Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 10/2023, de 10 de Novembro

Partilhar:

Sumário

«Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2023

Sumário: «Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)».

Proc. n.º 184/12.5TELSB-R.L1-A.S1

Acordam, no Pleno, das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1 - O arguido AA veio, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 437.º n.os 2, 3, 4 e 5 e 438.º n.os 1 e 2, do C.P.P., interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/01/2021, transitado em julgado em 03/02/2022, que julgou improcedente o seu recurso do despacho proferido, em 23/09/2020, pelo Senhor Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, com os seguintes fundamentos, que passamos a sintetizar:

O referido acórdão recorrido está em manifesta oposição sobre a mesma questão jurídica com o acórdão, do mesmo Tribunal da Relação, de 07/03/2018, também transitado em julgado e publicado na base de dados www.dgsi.pt (acórdão fundamento).

A questão jurídica em causa consistia em saber se a circunstância de uma mensagem de correio eletrónico se mostrar sinalizada como aberta ou lida, aquando da respetiva apreensão, afastava a aplicação do regime previsto no art. 17.º da Lei 109/2009, de 15 de setembro, ou se, diferentemente, essa circunstância é irrelevante, aplicando-se o regime da citada norma a todas as mensagens de correio eletrónico apreendidas, independentemente do facto de as mesmas estarem sinalizadas como abertas ou lidas ou, ao invés, como fechadas ou não lidas.

Ora, enquanto o acórdão recorrido entendeu que o regime aplicável ao caso dos autos era o constante do art. 16.º, da Lei do Cibercrime, cabendo ao Ministério público seriar o material apreendido e determinar ele - e não o JIC - qual o material probatório que considera relevante, dado que os mails, porque previamente abertos, mais não são que meros documentos digitais, o acórdão fundamento, por seu vez, decidiu que as mensagens de correio eletrónico que se encontrem armazenadas, num sistema informático, independentemente de se encontrem abertas ou fechadas, só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo, assim, o juiz a ser a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência.

Os acórdãos em questão foram proferidos, no âmbito do mesmo processo de inquérito, e no domínio da mesma legislação - a Lei 109/2009, de 15/09, -, não tendo havido entre a prolação dos mesmos qualquer alteração legislativa.

Adiantou, desde logo, que fosse fixada jurisprudência neste sentido:

«Na fase de inquérito, é da competência do juiz de instrução criminal a decisão sobre a apreensão e junção aos autos de mensagens de correio eletrónico, mesmo que se encontrem sinalizadas como abertas ou lidas no momento da restiva apreensão, devendo o juiz de instrução criminal delas tomar prévio conhecimento, a fim de decidir pela junção aos autos daquelas que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova».

2 - O Exmo. magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, respondeu ao recurso interposto, defendendo a rejeição do mesmo, por não se estar perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, não se verificando, deste modo, em sua opinião, oposição de julgados.

3 - Por sua vez, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, emitiu, nos autos, desenvolvido parecer, nos termos dos qual, divergindo da posição assumida pelo seu Colega do Tribunal da Relação de Lisboa, entendeu, em síntese, que se verificam, in casu, os pressupostos formais e substanciais do recurso extraordinário em causa, nomeadamente, a oposição de julgados, pelo que deviam os autos prosseguir (art. 441.º n.º 1, in fine, do C.P.P.).

Observado o contraditório, o recorrente veio responder, dizendo que nada tinha a acrescentar, uma vez que a posição do Senhor Procurador-Geral Adjunto era coincidente com a sua.

4 - Teve lugar a Conferência e, em 06/07/2022, foi proferido acórdão pela 3.ª Secção Criminal, que julgou observados todos os requisitos formais e substanciais, incluindo a oposição de julgados entre os dois referenciados acórdãos (recorrido e fundamento) e, em consequência, determinou o prosseguimento do recurso, nos termos do art. 441.º n.º 1, 2.ª parte, do C.P.P.

5 - Cumprido o disposto no art. 442.º n.º 1, também do C.P.P., vieram o recorrente e o Ministério Público apresentar alegações, tendo o primeiro concluído da seguinte forma (Transcrição):

1 - O presente recurso foi interposto, a 02.03.2022, contra o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.01.2021 (Acórdão Recorrido), através do qual o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso apresentado pelo Recorrente contra o Despacho do Mm.º Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, de 23.09.2020.

2 - No Acórdão Recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que "os mails apreendidos eram correspondência aberta, e-mails lidos" e, por essa precisa razão, sustentou que "o regime aplicável ao caso dos autos é o constante do artigo 16.º da Lei do Cibercrime, cabendo ao MP seriar o material apreendido e determinar ele - e não o JIC - qual o material probatório que tem por relevante dado que os mails, porque previamente abertos, mais não são do que meros documentos digitais".

3 - Verifica-se uma marcada oposição de julgados - e, até mesmo, uma violação do caso julgado formal - entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito, que é a seguinte: saber se a circunstância de uma mensagem de correio eletrónico se mostrar sinalizada como aberta ou lida, aquando da respetiva apreensão, afasta a aplicação do regime previsto no artigo 17.º da Lei 109/2009, de 15 de setembro, ou se, diferentemente, essa circunstância é irrelevante, aplicando-se o regime previsto no artigo 17.º da Lei 109/2009, de 15 de setembro, a todas as mensagens de correio eletrónico apreendidas, independentemente do facto de as mesmas estarem sinalizadas como abertas ou lidas ou, ao invés, como fechadas ou não lidas.

4 - Os factos subjacentes às decisões finais tomadas em ambos os Acórdãos são, também eles, idênticos, uma vez que ambos os Acórdãos têm por referência o mesmo processo e o mesmo inquérito e ambos os Acórdãos têm por referência a apreensão física de mensagens de correio eletrónico ordenadas pela mesma decisão do Ministério Público.

5 - Ambos os Acórdãos (Recorrido e Fundamento) foram proferidos no domínio da mesma legislação - a Lei do Cibercrime - uma vez que, no intervalo da sua prolação, não ocorreu qualquer modificação legislativa que haja interferido, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

A DIMENSÃO LEGAL/INFRACONSTITUCIONAL DO OBJETO DO RECURSO

6 - Na redação original do Código de Processo Penal, de 1987, o artigo 190.º consagrava uma extensão do regime das interceções telefónicas, regulado pelos artigos 187.º a 189.º, prevendo que o disposto em tais normas era "correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone".

7 - Através da Lei 59/98, de 25 agosto, o artigo 190.º do CPP passou a prever a extensão do regime das interceções telefónicas "designadamente [ao] correio electrónico".

8 - Em 23.11.2001 foi assinada, em Budapeste, a Convenção do Cibercrime, e é a partir dos artigos 19.º e 21.º da mesma que se vêm entendendo previstas as orientações do Conselho da Europa em matéria de apreensão de correio eletrónico, sendo que os Estados Partes decidiram não tomar posição expressa sobre a relevância ou irrelevância da circunstância de, no momento da apreensão, a mensagem de correio eletrónico se encontrar sinalizada como aberta ou fechada.

9 - Através da Lei 48/2007, de 29 de agosto, o legislador procedeu à alteração do CPP, em termos tais que se deixou claro que o regime das interceções telefónicas se estendia a outras formas de comunicação como o correio eletrónico, entendido enquanto meio de comunicação operável em tempo real, mas também enquanto instrumento passível de ser guardado em suporte digital.

10 - Em 2009, com a aprovação da Lei do Cibercrime e do respetivo artigo 17.º, surge no direito nacional, pela primeira vez, um regime especial respeitante à apreensão de correio eletrónico, cujo texto normativo se mantém intocável desde então e até à data, não obstante a efémera tentativa de alteração ocorrida em 2021, vetada pelo Presidente da República após o processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, que deu lugar ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021.

11 - O artigo 17.º da Lei do Cibercrime dispõe que "[q]uando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal".

