de 5 de dezembro
Sumário: Define o regime jurídico da pesca por arte envolvente-arrastante.
O Decreto-Lei 73/2020, de 23 de setembro, que aprova o regime jurídico do exercício da atividade profissional da pesca comercial marítima e da autorização, registo e licenciamento dos navios ou embarcações utilizadas na referida atividade, determina, no n.º 1 do artigo 19.º, os métodos e artes de pesca autorizados e, no n.º 3 do mesmo artigo, estabelece que as disposições reguladoras das características das artes e condições do exercício da pesca por qualquer daqueles métodos são aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área do mar.
Com a lei orgânica do XXIII Governo Constitucional, aprovada pelo Decreto-Lei 32/2022, de 9 de maio, na sua atual redação, estas competências nos termos do artigo 29.º passaram integralmente para a área governativa da agricultura e alimentação.
A presente portaria regulamenta o método de pesca por arte envolvente-arrastante, dando cumprimento ao citado decreto-lei.
Em Portugal, em águas oceânicas e interiores marítimas, a única arte envolvente-arrastante utilizada é a arte xávega, no quadro de uma pescaria artesanal, com importante relevância económica e social em algumas comunidades costeiras, sobretudo na costa ocidental norte e centro.
Por essa razão, através do Regulamento (UE) 2019/1241, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à conservação dos recursos haliêuticos e à proteção dos ecossistemas marinhos através de medidas técnicas, foi permitido a Portugal estabelecer um regime excecional em termos de tamanhos mínimos de referência de conservação de carapau capturado com esta arte, o qual implica um acompanhamento da pescaria, que inclui a monitorização da mesma, assegurando a efetiva participação dos profissionais, tendo também em vista a recolha de dados para manutenção desta derrogação. Importa, assim, manter o acompanhamento da pescaria e recolher a informação que permita avaliar a adequação das medidas em vigor e justificar o regime derrogatório existente.
A presente portaria revoga o Regulamento da Pesca por Arte Envolvente-Arrastante, aprovado pela Portaria 1102-F/2000, de 22 de novembro, na sua atual redação.
Assim, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Decreto-Lei 73/2020, de 23 de setembro, e do n.º 4 do artigo 1.º do Decreto-Lei 81/2005, de 20 de abril, manda o Governo, pela Secretária de Estado das Pescas, no uso das competências delegadas pelo Despacho 3636/2023, da Ministra da Agricultura e da Alimentação, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 22 de março de 2023, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente portaria estabelece o regime de exercício da pesca por arte envolvente-arrastante, definida na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º do Decreto-Lei 73/2020, de 23 de setembro, incluindo um sistema participado de gestão e acompanhamento da pescaria com arte xávega.
Artigo 2.º
Exercício da pesca
A pesca por arte envolvente-arrastante só pode ser exercida com arte xávega (Código FAO SB 02.1).
Artigo 3.º
Caracterização
1 - A arte xávega é uma arte de alar para terra, conforme esquema constante do anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante, com as seguintes características:
a) Dimensões máximas da arte, em metros (m):
i) Comprimento dos cabos de alagem (calas) - 3000 m;
ii) Comprimento das asas - 380 m;
iii) Comprimento total do saco - 50 m;
b) Dimensões mínimas da malhagem, em milímetros (mm):
i) Vazios de malha dos claros (junto às calas) - 500 mm;
ii) Vazios de malha das alcanelas (junto à boca do saco central) - 120 mm;
iii) Vazios de malha do saco (incluindo a cuada) - 20 mm.
2 - O esforço de tração necessário à alagem da arte para terra pode ter origem mecânica ou animal, incluindo-se nesta a força braçal humana.
3 - A arte xávega é largada por embarcações licenciadas para o efeito.
Artigo 4.º
Áreas de operação
1 - A arte xávega só pode operar na área de jurisdição da Capitania do Porto de referência da respetiva embarcação, podendo ainda operar na área das capitanias limítrofes onde tradicionalmente seja exercida esta pesca, desde que com autorização prévia da autoridade marítima respetiva.
