.)
(5) (Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 04/06/2014, P. 01763/13.)
(6) (Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 22-03-2023, P. 0101/21.1BALSB.)
(7) (Acórdão da Secção do CT do STA, de 03-06-2020, P. 0694/16.5BEBJA)
(8) (Acórdão do STA, de 12/03/2025, P. 0975/19.6BELRS.)
(9) (Acórdão do STA, de 23-10-2024, P. 0430/22.7BEBRG.)
X
Lisboa, 28 de Maio de 2025.-Jorge Cortês (relator)-Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (vencido, mantendo a posição assumida no Acórdão proferido no Processo 81/22.6BALSB, de 26/04/2023)-Isabel Cristina Mota Marques da Silva (revendo posição)-Dulce Manuel da Conceição NetoJoaquim Manuel Charneca CondessoNuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido, nos termos do voto do Conselheiro Francisco Rothes)-Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (vencido, nos termos do voto do Conselheiro Francisco Rothes)-Gustavo André Simões Lopes CourinhaPaula Fernanda Cadilhe RibeiroPedro Nuno Pinto Vergueiro (vencido, nos termos do voto do Conselheiro Francisco Rothes)-Anabela Ferreira Alves e RussoJoão Sérgio Feio Antunes RibeiroCatarina Almeida e Sousa.
119276538