12 - À luz das disposições legais relevantes - v. g., os artigos 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º do CPP - a apreensão de correio eletrónico:

i) só poderá ser realizada no âmbito de processos relativos a crimes previstos na Lei do Cibercrime, a crimes cometidos por meio de um sistema informático, ou relativamente aos quais "seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico";

ii) a apreensão pressupõe a autorização ou ordem prévia, por despacho, de um juiz;

iii) surgirá, forçosamente, na decorrência de uma pesquisa de dados informáticos ou, em diferente cenário, pressupõe-se que seja antecedida por "outro acesso legítimo a um sistema informático";

iv) a correspondência a apreender já não se encontrará em trânsito comunicacional, mas antes armazenada no sistema informático pesquisado ou legitimamente acedido;

v) o legislador não consagrou qualquer diferenciação, para efeitos de aplicação do regime da apreensão de correio eletrónico, entre correspondência lida/aberta, por um lado, e correspondência não lida/fechada, por outro;

vi) esse meio de obtenção de prova visa a apreensão de mensagens ou registos de comunicações de natureza semelhante "que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova";

vii) a violação dos pressupostos, requisitos ou formalidades legalmente previstas é cominada como nulidade;

viii) só poderá ser apreendida a correspondência eletrónica que haja sido expedida ou recebida pelo suspeito, "mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa";

ix) é proibida a apreensão de mensagens trocadas entre o arguido e o seu defensor, "salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela[s] constitu[em] objeto ou elemento de um crime";

x) o juiz que tenha autorizado ou ordenado a apreensão de correio eletrónico deve, necessariamente, ser "a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo" apreendido;

xi) o mesmo juiz está obrigado a devolver/destruir a correspondência eletrónica que tenha sido apreendida e que, após a primeira visualização do respetivo conteúdo, conclua que não tenha "grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova", ficando aquele "ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento".

13 - A jurisprudência portuguesa sustenta, em sentido maioritário, soluções normativas como as preconizadas no Acórdão Fundamento, coincidentes com o sentido da jurisprudência que se pretende fixar, a saber: na fase de inquérito, é da competência do juiz de instrução criminal a decisão sobre a apreensão e junção aos autos de mensagens de correio eletrónico, mesmo que se encontrem sinalizadas como abertas ou lidas no momento da respetiva apreensão, devendo o juiz de instrução criminal delas tomar prévio conhecimento, a fim de decidir pela junção aos autos daquelas que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

14 - As diferenças da natureza e conceção entre a correspondência tradicional e a correspondência eletrónica, conduziram o legislador à criação de um regime normativo mais garantístico, do ponto de vista da proteção de direitos fundamentais, em relação à correspondência eletrónica.

15 - O feixe de direitos fundamentais passíveis de serem atingidos no contexto da investigação criminal e, em particular, na aplicação do regime da apreensão de correio eletrónico, exige a conceção de um regime normativo para o qual a circunstância de a correspondência a apreender, no momento da respetiva apreensão, se encontrar sinalizada enquanto lida ou aberto, se assume como fator irrelevante.

16 - O mesmo leque de direitos fundamentais reclama as mesmas garantias à correspondência eletrónica sinalizada como lida ou aberta que as que reconhece à correspondência eletrónica sinalizada como não lida ou fechada, aquando da respetiva apreensão.

17 - Só muito excecionalmente é que não será encontrado correio eletrónico no âmbito de qualquer ação de investigação criminal que passe pela realização de buscas, ou pesquisas de dados informáticos, pelo que antes da respetiva realização é praticamente certo que será encontrada correspondência eletrónica, circunstância, por isso, antecipável e que não constitui qualquer espécie de transtorno ou dificuldade prática ao reclamar uma intervenção prévia de um juiz, para ordenar ou autorizar a apreensão de correio eletrónico.

18 - Uma adequada compreensão dos regimes previstos nos artigos 15.º e 17.º da Lei do Cibercrime afasta a alegação de idênticas dificuldades práticas dessa intervenção prévia de um juiz, na medida em que a pesquisa de dados informáticos tem em vista a obtenção de "dados informáticos específicos e determinados" e só deverá ser apreendida a correspondência eletrónica "de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova", devendo, sempre que possível, ser presidida pela autoridade judiciária que a autorizou ou ordenou.

19 - É inequívoco que toda a matéria respeitante à apreensão do correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente do respetivo estado (lido ou não lido), está regulada no artigo 17.º Lei do Cibercrime, restando para o artigo 16.º a matéria respeitante à apreensão de dados informáticos que não tenham natureza comunicacional - e, portanto, dados informáticos que não sejam nem correio eletrónico, nem registos de comunicações de natureza semelhante - e para o artigo 18.º a interceção de comunicações, que difere dos anteriores por respeitar a eventos comunicacionais em curso.

20 - O regime do artigo 17.º da Lei do Cibercrime é aplicável à apreensão de correio eletrónico, quer o mesmo esteja alojado num sistema informático típico, quer o mesmo esteja alojado nos servidores de um provider de webmail.

21 - Para efeitos de aplicação do artigo 17.º da Lei do Cibercrime, o legislador não considerou existir qualquer restrição do objeto normativo do correio eletrónico ou dos registos de comunicações de natureza semelhante àquele que seja acedido e encontrado num sistema informático de natureza pessoal, ou profissional, aplicando-se o regime em causa independentemente dessa natureza.

A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL/DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DO OBJETO DO RECURSO

22 - Dos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, 32.º, n.º 4 e 202.º, n.º 2, da CRP, decorre o direito fundamental dos cidadãos à intervenção de um juiz de instrução criminal, para efeitos de autorização ou determinação da prática de atos de investigação, no decurso da fase de inquérito, que se assumam como relevantemente passíveis de atingir outros direitos fundamentais.

23 - A intervenção anterior (à afetação dos direitos fundamentais) pelo juiz de instrução criminal permite afirmar o cumprimento dos comandos constitucionais que reconhecem a tutela jurisdicional efetiva de direitos, liberdades e garantias, não sendo suficiente, para esse desiderato, que a intervenção do juiz ocorra a posteriori (do momento da possível lesão de direitos).

24 - Esta é uma competência exclusiva do juiz de instrução criminal, não concorrente com quaisquer competências investigatórias do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal.

25 - Considerando o impressivo e distinto retrato do juiz e do Ministério Público que resulta do texto constitucional e das disposições legais aplicáveis é incontornável reconhecer que a intervenção judicial constitui uma garantia adicional de ponderação dos direitos e liberdades atingidos no decurso da investigação criminal (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).

26 - O potencial ablativo da liberdade dos cidadãos é particularmente elevado em sede de processo penal, pelo que a CRP impõe a intervenção do juiz de instrução criminal, enquanto titular de órgão de soberania independente, imparcial, e especialmente vocacionado para a proteção dos direitos fundamentais, sempre que se revele necessário garantir que os direitos e liberdades dos cidadãos não sofrem compressões desadequadas, desnecessárias ou desproporcionais, e para prevenir que intervenções restritivas abusivas atinjam a sua esfera jusfundamental (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).

27 - O direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar encontra o seu referente genético na noção de Estado de Direito democrático, assente na salvaguarda da dignidade humana.

28 - Existe um núcleo absolutamente inviolável da intimidade privada, para o qual nem as exigências de prevenção ou repressão criminal constituem interesse que a Constituição tenha como legitimador da respetiva ingerência ou refração.

29 - Por sua vez, a esfera relativamente inviolável da intimidade privada, encontra-se sujeita ao regime próprio das restrições de direitos, liberdades e garantias, mormente de proporcionalidade, sendo apenas constitucionalmente toleráveis as ingerências que obedeçam aos crivos da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

30 - No contexto do processo penal, a Constituição estipula a nulidade e a impossibilidade de utilização das provas recolhidas com abusiva intromissão na vida privada e na correspondência, como será aquela que ocorrer fora dos casos previstos na lei.

31 - Constitui uma forma abusiva de intromissão na vida privada e na correspondência, interesses constitucionalmente tutelados, a apreensão de correio eletrónico operada em processo penal, sem ordem ou autorização prévia de um juiz, ainda que a correspondência eletrónica a apreender ou apreendida, no momento da respetiva apreensão, se encontre sinalizada enquanto lida ou aberta.

32 - Encontram-se protegidos pelo direito fundamental à inviolabilidade da correspondência eletrónica não apenas os chamados dados de conteúdo, como também os dados de tráfego, os quais são transversais e existentes em qualquer forma de correio eletrónico (lido/aberto e não lido/fechado).