2 - Os arrais das embarcações dão conhecimento prévio dos locais de atividade das xávegas às entidades competentes nas respetivas áreas do domínio público marítimo.
3 - Os locais de faina de cada arte xávega são aqueles em que existe tradição de exercício dessa atividade, sendo demarcados pela autoridade marítima e estando as alterações de localização sujeitas a autorização da mesma autoridade.
Artigo 5.º
Limites ao exercício da pesca
1 - O exercício da pesca com arte xávega não é permitido durante a época balnear em praias concessionadas, nos respetivos horários de funcionamento, salvo o disposto no número seguinte.
2 - Mediante autorização prévia a ser requerida à Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) podem, a título excecional e por razões de mostra etnográfica, ser levadas a efeito, no período referido no número anterior, demonstrações da arte xávega, sendo proibida a venda do pescado capturado, o qual apenas poderá ter por destino o consumo próprio dos promotores ou a entrega a entidades públicas ou instituições privadas de solidariedade social.
Artigo 6.º
Interrupção dos lanços
1 - A atividade da arte xávega é interrompida e são suspensas as descargas, até ao virar da maré após um lanço em que mais de 20 % do peso das capturas corresponda a espécimes com tamanho inferior ao tamanho mínimo de referência de conservação.
2 - Excecionalmente, nos termos e de acordo com os limites estabelecidos no Regulamento (UE) 2019/1241, do Parlamento Europeu, de 20 de junho de 2019, relativo à conservação dos recursos haliêuticos e à proteção dos ecossistemas marinhos através de medidas técnicas, é autorizada a captura, descarga, primeira venda e comercialização do carapau proveniente do primeiro lanço, mesmo que com tamanho inferior ao tamanho mínimo de referência de conservação.
Artigo 7.º
Responsabilidade dos arrais/mestres
1 - Os arrais/mestres das embarcações que operem com arte xávega são responsáveis pela manobra da arte e pelo cumprimento da legislação em vigor aplicável à atividade.
2 - Os responsáveis pelas operações em terra são obrigados a manter as praias devidamente limpas nas áreas de pesca, não sendo permitido o abandono de peixe ou de qualquer apetrecho na praia.
Artigo 8.º
Uso de animais ou de tratores
1 - O acesso à praia de animais ou de tratores para alagem das artes tem lugar apenas nos locais determinados pela autoridade marítima no início de cada safra, a fim de ser evitada a destruição do sistema dunar, ouvidos os municípios tratando-se de praias classificadas como águas balneares.
2 - Durante a faina só são permitidos quatro veículos de tração mecânica por cada arte xávega, dos quais dois destinam-se à alagem das redes e um ao apoio à embarcação e transporte de apetrechos e pescado, sendo o outro de reserva.
3 - A autoridade marítima pode autorizar a utilização do trator de reserva para apoio ao transporte de apetrechos e pescado em função do local de operação da xávega.
4 - É permitida a utilização de acessórios nos tratores, ligados à atividade da pesca, designadamente guinchos para alagem das redes, e outros necessários às manobras de movimentação da rede e embarcação, equipamentos de resgate de cetáceos, carregador frontal e atrelados para transporte de materiais de pesca e do pescado.
Artigo 9.º
Manifesto de captura
1 - Em função dos dados necessários, tendo em vista o melhor conhecimento da pescaria e da composição das capturas, pode a DGRM ou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I. P. (IPMA), determinar o preenchimento de formulários de forma eletrónica, nomeadamente através do Balcão Eletrónico do Mar (BMar).
2 - A licença de pesca pode ser suspensa ou não renovada, caso não tenha sido apresentado, em tempo, o manifesto de captura a que se refere o número anterior.
Artigo 10.º
Autorização, licenciamento e renovação das licenças
1 - Não são concedidas novas licenças para o exercício da pesca com arte xávega.