33 - A simples visualização de uma «caixa de correio eletrónico», sem que sequer se abra cada uma das mensagens individuais aí gravadas, pode permitir o conhecimento não apenas de elementos respeitantes à concreta comunicação ou mensagem (como, por exemplo, o "assunto"), como também de elementos relativos ao emissor e destinatário das mensagens, número de interações comunicativas, suas data e hora, volume de dados transmitidos, ou IP de origem, que se configuram como dados de tráfego (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).

34 - As operações necessárias à apreensão de correio eletrónico ou de mensagens de natureza semelhante no decurso de uma pesquisa a um sistema informático importam um risco considerável - senão mesmo a inevitabilidade - de acesso a dados pessoais protegidos, relativos à correspondência do utilizador, bem como a dados de tráfego e de conteúdo abrangidos pela garantia constitucional de inviolabilidade do sigilo (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).

35 - O acesso indiscriminado à correspondência eletrónica permite facilmente traçar um retrato fiel, e muito completo, da vida do utilizador em causa, agregando informação atinente aos distintos planos da vida de cada pessoa - as distintas máscaras com que cada um se apresenta no plano social, laboral e familiar (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).

36 - O potencial ablativo de liberdade e a gravidade da intromissão na esfera privada - e até na esfera íntima - da pessoa que decorre da simples visualização da respetiva caixa de correio eletrónico são, pois, de tal forma significativos, que devem mobilizar-se, neste campo, as mais intensas garantias que a Constituição confere à inviolabilidade das comunicações e à privacidade dos dados pessoais no domínio da informática; é essencial assegurar o cumprimento do dever estadual de abstenção, ou não ingerência, nestes domínios, a não ser em casos objetiva e rigorosamente delimitados, claramente justificados, e mediante atuação de órgãos que assegurem uma intervenção isenta e imparcial, e um elevado grau de proteção dos direitos fundamentais afetados (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021).

37 - É materialmente inconstitucional a norma segundo a qual, na fase de inquérito, é da competência do Ministério Público a decisão sobre a apreensão e junção aos autos de mensagens de correio eletrónico que se encontrem sinalizadas enquanto abertas ou lidas no momento da respetiva apreensão,

38 - Norma que se terá por reforçadamente ofensiva da Lei Fundamental quando, em complemento, se considerar tal competência do Ministério Público, sem que tenha o juiz de instrução criminal delas tomar prévio conhecimento ou decidir sobre a sua junção aos autos.

39 - Do mesmo modo, é materialmente inconstitucional a norma segundo a qual, na fase de inquérito, compete ao Ministério Público ordenar aos órgãos de polícia criminal a apreensão de correio eletrónico, sem abertura ou visualização do respetivo conteúdo, a fim de que este seja entregue, para primeira visualização e decisão sobre a relevância para a prova ou descoberta da verdade, ao juiz de instrução criminal competente.

40 - É, também, materialmente inconstitucional a norma segundo a qual, na fase de inquérito, é da competência do Ministério Público proceder à primeira visualização do correio eletrónico apreendido - independentemente de quem haja ordenado ou autorizado a sua apreensão -, sem que tenha o juiz de instrução criminal delas tomar prévio conhecimento ou decidir sobre a sua junção aos autos.

41 - Tais normas encontrar-se-ão extraídas, isolada ou conjugadamente, do disposto nos artigos 2.º, alínea b), 16.º, n.º 1 e 17.º, da Lei 109/2009, de 15 de setembro e, bem assim, dos artigos 179.º, n.º 3, 249.º, n.º 1, n.º 2, alínea c) e n.º 3, 252.º, n.º 1, 252.º-A, n.º 1 e 263.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

42 - Tais soluções normativas são violadoras dos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, 26.º, n.os 1 e 2, 32.º, n.os 4 e 8, 34.º, n.os 1 e 4, 35.º, n.os 1, 2 e 4 e 202.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa.

43 - A norma, que passa por atribuir, na fase de inquérito, ao Ministério Público, a competência para decidir sobre a apreensão e junção aos autos de mensagens de correio eletrónico que se encontrem sinalizadas enquanto abertas ou lidas no momento da respetiva apreensão, sobretudo sem que tenha o juiz de instrução criminal delas tomar prévio conhecimento ou decidir sobre a sua junção aos autos é, salvo melhor opinião, frontalmente atentatória das normas, direitos e princípios constitucionais a que nos vimos referindo - essencialmente, a tutela jurisdicional efetiva e a reserva exclusiva de juiz para a prática da atos instrutórios que consubstanciem formas relevantes de ingerência em direitos fundamentais.

44 - De facto, ao diferenciar - reduzindo - a tutela jurídica, substantiva e processual, atribuível à correspondência eletrónica que, no momento da apreensão em processo penal, se apresenta como lida/aberta, tal norma afronta diretamente a tutela que a Lei Fundamental assegurou, em exclusivo, por meio de intervenção de um juiz, aos direitos fundamentais que estão na órbita da correspondência eletrónica.

45 - Ademais, tal norma opera uma distinção - entre correio lido/aberto por um lado, não lido/fechado por outro - que não encontra na Lei Fundamental reflexo imediato ou, sequer, justificação, e que é também criadora de uma total afronta à obrigação constitucionalmente imposta sobre o legislador, de criação de mecanismos legais eficazes contra a obtenção abusiva de informações respeitantes à privacidade dos cidadãos.

46 - Ao afastar-se do campo de aplicação do artigo 17.º da Lei do Cibercrime as mensagens de correio eletrónico que se encontrem sinalizadas como lidas/abertas aquando da respetiva apreensão, está-se a criar um tratamento desigualitariamente injustificado à tutela legal contra ingerências abusivas na reserva da intimidade da vida privada.

47 - De facto, ao sinalizar-se como não lida/fechada e, consequentemente, aplicando-se o artigo 17.º da Lei do Cibercrime, garante-se, entre o mais, ao titular da correspondência eletrónica a apreender, que esta só será apreendida por ordem ou autorização de um juiz, que será responsável por proceder à primeira visualização do seu conteúdo, a fim de aquilatar sobre a respetiva grande importância para a descoberta da verdade, ficando obrigado a segredo quanto àquelas que não selecionar; diferentemente, ao titular da correspondência eletrónica a apreender, que esteja sinalizada como lida/aberta, já só se garante a intervenção de um juiz após o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal terem considerado terem sido apreendidos elementos «cujo conteúdo seja suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos» (cf. artigo 16.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime).

48 - Desse modo, é entregue aos órgãos responsáveis por investigar e acusar a competência para primeiramente "ajuizar" sobre a natureza privada ou íntima dos elementos apreendidos, que deles tomam total conhecimento do respetivo teor e, aliás, sem qualquer previsão legal de sujeição a dever de segredo sobre aqueles que, a posteriori, venham eventualmente a ser excluídos por um juiz, tudo sempre num campo de grande incerteza e de total discricionariedade dos órgãos acusadores e, por conseguinte, na ausência de um quadro normativo eficaz contra intromissões abusivas da intimidade da vida privada e familiar.

49 - Acresce ainda que a norma que atribui ao Ministério Público, sem despacho prévio de autorização do juiz de instrução, a competência para ordenar aos órgãos de polícia criminal a apreensão de correio eletrónico, sem abertura ou visualização do respetivo conteúdo, a fim de que este seja entregue, para primeira visualização e decisão sobre a relevância para a prova ou descoberta da verdade, ao juiz de instrução criminal competente, atinge os mesmos valores constitucionais, na medida que transfere - à margem do que a Lei Fundamental impõe - para o Ministério Público uma competência jurisdicional, respeitante à tutela antecipada dos direitos fundamentais atingidos com a apreensão da correspondência eletrónica.

50 - A lesão possível dos direitos fundamentais daquele que seja visado numa diligência de apreensão de correio eletrónico exige, à luz dos valores constitucionais que norteiam o processo penal, que a decisão sobre esse primeiro acesso à sua correspondência esteja exclusivamente reservada para um órgão jurisdicional, equidistante e imparcial, com certeza diferente daqueles a quem é afeta a competência para investigar e acusar (órgãos de polícia criminal e Ministério Público).

51 - A atuação, no processo penal, do Ministério Público, será sempre interessada - interessada na realização, lícita e legítima, da ação penal -, e tanto é suficiente para afirmar que a norma que atribua ao Ministério Público a competência para decidir sobre a primeira (e bastante significativa) ingerência no procedimento de apreensão de correspondência eletrónica, não alcança uma salvaguarda constitucionalmente suficiente dos direitos fundamentais imediatamente atingidos por essa ingerência.

52 - Mutatis mutandis, a norma que atribui ao Ministério Público a competência para proceder à primeira visualização do correio eletrónico apreendido - independentemente de quem haja ordenado ou autorizado a sua apreensão -, sem que tenha o juiz de instrução criminal delas tomar prévio conhecimento ou decidir sobre a sua junção aos autos, consubstancia, de modo equivalente, violação dos mesmos interesses constitucionais.

53 - As inconstitucionalidades assinaladas são invocadas nos termos e para os efeitos do artigo 72.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, estando os Tribunais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 204.º, da CRP, impedidos de aplicar normas «que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

54 - No necessário provimento do recurso interposto, deverá ser fixada jurisprudência nos termos infra requeridos e, consequentemente, determinada a revogação do Acórdão Recorrido, a fim de que seja proferido novo Acórdão que respeite a jurisprudência fixada, o que se requer nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 445.º, n.º 2, do CPP.

O SENTIDO EM QUE DEVE SER FIXADA A JURISPRUDÊNCIA

Termos em que se requer a V. Exas., Exmos(as). Juízes(as) Conselheiros(as) que compõem o Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, que seja concedido integral provimento ao Recurso e que seja fixada jurisprudência do seguinte modo, consequentemente determinando-se a revogação do Acórdão Recorrido, a fim de que seja proferido novo Acórdão que respeite a jurisprudência fixada:

Na fase de inquérito, é da competência do juiz de instrução criminal a decisão sobre a apreensão e junção aos autos de mensagens de correio eletrónico, mesmo que se encontrem sinalizadas como abertas ou lidas no momento da respetiva apreensão, devendo o juiz de instrução criminal delas tomar prévio conhecimento, a fim de decidir pela junção aos autos daquelas que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

Por seu turno, o Senhor Vice-Procurador Geral da República, concluiu a sua peça processual, nos seguintes termos, que passamos, igualmente, a transcrever:

Em conformidade com o exposto, conclui-se que, face ao regime de apreensão de correio eletrónico previsto na Lei do Cibercrime e aos demais princípios constitucionais enunciados, o Ministério Público é competente para recolher ou apreender cautelarmente caixas de correio eletrónico - independentemente do carácter aberto/acedido ou não aberto /não acedido das mensagens - e apresentar ao Juiz de instrução as mensagens que entenda necessárias e relevantes para a prova a fim de este determinar, ou não, quando necessário, a sua junção aos autos.

Devendo, pois,

Fixar-se jurisprudência no seguinte sentido:

Para efeitos do disposto no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, conjugado com o previsto no artigo 16." do mesmo diploma, compete ao Ministério Público determinar a recolha de correio eletrónico (ou de registos de comunicações de natureza semelhante), se o mesmo for encontrado no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, bem como a determinação de quais as mensagens pertinentes em termos probatórios, competindo ao juiz autorizar (ou não) a apreensão das mesmas e a respetiva junção aos autos, nos casos em que as mensagens (ou registos de comunicações semelhantes) não tenham, ainda, sido abertas ou acedidas pelo destinatário.

6 - Tendo tido lugar a Conferência prevista no art. 443.º n.º 1, do C.P.P., cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1 - Da verificação dos pressupostos do recurso de fixação de jurisprudência

Como a decisão tomada pela 3.ª Secção criminal, através do mencionado acórdão de 06/07/2022, que deu por verificada a oposição de julgados, não vincula o Pleno das Secções criminais, há que reexaminar esta matéria, ainda que de forma sucinta, e usando-se as considerações do acórdão preliminar.

Ora, resulta dos autos que o acórdão recorrido transitou em julgado no dia 03/02/2022 e o recurso foi interposto a 02/03/2022, sendo, por conseguinte, tempestivo, nos termos do art. 438.º, n.º 1, do C.P.P.

Foi também interposto por quem tem legitimidade, o arguido identificado, a quem foi apreendido correio eletrónico (art. 437.º, n.º 5, do CPP), mostrando-se igualmente cumpridos os restantes requisitos formais previstos no art. 438.º n.º 2, do mesmo diploma legal.

No que concerne aos requisitos substanciais, os dois mencionados acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa pronunciam-se, na verdade, sobre a mesma questão jurídica, tendo por base a mesma situação factual, com soluções antagónicas bem claras.

Com efeito, como bem salientou o Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, foram ambos proferidos no mesmo inquérito, embora em diferentes apensos.

Foram chamados a pronunciar-se sobre o despacho do Juiz de Instrução que escrutinou a decisão do Ministério Público, que, por sua vez, tinha ordenado a realização de buscas não domiciliárias a várias empresas com vista à apreensão de documentação nos postos de trabalho dos visados "incluindo toda a que se encontrasse em formato digital, ainda que se tratasse de documentos originados ou recebidos via correio eletrónico".

Na hipótese versada no acórdão recorrido, o Juiz de Instrução entendeu que é ao MP, enquanto titular da ação penal, que compete dirigir o inquérito e decidir em que momento e quais os emails que deviam ser juntos aos autos (reconhecendo, inequivocamente, ao MP competência para determinar a apreensão dos emails).

Por seu turno, na situação examinada no acórdão fundamento, o Juiz de Instrução entendeu que o MP não tinha competência para ordenar a pesquisa e apreensão do correio eletrónico por se tratarem de atos da exclusiva esfera de competências do Juiz de Instrução e, perante tal, declarou a nulidade do despacho do MP na parte em que autorizou a apreensão do correio eletrónico, acrescentando que a ilegalidade "reconduz a busca, na parte relativa à apreensão do correio eletrónico, a um meio proibido de prova, por violação do direito à privacidade e sigilo de correspondência e, consequentemente, à nulidade da prova obtida com a mesma".

Na sequência dos recursos interpostos, em face das posições discrepantes do Juiz de Instrução, o acórdão recorrido entendeu que o art. 17.º, da Lei do Cibercrime, só impõe que seja o Juiz de Instrução a autorizar ou ordenar a apreensão das mensagens de correio eletrónico quando as mesmas ainda não tenham sido abertas pelo destinatário. Caso contrário, cai-se na previsão do art. 16.º, da mesma lei, enquanto autoridade judiciária, pode determinar a sua apreensão e junção aos autos, sem necessidade, sequer, da aprovação do Juiz de Instrução.

Ao invés, o acórdão fundamento decidiu que por força do art. 17.º, da citada Lei do Cibercrime, e da sua remissão para o regime de apreensão de correspondência previsto no art. 179.º, do CPP, as mensagens de correio eletrónico que se encontrem armazenadas num sistema informático só poderão ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução, independentemente de terem, ou não, sido abertas pelo destinatário.

Ou seja, para similares situações de facto, os dois acórdãos decidiram de forma oposta por perfilharem diferente interpretação quanto ao alcance do conceito de «mensagens de correio eletrónico», aludido no art. 17.º, da Lei do Cibercrime, sendo certo que entre a prolação dos mesmos não teve lugar qualquer alteração legislativa.

Destarte, considera-se verificada a necessária oposição de julgados, em conformidade com o disposto no art. 437.º n.º 1, do C.P.P., porquanto os acórdãos assentam em soluções opostas, a partir de idêntica situação de facto, sendo expressa a posição das respetivas decisões.

Em resumo, mostram-se, pois, preenchidos, in casu, todos os pressupostos de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência.

2 - A questão suscitada

A questão controvertida reside em saber se, na fase de inquérito, em relação às mensagens de correio eletrónico ou de natureza semelhante, quer as mesmas tenham sido abertas (lidas) ou se encontrem fechadas (não lidas), é ou não da competência do juiz de instrução determinar a sua apreensão e junção aos autos, nos termos do disposto no art. 17.º, da Lei do Cibercrime.

3 - Os argumentos dos arestos em confronto

No acórdão recorrido, defendem-se os seguintes argumentos:

«Dispõe o art. 17.º da Lei do Cibercrime que:

Quando no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.

São pressupostos da aplicação do preceito:

Estar em curso uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático;

Serem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante.