2 - As licenças para a pesca com arte xávega são canceladas nos seguintes casos:
a) Não exercício da atividade, sem justificação, no ano anterior;
b) Abate da embarcação ao registo na frota de pesca, salvo quando a embarcação seja dada como contrapartida para a construção de nova embarcação e exclusivamente por razões ligadas ao reforço de segurança.
Artigo 11.º
Mudança de porto de referência
A transferência de porto de referência de uma embarcação autorizada para o uso de arte xávega só pode ser feita para uma capitania ou delegação marítima onde tradicionalmente seja exercida esta pesca, na respetiva área de jurisdição.
Artigo 12.º
Medidas de mitigação de impacto em populações de cetáceos
1 - Nas áreas onde habitualmente ocorram populações de cetáceos classificadas como criticamente em risco de extinção pelas autoridades competentes, devem ser observados os seguintes requisitos:
a) As redes utilizadas na pesca com arte xávega devem ter instalados equipamentos de dissuasão acústicos certificados para evitar as capturas acessórias de mamíferos marinhos;
b) As artes de xávega devem dispor de mecanismos de abertura célere que permitam a recolha e salvamento de cetáceos eventualmente capturados;
c) As companhas de arte xávega devem dispor de meios de salvamento e resgate de cetáceos, nomeadamente pelo menos duas macas, que permitam a devolução ao mar de exemplares capturados nas condições adequadas de sobrevivência e de forma célere.
2 - Se os dados existentes indicarem que a pesca por arte xávega não tem impacto sobre as populações de cetáceos em determinadas zonas, pode ser dispensado, por despacho do diretor-geral da DGRM, o cumprimento dos requisitos referidos no número anterior relativamente às embarcações que operem nessas zonas.
3 - As áreas onde se aplica o presente artigo e as características dos equipamentos referidos no n.º 1 são determinadas por despacho do diretor-geral da DGRM, ouvido o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P.
Artigo 13.º
Comissão de Acompanhamento
1 - É criada uma Comissão de Acompanhamento da Pesca com arte xávega (adiante designada por Comissão) com o objetivo de:
a) Contribuir para o desenvolvimento e implementação de um plano de gestão de médio e longo prazos para a pesca por arte envolvente-arrastante, tendo em conta as implicações económicas e sociais associadas à pescaria;
b) Avaliar, anualmente, a adequação das medidas e propor medidas de gestão e acompanhamento da pescaria.
2 - A Comissão é composta por:
a) Dois elementos designados pela DGRM, que coordena;
b) Dois elementos designados pelo IPMA;
c) Um elemento designado pela Direção-Geral da Autoridade Marítima;
d) Um elemento designado pela DOCAPESCA - Portos e Lotas, S. A.;
e) Três elementos designados pelas associações representativas dos pescadores com arte envolvente-arrastante no território nacional;
f) Um representante da PONG-Pesca, em representação das organizações não-governamentais portuguesas na área do ambiente e das pescas;
g) Um representante designado pela Federação dos Sindicatos do Sector da Pesca; e
h) Dois elementos designados pelo conjunto dos municípios em que se pratica a pesca por arte envolvente-arrastante.
3 - Podem igualmente participar, sem direito de voto, nos trabalhos da Comissão, a convite da entidade coordenadora, representantes de outras entidades não previstas nos números anteriores e que tenham um legítimo interesse no acompanhamento da pesca por arte xávega, bem como personalidades de reconhecido mérito no âmbito de questões científicas pertinentes.
4 - A representação das entidades referidas nos números anteriores não implica, em qualquer dos casos, a atribuição de remuneração ou pagamento adicional.
5 - A Comissão reúne ordinariamente duas vezes por ano, uma antes da época de pesca, com o objetivo principal de apreciação do plano de acompanhamento da atividade e propor a definição de medidas de gestão e outra no final da época de pesca, para avaliação da safra, e extraordinariamente sempre que a entidade coordenadora o considere necessário ou lhe seja solicitado por algum dos seus membros.