Concomitantemente, dispõe o artigo 16.º da Lei do Cibercrime:

1 - Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a apreensão dos mesmos.

2 - O órgão de polícia criminal pode efetuar apreensões, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos termos do artigo anterior, bem como quando haja urgência ou perigo na demora.

3 - Casos sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto.

São pressupostos de aplicação do preceito:

- Estar em curso uma pesquisa informática ou um outro acesso legítimo a um sistema informático;

- Serem no decurso da mesma encontrados dados ou documentos informáticos;

- Necessários à produção da prova, tendo em vista a descoberta da verdade.

Terá de existir uma diferença entre os preceitos, sendo que os seus pressupostos são semelhantes.

A diferença radica no facto de, no âmbito do art. 17.º, estarem em causa mensagens de correio eletrónico.

Fundamental é que se define o que é que tal seja para efeitos do preceito.

Numa situação corriqueira o segredo das comunicações aquando do envio de uma carte inicia-se com o circuito normal do correio e termina com o fim do mesmo.

Vale por dizer que a carta, mesmo selada e fechada só é abrangida pelo segredo das comunicações quando sai da disponibilidade do remetente e é entregue ao cuidado do serviço postal. Esta carta, depois de entregue, só pode ser violada por ordem judicial.

Entregue a carta ao seu destinatário e aberta a mesma por este, o documento que é carta deixou de beneficiar do segredo de inviolabilidade de correspondência (cf. arts. 179.º do C.P.P. e 34.º n.º 1 da CRP [...].

O mesmo se passa com o documento digital: este só é correio eletrónico quando fechado (ou seja, não aberto pelo destinatário).

[...]

Ora, no caso concretos, os mails apreendidos eram correspondência aberta, emails lidos sendo que tal afirmação resulta inequívoca, quer do facto de uns serem amiúde resposta a outros, quer ainda (e mais importante) do facto de terem sido sacados do sistema de gestão documental da E... como flui do termo de recebimento referido em 5. dos factos assentes.

[...]

Assim sendo, é nosso entendimento que o regime aplicável ao caso dos autos é o constante do art. 16.º da Lei do Cibercrime, cabendo ao MP seriar o material apreendido e determinar - e não o JIC - qual o material probatório que tem por relevante dado que os mails, porque perviamente abertos, mais não são do que meros documentos digitais.

[...]

Em suma:

- Correspondência digital (correio eletrónico) só existe a partir do momento em que o remetente envia uma mensagem de correio a partir do seu posto de trabalho, isto é, a partir do momento em que se perde o domínio da mensagem;

- a interceção dessa mensagem em tempo real (quando em trânsito) não cai no escopo dos arts. 17.º e 16.º da Lei do Cibercrime;

- Se a mensagem não tiver sido aberta quando rececionada pelo destinatário da mesma e permanecer no computador, a sua abertura rege-se pelo disposto no art. 17.º da Lei do Cibercrime demandando interferência digital.

- Se, ao invés, a mensagem tiver já sido aberta a mesma não será diferente de outros dados informáticos, como ficheiros contendo documentos resultantes de um processador de texto, folha de cálculo ou de um programa para criação ou apresentação digital de slides que serão apreendidos à luz do regime do art. 16.º da Lei 109/2009.

No caso concreto, por se tratarem de mensagens já abertas não tinha o JIC de sancionar a sua junção ou delas tomar prévio conhecimento competindo ao MP decidir-se pela sua junção ou não».

Por sua banda, no acórdão fundamento sustenta-se que:

«[...] o Digno recorrente assenta a sua argumentação distinguindo entre mensagens de correio eletrónico abertas ou fechadas para efeitos de determinação do regime legal aplicável, pugnando no sentido de que a recolha de correio eletrónico aberto está sujeita às regras que conformam a apreensão de meros documentos e, por isso, sem necessidade de intervenção do juiz de instrução criminal.

O artigo 17.º da Lei do Cibercrime, com pertinência no caso dos autos, veio regular a «Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicação de natureza semelhante» [...].

Este preceito remete para o regime de «apreensão de correspondência» que se mostra previsto no art. 179.º do CPP.

Esta remissão mostra-se realizada em quatro pontos que são:

- A referência à nulidade, em caso de inobservância dos requisitos:

Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão (de correspondência) (179.º, n.º 1);

- Quando se trate de correspondência eletrónica que foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso (179.º, 1 a);

- A apreensão de correspondência eletrónica entre o arguido e o seu defensor é proibida (179.º, n.º 1);

- O Juiz (que ordenou ou autorizou a diligência) deverá ser o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência (179, n.º 3).

O legislador criou assim um regime específico de «Apreensão de correio eletrónico e registo de comunicações de natureza semelhante», que visou submeter ao regime da apreensão da correspondência previsto no art. 179.º do CPP.

Em face das referidas disposições legais, consideramos que as mensagens de correio eletrónico que se encontrem armazenadas só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência.

O regime de apreensão de correio eletrónico e registos de comunicação de natureza semelhante passa assim a ser regulado diretamente pelo artigo 17.º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remessa expressa do mesmo), pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão, prevista no artigo 179.º do CPP.

[...]

Como vimos, o recorrente centra a sua pretensão de ver revogado o despacho judicial que anulou a apreensão do correio eletrónico levada a efeito pelo Ministério Público sem autorização judicial, por considerar que o regime do artigo 17.º da Lei do Cibercrime só se aplica se estiver em causa a «apreensão de correspondência», conceito que exige que se esteja perante um processo comunicacional não concluído, isto é, que a mensagem tenha sido expedida pelo remetente e não tenha entrado no domínio cognitivo do destinatário.

Ou seja, o recorrente entende que o artigo 179.º do CPP é aplicável à correspondência enquanto ela não for aberta pelo destinatário, pelo que as mensagens de correio eletrónico já lidas pelo destinatário não consubstanciam verdadeira correspondência, ficando excluída do âmbito do artigo 17.º da lei do Cibercrime.

E estando a correspondência já aberta pelo seu destinatário, a esta correspondência é aplicável o regime geral do artigo 178.º do CPP.

Sendo esta a linha de argumentação, entende o Ministério Público que a apreensão dessas mensagens de correio eletrónico estaria tão somente sujeita ao regime de «Apreensão de dados informáticos», situação prevista no artigo 16.º da Lei do Cibercrime, cabendo ao próprio Ministério Público ordenar ou autorizar a apreensão dos mesmos.

Pois bem,

O artigo 16.º prevê o regime de «Apreensão de dados informáticos», acabando por ser uma adaptação à realidade digital das tradicionais apreensões, reguladas pelos artigos 177.º e sgs. do CPP, sendo a autoridade judiciária que tem competência para autorizar ou ordenar a realização da apreensão.

Procura-se nesta pesquisa informática «dados ou documentos informáticos» de um determinado sistema informático que serviram ou foram destinados a servir a prática de um crime.

E, caso no decurso da pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto (n.º 3 do artigo 16.º).

Por sua vez, o artigo 17.º, sob a epígrafe de «Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante», estabelece o seguinte:

[...]

Importa desde já referir que somos a entender, com o devido respeito por opinião diversa, que não esteve no espírito do legislador transpor para o correio eletrónico a distinção, por referência ao correio tradicional, de correio aberto ou fechado.

No artigo 17.º não vem estabelecida qualquer distinção entre mensagens de correio eletrónico e/ou registos de comunicações de natureza semelhante, armazenadas em sistema informático, já acedidas, ou não, pelo respetivo destinatário [...].

[...] O elemento literal previsto no art. 17.º com a expressão «armazenados» pressupõe também que a comunicação já foi recebida/lida e, consequentemente, armazenada.

Somos também a entender que o legislador não quis admitir qualquer destrinça entre correio eletrónico fechado ou aberto, por considerar igualmente não existirem razões para considerar diminuídas as exigências garantísticas do correio eletrónico quando aberto relativamente ao correio fechado, atenta a natureza própria destas comunicações.

[...]

Noutra perspetiva, podemos dizer que se o artigo 17.º da Lei do Cibercrime tivesse o seu âmbito de aplicação circunscrito à apreensão de correio eletrónico ainda não conhecido pelo destinatário, ou seja, ao correio eletrónico que já entrou no servidor do destinatário mas não foi ainda aberto, então a exigência de tutela jurisdicional para salvaguarda de direitos fundamentais (reserva e intimidade da vida privada) ficaria reduzida ao mínimo, correndo-se o risco de a autorização judicial deixar de ser necessária se, chegados ao local o buscado, momentos antes tivesse aberto a mensagem de correio eletrónico, ficando assim sem proteção o grosso da correspondência eletrónica.

Acrescendo ainda, na tese defendida pelo recorrente, em relação às comunicações eletróncias sempre haveria que enfrentar o problema de não ser possível, com rigor, determinar quando é que uma mensagem de correio eletrónico foi lida ou não, pois como informam os técnicos nesta área, não existem programas informáticos forenses que determinem essa operação, existindo sempre a possibilidade de marcar uma mensagem como não lida, mesmo após ter sido lida.

O que nos dá a dimensão de que o correio eletrónico e o correio tradicional são realidades tão diversas para poderem seguir lado a lado o mesmo regime.

Por fim, referir que a lei parece não ignorar que cada vez mais os cidadãos guardam nos seus computadores em ambiente laboral documentos escritos, fotografias da família ou gravações sonoras, que são suscetíveis de revelar segredos da vida íntima, a impor um reforço de tutela de proteção relativamente às comunicações eletrónicas.

Assim, em face de tudo o que se deixa exposto, diremos, em síntese conclusiva, que a Lei do Cibercrime criou em relação à apreensão de «correio eletrónico e registo de comunicações de natureza semelhante» um regime específico e unitário, que visou submeter ao regime de apreensão da correspondência, independentemente de as mensagens se encontrarem abertas ou fechadas.

Deste modo, somos a entender que as mensagens de correio eletrónico que se encontram armazenadas num sistema informático só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão expressa para o artigo 179.º do CPP.

Assim, independente de a correspondência ter sido ou não aberta ou ter sido ou não lida, a pessoa a quem é dirigida tem sempre o direito de não ver essa correspondência devassada pro terceiros».

4 - O Inquérito, o Ministério Público e o Juiz de instrução

Como é conhecido, o inquérito(1) é a fase preliminar do processo penal, obrigatória no processo comum, destinada à investigação da notícia de um crime(2).

Compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação(3).

É uma fase processual materialmente judicial, não administrativa.

Nas palavras de Maria João Antunes(4) é a fase de investigação por excelência.

A direção do mesmo cabe ao Ministério Público, verdadeiro dominus processus, assistido pelos órgãos de polícia criminal, em consequência das disposições constitucionais que estabelecem a estrutura acusatória do processo penal (art. 32.º n.º 5, da C.R.P.) e a autonomia do Ministério Público (art. 219.º n.º 2, da C.R.P.).

Segundo Paulo Dá Mesquita(5), constitui, mais propriamente, um imperativo constitucional.

No art. 268.º, do C.P.P., sob a epígrafe Actos a praticar pelo juiz de instrução, enumeram-se os atos cuja prática (pessoal) é da exclusiva competência do juiz de instrução, na fase de inquérito, que passamos a transcrever:

1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:

a) Proceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido;

b) Proceder à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção da prevista no artigo 196.º, a qual pode ser aplicada pelo Ministério Público;

c) Proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos do n.º 5 do artigo 177.º, do n.º 1 do artigo 180.º e do artigo 181.º;

d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 179.º;

e) Declarar a perda a favor do Estado de bens apreendidos, com expressa menção das disposições legais aplicadas, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito nos termos dos artigos 277.º, 280.º e 282.º;

f) Praticar quaisquer outros actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução.

2 - O juiz pratica os actos referidos no número anterior a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente.

3 - O requerimento, quando proveniente do Ministério Público ou de autoridade de polícia criminal, não está sujeito a quaisquer formalidades.

4 - Nos casos referidos nos números anteriores, o juiz decide, no prazo máximo de vinte e quatro horas, com base na informação que, conjuntamente com o requerimento, lhe for prestada, dispensando a apresentação dos autos sempre que a não considerar imprescindível.

Como se infere, a enumeração não é exaustiva, consoante, aliás, emerge, de forma inequívoca, da própria alínea f) do n.º 1.

Com exceção da alínea e) do mesmo n.º 1, que reveste natureza materialmente jurisdicional, as restantes competências resultam da posição do juiz de instrução, como juiz das liberdades e como garante dos direitos fundamentais.

A intervenção do juiz de instrução, no inquérito, é, nestes termos, ocasional, provocada e tipificada(6), em consonância, aliás, com os cânones tradicionais no sentido de a magistratura judicial, em regra, não atuar ex officio em processos cuja titularidade não lhe pertence.

Pelo que, a prática pelo juiz de instrução, na fase de inquérito, de atos que atingem direitos, liberdades e garantias, depende do impulso do Ministério Público, cabendo, exclusivamente a este órgão, o juízo sobre a sua oportunidade e a primeira avaliação da sua necessidade(7).

Por seu turno, no art. 269.º, do mesmo diploma legal - Atos a ordenar ou autorizar pelo juiz de instrução - enumeram-se as diligências que cabe ao juiz de instrução, em exclusivo, ordenar ou autorizar (não praticar).

Assim:

1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar:

a) A efetivação de perícias, nos termos do n.º 3 do artigo 154.º;

b) A efetivação de exames, nos termos do n.º 2 do artigo 172.º;

c) Buscas domiciliárias, nos termos e com os limites do n.º 1 do artigo 177.º;

d) Apreensões de correspondência, nos termos do n.º 1 do artigo 179.º;

e) Intercepção, gravação ou registo de conversação ou comunicações, nos termos dos artigos 187.º e 189.º;

f) A prática de quaisquer outros actos que a lei expressamente fizer depender de ordem ou autorização do juiz se instrução.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo anterior.

Como atos limitativos de direitos fundamentais que são, compete exclusivamente ao juiz de instrução ordená-los ou autorizá-los, enquanto juiz das liberdades, não podendo, todavia, tomar essa iniciativa, dada a sua posição processual.

Todos estes atos são obrigatoriamente reduzidos a auto (art. 375.º n.º 2).

5 - A apreensão de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante

Passando, de seguida, mais concretamente à apreensão de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza similar, atentemos no seguinte:

A denominada prova digital assume, presentemente, num mundo cada vez mais tecnológico, uma importância crucial(8).

Como salienta Duarte Rodrigues Nunes(9), ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, tal espécie de prova documental que, efetivamente é, não se limita à prova dos crimes informáticos, podendo ser utilizada para a prova de qualquer crime, como, entre outros, homicídios, terrorismo, branqueamento de capitais e tráfico de estupefacientes.

Embora os diferentes diplomas, com que nos confrontamos, não a definam, vem-se entendendo a prova digital como a informação relevante para fins probatórios produzida/obtida a partir de dados em formato digital (na forma binária, em que todas as quantidades se representam pelos números 0 ou 1) armazenados, processados ou transmitidos através de sistemas informáticos ou armazenados em suportes informáticos, muitas vezes com utilização de redes de comunicações eletrónicas.

Ora, um dos meios, sem dúvida, mais difundido de comunicação proporcionados pelas novas tecnologias da informação é, precisamente, o correio eletrónico, definido como qualquer mensagem textual, vocal, sonora ou gráfica enviada através de uma rede pública de comunicações que possa ser armazenada na rede ou no equipamento terminal do destinatário, até que este a recolha (artº. 2.º n.º 1, alínea b) da Lei 41/2004, de 18/08, que transpõe para o direito interno a Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas - Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas).

Em termos latos, abrange uma grande panóplia, como os SMS, EMS e MMS, conversações no Messenger, mensagens de voz relativas a comunicações ou arquivos de som e/ou imagem via Whatsapp, Viber, Skipe, Snapshat, Telegram, Facebook, etc(10).

Acontece, porém, que o regime legal da apreensão de correspondência e, em particular do correio eletrónico, contende com o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, concretizado, nos termos do artigo 34.º n.º 4, da C.R.P., que consagra uma proibição de "ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal".