6 - A organização e o funcionamento da Comissão são fixados por regulamento interno, cabendo à entidade coordenadora agendar as reuniões e definir o local da sua realização.
Artigo 14.º
Acompanhamento da pescaria
1 - O IPMA, em parceria com os representantes das comunidades piscatórias envolvidas, define, em cada ano, antes do início da época de pesca, o plano de acompanhamento da pescaria.
2 - O plano a que se refere o número anterior inclui a amostragem regular das capturas, para avaliação do impacto da pescaria nas unidades populacionais a que a pesca é dirigida, em particular no que se refere à proporção de espécimes subdimensionados capturados e às medidas para identificação das formas de redução das capturas de peixes de tamanho inferior ao mínimo de referência de conservação.
3 - O plano é executado através de uma parceria entre os armadores licenciados para a pesca com esta arte e o IPMA.
Artigo 15.º
Controlo das capturas e condições de comercialização
1 - A DOCAPESCA - Portos e Lotas, S. A., assegura, em cada local de descarga, por intermédio de um seu representante, se for o caso, que todo o pescado capturado é pesado e registado com identificação da arte utilizada na captura e emissão do respetivo documento de transação e/ou de transferência, quando aplicável.
2 - Nos termos do anexo vii, parte A do Regulamento (UE) n.º 2019/1241, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, na redação dada pelo Regulamento Delegado (UE) 2020/2013 da Comissão, de 21 de agosto de 2020, as descargas de carapaus (Trachurus spp.) com tamanho inferior a 15 centímetros (cm), correspondente ao tamanho mínimo de referência de conservação, podem ser comercializados nos seguintes termos:
a) Até 10 % do total em lotes misturados registados de acordo com a sua categoria comercial;
b) Com tamanho compreendido entre 12 e 15 cm, em lotes individualizados, registados com uma categoria de tamanho identificada nos documentos de acompanhamento e faturas como carapau T6;
c) Com tamanho inferior a 12 cm, em lotes individualizados, registados com uma categoria de tamanho identificada nos documentos de acompanhamento e faturas como carapau T7.
3 - A comercialização de carapau das classes de tamanho referidas nas alíneas b) e c) é proibida por despacho do diretor-geral da DGRM, publicitado na página oficial da DGRM, logo que atingidos os limites previstos na regulamentação referida no número anterior.
4 - Nos locais em que não existam estabelecimentos da DOCAPESCA - Portos e Lotas, S. A., podem ser vendidos os produtos de pesca que não excedam 30 kg por comprador e não sejam em seguida colocados no mercado, mas usados apenas para consumo privado, sendo obrigatório:
a) Pesar e declarar todo o pescado capturado e vendido, em declaração de modelo aprovado pela DGRM;
b) Apresentar ou remeter, por telecópia ou via eletrónica, até 48 horas após a primeira venda, cópia dos duplicados das faturas, em modelo aprovado pela DGRM;
c) Proceder até ao dia 15 do mês seguinte à entrega dos originais dos duplicados das faturas, quando não tenha sido entregue nas 48 horas seguintes;
d) Efetuar até ao dia 15 do mês seguinte o pagamento dos montantes referentes aos descontos das contribuições para a segurança social, do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e da taxa de registo.
5 - As obrigações a que se referem as alíneas do número anterior são cumpridas junto do estabelecimento da DOCAPESCA mais próximo da área de residência respetiva.
Artigo 16.º
Norma revogatória
É revogado o Regulamento da Pesca por Arte Envolvente-Arrastante, aprovado pela Portaria 1102-F/2000, de 22 de novembro, na sua atual redação, a Portaria 4/2013, de 7 de janeiro, e a Portaria 172/2017, de 25 de maio.
A Secretária de Estado das Pescas, Teresa Alexandra Meca Valverde Gouveia Coelho Estêvão Pedro, em 29 de novembro de 2023.
ANEXO
(a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º)
117117409