Por sua vez, o artigo 34.º, da Constituição, visa proteger o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ou seja, prima facie, a liberdade de manter uma esfera de privacidade e sigilo, livre de interferência e ingerência estadual, quer no que respeita ao domicílio, quer quanto à correspondência, incluindo nesta toda a espécie de correspondência entre pessoas, em suporte físico ou eletrónico.

A nível europeu, a proteção e garantia dos direitos fundamentais à reserva da intimidade da vida privada, ao sigilo das comunicações e à inviolabilidade da correspondência, com inclusão do correio eletrónico, no âmbito da previsão do artigo 8.º da CEDH.

Este direito encontra ainda proteção ao nível do direito da União, mais concretamente na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a qual confirma no seu preâmbulo «os direitos que decorrem, nomeadamente, das tradições constitucionais e das obrigações internacionais comuns aos Estados-Membros, do Tratado da União Europeia e dos Tratados comunitários, da Convenção europeia para a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, das Cartas Sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos».

Tal como, no artigo 12.º da Carta Internacional dos Direitos Humanos: Declaração Universal dos Direitos do Homem se prevê que: "Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei." e no artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Eurpeia: «Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações».

O art. 17.º, da Lei 109/2009(11), de 15/09, comummente designada por Lei do Cibercrime, que transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa(12), textua assim:

Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando -se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.

Nestes termos, na letra e no espírito deste preceito, a apreensão de correio eletrónico e de outros registos de comunicações de natureza semelhante terá de ser sempre autorizada ou ordenada pelo juiz de instrução, pelo que, sendo encontradas num sistema informático ou em suporte autónomo legitimamente acedidos, mensagens de correio eletrónico ou realidades análogas cuja aquisição tenha grande interesse para a investigação e descoberta da verdade, terá de ser requerida ao juiz autorização para a sua apreensão.

Depreende-se também que inexiste, neste domínio, qualquer catálogo de crimes, mas a apreensão em causa terá de observar os ditames da adequação, necessidade e proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso(13).

E, naturalmente, nem poderia de ser de outro modo, uma vez que contende com direitos fundamentais(14), como os direitos à intimidade/privacidade, à palavra virtual e à autodeterminação informacional(15).

Todavia, como adverte Rui Cardoso(16), a forma de remissão para o regime de apreensão de correspondência previsto no C.P.P. (17), não é isenta de dificuldades e tem gerado muitas dúvidas quer na doutrina quer na jurisprudência.

Não poderá ser nunca a aplicação integral, só devendo ser efetuada naquilo que não contrariar o estatuído na Lei do Cibercrime, isto é, a remissão para o C.P.P. não pode, como é evidente, sobrepor-se ao regime especial de prova eletrónica prevista naquela lei.

Assim, o n.º 3 do art. 179.º do C.P.P. não terá, aqui, aplicação.

Como é sabido, o correio eletrónico é muito diferente do correio tradicional ou corpóreo, não só por ser dotado de uma maior rapidez e riqueza de conteúdo(18), mas também por aquele ter uma natureza muito mais dinâmica, razão pela qual os regimes terão de ser diversos.

No que diz respeito às mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, não faz verdadeiramente sentido distinguir entre regime aberto/lido ou fechado/não lido.

Ao contrário do que sucede com o correio tradicional, é praticamente impossível determinar, aqui, quando é que terminou a comunicação e se a mensagem já foi ou não aberta/lida(19).

No mesmo sentido, se pronunciou recentemente o Tribunal Constitucional, a propósito do regime da concorrência, nos acórdãos n.os 314/2023(20), de 26/05, e 91/2023(21), de 16/03.

Segundo o primeiro dos referenciados acórdãos, dever-se-á entender que a garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações abrange as mensagens de correio eletrónico enquanto permanecerem na caixa (virtual) de correio eletrónico, independentemente da circunstância, contingencial e aleatória, de a mensagem ostentar o estado de aberta ou de fechada.

Em sentido não muito diverso, de acordo com o último, não se vislumbram razões para se distinguir entre mensagens lidas e não lidas, sendo tal irrelevante para efeitos de enquadramento jurídico-constitucional.

Ainda mais proximamente, também este Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 26/06/2023(22), perfilhou posição idêntica, considerando ser inquestionável que o art. 17.º, da Lei do Cibercrime, não faz qualquer distinção entre as mensagens de correio eletrónico abertas ou fechadas no momento de exigir a intervenção do juiz de instrução para autorizar ou ordenar a sua apreensão.

A distinção entre mensagens abertas e fechadas é, neste âmbito, em bom rigor, artificial e falível.

A doutrina evoluiu bastante, a este propósito, e aponta hoje falta de valia técnica e jurídica à destrinça entre correio eletrónico lido e não lido, havendo mesmo um certo consenso sobre a impossibilidade de a estabelecer(23).

Nesta conformidade, é praticamente pacífico, presentemente, que o regime de intromissão no correio eletrónico ou similar, para apreensão de mensagens armazenadas em sistema informático, estabelecido no citado art. 17.º, terá de exigir a intervenção do juiz de instrução, como juiz das liberdades, independentemente de as mensagens se encontrarem ou não assinaladas como abertas.

Alerte-se, contudo, que as antigas divergências sobre a interpretação desta norma se estendiam à obrigatoriedade de existência de um despacho prévio do juiz de instrução, que autorizasse ou ordenasse a apreensão das mensagens de correio eletrónico, bem como à tomada de conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo de tais mensagens pelo juiz.

Com efeito, se se considerar que, como a norma em questão não faz qualquer menção a uma eventual apreensão cautelar ou provisória das mensagens de correio eletrónico, deveria ser, então, o juiz de instrução a primeira entidade a tomar conhecimento das mensagens, cabendo-lhe, seguidamente, ordenar a junção ou não das respetivas cópias ao processo.

Mas, se, numa outra perspetiva, se entender, como se nos afigura mais consentâneo com uma visão global do sistema(24), que em situações de perigo da demora, (o chamado periculum in mora), as autoridades - Ministério Público e OPC - poderão recorrer à medida cautelar prevista no art. 252.º, do C.P.P., então, nesse caso, a ordem dada ao fornecedor de serviço de não remessa do correio eletrónico para o destinatário terá de ser validada, a posteriori, através de despacho fundamento do juiz de instrução, no prazo de 48 horas.

Para concluirmos, não sendo a lei totalmente clara, dada a diversidade de regimes que se sobrepõem(25), levantando problemas de conjugação(26), que deveria merecer, no futuro, uma especial atenção, tendo em vista uma desejável clarificação(27), entendemos que a solução mais adequada, neste momento, passa pela aplicação do art. 17.º, da Lei do Cibercrime, ao correio eletrónico e similar, quer o seu conteúdo se encontre lido ou não lido, justificando-se, em ambas as situações, a mesma proteção constitucional.

Acrescente-se, por último, que uma tal posição não interfere, em nada, com a estrutura acusatória do processo penal, no plano subjetivo(28) - art. 32.º n.º 5, da C.R.P.

III. Dispositivo

Em face do exposto, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça acorda em decidir:

a) Julgar procedente o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA, revogando o acórdão recorrido; e

b) Fixar a seguinte jurisprudência:

«Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)».

Sem tributação.

*

Oportunamente, cumpra-se o estatuído no art. 444.º n.º 1, do C.P.P. e comunique-se ao Inquérito n.º 877/22.9... (art. 445.º n.º 1, também do mesmo diploma).

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de outubro de 2023. - (Processado e revisto pelo Relator) - Pedro Branquinho Ferreira Dias (Relator) - Leonor Furtado - Teresa de Almeida - Ernesto Carlos dos Reis Vaz Pereira - Agostinho Soares Torres - António Latas - José Eduardo Sapateiro - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - José Luís Lopes da Mota - Nuno A. Gonçalves - Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida - Sénio Alves - Ana Maria Barata de Brito - Orlando M. J. Gonçalves - Maria do Carmo Silva Dias.

(1) Cfr. art. 262.º e ss., do C.P.P.

(2) Citando-se o Professor Germano Maques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, pg. 61, o inquérito é logica e cronologicamente uma fase processual, que tem por fim investigar e recolher as provas sobre a prática de um crime noticiado e seus agentes, em ordem à decisão sobre a acusação.

(3) Com o Código de 1987, desaparece a dicotomia inquérito preliminar/instrução preparatória, que vigorava no Código de Processo Penal de 1929. Para se ter uma perspetiva do histórico processual, nesta matéria, veja-se, por todos, com interesse, Alberto Augusto Andrade Oliveira e João Manuel da Siva Miguel, O inquérito e instrução no Projeto do Código de Processo Penal (Breves considerações), Revista do Ministério Público, Jornadas de Processo Penal, 2, Cadernos, pg. 77 e ss.

(4) Direito Processual Penal, 4.ª edição, Almedina, pg. 98.

(5) In Direcção do Inquérito Penal e Garantia judiciária, Coimbra Editora, 2003, pg. 102.

(6) Paulo Dá Mesquita, ob. cit., pg. 174.

(7) Para uma abordagem mais desenvolvida sobre a repartição de funções processuais entre a magistratura do Ministério Público e a magistratura judicial, ver Anabela Miranda Rodrigues, A fase preliminar do Processo penal -Tendências na Europa. O caso português, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2001, Coimbra Editora, pgs. 960 e 961.

(8) Cfr. Pedro Verdelho, A obtenção de prova no ambiente digital, Revista do Ministério Público n.º 99, Ano 25, pg. 117 e ss.

(9) In Os Meios de Obtenção de Prova previstos na Lei do Cibercrime, 2.ª edição revista e atualizada, Gestlegal, pg. 47 e ss.

(10) Ibidem, pg. 332.

(11) Constitui uma norma especial relativamente ao art. 16.º (Apreensão de dados informáticos), da mesma lei.

(12) Adotada em Budapeste, em 23/11/2001, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 88/2009, de 15/9, ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 91/2009, de 15/9, e publicada no D.R., I S., n.º 179, de 15/9/2009.

(13) Ainda Duarte Rodrigues Nunes, loc. cit., pg. 350. Vide também Manuel da Costa Andrade, in «Bruscamente no Verão passado», a reforma do Código de Processo Penal - Observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, Coimbra Editora, 2009, pgs. 114 e 115.

(14) Art. 34.º n.º 4, da C.R.P. (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência) e art. 12.º da Carta Internacional dos Direitos Humanos, publicada no Diário da República, 1.ª série, A, de 9/03/1978.

(15) Mas, como refere Duarte Rodrigues Nunes, Os Meios de Obtenção de Prova cit., pg. 349, não o direito à inviolabilidade das comunicações, atendendo ao facto de o processo comunicacional já ter terminado.

(16) Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante - artigo 17.º da Lei 109/2009, de 15.IX, in Revista do Ministério Público n.º 153, Ano 39, pg. 188 e ss.

(17) Art. 179.º (Apreensão de correspondência).

(18) Podendo, nomeadamente, incluir arquivos, imagens e vídeos anexados.

(19) Idem, pg. 177.

(20) Publicado no D.R. S.II, de 10/07/2023, sendo relator o Senhor Conselheiro José Teles Pereira, julgou inconstitucional a norma contida no art. 18.º n.os 1 c) e 2, 20.º n.º 1 e 21.º do Novo Regime da Concorrência, aprovado pela Lei 19/2012, de 8/05, na interpretação segundo a qual se admite o exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrónico em processo de contraordenação da concorrência, desde que autorizado pelo Ministério Público, não sendo necessário despacho judicial prévio, por violação dos do disposto nos arts. 32.º n.º 4, 34.º n.º n.os 1 e 4, este conjugado com o art. 18.º n.º 2, todos da Constituição.

(21) Pub. no D.R. S.II, de 12/05/2023, relatora a Senhora Conselheira Joana Fernandes Costa, tendo julgado inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 32.º n.º 4 e 34.º n.os 1 e 4, este conjugado com o art. 18.º n.º 2, todos da Constituição, a norma extraída das disposições conjugadas do n.º 2 do art. 18.º e do n.º 1 do art. 20.º do Regime Jurídico da Concorrência, na versão aprovada pela Lei 19/2012, de 8/05, segundo a qual, em processo contraordenacional por prática restritiva da concorrência, é permitida à Autoridade da Concorrência a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico abertas mediante autorização do Ministério Público.

(22) Do qual é relator o Senhor Conselheiro Orlando Gonçalves, no Proc. n.º 798/21.2JALRA.S1, que se encontra disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, também o acórdão de 23/11/2016, relator o Senhor Conselheiro Pires da Graça, Proc. n.º 2039/14.0JAPRT.P1.S1, igualmente consultável no mesmo sítio.

(23) Cfr. Sónia Fidalgo, A apreensão de correio eletrónico e a utilização noutro processo das mensagens apreendidas, Revista Portuguesa de ciência Criminal, Ano 29, n.º 1, Gestlegal, pg. 69, e Ana Rita Castanheira Neves, As ingerências nas comunicações eletrónicas em processo penal: natureza e respetivo regime jurídico do correio eletrónico enquanto meio de obtenção da prova, Coimbra Editora, 2011, pg. 275.

(24) Em sintonia, uma vez mais, com Duarte Rodrigues Nunes, ob. cit., pg. 360. Muito relevantes também as anotações do Senhor Conselheiro José António dos Santos Cabral ao art. 179.º, do C.P.P., no Código de Processo Penal Comentado, 4.ª edição revista, Almedina, e de Paulo Pinto de Albuquerque e Duarte Rodrigues Nunes, no Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Vol. I, 5.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora.

(25) Com grande utilidade, v. Carlos Pinho, Os Problemas interpretativos da Lei resultantes da Lei 32/2008, de 17 de Julho, Revista do Ministério Público n.º 129, Ano 33, pg. 63 e ss., Mariana Oliveira Costa Pereira, Prova digital, Problemas de compatibilização entre as Leis n.º 32/2008, n.º 109/2009 e o Código de Processo Penal, Tese de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Setembro de 2019, http://hdl.handle.net./10316/90256, pg. 45 e ss., e Ana Bela Veiga Costa, Relatório Curricular apresentado à Nova School of Law, com vista à obtenção de grau de Mestre em Direito Forense e Arbitragem, Março de 2023, http://hdl.handle.net/10362/154778, pg. 66 e ss.

(26) Como pertinentemente chama a atenção João Conde Correia, Prova digital: as leis que temos e a que devíamos ter, Revista do Ministério Público n.º 139, Ano 35, pg. 35 e ss., a coexistência formal de diferentes diplomas, como o Código de Processo Penal, a Lei 32/2008, de 17/7, sobre a Conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas e a Lei 109/2009, de 15/9, (Lei do Cibercrime), gera zonas cinzentas de confronto e atrito, pela falta de articulação entre os mesmos. Por sua vez, Tiago Leonel dos Santos Aguiar, O Correio Eletrónico, A Apreensão e a Interceção no Processo Penal Português, Universidade de Coimbra, FDUC, Coimbra 2017, pg. 137 e ss. fala, a este respeito, de um autêntico labirinto jurídico.

(27) Há quem defenda, de jure constituendo, que a apreensão de correio eletrónico e de comunicações de natureza semelhante deveria ocorrer nos termos do art. 16.º, da Lei do Cibercrime, uma vez que já não nos encontramos no âmbito de um processo comunicacional, como, aliás, sucede no direito alemão, em que o correio eletrónico é apreendido à luz do § 94 StPO, que contém o regime geral das apreensões que inclui as apreensões "tradicionais" e as apreensões de dados informáticos. Cfr. Duarte Rodrigues Nunes, ob.cit., pg. 345 e Armando Dias Ramos, A prova digital em processo penal: O correio eletrónico, Chiado Editora, Lisboa, 2014, pg. 113.

(28) Sobre as diferentes dimensões (material e orgânico-subjetiva) da densificação semântica da estrutura acusatória do processo penal, veja-se J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, pg. 522.

117033306

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5544835.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2004-08-18 - Lei 41/2004 - Assembleia da República

    Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/58/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 2008-07-17 - Lei 32/2008 - Assembleia da República

    Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/24/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.

  • Tem documento Em vigor 2009-09-15 - Lei 109/2009 - Assembleia da República

    Aprova a Lei do Cibercrime, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.

  • Tem documento Em vigor 2012-05-08 - Lei 19/2012 - Assembleia da República

    Aprova o novo regime jurídico da concorrência e altera (segunda alteração) a Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro, que aprovou a Lei de Imprensa.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda