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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6/2023, de 13 de Julho

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Sumário

Nos arrendamentos para fins não habitacionais, celebrados antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, o locador que pretenda promover a transição do contrato para o NRAU, sem actualização da renda, não está obrigado à indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, nem à junção da cópia da caderneta predial urbana, como previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2023

Sumário: Nos arrendamentos para fins não habitacionais, celebrados antes do Decreto-Lei 257/95, de 30 de Setembro, o locador que pretenda promover a transição do contrato para o NRAU, sem actualização da renda, não está obrigado à indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, nem à junção da cópia da caderneta predial urbana, como previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção da Lei 79/2014, de 19 de Dezembro.

Processo 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A

Recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência

Recorrente: Casa de Santo António, Lda.

Recorrida: Imobiliária Palácio da Rotunda, S. A.

Acordam no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1 - Imobiliária Palácio da Rotunda, S. A. propôs acção declarativa contra Casa de Santo António, Lda. pedindo que seja declarada a eficácia da comunicação de transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) do contrato de arrendamento existente entre as partes, cujo objecto é a zona da Galeria identificada pelas Letras E, F e G do prédio sito na Praça..., em..., passando tal contrato a ficar sujeito ao regime do NRAU no prazo de 5 anos a contar de 5 de Agosto de 2016.

Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a ré, em 27 de Abril de 1961, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo à zona da Galeria designada pelas Letras E, F e G do prédio mencionado; em função da redacção do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (alterado, sucessivamente, pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto e pela Lei 79/2014, de 19 de Dezembro), promoveu a transição para o NRAU do referido contrato, por carta registada com aviso de recepção, a qual foi recebida pela ré, que respondeu que, por faltar a avaliação do locado, considerava ineficaz a comunicação e que, funcionando no locado um estabelecimento comercial que constitui uma microempresa, a transição para o NRAU não poderia ocorrer nos termos indicados; posteriormente, a autora manteve o teor da comunicação anterior, sendo que, uma vez que a ré tinha manifestado a sua não aceitação da transição do contrato para o NRAU e invocado e comprovado que era uma microempresa, o contrato só ficaria submetido àquele regime jurídico no prazo de 5 anos a contar do dia 5 de Agosto de 2016; reiterando a ré a posição anteriormente assumida, pretende a autora saber qual o regime jurídico a que está, ou a que estará, sujeito o contrato celebrado com a ré, pois a resposta desta última criou-lhe dúvida séria, real, objectiva e actual sobre o seu direito de promover a transição do contrato celebrado para o regime do NRAU e de fixar o prazo de 5 anos para o efeito, sendo que tal incerteza prejudica-a, uma vez que a impede de prever o momento em que poderá obter um valor de renda de acordo com os valores de mercado actualmente praticados e de planear com um mínimo de segurança a realização das obras; e alegando que, caso se entenda que só seria possível efectuar a transição para o NRAU simultaneamente com a actualização da renda, tal constituiria uma flagrante injustiça e uma discriminação dos proprietários de prédios não constituídos em propriedade horizontal, em que os espaços arrendados não constituem unidades independentes e, por isso, são insusceptíveis de atribuição de um valor patrimonial nos termos do artigo 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

2 - A ré contestou por excepção, invocando a falta de interesse em agir da autora e concluindo pela absolvição da instância; e por impugnação, pondo em causa a factualidade alegada e concluindo pela absolvição do pedido.

Em reconvenção pediu que, caso seja decidido declarar a eficácia da comunicação da autora datada de 5 de Julho de 2016, seja também declarado que o contrato de arrendamento celebrado pelas partes em 27 de Abril de 1961 apenas ficará sujeito ao regime do NRAU no prazo de 10 anos contados a partir daquela primeira data, alegando, em síntese, que ainda que o prédio urbano em que se situa o locado objecto não esteja constituído em propriedade horizontal, é constituído por diversas unidades ou divisões susceptíveis de utilização independente, tendo sido inclusivamente a autora a proceder à divisão de tal espaço de forma a rentabilizá-lo comercialmente por via de arrendamento, pelo que pode e deve ser o mesmo objecto de uma avaliação prévia, que lhe venha a ser comunicada.

A autora replicou, pedindo a sua absolvição do pedido reconvencional e, no mais, mantendo a posição assumida na petição inicial.

3 - Foi proferido despacho saneador - sentença, pelo qual se julgou improcedente a excepção de falta de interesse em agir, se admitiu o pedido reconvencional e se decidiu pela improcedência da acção, com a absolvição da ré do pedido formulado, julgando-se prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.

4 - Inconformada com tal decisão, interpôs a autora recurso de apelação o qual, com um voto de vencido, foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

5 - Novamente inconformada, interpôs a autora recurso de revista, que, por acórdão de 13 de Abril de 2021, foi julgado parcialmente procedente, tendo sido declarado, no que importa para o objecto do presente recurso, que a comunicação de 5 de Julho de 2016 é apta a operar a transição para o NRAU do contrato de arrendamento existente entre as partes, o que ocorrerá no prazo de 10 anos a contar daquela data.

6 - Notificada do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, veio a ré, ao abrigo do artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, interpor recurso para uniformização de jurisprudência invocando a contradição de julgados com o acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Outubro de 2020, proferido no Processo 10390/18.3T8LSB.L1.S1, juntando cópia certificada deste último acórdão e formulando as seguintes conclusões:

«- O Acórdão fundamento (datado de 21/10/2020; Processo 10390/18.3T8LSB.L1.S1) e o Acórdão recorrido (datado de 13/04/2021), ambos proferidos pelo STJ, encontram-se transitados em julgado;

- À data da prolação do Acórdão recorrido já o Acórdão fundamento havia transitado em julgado;

- Inexiste qualquer jurisprudência uniformizada na qual o Acórdão recorrido se tenha baseado bem como o mesmo não é um acórdão uniformizador;

- Existe diversidade entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento relativamente à mesma questão de direito;

- Existe divergência no que respeita à questão de aferir da possibilidade de efectuar a transição do contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes do DL n.º 257/95, de 30/09 para o NRAU, através da comunicação prevista no seu artigo 50.º, na versão da Lei 79/2014, de 19/12, sem que se pretenda a actualização da renda ou se sendo tal possibilidade legalmente permitida se a senhoria tem de indicar e juntar os elementos as que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12;

- O Acórdão fundamento pronunciou-se pela necessidade de remessa, na comunicação da senhoria, sob pena de ineficácia, nos termos do artigo 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12 de todos os elementos a que se refere a mencionada norma;

- O Acórdão recorrido decidiu que caso o senhorio não pretenda a actualização da renda, na comunicação a que alude o artigo 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12, não necessita de fazer as menções e juntar os elementos das alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12 não gerando a sua falta a ineficácia da comunicação do senhorio, assegurando a transição do contrato de arrendamento para o NRAU;

- A questão fundamental de direito em que assenta a divergência integrou a ratio decidendi dos Acórdãos em confronto;

- Tendo as divergências acima apontadas relativamente à possibilidade de transição de um contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes do DL n.º 257/95, de 30/09 para o NRAU sem actualização da renda e, na afirmativa, à necessidade, ou não, de remessa das informações constantes das alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 aquando da comunicação em que não se pretenda a atualização do valor da renda sido determinantes para a decisão nos dois casos em apreço (Acórdão fundamento - sustentando a ineficácia da comunicação - e Acórdão recorrido - afirmando a eficácia da comunicação no sentido de sustentar a transição do contrato de arrendamento para o NRAU);

- A divergência de interpretação assumiu um carácter fundamental para a solução dos casos em apreço, levando a soluções contrárias para situações de facto substancialmente idênticas;

- Existe identidade substantiva do quadro normativo em que se insere a questão;

- Referindo-se a divergência entre os Acórdãos à interpretação do mesmo normativo legal, previsto no art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12;

- De igual forma existe uma identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam o quadro normativo em ambos os Acórdãos;

- Factualidade essa que se subsume à aplicação da mesma norma jurídica supra identificada;

- Da análise da factualidade em que se basearam ambos os Acórdãos, verifica-se uma identidade substancial entre ambas, nomeadamente: a) em ambos os casos estamos perante contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30/09; b) a senhoria é comum a ambos os contratos de arrendamento; c) os locados situam-se no mesmo exacto prédio; d) o prédio não está constituído em propriedade horizontal; e) ambas as comunicações iniciais de transição dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais foram enviadas no mesmo exacto dia (05/07/2016); f) em ambas as comunicações a senhoria não juntou os elementos a que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014; g) em ambas as comunicações a senhoria afirmou que não pretendia proceder à actualização da renda mas apenas proceder à transição dos contratos de arrendamento para o NRAU; h) em ambos os casos as arrendatárias responderam à comunicação da senhoria afirmando que consideravam a mesma ineficaz por falta de indicação do valor do locado nos termos da avaliação efectuada de acordo com os artigos 38.º e seguintes do CIMI e por falta de junção de cópia da caderneta predial urbana; i) em ambos os casos a senhoria enviou novas comunicações às arrendatárias considerando que as suas comunicações iniciais eram eficazes;

- A contradição assumiu um carácter explícito assentando nas decisões do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento e não somente nos fundamentos de ambos os Acórdãos;

- As soluções opostas a que chegaram o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento relativas à mesma questão de direito integram o objecto concreto e directo das duas decisões;

- Bem como a questão de direito, assente na interpretação normativa do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12, foi efectivamente tratada e decidida em ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento;

- Assim sendo, o Acórdão recorrido, proferido pelo STJ, transitado em julgado e sem estar baseado em jurisprudência uniformizada, está em contradição com outro anteriormente proferido pelo STJ, já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;

- Verifica-se identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação do quadro normativo, o carácter explícito da contradição, bem como a questão de direito foi objecto de um efectivo tratamento e decisão, assumindo a questão um carácter essencial;

- A questão a resolver e que a ora Recorrente submete na presente sede prende-se assim com a interpretação normativa do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12;

- Em concreto, saber no domínio dos arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro, a comunicação do senhorio proferida ao abrigo do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 pode operar somente a promoção da transição do arrendamento para o NRAU sem estar condicionada à actualização da renda pelo que tal comunicação não tem de ser acompanhada dos elementos a que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 (interpretação subjacente ao Acórdão recorrido)? ou;

- No domínio dos arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro, a comunicação do senhorio proferida ao abrigo do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 de promoção da sua transição para o NRAU está condicionada à actualização da renda pelo que tal comunicação deve ser sempre acompanhada dos elementos a que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 (interpretação subjacente ao Acórdão fundamento)? ou ainda;

- No domínio dos arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro, a comunicação do senhorio proferida ao abrigo do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 de promoção da sua transição para o NRAU deve ser sempre acompanhada dos elementos a que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12, mesmo que o senhorio apenas pretenda a transição do contrato de arrendamento para o NRAU sem actualização da renda? (interpretação também ela mencionada no Acórdão fundamento);

- Segundo o Acórdão recorrido, quando apenas se pretenda a transição para o NRAU e não também a actualização da renda, não é exigível que a comunicação do senhorio prevista no artigo 50.º do NRAU contenha todas as indicações elencadas nas suas alíneas, não gerando a falta da indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e s. do CIMI, e da cópia da caderneta predial urbana a ele referente a ineficácia daquela comunicação, operando-se por via dela o único efeito visado, ou seja, a transição do contrato para o NRAU;

- Por sua vez, no Acórdão fundamento, entendeu-se que a comunicação do senhorio, prevista no art. 50.º do NRAU, deve indicar todos os elementos elencados nas suas diversas alíneas, nomeadamente o valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 38.º e ss. do CIMI, e cópia da caderneta predial urbana a ele referente, mesmo que apenas pretenda a transição do contrato de arrendamento para o NRAU sem actualização da renda, pelo que a falta dos requisitos materiais da comunicação inicial do senhorio, previstos no citado art. 50.º, tem como consequência a ineficácia da comunicação;

- O Acórdão recorrido violou directamente o art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12, na interpretação que efectuou da referida norma legal;

- Da análise dos fundamentos do Acórdão recorrido verifica-se que o único argumento utilizado para estribar a sua interpretação foi um argumento de utilidade;

- Ao passo que olhando para o raciocínio lógico-jurídico do Acórdão fundamento verificamos que no entendimento no mesmo expresso das duas uma: a) a transição do contrato de arrendamento para o NRAU pressupõe sempre a actualização da renda; b) Mas, mesmo que assim não se entendesse, e a senhoria pudesse apenas promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU sempre teria de juntar à sua comunicação todos os elementos a que alude o art. 50.º do NRAU;

- No entender da ora Recorrente, a interpretação do art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12, efectuada pelo Acórdão fundamento é a interpretação correcta;

- No Acórdão recorrido considerou-se que tanto a letra da lei como a "convicção do legislador", assente na normalidade das situações, aponta para a exigência de indicação do valor da renda, da junção da caderneta predial urbana e da menção do valor do locado avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, mesmo que a senhoria apenas pretenda a transição para o NRAU do contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes do DL n.º 257/95, de 30/09 sem actualização do valor da renda;

- Contudo, o Acórdão recorrido, baseado unicamente num argumento de utilidade, considerou que se a senhoria apenas pretende a transição para o NRAU do contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes do DL n.º 257/95, de 30/09 então as menções das alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU não assumem qualquer relevância e, como tal, são dispensáveis não gerando a sua falta a ineficácia da comunicação;

- Em primeiro lugar, "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" - art. 9.º, n.º 3 do CC;

- Em segundo lugar, o Acórdão recorrido não procedeu a qualquer análise baseada no elemento sistemático, no elemento teleológico ou no elemento histórico que lhe permitisse afastara letrada lei e efectuar uma qualquer interpretação restritiva da norma legal em causa;

- O único argumento baseado na inutilidade das menções ao valor da renda, ao valor do locado avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI e da junção de cópia da caderneta predial urbana nos casos em que a senhoria apenas pretende a transição para o NRAU do contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes do DL n.º 257/95, de 30/09 sem actualização do valor da renda é um argumento que não pode ser acolhido porquanto tais menções têm uma utilidade legalmente plasmada mesmo quando a senhoria não pretenda proceder à actualização e se admita que a transição do contrato de arrendamento para o NRAU pode ocorrer sem a actualização da renda;

- Face ao conteúdo da resposta do arrendatário, tal como desenhado pelo art. 51.º, n.º 3 e 4 do NRAU e face às consequências associadas a cada uma das repostas do arrendatário é absolutamente fundamental que este esteja na posse de todos os elementos referidos no art. 50.º do NRAU por forma a poder projectar as consequências associadas a cada uma das suas respostas;

- A utilidade das menções referidas nas alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 reside na norma do art. 54.º, n.º 2 do NRAU;

- O único argumento utilizado pelo Acórdão recorrido para defender a sua interpretação do art. 50.º do NRAU não tem qualquer possibilidade de acolhimento - a utilidade existe e a lei comprova-o;

- A norma do art. 54.º, n.º 2 do NRAU é clara: havendo, da parte do arrendatário, oposição à transição do contrato de arrendamento para o NRAU e invocação da circunstância associada à existência no locado de um estabelecimento aberto ao público que é uma microempresa a renda determina-se nos termos legalmente definidos e não em outros termos;

- Considerou-se ainda no Acórdão recorrido que é admissível a senhoria promover somente a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda porque o art. 51.º, n.º 3, alínea c) do NRAU permite ao arrendatário "pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio";

- Contudo, o Acórdão recorrido truncou a primeira parte do art. 51.º, n.º 3, alínea c) do NRAU;

- "Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio" - art. 51.º, n.º 3, alínea c) do NRAU;

- Sendo que os casos das alíneas anteriores dizem respeito à aceitação do valor da renda proposto pelo senhorio ou à sua oposição, propondo o arrendatário um novo valor (art.51.º, n.º 3, alíneas a) e b) do NRAU respectivamente)

- Ou seja, a alínea c), do n.º 3, do art. 51.º do NRAU está umbilicalmente ligada às alíneas antecedentes, as quais, sem qualquer dúvida, se referem sempre ao valor da renda proposto pelo senhorio;

- Pelo que a norma em questão parece sustentar a interpretação segundo a qual o senhorio apenas pode promover a transição dos contratos de arrendamento mais antigos para o NRAU caso pretenda proceder à actualização da renda - tal como foi defendido pelo Acórdão fundamento;

- Mas jamais permite sustentar a interpretação do Acórdão recorrido nos termos da qual a indicação das menções previstas nas alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU são inúteis quando o senhorio apenas pretenda promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU;

- Desde logo, em primeiro lugar, porque está longe de ser líquido que possa haver transição do contrato de arrendamento para o NRAU sem actualização da renda e, em segundo lugar, mesmo que possa haver transição do contrato de arrendamento para o NRAU sem actualização da renda não pode a comunicação do senhorio daquela transição dispensar o que é exigido por lei com base num argumento de inutilidade que não se verifica como supra afirmado;

- Pelo que a posição jurídica sufragada pelo Acórdão recorrido não se pode ter por procedente;

Assim sendo,

- A questão da interpretação normativa do art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12 apenas se pode colocar entre duas posições:

a) Apenas pode existir transição do contrato de arrendamento para o NRAU se existir uma actualização de renda, ou seja, a actualização de renda é um pressuposto indissociável da transição para o NRAU ou;

b) Mesmo que a transição do contrato de arrendamento para o NRAU possa ocorrer sem actualização da renda, tal não dispensa que a senhoria, na sua comunicação inicial de transição cumpra todas as alíneas do art. 50.º do NRAU;

- A letra da lei é clara ao instituir que se o senhorio pretender fazer com que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes do DL n.º 257/95, de 30/09 transite para o NRAU tem de actualizar o valor da renda e, como tal, a comunicação inicial do senhorio está submetida aos mesmos pressupostos e conteúdo;

- Tal interpretação é, desde logo, confirmada pela utilização da conjunção coordenativa copulativa "e" e não pela utilização da conjunção coordenativa disjuntiva "ou";

- E substituir, por via interpretativa, a conjunção "e" pela conjunção "ou" é transformar algo aditivo em disjuntivo, modificando por completo a norma;

- Valendo aqui o princípio geral segundo o qual onde o legislador não distingue não pode ser o aplicador a fazê-lo;

- Porquanto, nos termos do art. 9.º, n.º 2 do CC "não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso";

- Bem como, nos termos do art. 9.º, n.º 3 do CC "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados";

- Olhando ao elemento histórico, no que concerne à exposição de motivos do Projecto de Lei 38/XII Lei que deu origem à Lei 31/2012, de 14 de Agosto a mesma aponta de forma decisiva para a correlação indissociável entre aumento da renda e transição do contrato de arrendamento para o NRAU;

- Em que o acento tónico do mecanismo é a negociação da renda e não propriamente a transição do contrato de arrendamento para o NRAU;

- Porquanto a preocupação do legislador sempre foi combater as rendas muito baixas sem justificação de ordem social que levavam a uma inércia dos senhorios na realização de obras nos prédios arrendados e não propriamente submeter os contratos de arrendamento mais antigos, vulgo vinculísticos, ao regime do NRAU;

- No que concerne ao elemento teleológico, de um ponto de vista sociológico o que motivou o aparecimento das inovações introduzidas pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto foi a tentativa de dinamização do mercado de arrendamento, acabando (por iniciativa do senhorio e de acordo com um modelo negocial), no domínio dos contratos de arrendamento para fins habitacionais anteriores à vigência do RAU e arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro com rendas extremamente baixas sem motivos económicos e sociais para a sua manutenção mas, protegendo segmentos da população e do tecido empresarial que estavam em condições de maior vulnerabilidade;

- Assim, a principal intenção do legislador foi admitir a actualização das rendas;

- E do mesmo passo permitir a transição dos referidos contratos de arrendamento para o NRAU buscando-se assim uma maior uniformização das regras jurídicas que regulam tais negócios, mas sempre condicionando esta segunda vertente à actualização das rendas;

Por outro lado,

- Todos os senhorios que desenvolvam a sua actividade em obediência às regras jurídico-tributárias ao nível da avaliação de imóveis de acordo com o CIMI podem beneficiar do regime do art. 50.º do NRAU porque todos dispõem de uma caderneta predial urbana referente ao locado com discriminação do seu valor;

- A única excepção são os senhorios que não têm prédios em propriedade horizontal, mas que materialmente são constituídos por unidades independentes que estão arrendadas mas que de um ponto de vista formal não vêm essa materialidade (unidades independentes) reflectida em termos de avaliação nos termos do CIMI porquanto nunca cumpriram com as suas obrigações declarativas à Autoridade Tributária;

- Segundo o artigo 12.º, n.º 3 deste do CIMI: "Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário".

- Todos os senhorios, mesmo que o prédio não esteja constituído em propriedade horizontal mas disponham de espaços arrendados que são unidades susceptíveis de utilização independente podem promover a transição dos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95 para o NRAU desde que cumpram o art. 13.º, n.º 1 do CIMI;

- Sendo tal interpretação sistematicamente orientada, de acordo com as regras da conexão remota;

- De acordo com o elemento sistemático a ser permitida a interpretação sufragada pelo Acórdão recorrido estar-se-ia a legitimar uma conduta contrária à lei, legitimando e desprovendo de consequências jurídicas a posição de quem não cumpre uma determinada norma jurídica que é pressuposto da aplicação de uma outra norma;

- Ademais, defender que caso apenas seja pretensão do senhorio transitar o contrato de arrendamento não habitacional para o NRAU não tem de cumprir as exigências das alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU é ignorar que tal determinação é essencial para efeitos da aplicação do art. 54.º, n.º 2 do NRAU;

- Ademais, olhando a disposições legais com conteúdo idêntico à do art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19/12, encontramos o art. 30.º do NRAU, na versão da mesma Lei, nos termos do qual uma vez mais encontramos a conjunção coordenativa copulativa "e" a ligar a transição para o NRAU e a actualização da renda;

- Assim, o elemento sistemático também nos orienta no sentido de a transição para o NRAU depender intrinsecamente da actualização da renda, e, por consequência, a comunicação inicial do senhorio nunca poder dispensar os elementos constantes das alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014;

- Em suma, a interpretação do art. 50.º do NRAU, na versão da Lei 79/2014, de 19 de Dezembro deve, de acordo com a ponderação global do elemento literal e a ratio legis, ser a seguinte:

No domínio dos arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro, a comunicação do senhorio proferida ao abrigo do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12 de promoção da sua transição para o NRAU está condicionada à actualização da renda pelo que tal comunicação deve ser sempre acompanhada dos elementos a que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei 79/2014, de 19/12;

- Sentido em que a Recorrente entende que deve ser fixada a jurisprudência;

- Assim se requerendo que a decisão que verifique a existência da contradição jurisprudencial revogue o Acórdão recorrido e o substitua por outro em que se decida a questão controvertida (art. 695.º, n.º 2 do CPC).».

7 - Não foram apresentadas contra-alegações.

8 - O recurso para uniformização de jurisprudência foi admitido liminarmente, nos termos do artigo 692.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, considerando-se que, no domínio do mesmo regime normativo, os acórdãos em confronto decidiram contraditoriamente a seguinte questão fundamental de direito: saber se a eficácia da comunicação do senhorio ao arrendatário da transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), sem actualização da renda, depende da exigibilidade de todos os requisitos previstos no artigo 50.º do NRAU, na redacção da Lei 79/2014, de 19 de Dezembro.

9 - Nos termos do disposto no artigo 687.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 695.º do mesmo Código, o Ministério Público emitiu parecer, sustentando o seguinte, no que à questão em apreciação diz respeito:

«[A] transição para o NRAU aparece, agora, a par da atualização da renda, como um dos objetivos da comunicação do senhorio ao arrendatário, não havendo como negar, quanto a nós, a sua autonomia.

A Lei 79/2014, de 19 de dezembro, veio trazer novas alterações à Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, designadamente aos artigos 50.º, 51.º e 54.º, dela resultando a atual redação das referidas normas, acima transcritas, com as ressalvas seguintes:

- o disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º resulta da Lei 42/2017, de 14 de junho.

- o disposto no artigo 54.º, números 1 e 2, n.º 6, alíneas b) e c) resulta da Lei 43/2017, de 14 de junho.

Da leitura da legislação em causa resulta claramente que a indicação pelo senhorio, na comunicação a fazer ao arrendatário, do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, bem como a entrega de cópia da caderneta predial só interessam à fixação do valor da renda, sendo indiferentes, quer para a tipo de contrato proposto, quer para a sua duração.

Decorre do artigo 33.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, aplicável, com algumas adaptações aos arrendamentos para fins não habitacionais que se o arrendatário se opuser ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio, propondo outros, o senhorio, no prazo de 30 dias contados da receção da resposta daquele, deve comunicar ao arrendatário se aceita ou não a proposta.

A oposição do arrendatário ao valor da renda proposto pelo senhorio não acompanhada de proposta de um novo valor vale como proposta de manutenção do valor da renda em vigor à data da comunicação do senhorio.

A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário.

Se o senhorio aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário ou verificando-se o que se disse no parágrafo anterior, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação prevista ou do termo do prazo aí previsto.

Fica submetido ao NRAU de acordo com o tipo e a duração acordados. No silêncio ou na falta de acordo das partes o contrato considera-se celebrado pelo período de cinco anos.

Se o senhorio não aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário pode, na resposta que lhe der, denunciar o contrato de arrendamento, pagando ao arrendatário uma indemnização equivalente a cinco anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e pelo arrendatário; ou atualizar a renda de acordo para um valor anual correspondente a 1/15 do locado, correspondendo este ao resultante da avaliação feita nos termos do artigo 38.º do CIMI - considerando-se o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, a contar dessa resposta.

Parece-nos ser de extrair da interpretação destas normas que o senhorio poderá tomar a iniciativa de contactar o arrendatário apenas com a finalidade de fazer transitar o contrato para o NRAU, abstendo-se de proceder à atualização da renda.

Se fizer essa opção, parece-nos que, na comunicação dirigida ao arrendatário, poderá deixar de indicar o valor do locado, avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI.

Assim sendo, somos de parecer que o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deverá ser julgado como improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido e fixando-se a jurisprudência com o seguinte sentido:

«Nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais anteriores à vigência do NRAU (Lei 6/2006, de 27 de fevereiro), quando o senhorio tomar a iniciativa de comunicar ao arrendatário a transição do contrato para o NRAU, sem pretender a atualização da renda, não precisa de indicar o valor do locado, avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI, constantes da caderneta predial, nem de enviar cópia da dita caderneta predial.». [negrito nosso]

II - Factualidade dada como provada no caso apreciado pelo acórdão recorrido:

1) A autora é proprietária do prédio sito na Praça..., em..., inscrito na matriz sob o artigo 817 da freguesia de..., concelho..., registado na Conservatória do Registo Predial... sob o n.º 819, da freguesia... em..., conforme certidão cujo código de acesso é...

2) Na qualidade de proprietária do prédio descrito em 1), a autora celebrou com a ré, em 27 de abril de 1961, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo à zona da Galeria designada pelas Letras E, F e G do identificado prédio, conforme consta da escritura de fls. 8/11 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

3) O prédio identificado em 1) não está constituído em propriedade horizontal.

4) O prédio identificado em 1) foi sujeito a avaliação efetuada pela AT, em 4 de fevereiro de 2013, que determinou apenas o valor patrimonial tributário do prédio no seu conjunto, conforme consta a fls. 7 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

5) Com data de 5 de julho de 2016, a autora enviou à ré, e esta recebeu, uma carta registada com aviso de receção, cuja cópia consta a fls. 12/13 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, "[...] Damos sem efeito a n/carta datada de 16 de maio de 2016, procedendo por este meio a nova comunicação para transição para o NRAU do contrato celebrado com V. Exas dos espaços na Galeria designados pelas letras "E", "F" e "G" do prédio sito na Praça..., em..., dos quais essa sociedade é arrendatária, nos termos do contrato celebrado a 27 de abril de 1961. Atento o facto de o contrato de arrendamento acima identificado ter sido celebrado antes da entrada em vigor do Dec. Lei 257/95, de 30 de setembro, vimos, nos termos do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, doravante designada por NRAU, com a última redação dada pela Lei 79/2014, de 19 de dezembro, comunicar a V. Exas que pretendemos que o contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU, propondo que o mesmo passe a ser do tipo prazo certo, e com a duração de 5 anos. Para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 50.º, do NRAU informamos que: a) o valor da renda não é alterado porquanto o locado não foi avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI, conforme resulta da caderneta predial urbana que se junta; b) têm V. Exas o prazo de 30 dias, a contar da receção da presente comunicação, para responder (n.º 1 do artigo 51.º do NRAU), podendo na mesma pronunciar-se quanto ao tipo e a duração do contrato propostos ou denunciar o contrato nos termos e para os efeitos do artigo 53.º do NRAU; c) nos termos e para os efeitos do artigo 54.º do NRAU, poderão V. Exas, se for caso disso, invocar na resposta a verificação de uma das seguintes circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º do NRAU: [...]. Caso invoque alguma destas circunstâncias, deverá a Vossa resposta fazer-se acompanhar dos respetivos documentos comprovativos, sob pena de não poder prevalecer-se da referida circunstância. [...]. Mais informamos, nos termos do n.º 7 do artigo 51.º conjugado com o n.º 9 do artigo 31.º, todos do NRAU, que a falta de resposta de V. Exas terá como efeito a aceitação do tipo e duração do contrato ora propostos, ficando assim o contrato submetido ao regime jurídico do NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao termo do prazo de 30 dias para V. Exas responderem. [...]".

6) A carta descrita em 5) foi acompanhada de cópia da caderneta predial urbana do prédio, com a indicação do valor patrimonial do prédio avaliado pela Autoridade Tributária.

7) A ré recebeu a referida carta em 7 de julho de 2016, e respondeu, por carta datada de 4 de agosto, cuja cópia consta a fls. 13v./l 5 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, "[...] Acusamos a receção da vossa carta datada de 05.07.2016, contudo, a comunicação contida na mesma continua, como a anterior, a ser ineficaz. Com efeito, conforme resulta, expressamente, do previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27.02, com a redação que lhe foi dada pelas Leis n.º 31/2012, de 14.08 e n.º 79/2014, de 19.12, na comunicação de transição para o NRAU o senhorio deve indicar o valor do locado avaliado nos termos do artigo 38.º, do CIMI, constante da caderneta predial e remeter cópia da mesma. Conforme referem na carta a que se responde o locado não se encontra avaliado nos termos do art.º 38.º do CIMI, não estando por isso, cumprido este requisito legal, Acresce que a cópia da caderneta enviada respeita, sem qualquer discriminação, à totalidade do prédio em que se integra o locado, pelo que não cumpre o outro requisito legal supra citado. Em suma, decorre claramente da lei que a avaliação discriminada do local e o envio de cópia da caderneta de onde conste discriminadamente a mesma são elementos indispensáveis para que possa ser promovida a transição para o NRAU. Contudo, ainda que assim não se entendesse, vimos, à cautela, invocar, nos termos da alínea a) do n.º 4, als. b) e c) do n.º 5 e n.º 6 do artigo 51.º da Lei 6/2006, de 27.02, com a redação que lhe foi dada pelas Leis n.º 31/2012, de 14.08 e n.º 79/2014, de 19.12, que no arrendado funciona um estabelecimento comercial (restaurante), aberto ao público, que é uma microempresa. Com efeito, este estabelecimento comercial tem um volume de negócios líquido de (euro) 723.563,83, logo, inferior a (euro) 2.000.000,00 e um número médio de empregados durante o exercício de 4 [...]. Nesta conformidade, nos termos do n.º 1 do artigo 54.º da Lei 6/2006, de 27.02, com a redação que lhe foi dada pelas Lei n.os 31/2012, de 14.08 e n.º 79/2014, de 19.2014, de 19.12, na falta de acordo, como é o caso, não poderá ocorrer, desde já a transição para o NRAU. [...]".

8) Com data de 16 de agosto de 2016, a autora enviou à ré, que recebeu, a carta cuja cópia consta a fls. 15v./16 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, "[...] No seguimento da V. carta de 02 de agosto de 2016, informamos que consideramos a comunicação de transição para o NRAU do contrato em referência, enviada a V. Exas, válida e eficaz, uma vez que contém e cumpre todos os requisitos legais exigidos para o fim pretendido. Na V. carta de resposta manifestaram a não aceitação da transição do contrato para o NRAU e alegaram e comprovaram que são uma microempresa, pelo que o contrato só será submetido a NRAU no prazo de 5 anos a contar do dia 05.08.2016 (data da receção da V. carta)".

9) Com data de 31 de agosto de 2016, a ré enviou à autora, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta a fls. 16v. dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, "Acusamos a receção da vossa carta de 16.08.2016, sendo que, na sequência da mesma, vimos reiterar, no íntegra, o teor da nossa carta datada de 04.08.2016, pelo que, desde já, informamos que não aceitamos que o nosso contrato fique submetido ao NRAU no prazo de 5 anos contados de 05.08.2016. [...]".

10) A ré é uma microempresa nos termos do disposto no artigo 54.º do NRAU.

11) A autora é uma sociedade anónima que tem como objeto a exploração/administração do prédio identificado, único prédio de que é proprietária, através do arrendamento dos espaços para fins não habitacionais.

12) Este prédio, com área bruta de construção de 11.223,30 m2, distribuída em dois edifícios com 8 pisos, conforme consta de fls. 7 dos autos.

13) A renda atual paga pela ré é de (euro) 887,94 para a zona da Galeria designada pelas Letras E, F e G, numa área útil total arrendada de cerca de 170 m2, no prédio descrito em 1).

14) Em janeiro de 2016 ocorreu a transmissão das ações da autora pelos anteriores detentores, e, por consequência lógica, foi eleita uma nova administração da sociedade.

III - Admissibilidade do recurso

1 - Prescreve o n.º 1 do artigo 688.º do CPC:

«As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.».

Ao interpretar esta norma vem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça afirmando que a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência exige que se verifique uma contradição entre decisões do Tribunal, o que implica que ocorram cumulativamente os seguintes pressupostos: identidade da questão fundamental de direito resolvida de forma divergente; identidade do regime normativo aplicável; essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas. Procurando densificar tais pressupostos, pronunciou-se, de forma tida como paradigmática, o acórdão de 2 de Outubro de 2014 (proferido no Processo 268/03.0TBVPA.P2.S1-A, disponível em www.dgsi.pt), no sentido de que as soluções alegadamente em conflito:

"- [T]erão de corresponder a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se por isso no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: este requisito implica, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão para os litígios que cumpria solucionar se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica, não integrando contradição o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados;

- devem ter na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo - tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito - sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto;

- é necessário que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma ainda um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto - não relevando os casos em que se traduza em mero obter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica". [negritos nossos]

2 - O despacho liminar de admissão do recurso apreciou a verificação de tais pressupostos nos seguintes termos:

«A) Acórdão recorrido

A questão apreciada e respondida no Acórdão recorrido é, rigorosamente, a de "saber se quando o senhorio pretende apenas a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, a comunicação ao arrendatário deve observar todos os requisitos previstos no artigo 50.º do NRAU".

Respondeu-se a esta questão dizendo que:

"Rejeita-se, portanto, com o devido respeito, o argumento esgrimido no Acórdão recorrido de que 'em nome da segurança jurídica, [se] impõe considerar que a comunicação da transição de um contrato para um novo regime jurídico deve obedecer aos requisitos legalmente e especificamente previstos, sob pena dessa comunicação poder ser menor ou maior unicamente por iniciativa de uma das partes, sem que o legislador tenha previsto tal excepção', que conduziria a recusar, a priori e imediatamente, a hipótese de dispensa de algum/alguns dos requisitos quando a comunicação visa apenas a transição do contrato para o NRAU.

Naturalmente, a conclusão pela admissibilidade desta dispensa depende, naturalmente, da utilidade que eles tenham na situação em causa: só poderá dispensar-se algum dos requisitos se for manifesto que ele é destituído de sentido naquele preciso contexto.

Ora, sendo o único fito a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda, não se vislumbra utilidade para certas indicações mencionadas no artigo 50.º do NRAU. Assim é, desde logo, para a indicação do valor da renda [cf. al. a)] - não faz sentido indicar-se o valor da renda quando ela se mantém inalterada. E o mesmo vale para a indicação do valor do locado constante da caderneta predial urbana [cf. alínea b) e a cópia desta caderneta [cf. al. c), que são, seguramente, elementos relevantes para a fixação do (novo) valor da renda mas não para a transição do contrato para o NRAU".

B) Acórdão fundamento

A questão apreciada e respondida no Acórdão fundamento é, rigorosamente, a de saber "se o senhorio pode, ou não, optar apenas pela transição para o NRAU, não se encontrando obrigado a indicar o valor do locado, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana, e a enviar cópia da caderneta predial urbana, nos termos previstos nas alíneas b) e c) do art. 50.º do NRAU".

A questão foi respondida assim:

"Com o devido respeito por entendimento diverso, como o adoptado no acórdão recorrido, afigura-se-nos que tal não é possível".

Retirando as devidas consequências, mais se esclarece adiante:

"Temos assim como certo que se impunha a comunicação do valor dos locados avaliados nos termos do art.º 38.º e segs. do CIMI, bem como o envio das respectivas cadernetas prediais [...].

A falta dos requisitos materiais da comunicação inicial do senhorio, previstos no citado artigo 50.º tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita".

*

Como não pode deixar de se ver, aquilo que está em causa em ambos os Acórdãos é uma única e mesma questão - a questão da exigibilidade dos (de todos os) requisitos do artigo 50.º do NRAU para a eficácia da comunicação do senhorio ao arrendatário da transição do contrato para o NRAU.

E a verdade é que as respostas encontradas em cada um dos Acórdãos estão numa relação de directa oposição.

Diga-se, aliás, que não falta no Acórdão recorrido nota do reconhecimento expresso do desvio que se opera relativamente à doutrina sustentada no Acórdão fundamento (cf. nota de rodapé 4).

Releia-se, para confirmar a divergência, os dois sumários, patentemente simétricos.

Por um lado, no Acórdão recorrido diz-se:

"1. Quando apenas se pretenda a transição para o NRAU e não também a actualização da renda, não é exigível que a comunicação do senhorio prevista no artigo 50.º do NRAU contenha todas as indicações elencadas nas suas alíneas.

2 - A falta da indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e s. do CIMI, e da cópia da caderneta predial urbana a ele referente não prejudica a eficácia daquela comunicação, operando-se por via dela o único efeito visado, ou seja, a transição do contrato para o NRAU".

Por outro lado, diz-se no Acórdão fundamento:

"I - A comunicação do senhorio, prevista no art. 50.º do NRAU, deve indicar todos os elementos elencados nas suas diversas alíneas, nomeadamente o valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 38.º e ss. do CIMI, e cópia da caderneta predial urbana a ele referente, mesmo que apenas pretenda a transição do contrato de arrendamento para o NRAU sem actualização da renda.

II - A falta dos requisitos materiais da comunicação inicial do senhorio, previstos no citado art. 50.º, tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita".

*

Em síntese, nos dois Acórdãos do Supremo Tribunal aqui em causa foram proferidas, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão essencial de direito, duas decisões que são manifestamente opostas.

Aqui chegados, verifica-se que estão preenchidos todos os requisitos de que depende a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do artigo 688.º, n.os 1 e 2, do CPC e que podem ser sintetizados assim: contradição frontal do acórdão recorrido, transitado em julgado, com outro acórdão deste Supremo Tribunal, transitado em julgado antes, quanto à mesma questão de direito essencial e proferidos ambos no mesmo quadro normativo.

A isto acresce a verificação do respeito pelos requisitos formais associados à interposição dos recursos em geral (cf. artigo 637.º, n. 1, do CPC) e à interposição deste tipo de recursos (cf. artigo 637.º, n.º 2, do CPC) bem como a verificação da inexistência de jurisprudência uniformizada de acordo com a qual o acórdão recorrido pudesse estar de acordo (cf. artigo 688.º, n.º 3, do CPC).

Pelo exposto, admite-se o presente recurso para uniformização de jurisprudência e determina-se, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 692.º do CPC, a remessa do processo à distribuição.».

Subscrevendo-se inteiramente a fundamentação do despacho de admissão, confirma-se ser o recurso admissível.

IV - Objecto do recurso

A questão controvertida a apreciar no presente recurso consiste em saber se a eficácia da comunicação do senhorio ao arrendatário da transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), sem actualização da renda, depende da exigibilidade de todos os requisitos previstos no artigo 50.º do NRAU, particularmente dos requisitos das respectivas alíneas b) e c).

V - Fundamentação

1 - No caso apreciado pelo acórdão recorrido, estamos perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, pelo qual a autora se obrigou a proporcionar à ré o gozo temporário, renovável e remunerado, da zona da Galeria designada pelas Letras E, F e G do prédio sito na Praça..., em...

O contrato foi celebrado em 27 de Abril de 1961, tendo a autora, em 5 de Julho de 2016, enviado à ré, uma carta registada com aviso de recepção, cuja cópia consta a fls. 12/13 dos autos, a qual foi por esta recebida, e da qual consta, além do mais, o seguinte:

«[...] Damos sem efeito a n/carta datada de 16 de maio de 2016, procedendo por este meio a nova comunicação para transição para o NRAU do contrato celebrado com V. Exas dos espaços na Galeria designados pelas letras "E", "F" e "G" do prédio sito na Praça..., em..., dos quais essa sociedade é arrendatária, nos termos do contrato celebrado a 27 de abril de 1961. Atento o facto de o contrato de arrendamento acima identificado ter sido celebrado antes da entrada em vigor do Dec. Lei 257/95, de 30 de setembro, vimos, nos termos do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, doravante designada por NRAU, com a última redação dada pela Lei 79/2014, de 19 de dezembro, comunicar a V. Exas que pretendemos que o contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU, propondo que o mesmo passe a ser do tipo prazo certo, e com a duração de 5 anos. Para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 50.º, do NRAU informamos que: a) o valor da renda não é alterado porquanto o locado não foi avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI, conforme resulta da caderneta predial urbana que se junta; b) têm V. Exas o prazo de 30 dias, a contar da receção da presente comunicação, para responder (n.º 1 do artigo 51.º do NRAU), podendo na mesma pronunciar-se quanto ao tipo e a duração do contrato propostos ou denunciar o contrato nos termos e para os efeitos do artigo 53.º do NRAU; c) nos termos e para os efeitos do artigo 54.º do NRAU, poderão V. Exas, se for caso disso, invocar na resposta a verificação de uma das seguintes circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º do NRAU: (...). Caso invoque alguma destas circunstâncias, deverá a Vossa resposta fazer-se acompanhar dos respetivos documentos comprovativos, sob pena de não poder prevalecer-se da referida circunstância. (...). Mais informamos, nos termos do n.º 7 do artigo 51.º conjugado com o n.º 9 do artigo 31.º, todos do NRAU, que a falta de resposta de V. Exas terá como efeito a aceitação do tipo e duração do contrato ora propostos, ficando assim o contrato submetido ao regime jurídico do NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao termo do prazo de 30 dias para V. Exas responderem. [...]».

Esta missiva foi acompanhada de cópia da caderneta predial urbana do prédio, com a indicação do valor patrimonial do prédio avaliado pela Autoridade Tributária (factos provados 5. e 6.).

Na sequência de tal comunicação, a ré enviou à autora a carta de fls. 13v. a 15, na qual, além do mais, afirmou o seguinte:

«[...] Acusamos a receção da vossa carta datada de 05.07.2016, contudo, a comunicação contida na mesma continua, como a anterior, a ser ineficaz. Com efeito, conforme resulta, expressamente, do previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27.02, com a redação que lhe foi dada pelas Leis n.º 31/2012, de 14.08 e n.º 79/2014, de 19.12, na comunicação de transição para o NRAU o senhorio deve indicar o valor do locado avaliado nos termos do artigo 38.º, do CIMI, constante da caderneta predial e remeter cópia da mesma. Conforme referem na carta a que se responde o locado não se encontra avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI, não estando por isso, cumprido este requisito legal. Acresce que a cópia da caderneta enviada respeita, sem qualquer discriminação, à totalidade do prédio em que se integra o locado, pelo que não cumpre o outro requisito legal supra citado. Em suma, decorre claramente da lei que a avaliação discriminada do local e o envio de cópia da caderneta de onde conste discriminadamente a mesma são elementos indispensáveis para que possa ser promovida a transição para o NRAU. Contudo, ainda que assim não se entendesse, vimos, à cautela, invocar, nos termos da alínea a) do n.º 4, als. b) e c) do n.º 5 e n.º 6 do artigo 51.º da Lei 6/2006, de 27.02, com a redação que lhe foi dada pelas Leis n.º 31/2012, de 14.08 e n.º 79/2014, de 19.12, que no arrendado funciona um estabelecimento comercial (restaurante), aberto ao público, que é uma microempresa. Com efeito, este estabelecimento comercial tem um volume de negócios líquido de (euro) 723.563,83, logo, inferior a (euro) 2.000.000,00 e um número médio de empregados durante o exercício de 4 (...). Nesta conformidade, nos termos do n.º 1 do artigo 54.º da Lei 6/2006, de 27.02, com a redação que lhe foi dada pelas Lei n.os 31/2012, de 14.08 e n.º 79/2014, de 19.2014, de 19.12, na falta de acordo, como é o caso, não poderá ocorrer, desde já a transição para o NRAU. [...]».

O diferendo entre as partes foi resolvido pelo acórdão recorrido no sentido de que «sendo o único fito a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda, não se vislumbra utilidade para certas indicações mencionadas no artigo 50.º do NRAU. Assim é, desde logo, para a indicação do valor da renda [cf. al. a)] - não faz sentido indicar-se o valor da renda quando ela se mantém inalterada. E o mesmo vale para a indicação do valor do locado constante da caderneta predial urbana [cf. alínea b) e a cópia desta caderneta [cf. al. c), que são, seguramente, elementos relevantes para a fixação do (novo) valor da renda mas não para a transição do contrato para o NRAU.».

Contra esta orientação, insurge-se a ré, ora recorrente, invocando essencialmente que, da análise dos fundamentos do acórdão recorrido, resulta que o único argumento utilizado na interpretação do artigo 50.º do NRAU foi um argumento de utilidade, ao passo que, atendendo ao raciocínio lógico-jurídico do acórdão-fundamento, se verifica nele se entendeu que a transição do contrato de arrendamento para o NRAU pressupõe sempre a actualização da renda, ou que, mesmo que se entendesse que o locador poderia promover autonomamente a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sempre teria de juntar à sua comunicação todos os elementos previstos no artigo 50.º do NRAU, na redacção da Lei 79/2014, de 19 de Dezembro, vigente à data dos factos relevantes nos casos apreciados pelos acórdão em confronto.

Quid iuris?

2 - De forma a corrigir a situação de desactualização das rendas dos contratos não habitacionais celebrados antes da vigência do Decreto-Lei 257/95 de 30 de Setembro, a Lei 31/2012, de 14 de Agosto (mantida na versão da Lei 79/2014, de 19 de Dezembro, aplicável in casu) veio permitir a transição para o NRAU de tais contratos e a actualização das respectivas rendas por iniciativa do senhorio, o que foi consagrado no artigo 50.º e seguintes do NRAU, em termos semelhantes ao regime do artigo 30.º do mesmo diploma respeitante aos contratos de arrendamento habitacional.

Para os contratos sem duração limitada - anteriores ao Regime do Arrendamento Urbano (RAU) e ao regime do Decreto-Lei 257/95 - valem as regras transitórias dos artigos 27.º a 29.º do NRAU, maxime a regra do artigo 28.º, na parte em que este preceito determina a aplicação do regime previsto no artigo 26.º; o eixo nuclear da reforma de 2012 consiste na possibilidade de tais contratos, inicialmente vinculísticos, poderem passar a um regime aberto, não vinculístico, decorridos certos prazos e com sujeição a uma actualização extraordinária da retribuição mensal, diversa da actualização ordinária prevista nos artigos 1077.º do Código Civil e 24.º do NRAU, estando essa mudança dependente da iniciativa do senhorio e do respeito por determinados requisitos formais.

Assim, dispõe o artigo 50.º do NRAU:

«A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;

b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;

c) Cópia da caderneta predial urbana;

d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;

e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;

f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo artigo;

g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.».

Nos termos do previsto no artigo 51.º, n.º 1, do NRAU, o arrendatário tem a faculdade de responder à proposta do senhorio, no prazo de trinta dias, cominando a lei, na ausência de resposta, a aceitação das condições propostas pelo senhorio aquando da sua comunicação, e prevendo, nos n.os 3 e 4 do mesmo artigo 51.º, as respostas possíveis do arrendatário:

«3 - O arrendatário na sua resposta, pode:

a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;

b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 52.º;

c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio;

d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 53.º

4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 54.º, invocar uma das seguintes circunstâncias:

a) Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa;

b) Que no locado funciona uma pessoa coletiva de direito privado sem fins lucrativos, regularmente constituída, que se dedica à atividade cultural, recreativa, de solidariedade social ou desportiva não profissional, e declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal, ou uma pessoa coletiva de direito privado que prossiga uma atividade declarada de interesse nacional;

c) Que o locado funciona como casa fruída por república de estudantes, nos termos previstos na Lei 2/82, de 15 de janeiro, alterada pela Lei 12/85, de 20 de junho.

d) Que existe no locado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respetivo regime jurídico.».

3 - No que importa para a resolução da questão controvertida objecto do presente recurso, verifica-se que, tanto no caso apreciado pelo acórdão recorrido como no caso apreciado pelo acórdão-fundamento, o senhorio enviou ao arrendatário a comunicação de transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, prevista no supra transcrito artigo 50.º do NRAU, acompanhada de cópia da caderneta predial urbana do prédio não constituído em propriedade horizontal onde se situa o locado, com a indicação do valor patrimonial do mesmo prédio (mas não do locado) avaliado pela Autoridade Tributária. Em ambos os casos, a comunicação do senhorio não visava a actualização da renda e não era acompanhada dos elementos previstos nas alíneas b) e c) do mesmo artigo 50.º

Como analisado a respeito da apreciação da questão da admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência, em tais circunstâncias factuais, decidiu-se no acórdão recorrido que a comunicação do senhorio era apta a produzir o efeito da transição do contrato de arrendamento para o NRAU, enquanto no acórdão-fundamento se decidiu em sentido oposto.

4 - Na interpretação do sentido e alcance do proémio do artigo 50.º do NRAU («A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando: [...].»), acompanha-se essencialmente a posição assumida na fundamentação do acórdão recorrido:

«Como decorre do seu proémio, a norma regula em conjunto dois aspectos dos contratos de arrendamento não habitacional celebrados antes do Decreto-Lei 257/95, de 30.09: a transição para o NRAU e a actualização da renda.

A opção pela criação de um regime comum para estas duas situações denota a convicção, por parte do legislador, de que é frequente elas se verificarem em simultâneo - de que, frequentemente, o senhorio tem a intenção de, através daquela comunicação, realizar ao mesmo tempo a transição do contrato para o NRAU e a actualização do valor da renda - o que é incontestável. E é verdade que a lei é concebida, de facto, para regular os casos mais frequentes (quod raro evenit, prætereunt Legislatores).

Não obstante, é preciso não perder de vista que se trata de duas situações distintas e independentes e que uma das situações pode ocorrer sem a outra, como comprova o caso dos autos, em que o senhorio apenas pretende a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda [2: Que isto é admissível comprova-o, de certa forma, a própria lei, ao prever, a propósito da resposta do arrendatário àquela comunicação do senhorio, numa norma autónoma, que aquele venha a "pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio" [cf. artigo 51.º, n.º 3, al. c), do NRAU].

Põe-se, assim, o problema de saber se se justifica aplicar sempre todo o regime disposto na norma ou se, verificando-se apenas uma das situações, é possível dispensar-se algum/alguns dos requisitos exigidos na norma.

Equaciona-se esta hipótese contrariando aquilo que literalmente resulta da lei em homenagem ao princípio da prevalência da materialidade sobre a forma. Há, com efeito, que pôr a hipótese de a criação deste regime único ser imputável a meras razões de conveniência ou comodidade e, na realidade, não se pretender uma aplicação inflexível, cega ou excessivamente rigorosa da norma (i.e., independentemente da situação em concreto).

Em apoio desta posição, seria possível convocar argumentos de ordem e valor diversos. A autora/recorrente invoca, por exemplo, o disposto no artigo 9.º do CC. Entende-se que, além do mais, é oportuno recordar as palavras de Manuel de Andrade: "No entendimento e aplicação do Direito, portanto, deve obedecer-se leal e honradamente à vontade legal (hoc sensu). Não se deve tomar em face dela uma posição de indiferença ou de antipatia. Vai nisso um interesse público, que poderá ser sobrelevado por outros, mas sempre digno de consideração. Não se trata aqui, porém, de uma obediência cega, mecânica, servil, senão antes de uma obediência esclarecida, racional, colaborante. De uma obediência atida ao pensamento fundamental da autoridade legislativa, mais do que aos termos exactos da sua formulação textual; ao escopo que a moveu e inspirou, mais do que aos instrumentos com que pretendeu dar-lhes realização; sua análise e valoração dos interesses conflituantes, mais do que ordenação que em consequência ditou. Este tipo de obediência é o que vem a ponto também noutros domínios da vida. Assim, nas relações entre patrão ou empregado. Assim na própria disciplina castrense, bem conhecida pelo seu rigorismo. Assim, dum modo geral, nas relações entre superior e subalterno. Quem está adicto às determinações de outrem deve, segundo uma velha formulação, olhar menos à letra que mata do que ao espírito que vivifica; menos ao conteúdo da determinação que aos interesses pessoais ou funcionais do seu autor - interesses específicos do caso ou mesmo só, em último termo, interesses genéricos" [3: Cfr. Manuel Augusto Domingues de Andrade, "Sentido e valor da jurisprudência (Oração de sapiência lida em 30 de Outubro de 1953", in: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1972, n.º 48, pp. 253 e s. (pp. 265-266)].

Rejeita-se, portanto, com o devido respeito, o argumento esgrimido no Acórdão recorrido de que "em nome da segurança jurídica, se impõe considerar que a comunicação da transição de um contrato para um novo regime jurídico deve obedecer aos requisitos legalmente e especificamente previstos, sob pena dessa comunicação poder ser menor ou maior unicamente por iniciativa de uma das partes, sem que o legislador tenha previsto tal excepção", que conduziria a recusar, a priori e imediatamente, a hipótese de dispensa de algum/alguns dos requisitos quando a comunicação visa apenas a transição do contrato para o NRAU.

Naturalmente, a conclusão pela admissibilidade desta dispensa depende, naturalmente, da utilidade que eles tenham na situação em causa: só poderá dispensar-se algum dos requisitos se for manifesto que ele é destituído de sentido naquele preciso contexto.

Ora, sendo o único fito a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda, não se vislumbra utilidade para certas indicações mencionadas no artigo 50.º do NRAU. Assim é, desde logo, para a indicação do valor da renda [cf. al. a)] - não faz sentido indicar-se o valor da renda quando ela se mantém inalterada. E o mesmo vale para a indicação do valor do locado constante da caderneta predial urbana [cf. al. b)] e a cópia desta caderneta [cf. al. c)], que são, seguramente, elementos relevantes para a fixação do (novo) valor da renda mas não para a transição do contrato para o NRAU.

Dizer como disse o Tribunal recorrido que "o valor do locado, para efeitos de tributação, tem inúmeros reflexos em toda a economia da transição do contrato para o NRAU" e ilustrar com os seguintes exemplos: "o arrendatário pode aceitar ou opor-se ao valor da renda; o mesmo arrendatário pode propor um novo valor para a renda (art.º 51.º n.º 3 NRAU); permite-se a denúncia do contrato, no prazo de dois meses, pelo arrendatário (artos 53.º e 34.º NRAU); é permitida a denúncia do contrato pelo senhorio, com base, entre outros, nos valores das rendas propostas por senhorio e arrendatário (artos 52.º e 33.º n.º 5 alínea a) NRAU); permite-se que a renda seja "actualizada", isto é "aumentada", de acordo com os critérios do artigo 35.ºº n.º 2 als. a) e b), considerando-se o contrato celebrado pelo prazo certo de 5 anos - art.º 33.º n.º 5 al. b) - ex vi art.º 54.º n.os 1 e 2 NRAU; - só depois do decurso desse prazo o contrato se considera transitado para o NRAU, resultando a renda da aplicação do critério legal supletivo - art.º 54.º n.º 6" apenas demonstra que o valor fiscal do locado tem utilidade para o efeito exclusivo de actualização do valor da renda. Ora, como se disse repetidamente, não era isso o que era pretendido pela senhoria através daquela comunicação.

De tudo isto resulta que, ainda que não cumpra as exigências definidas no artigo 50.º, als. b) e c), do NRAU, a comunicação apresentada pela senhoria e ora recorrente com vista à transição do contrato para o NRAU é plenamente eficaz para este efeito junto da arrendatária e ora recorrida.».

Com efeito, entende-se que o artigo 50.º do NRAU foi pensado para o caso típico de transição para o NRAU com actualização da renda, mas é configurável o caso atípico de transição para o NRAU sem actualização da renda.

Afigura-se ser este o sentido previsto pela norma legal quando, no proémio do artigo 50.º do NRAU, distingue entre "transição para o NRAU" e "actualização da renda", e quando, no artigo 51.º, n.º 3, do NRAU, diferencia a resposta do arrendatário quanto ao "valor da renda" (alíneas a), b)) e a sua resposta quanto ao "tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio" (alínea c)).

É também o sentido defendido por Januário da Costa Gomes («Ainda sobre a desvinculação unilateral ad nutum no arrendamento face à reforma de 2012», in Temas de Direito de Arrendamento - Cadernos O Direito, 2013, n.º 7, pág. 85 (e nota 4)).

Na verdade, a solução concebida para o caso típico não vale necessariamente para o caso atípico, podendo e devendo ser adaptada em conformidade com a teleologia da norma.

Perante um caso atípico, o intérprete tem o poder e o dever de indagar sobre a teleologia da norma, podendo e devendo proceder, quando a mesma o justifique, a uma interpretação restritiva que permite resolver o problema do alcance excessivo da norma quando interpretada literalmente, atendendo a que a norma se estende a casos que, segundo a mens legislatoris, não deviam ser abrangidos. Através da interpretação restritiva dá-se a exclusão destes casos indevidamente abrangidos.

Ora, no caso de transição para o NRAU sem a actualização da renda, as exigências de indicação do valor do locado e da cópia da caderneta predial urbana não se justificam. Estando em causa, exclusivamente, a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda, não se existe justificação material para a indicação do valor do locado e a junção da cópia da caderneta predial urbana.

Quer dizer, estas exigências estão funcionalizadas à actualização da renda. Para além dessa função, não se destinam a proteger qualquer interesse, privado ou público, pelo que podem e devem ser dispensadas no caso atípico em que a transição para o NRAU não é acompanhada da actualização da renda.

5 - Em consequência, considera-se ser de uniformizar a jurisprudência no sentido de que, nos arrendamentos para fins não habitacionais, celebrados antes do Decreto-Lei 257/95, de 30 de Setembro, o locador que pretenda promover a transição do contrato para o NRAU, sem actualização da renda, não está obrigado à indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, nem à junção da cópia da caderneta predial urbana, como previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção da Lei 79/2014, de 19 de Dezembro.

6 - Mantém-se o acórdão recorrido, uma vez que nele se resolveu a questão controvertida no sentido que ora se adopta em sede de decisão uniformizadora.

VI - Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

«Nos arrendamentos para fins não habitacionais, celebrados antes do Decreto-Lei 257/95, de 30 de Setembro, o locador que pretenda promover a transição do contrato para o NRAU, sem actualização da renda, não está obrigado à indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, nem à junção da cópia da caderneta predial urbana, como previsto nas alíneas b) e c) do artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção da Lei 79/2014, de 19 de Dezembro»;

b) Julgar improcedente o recurso, mantendo-se o acórdão recorrido;

c) Condenar a recorrente nas custas do recurso.

Lisboa, 15 de junho de 2023. - Maria da Graça Trigo (relatora) - Maria Rosa Oliveira Tching - Fátima Gomes - Maria Olinda Garcia - Catarina Serra, declaro que votei favoravelmente o projeto - Oliveira Abreu - Maria João Vaz Tomé (com declaração) - Rijo Ferreira - José Maria Ferreira Lopes - João Cura Mariano - Tibério Nunes da Silva - Fernando Baptista de Oliveira - Nuno Ataíde das Neves - António José Ferraz de Freitas Neto - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Pedro de Lima Gonçalves (vencido nos termos da declaração de voto da Exmª senhora Conselheira Ana Paula Boularot) - Graça Amaral (vencida nos termos da declaração de voto da Exmª Srª Conselheira Ana Paula Boularot) - António Moura de Magalhães (vencido, com declaração) - Ricardo Alberto Santos Costa - votei vencido subscrevendo as declarações de voto dos Senhoras Conselheiras Ana Paula Boularot e Maria Clara Sottomayor e os pontos II a V da Declaração de voto do Senhor Conselheiro Luís Espírito Santo - Fernando Jorge Dias (vencido subscrevendo o voto do Exmº Conselheiro Luís Espírito Santo) - Manuel Capelo - António Barateiro Martins (vencido, conforme declaração junta) - José Manuel Cabrita Vieira e Cunha (vencido, conforme declaração junta) - Luís Espírito Santo (vencido, conforme declaração junta) - Maria Clara Sottomayor - vencida de acordo com declaração de voto que junto - José Rainho (vencido nos termos, que subscrevo, da declaração de voto dos Exmºs Conselheiros António Barateiro Martins e Luís Espírito Santo) - Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração de voto que junto).

Processo 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A

Declaração

Após acrescida reflexão, alterei a posição que acolhi, como juíza adjunta, no Acórdão proferido a 21 de outubro de 2020, no âmbito do processo 10390/18.3T8LSB.L1.S1, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Fernando Samões.

Maria João Vaz Tomé

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Processo 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A

Recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência

VOTO DE VENCIDO

Continuo a ter o entendimento que expressei quando subscrevi, como adjunto, o acórdão fundamento. Adiro, assim, aos argumentos que ali foram expressos e ainda aos que constam das declarações de voto da Sr.ª Conselheira Ana Paula Boularot e do Sr. Conselheiro António Barateiro Martins.

António Moura de Magalhães

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Processo 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A

Voto vencido

A atualização da renda referida no art. 30 do NRAU, quando seja pedida pelo locador, não está condicionada pelo valor do imóvel (exceto no caso do art. 35) sendo de fixação livre, assim, a avaliação pretendida pelo legislador no art. 15 n.º 4 do CIMI e a referência que associa aos prédios urbanos arrendados, definem um interesse relevante para se exigir que em caso de transição para o NRAU, ainda que sem atualização de rendas, o locador comunique ao locatário a avaliação, se nessa data já tiver sido realizada.

Não sendo um elemento integrador do contrato de arrendamento, em termos de objeto do negócio, o legislador configura a avaliação como um elemento identificador do arrendado que associa à transição para o NRAU quando esta tenha sido realizada nos termos do art. 38 do CIMI. Não é a tutela do interesse do locatário em saber o valor do imóvel o determinante para a exigência de comunicação, mas na forma como relaciona o CIMI e o NRAU, é a vontade legislativa que explica e justifica esse dever de comunicação.

Se o legislador quis que a partir de 2003 se procedesse a uma avaliação geral dos prédios urbanos e se deixou especiais referências aos que estejam arrendados, considero estarem inscritas nessas referências razões de sistema que justificam que o locador no momento da transição comunique ao locatário a avaliação se esta já tiver sido realizada pois, não o tendo sido, a comunicação referente à avaliação não terá obviamente de ser comunicada. Essa comunicação, mesmo sem relevância para o valor da renda cuja atualização não é pedida, inscreve-se num imperativo de transparência, completude de informação e boa-fé o qual, sendo indiferente à fixação da renda, é relevante para o conhecimento que o locatário, no caso de transição de regime para o NRAU, passa a ter dos elementos descritivos do imóvel arrendado, em concreto do valor real e atual do mesmo.

Por isso mesmo não acompanho a decisão proferida nem o segmento uniformizador, embora no caso concreto entenda ser de confirmar o acórdão recorrido uma vez que está demonstrado que o locador comunicou ao locatário que o concreto local arrendado não tinha sido objeto de avaliação nos termos do art. 38 do CIMI.

Lisboa, 15 de Junho de 2023

Manuel Capelo

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Declaração de Voto

Votei vencido pelas seguintes razões:

Entendo que o legislador no art. 30.º e ss. do NRAU, a propósito do arrendamento para habitação, e no art. 50.º e ss. do NRAU, a propósito do arrendamento para fim não habitacional, previu uma única situação que designou como "transição para o NRAU e atualização da renda", não havendo assim lugar a que o senhorio se limite a pedir apenas "a transição para o NRAU".

Como resulta do art. 26.º do NRAU, aplicável, por força do art. 28.º do NRAU, os contratos não habitacionais celebrados antes do DL 257/95 (como é o caso do dos autos) passaram a ficar submetidos ao NRAU e, sendo tais contratos sem duração limitada, a reger-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, porém, como decorre do art. 28.º/2 do NRAU, não se lhes aplica "o disposto na alínea c) do art. 1101.º do C. Civil", ou seja, em 2012, o legislador disse, em relação aos contratos não habitacionais sem duração limitada celebrados antes do DL 257/95, que o senhorio continua a não poder desvincular-se, livremente e sem qualquer fundamento, do contrato (através da denúncia ad nutum prevista em tal alínea c) do art. 1101.º do C. Civil, segundo a qual, nos contratos de duração indeterminada, o senhorio pode denunciar o contrato "mediante comunicação com antecedência não inferior a 5 anos sobre a data em que pretenda a cessação").

Sendo assim, não faz sentido, com todo o respeito, que o mesmo legislador, ao mesmo tempo, em 2012, tenha vindo admitir que, para passar a ser aplicável o art. 1101.º/c) do C. Civil, baste ao senhorio comunicar ao arrendatário que quer "a transição para o NRAU".

E é a isto que conduz a tese que fez vencimento, segundo a qual, no limite, nos termos do art. 50.º do NRAU, o senhorio pode não pretender introduzir qualquer modificação ao contrato de arrendamento (mantendo-se a mesma renda e a aplicação das atuais regras dos contratos de duração indeterminada, a que o contrato logo ficou sujeito, em 2006, pelo regime transitório dos referidos arts. 26.º a 28.º do NRAU) e limitar-se a pedir, na sua comunicação, que o contrato passe a estar integralmente sujeito ao NRAU.

Ou seja, repete-se, segundo a tese que fez vencimento, o legislador de 2012 terá dito, ao mesmo tempo, que não se aplicava a tais contratos o art. 1101.º/c) do CC, mas que, para tal preceito ser aplicável, bastaria o senhorio comunicar ao arrendatário a transição integral para o NRAU.

Não nos parece, com todo o respeito, que deva ser imputado tal "contra-senso" ao legislador de 2012.

As alterações introduzidas, em 2012 (Lei 31/2012, de 14-08), aos art. 30.º e ss. e 50.º e ss. do NRAU vêm na sequência do que sobre o tema se dispunha no diploma de 2006 (Lei 6/2006, de 27-02), em que o fecho/conclusão dos procedimentos de atualização de rendas não levava associada, em caso algum, a "transição integral para o NRAU".

Foi isto - "transição integral para o NRAU" - que o diploma de 2012 trouxe de novo, associando a imediata transição para o NRAU ao fecho/conclusão dos procedimentos de atualização da renda, quer nas hipóteses (para além dos casos de "acordo entre as partes" e com a exceção da hipótese do art. 36.º) previstas atualmente nos arts. 31.º/9 e 10 e 33.º/4 (aplicáveis ao nosso caso ex vi art. 51.º/7 e 52.º), quer permitindo que o senhorio, no seguimento do procedimento inicial, venha a promover mais tarde tal transição nas hipóteses a que se referem o art. 35.º/1 e 6 e 54.º/1 e 6, em que (o legislador de 2012) não concede, num primeiro momento, a "imediata" transição integral para o NRAU.

Isto para dizer que, a meu ver, a expressão "transição para o NRAU" - para além de colocada para dar ênfase à inovação introduzida em 2012 - tem a ver e ocorre em tais situações expressamente previstas na lei (estando a expressão "transição para o NRAU" ligada às várias hipóteses previstas nos preceitos citados, em que tal transição pode ter lugar) e não tendo a ver com uma situação, não prevista, de o senhorio, logo, ab initio, só querer/pedir a "transição para o NRAU".

Aliás, se o legislador de 2012 tivesse pensado e querido prever a hipótese da mera transição (integral) do contrato para o NRAU, ter-lhe-ia sido fácil estabelecer, num preceito autónomo, de forma clara, os exatos termos de tal "mera transição", em vez de deixar tal possibilidade "oculta" num articulado procedimental em que não há uma única norma ou alínea de que se possa afirmar que diz respeito ou que foi pensada para a mera transição (integral) do contrato para o NRAU.

E o legislador de 2012 não deixou sequer de antever a possibilidade de ocorrerem situações em que a renda apurada, segundo os critérios previstos nas alíneas a) e b) do art. 35.º do NRAU, se fixe em montante inferior à já "em vigor", estabelecendo ser esta a aplicável no arrendamento para fim não habitacional (cf. art. 54.º/3 do NRAU) e omitindo tal solução nos preceitos respeitantes ao arrendamento para habitação (art. 30.º e ss do NRAU), permitindo que se diga que, no pensamento do legislador de 2012, a renda que resultar do regime por ele estabelecido (nos arts. 30.º e ss e 50.º e ss. do NRAU) acompanha e faz parte da transição para o NRAU (daí que se tenha sentido na necessidade de estabelecer uma norma como a do art. 54.º/3 do NRAU).

Entendo também por isto que a não previsão da mera transição do contrato para o NRAU não configura uma lacuna e que o senhorio, para obter a transição para o NRAU, tem que pedir a atualização da renda (motivo por que a sua comunicação tem que cumprir todas as indicações constantes do art. 50.º do NRAU, que é, no fundo e em termos úteis, o que aqui está em causa, em relação às alíneas a), b) e c) de tal art. 50.º), podendo haver casos em que o senhorio, preliminarmente, só conseguirá a atualização da renda e podendo até haver casos em que o senhorio, preliminarmente, nem isso conseguirá.

Por conseguinte, revogaria o Acórdão recorrido, repristinando o decidido no Acórdão da Relação e consideraria que a súmula jurisprudencial devia ser a seguinte: "No domínio dos arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL 257/95, de 30 de Setembro, a comunicação do senhorio ao inquilino com vista à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, mesmo que o mesmo não pretenda qualquer atualização da renda, deve ser sempre acompanhada dos elementos aludidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 50.º do NRAU, sob pena da sua ineficácia."

L, 15/06/2023.

António Barateiro Martins

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AUJ n.º 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A

Voto de vencido.

I - Acompanho o voto de vencido do Exmº. Sr. Conselheiro António Barateiro Martins, no qual me louvo, acrescentando ainda o seguinte:

II - O objecto deste AUJ prende-se com a aplicação de uma norma meramente procedimental respeitante ao dever de apresentação de um determinado documento (representativo do valor do locado em função de avaliação pelas autoridades competentes) como condição de eficácia da comunicação a realizar pelo senhorio ao inquilino, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, alíneas b) e c), do NRAU, introduzido pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto.

III - Tal disposição exige expressamente ao senhorio (que toma a iniciativa de promover "a transição para o NRAU e a actualização da renda") que proceda à comunicação do valor do locado, avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta urbana, como natural, segura e logicamente entenderá o arrendatário destinatário dessa comunicação perante uma determinação legal de teor tão claro, inequívoco e linear, confiando, assim e legitimamente, na respectiva ineficácia sem a junção desse indispensável elemento documental.

IV - Acresce que na situação sub judice o senhorio não afirmou sequer que a sua vontade era a de renunciar a qualquer aumento de renda; o que disse é que não o faria "porquanto o locado não foi avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI", o que significa que ele próprio se conformou, resignando-se, com o obstáculo consistente na falta avaliação (que não demonstrou ser intransponível), dispensando-se de a procurar obter, sendo certo que estava consciente de que o preceito impõe o cumprimento da obrigação em apreço no contexto próprio e específico do procedimento que concretamente promoveu (sem o que não teria dito o que disse).

V - Sem quebra do muito respeito devido pela posição maioritária deste Pleno do STJ, entende-se que a solução que fez vencimento não observa a letra, a história e o espírito da lei, conjecturando a desnecessidade prática do procedimento e descortinando uma lacuna (por via da qualificação de atipicidade que atribui à situação sub judice) em relação ao que foi formal e expressamente previsto e vertido em texto legal, não se vislumbrando qual norma ou princípio geral donde resulte que o cumprimento da obrigação procedimental tão claramente imposta no preceito, contra todas as naturais expectativas dos seus intérpretes e/ou destinatários, não é afinal para levar a sério.

Luís Espírito Santo.

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Processo 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A

Recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência

Declaração de voto

Voto vencida, pelos argumentos já por mim aduzidos durante o debate e votação que teve lugar no Pleno, e que agora sintetizo.

- As normas jurídicas podem ser objeto de interpretação restritiva quando, por lapso do legislador, a letra da norma vai além da sua ratio, ou seja, nos casos em que a letra da lei diz mais do que aquilo que o legislador queria dizer, abrangendo hipóteses ou situações que o legislador não teria pretendido abranger.

- Mas o intérprete não está autorizado a recorrer à interpretação restritiva com base em argumentos de prevalência da materialidade das situações sobre a forma ou de utilidade prática, como se decidiu no Acórdão que fez vencimento.

- A interpretação restritiva, porque limita o alcance ou o resultado interpretativo de uma norma elaborada pelo legislador democrático, obedece, para ser válida, a determinados cânones sistemáticos destinados a preservar a unidade e a coerência do sistema, sem a verificação dos quais não pode ter lugar, o que a meu ver sucede no caso sub judice.

Vejamos:

A norma interpretanda tem o seguinte conteúdo:

Artigo 50.º do NRAU (Lei 79/2014, de 19 de dezembro):

«A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;

b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;

c) Cópia da caderneta predial urbana;

d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;

e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;

f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo artigo;

g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.».

A questão que integra o objeto do recurso para uniformização de jurisprudência foi a de saber se a eficácia da comunicação do senhorio ao arrendatário da transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), sem que tivesse sido pedida a atualização da renda, depende da exigibilidade de todos os requisitos previstos no artigo 50.º do NRAU, na redação da Lei 79/2014, de 19 de dezembro.

O Acórdão Uniformizador que fez vencimento entendeu que nesta hipótese - de o senhorio pretender apenas a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, mas não a atualização da renda - não seria necessário como condição de eficácia da comunicação, a indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana (artigo 50.º, al. b)) e da cópia da caderneta predial urbana (artigo 50.º, al. c)).

É desta tese que me distancio.

A norma não distingue o pedido de transição para o NRAU do pedido de atualização da renda e trata os dois pedidos conjuntamente, enumerando os requisitos formais da eficácia da comunicação do senhorio ao arrendatário, sem estabelecer qualquer exceção.

Este preceito tem, pois, um conteúdo inequívoco e preciso, refletindo a vontade do legislador fixar um ponto de equilíbrio na proteção dos interesses opostos do senhorio e do arrendatário, num quadro legislativo que tem um lastro histórico (remeto neste aspeto para as declarações de voto dos Juízes Conselheiros Ana Paula Boularot e Barateiro Martins), em que a evolução para um novo regime jurídico, que funcione de acordo com as regras do mercado, tem sido gradual e regulada de forma pormenorizada, para não deixar desprotegidos, de forma abrupta, os arrendatários.

É precisamente esta intenção do legislador, expressa na tipificação formal dos requisitos de eficácia da comunicação do senhorio, tal como previstos na letra da lei, que por ter lastro histórico e sistemático, não pode ser afastada ou frustrada com base numa alegada prevalência da materialidade da situação.

A rigidez da resposta legislativa pode sempre ser atenuada, caso a caso, pela cláusula geral do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil).

O que julgo não ser adequado aos cânones hermenêuticos de interpretação da lei é o recurso a uma interpretação restritiva ou à integração de uma pretensa lacuna, destinada a criar uma norma nova contra legem (frise-se, não só contra a letra, mas também contra o espírito da lei), para valer para todos os casos (note-se que nem sequer se restringiu o segmento uniformizador aos casos em que o prédio não estivesse constituído em propriedade horizontal), introduzindo uma alteração ao equilíbrio de interesses entre o senhorio e o arrendatário, tal como este foi pretendido pelo legislador e consagrado na norma, que expressamente exige os requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 50.º do NRAU, sem qualquer distinção entre os casos em que o senhorio pede a atualização da renda daqueles em que não a pede. E, onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir. Ademais, numa matéria com tanto impacto social e económico, tem de se presumir que o legislador, que com tanto pormenor regulou o regime jurídico do contrato de arrendamento ao longo do tempo, é conhecedor da realidade em causa no presente processo e fixou o regime jurídico que considerou mais acertado, sabendo também exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Subscreveria, portanto, o seguinte segmento uniformizador:

No domínio dos arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL 257/95, de 30 de setembro, a comunicação do senhorio ao inquilino com vista à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, mesmo que não haja lugar a qualquer atualização da renda, deve ser sempre acompanhada dos elementos referidos nas alíneas b) e c) do artigo 50.º do NRAU, sob pena da sua ineficácia.

Maria Clara Sottomayor

***

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencida, teria revogado o Acórdão recorrido e uniformizado a jurisprudência em sentido diametralmente oposto, nos termos que infra irei expor e que correspondem à fundamentação da tese que soçobrou, da qual era Relatora.

Por forma a corrigir a grande desactualização das rendas permitidas pelos contratos não habitacionais celebrados antes da vigência do DL 257/95 de 30 de Setembro, a Lei 31/2012 de 14 de Agosto (mantida na versão de 2014, Lei 79/2014, de 19 de Dezembro, aplicável in casu) veio a permitir agora a transição para o NRAU dos contratos assim havidos e actualização das respectivas rendas por iniciativa do senhorio, à semelhança do arrendamento habitacional, o que veio a ser consagrado no artigo 50.º e seguintes do NRAU, cujo regime é semelhante àqueloutro, prevenido no artigo 30.º do mesmo diploma.

Para os contratos sem duração limitada, mais antigos, portanto, - pré-RAU e pré DL 257/95 - regem as regras transitórias expressas nos artigos 27.º a 29.º do NRAU, maxime a do artigo 28.º, na parte em que este ínsito remete para a aplicação do regime aludido no artigo 26.º: a ideia chave da reforma de 2012, consistiu na possibilidade de aqueles contratos, inicialmente vinculísticos, poderem passar a um regime aberto, não vinculístico portanto, decorridos certos prazos e sujeitos a uma actualização extraordinária da retribuição mensal, esta diversa da actualização ordinária prevenida nos artigos 1077.º do CCivil e 24.º do NRAU, estando tal mudança sempre dependente da iniciativa do senhorio e sujeita a determinados requisitos formais, como já se deixou enunciado.

Assim.

Dispõe o artigo 50.º do NRAU o seguinte:

«A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;

b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;

c) Cópia da caderneta predial urbana;

d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;

e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;

f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo artigo;

g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.».

Como deflui dos autos, a Recorrida enviou à Recorrente a carta aludida no ponto 5. da factualidade assente, onde lhe manifestou a pretensão de fazer transitaro contrato de arrendamento em vigor entre ambas para o NRAU, porquanto se tratava, como se trata, de um contrato havido antes da entrada em vigor do DL 257/95, de 27 de Fevereiro, passando o mesmo a ter prazo certo de cinco anos, tendo esclarecido nessa mesma missiva que não pretendia com a modificação encetada alterar a renda porque o imóvel não tinha sido avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI.

Nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 1 do NRAU, o arrendatário tem a faculdade de responder à proposta do senhorio, no prazo de trinta dias cominando a Lei, na ausência de resposta, a aceitação das condições propostas pelo senhorio aquando da sua comunicação, esclarecendo-se nos n.os 3 e 4 do aludido ínsito, em que termos a resposta poderá ter lugar, isto é:

«3 - O arrendatário na sua resposta, pode:

a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;

b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 52.º;

c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio;

d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 53.º

4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 54.º, invocar uma das seguintes circunstâncias:

a) Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa;

b) Que no locado funciona uma pessoa coletiva de direito privado sem fins lucrativos, regularmente constituída, que se dedica à atividade cultural, recreativa, de solidariedade social ou desportiva não profissional, e declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal, ou uma pessoa coletiva de direito privado que prossiga uma atividade declarada de interesse nacional;

c) Que o locado funciona como casa fruída por república de estudantes, nos termos previstos na Lei 2/82, de 15 de janeiro, alterada pela Lei 12/85, de 20 de junho.

d) Que existe no locado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respetivo regime jurídico.».

No caso sujeito, a Ré, aqui Recorrente, em resposta à carta da Autora/Recorrida, supra extractada comunicou a 4 de Agosto (ponto 7. da matéria assente) que, por um lado entendia que a comunicação que lhe havia sido feita continuava a ser ineficaz, por não indicar o valor do locado devidamente avaliado nos termos do artigo 38.º do CIMI e, mesmo que assim não fosse entendido, sendo a Ré/arrendatária uma microempresa, a falta de acordo sempre implicaria que a transição para o NRAU não pudesse ser imediatamente estabelecida.: quer dizer, a arrendatária por um lado respondeu à senhoria no sentido de entender que a missiva enviada não constituiu meio idóneo para a transição aludida no artigo 50.º do NRAU, porquanto lhe falhava a avaliação; de outra banda, entendeu existir no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa, o que sempre impediria aquela nos termos do disposto no artigo 54.º, n.º 1 do NRAU.

Na sequência desta troca de missivas, ainda foram enviadas duas outras (factos 8. e 9.), a saber: i) a primeira, de resposta da Autora/Recorrida onde fazia saber à Recorrente que «[N]o seguimento da V. carta de 02 de agosto de 2016, informamos que consideramos a comunicação de transição para o NRAU do contrato em referência, enviada a V.Exa.s, válida e eficaz, uma vez que contém e cumpre todos os requisitos legais exigidos para o fim pretendido. Na V. carta de resposta manifestaram a não aceitação da transição do contrato para o NRAU e alegaram e comprovaram que são uma microempresa, pelo que o contrato só será submetido a NRAU no prazo de 5 anos a contar do dia 05.08.2016 (data da receção da V. carta)»; ii) resposta da Recorrente com data de 31 de Agosto de 2016 cópia consta a fls. 16v. dos autos «[A]cusamos a receção da vossa carta de 16.08.2016, sendo que, na sequência da mesma, vimos reiterar, no íntegra, o teor da nossa carta datada de 04.08.2016, pelo que, desde já, informamos que não aceitamos que o nosso contrato fique submetido ao NRAU no prazo de 5 anos contados de 05.08.2016.».

Quid inde?

A manutenção da regra geral do carácter vinculístico do arrendamento havido entre a Autora e Ré, porque teve o seu início antes da vigência do DL 257/95, de 30 de Setembro, sofreu com a entrada em vigor do NRAU, alguns desvios, nomeadamente no que respeita à iniciativa do senhorio na passagem do contrato para o novo regime, o que poderia ser feito, quer em sede de arrendamentos para habitação, quer em sede de arrendamentos não habitacionais, como aconteceu in casu.

A fórmula legal exigida para a transição pretendida, nesta particular situação referente a arrendamento não habitacional, vem consignada no artigo 50.º do NRAU, cujo teor atrás deixamos extractado.

A vexta quaestio daqui, consiste em interpretar o texto legal, na parte em que estipula o seguinte «[A] transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:», porquanto se entendeu no Acórdão recorrido:

«[C]omo decorre do seu proémio, a norma regula em conjunto dois aspectos dos contratos de arrendamento não habitacional celebrados antes do Decreto-Lei 257/95, de 30.09: a transição para o NRAU e a actualização da renda.

A opção pela criação de um regime comum para estas duas situações denota a convicção, por parte do legislador, de que é frequente elas se verificarem em simultâneo - de que, frequentemente, o senhorio tem a intenção de, através daquela comunicação, realizar ao mesmo tempo a transição do contrato para o NRAU e a actualização do valor da renda - o que é incontestável. E é verdade que a lei é concebida, de facto, para regular os casos mais frequentes (quod raro evenit, prcetereuni Legislatores).

Não obstante, é preciso não perder de vista que se trata de duas situações distintas e independentes e que uma das situações pode ocorrer sem a outra, como comprova o caso dos autos, em que o senhorio apenas pretende a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda.

Põe-se, assim, o problema de saber se se justifica aplicar sempre todo o regime disposto na norma ou se, verificando-se apenas uma das situações, é possível dispensar-se algum/alguns dos requisitos exigidos na norma.

Equaciona-se esta hipótese contrariando aquilo que literalmente resulta da lei em homenagem ao princípio da prevalência da materialidade sobre a forma. Há, com efeito, que pôr a hipótese de a criação deste regime único ser imputável a meras razões de conveniência ou comodidade e, na realidade, não se pretender uma aplicação inflexível, cega ou excessivamente rigorosa da norma (i.e., independentemente da situação em concreto).

[...]

Rejeita-se, portanto, com o devido respeito, o argumento esgrimido no Acórdão recorrido de que "em nome da segurança jurídica, [se] impõe considerar que a comunicação da transição de um contrato para um novo regime jurídico deve obedecer aos requisitos legalmente e especificamente previstos, sob pena dessa comunicação poder ser menor ou maior unicamente por iniciativa de uma das partes, sem que o legislador tenha previsto tal excepção", que conduziria a recusar, a priori e imediatamente, a hipótese de dispensa de algum/alguns dos requisitos quando a comunicação visa apenas a transição do contrato para o NRAU.

Naturalmente, a conclusão pela admissibilidade desta dispensa depende, naturalmente, da utilidade que eles tenham na situação em causa: só poderá dispensar-se algum dos requisitos se for manifesto que ele é destituído de sentido naquele preciso contexto.

Ora. sendo o único fito a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda, não se vislumbra utilidade para certas indicações mencionadas no artigo 50.º do NRAU. Assim é. desde logo. para a indicação do valor da renda [cf. ai. a)] - não faz sentido indicar-se o valor da renda quando ela se mantém inalterada. E o mesmo vale para a indicação do valor do locado constante da caderneta predial urbana [cf. ai. b)\ e a cópia desta caderneta [cf. ai. c)'\, que são, seguramente, elementos relevantes para a fixação do (novo) valor da renda mas não para a transição do contrato para o NRAU.

[...]

De tudo isto resulta que, ainda que não cumpra as exigências definidas no artigo 50.º, ais. b) e c), do NRAU, a comunicação apresentada pela senhoria e ora recorrente com vista à transição do contrato para o NRAU é plenamente eficaz para este efeito junto da arrendatária e ora recorrida.

Dá-se, assim, procedência à pretensão da recorrente, entendendo-se que a comunicação enviada pela autora senhoria à ré arrendatária é válida e eficaz.».

Não pomos em causa o entendimento de que o artigo 50.º do NRAU regulou em conjunto dois aspectos essenciais dos contratos de arrendamento não habitacional celebrados antes do DL 257/95, de 30 de Setembro, a transição para o NRAU e a actualização da renda, tendo por isso criado um regime comum; mas, já não concordamos com a asserção tirada de que se trata de duas situações distintas e independentes e que uma das situações pode ocorrer sem a outra, como comprova o caso dos autos, em que o senhorio apenas pretende a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda, porque se podemos concluir que o senhorio poderá querer passar para o NRAU sem aumentar a renda de imediato, nunca se poderá dizer que o senhorio possa aumentar a renda, sem concomitantemente iniciar o processo de passagem para o NRAU e é esta passagem que condiciona o futuro legal do contrato, o qual se passará a reger pelas novas disposições.

Assim, aquelas situações que efectivamente poderão ser, aparentemente, distintas ab initio, baseiam a sua operância no mesmo tronco comum, o qual terá de obedecer aos parâmetros impostos pelo normativo inserto no artigo 50.º do NRAU, em toda a sua latitude, composta pelos requisitos aludidos nas suas alíneas a), b) e c), sendo que aquela alínea b), respeitante à avaliação do imóvel, se mostra omitida pela Recorrida, o que foi desde logo comunicado à Recorrente na carta enviada em 5 de Julho de 2016, situação essa que faz claudicar a se a pretensão formulada pela Recorrida, no que tange à mudança de regime legal do contrato, na medida em que aquele normativo foi gizado e delineado pelo legislador com o fito de fazer operar uma transição contratual completa, embora tendo em vista o aumento de renda, pois o tipo negocial, arrendamento, pressupõe na sua génese, dois elementos essenciais: o gozo temporário e a retribuição mensal desse gozo, artigo 1022.º do CCivil, cfr no que se refere à imposição de todos os items Gravato de Morais, As Novas Regras Transitórias Na Reforma Do NRAU (Lei 31/2012), in Julgar, N.º19, 2013, 29/36; Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado Regime Substantivo E Processual, 3.ª Edição, 165/168; Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 189/195; Vitor Palmela Fidalgo, Estado atual do regime da transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e actualização das Rendas, in RFDUL, 2019.1, 162/165.

Aliás, assim se compreende a alteração operada em 2012, no que tange à actualização da renda neste tipo de contrato (alteração essa mantida na versão de 2014, Lei 79/2014, de 19 de Dezembro), pois na sua primitiva redação, o artigo 50.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o NRAU, estipulava que «Aos arrendamentos para fim diverso da habitação aplicam-se as normas constantes da subsecção anterior, com as necessárias adaptações, bem como o disposto no artigo seguinte», acrescentando o artigo 51.º que «Podem ser atualizadas as rendas relativas a contratos celebrados antes da entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30/9», continuando o artigo 52.º «A renda pode ser atualizada independentemente do nível de conservação.», explicando-se no artigo 53.º, a forma como tal aumento poderia ter lugar «1 A atualização do valor da renda é feita de forma faseada, podendo decorrer durante 5 ou 10 anos, nos termos dos artigos 40.º e 41.º 2 - A atualização é feita em 10 anos quando: a) Existindo no locado um estabelecimento comercial aberto ao público, o arrendatário seja uma microempresa ou uma pessoa singular; b) O arrendatário tenha adquirido o estabelecimento por trespasse ocorrido há menos de cinco anos; c) Existindo no locado um estabelecimento comercial aberto ao público, aquele esteja situado em área crítica de reconversão e reparação urbanística (ACRRU); d) A atividade exercida no locado tenha sido classificada de interesse nacional ou municipal. 3 - Microempresa é a que tem menos de 10 trabalhadores e cujo volume de negócios e balanço total não ultrapassam (euro) 2.000.000 cada. 4 - São ACRRU as assim declaradas nos termos do artigo 41.º da Lei dos Solos, aprovada pelo DL n.º 794/76, de 5 de novembro.».

No artigo 54.º estabelecia-se «A comunicação do senhorio prevista no artigo 34.º contém, além do valor da renda atualizada, sob pena de ineficácia:

a) - O valor da renda devida após a primeira atualização, calculada nos termos correspondentes a uma atualização faseada em 10 anos, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo anterior.

b) - O valor da renda devida após a primeira atualização, calculada nos termos correspondentes a uma actualização faseada em 5 anos, quando não se verifiquem as referidas circunstâncias.

c) - A indicação de que não há lugar a faseamento da atualização, por se verificar alguma das circunstâncias previstas no artigo 56.º».

Todo este processo conducente ao aumento de renda, fazia apelo às regras aplicáveis aos arrendamentos para habitação.

O artigo 34.º dispunha que «1 - A atualização da renda depende de iniciativa do senhorio. 2 - O senhorio que deseje a atualização da renda comunica ao arrendatário o montante da renda futura, o qual não pode exceder o limite fixado no artigo 31.º», por seu turno o artigo 31.º preceituava que «A renda atualizada nos termos da presente secção tem como limite máximo o valor anual correspondente a 4 % do valor do locado.» e, finalmente no artigo 35.º impunha-se o seguinte «O senhorio apenas pode promover a atualização da renda quando, cumulativamente: a) Exista avaliação do locado, nos termos do CIMI;

b) O nível de conservação do prédio não seja inferior a 3.».

Tratou-se da introdução de um novo regime de aumento de rendas, sem prejuízo da manutenção do regime anterior, no caso de o senhorio já ter iniciado a actualização de renda, ou de se verificarem os pressupostos na data da entrada em vigor da Lei 31/2012, pois o artigo 11.º desta Lei ressalvou de forma expressa a hipótese de o senhorio querer continuar o processo de aumento de renda ao abrigo da Lei pretérita, só que, concomitantemente, fez introduzir a possibilidade de se alterar a duração dos contratos, procedendo-se desta forma a uma efectiva conformação do contrato de arrendamento com as novas leis que o regem, cfr Maria Olinda Garcia, l.c. 127/129.

Aliás, esta asserção resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 38/XII, na qual se lê:

«[S]e a reforma do arrendamento de 2006, aprovada pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, introduziu alterações consideráveis nos contratos novos, não logrou, no que concerne aos arrendamentos antigos, atingir os resultados a que se propôs, o que se justificará, em parte, pela excessiva complexidade do regime de actualização de rendas então criado.

A reforma do regime do arrendamento urbano que agora se propõe procura encontrar soluções simples, assentes em quatro dimensões essenciais: (i) alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; (ii) revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime; (iii) agilização do procedimento de despejo; e (iv) melhoria do enquadramento fiscal.

O objectivo da presente reforma é claro: criar um verdadeiro mercado de arrendamento, que, em conjunto com o impulso à reabilitação urbana, possa oferecer aos portugueses soluções de habitação mais ajustadas às suas necessidades, menos consumidoras dos seus recursos - e, por isso, também promotoras da poupança - e que fomentem a sua mobilidade, permitindo-lhes mais facilmente encontrar emprego.

[...]

No que respeita aos arrendamentos para fins não habitacionais, consagra-se um regime especial apenas para as microentidades, atendendo à importância que as mesmas assumem no tecido económico português, o que justificou a criação de um regime especial pelo legislador português. Nesta medida, prevê-se um regime transitório de cinco anos, durante o qual apenas pode ser actualizada a renda, por referência ao valor do locado. Nesse período, salvo acordo entre as partes, não pode ocorrer a cessação do contrato ou a alteração do tipo de contrato.».

Na esteira do Acórdão fundamento, entende-se que não obstante o artigo 50.º do NRAU possa parecer consagrar dois direitos potestativos do senhorio, a transição para o NRAU e o aumento da renda, a transição para o NRAU só se compreenderia se fosse acompanhada do aumento de renda, sendo que esta só poderia ser encetada na sequência da alteração de regime do contrato e, assim sendo, sem embargo de podermos concluir que o caso dos autos constitui uma situação «atípica», na medida em que se pretende uma transição para o NRAU sem qualquer aumento de renda, pelo menos no período inicial de cinco anos, tal não significa, nem pode significar, que a particularidade da situação em tela possa quiçá fazer alterar, ou proceder, a uma interpretação restritiva daquele normativo, nomeadamente, quanto aos requisitos aí consagrados e dos quais depende a bondade da comunicação exigível.

É evidente que a alteração de regime não obriga o senhorio a aumentar a renda, podendo a retribuição mensal manter-se idêntica, pois estamos no domínio da liberdade negocial; mas mesmo que aquele apenas queira alterar o tipo e a duração do contrato, sincopando, assim, a previsão da alínea a) do artigo 50.º, não resulta de tal ínsito que nestas precisas circunstâncias, o senhorio esteja dispensado de proceder à avaliação prevenida na alínea b), do mesmo preceito.

Alterando-se o tipo do contrato para prazo certo e duração de cinco anos, como propôs a Recorrida, sempre a Recorrente poderia opor-se ao mesmo, como deflui da alínea c) do n.º 3 do artigo 51.º do NRAU, ou denunciar o contrato de arrendamento, de harmonia com a alínea d) do mesmo normativo; opondo-se ao tipo e duração contratual propostas, implicaria na falta de resposta do senhorio, a manutenção do status quo ou a aceitação do tipo sugerido, cfr artigo 33.º, n.os 1 e 3, aplicáveis por força do artigo 52.º ambos do NRAU.

Quer dizer, se a autonomia das partes for respeitada dentro do quadro legal aplicável, isto é, desde que cumpridos todos os requisitos impostos pelo artigo 50.º e for observado pontualmente o direito de resposta quer do arrendatário, quer do senhorio, mas se este não concordar com alguma ou algumas das alterações proposta pelo inquilino e não optar por nenhuma das faculdades que a Lei lhe concede, v.g. denúncia do contrato ou alteração extraordinária da renda, artigos 51.º, 52.º e 33.º do NRAU, o processo de transição para o NRAU torna-se ineficaz, mantendo-se o contrato em vigor como se nada tivesse acontecido, cfr neste sentido Francisco de Castro Fraga, in Leis Do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação António Menezes Cordeiro 2014, 495/496/510.

Não pomos em causa que o legislador ao prefigurar a figura da transição para o NRAU, teve em vista, essencialmente, a actualização extraordinária das rendas que se impunha face ao seu baixo valor, por força dos arrendamentos mais antigos; mas isso não quer dizer que o legislador tivesse querido apenas que a transição se fizesse, se e quando, o senhorio quisesse aumentar a renda, antes resultando que tal mudança de regime, porque obrigatoriamente sujeita a um processo negocial, possa abranger todos os elementos essenciais do contrato, duração e retribuição mensal, ou tão só a sua duração, ou só a retribuição, mantendo-se aquela.

O que já pomos em causa é a possibilidade de se interpretar restritiva e correctivamente o enunciado legal prescrito no artigo 50.º do NRAU.

No caso sub judice, verificam-se as seguintes perplexidades: i) a carta enviada pela Autora/ Recorrida, senhoria do imóvel arrendado, datada de 5 de Julho de 2016, omitiu a avaliação prevenida no artigo 38.º do CIMI, o que o artigo 50.º, alínea b) impõe que seja feito, haja ou não aumento de renda; ii) a arrendatária apontou tal omissão, declarando que aquele requisito não havia sido cumprido e além do mais porque se tratava de uma microempresa, na falta de acordo, como seria o caso, não poderia ocorrer, desde já a transição para o NRAU; iii) comunicação da Autora à Ré que aceitando a alegação de a mesma se tratar de uma microempresa, então a transição para o NRAU ocorreria no prazo de cinco anos a contar da recepção da carta da Ré.

Tentemos dilucidá-las.

A propósito das regras de interpretação predispõe o artigo 9.º do CCivil: «1.A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada. 2 Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».

Queremos nós dizer que a interpretação que é feita pelos Tribunais, vulgo interpretação judicial, está sujeita às regras legais sobre interpretação, não lhe cabendo, por princípio, sob a aparência da simples interpretação, o poder de criar norma, a não ser nos casos especialmente previstos em que essa criação da norma se impõe, por inexistência de caso análogo, nos termos do normativo inserto no artigo 10.º, n.º 3 do CCivil, já que o Tribunal não se pode abster de julgar, além do mais, por falta de lei aplicável ao caso concreto, cfr artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

A nossa actividade enquanto julgadores passa por fixar o sentido e o alcance que o texto legislativo deverá ter, sendo que não poderá ser um qualquer sentido de entre os possíveis (caso haja mais do que um), procurando fazer extrair da lei, enquanto instrumento de conformação e ordenação da vida em sociedade, dirigida à generalidade das pessoas e abarcando uma miríade de casos, um sentido decisivo que garanta um mínimo de uniformidade de soluções, por forma a evitar-se o casuísmo e o arbítrio de cada julgador, incompatíveis com a necessária segurança jurídica, cfr Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, 176.

A única leitura possível do artigo 50.º é a de que se o senhorio quiser fazer transitar o contrato de arrendamento para o NRAU, com ou sem aumento extraordinário de renda imediato, deverá efectuar previamente a avaliação do imóvel nos termos do artigo 38.º do CIMI e comunicar esse elemento, além do mais, ao inquilino sob pena da ineficácia de tal comunicação.

Na situação dos autos, o item em causa, alínea b) do artigo 50.º do NRAU foi omitido, tendo sido declarado expressamente pela própria proprietária que não faria, nem haveria lugar, a qualquer avaliação, por supérflua, porquanto não iria proceder a qualquer aumento de renda, cfr nas situações de aumento de renda os Ac STJ de 24 de Maio de 2018, Proc 1848/16.0YLPRT.L1.S2 e de 19 de Setembro de 2018, Proc 8346/15.7T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, citados no acórdão fundamento; em casos paralelos os Ac RE de 25 de maio de 2015, in CJ Ano XL, Tomo III/2015, 271 e RP de 27 de Setembro de 2016, in www.dgsi.pt (sendo esta a única jurisprudência de relevo encontrada com interesse para a solução que aqui se preconiza).

A falha voluntária cometida pela Autora, aqui Recorrida, fez obstaculizar à partida a sua intenção de alteração dos termos legais do contrato.

Todavia, mesmo que assim se não entendesse, o que se suscita apenas por mera hipótese, veja-se que a Ré na resposta se opôs expressamente à alteração proposta, apontando a omissão cometida e esclarecendo, além do mais, que se encontra na situação aludida na alínea a) do n.º 4 do artigo 51.º do NRAU, isto é, que «[n]o arrendado funciona um estabelecimento comercial (restaurante), aberto ao público, que é uma microempresa. Com efeito, este estabelecimento comercial tem um volume de negócios líquido de (euro) 723.563,83, logo, inferior a (euro) 2.000.000,00 e um número médio de empregados durante o exercício de 4 [...]. Nesta conformidade, nos termos do n.º 1 do art.º 54.º da Lei 6/2006, de 27.02, com a redação que lhe foi dada pelas Lei n.os 31/2012, de 14.08 e n.º 79/2014, de 19.2014, de 19.12, na falta de acordo, como é o caso, não poderá ocorrer, desde já a transição para o NRAU», o que implicaria sempre que a transição apenas pudesse ter lugar no prazo de dez anos (Lei 43/2017 de 14 de Junho) a contar da recepção pela senhoria da resposta enviada, nos termos do n.º 1 do artigo 54.º do NRAU, havendo necessidade de ser repetido o processo nos termos do n.º 6 de tal diploma, não sendo, nem podendo ser, tal procedimento automático, como além do mais se considerou no Acórdão recorrido, na esteira da missiva da Autora de resposta ao obstáculo que a propósito a Ré levantou.

Sempre se diz, ex abundanti, que neste específico particular, o Acórdão recorrido apenas se poderia pronunciar sobre o termo a quo a partir do qual a senhoria poderia renovar a sua intenção de transição para o NRAU - aqueles dez anos - e não já, como efectivamente deixou pronunciado no seu dispositivo, que o contrato transitaria para o NRAU nos dez anos subsequentes à recepção pela senhoria da resposta enviada, nos termos do n.º 1 do artigo 54.º do NRAU, o que se assinala apenas como obter dictum, uma vez que esta problemática para além de transcender o pedido uniformizador, é «res judicata», o que significa que, in casu, a solução preconizada por via da solução que obteve vencimento se encontra, na minha opinião, duplamente incorrecta.

Se não.

O segmento normativo inserto naquele n.º 6 é esclarecedor: «Findo o período de dez anos referido no n.º 1, o senhorio pode promover a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e seguintes, com as seguintes especificidades:

a) O arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º;

b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos;».

Torna-se claro, que a Lei impõe que o senhorio encete de novo os procedimentos prevenidos no artigo 50.º para ultimar, querendo, a transição para o NRAU, não ocorrendo esta automaticamente, quiçá, por força de uma anterior troca de correspondência, baseada desde logo na indicação de elementos deficientes, seguida de uma recusa, o que não poderá traduzir a completude da negociação, nem concordância com o que quer que seja, muito menos com a transição de regime propugnada pela Autora, aqui Recorrida, e declarada no Aresto em equação.

Assim sendo, embora se possa dizer que existe uma correlação entre o prazo do contrato e o aumento extraordinário da renda, não se poderá daí concluir que não havendo lugar a esta se possam dispensar os elementos atinentes à avaliação imposta para o seu cálculo: é que, assentando as partes na alteração do prazo do contrato, por cinco anos, nada resulta da Lei que impeça que uma actualização extraordinária se possa vir a concretizar subsequentemente aquando das posteriores renovações, desde que tal venha a ser comunicado atempadamente pelo senhorio e aceite pelo inquilino e, para isso, imperioso se torna que o inquilino saiba qual a avaliação do locado, pois é com base nessa avaliação que o cálculo da nova retribuição mensal é apurado, a qual deverá corresponder a 1/15 do valor do locado, nos mesmos termos que o sistema preconizado para os arrendamentos habitacionais, com as necessárias adaptações, sendo de todo o seu interesse ser esclarecido dos contornos negociais possíveis do acordo em vigor, cfr Francisco de Castro Fraga, ibidem..

Ao sujeitar-se o inquilino a uma alteração parcial do contrato, apenas quanto à sua duração, omitindo-se-lhe os demais contornos essenciais do negócio - vg a avaliação do imóvel efectuada nos termos do artigo 38.º do CIMI - não poderá aquele ter conhecimento, nem dominar, o montante máximo que poderá atingir o aumento extraordinário da renda, caso esta lhe venha a ser proposta aquando da renovação contratual, elemento este que é essencial tendo em atenção a configuração típica do arrendamento, consubstanciada no gozo temporário da coisa mediante uma retribuição nos termos do artigo 1022.º do CCivil.

Concluindo: a comunicação efectuada pela Autora, aqui Recorrida, à Ré, ora Recorrente, no sentido de fazer transitar para o NRAU o contrato de arrendamento existente entre ambas e cujo objecto é a zona da Galeria identificada pelas Letras E, F e G do prédio sito na Praça..., em... teria de ser julgada ineficaz e por isso ter-se-ia de manter o contrato nos termos inicialmente acordados.

Revogaria, pois, o Acórdão recorrido, repristinando a decisão plasmada no Acórdão da Relação de Lisboa e na sentença de primeiro grau, de improcedência da acção e absolvição da Ré do pedido, fazendo extrair como segmento uniformizador:

No domínio dos arrendamentos não habitacionais celebrados antes do DL 257/95, de 30 de Setembro, a comunicação do senhorio ao inquilino com vista à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, mesmo que não haja lugar qualquer actualização da renda, deve ser sempre acompanhada dos elementos aludidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 50.º do NRAU, sob pena da sua ineficácia.

(Ana Paula Boularot, Relatora vencida)

116656341

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5409831.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-01-15 - Lei 2/82 - Assembleia da República

    Casas fruídas por repúblicas de estudantes de Coimbra.

  • Tem documento Em vigor 1985-06-20 - Lei 12/85 - Assembleia da República

    Casas fruídas por repúblicas de estudantes.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-30 - Decreto-Lei 257/95 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    INTRODUZ ALTERAÇÕES AO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU), APROVADO PELO DECRETO LEI 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO. AS ALTERAÇÕES CONSTANTES DO PRESENTE DIPLOMA REPORTAM-SE AOS ARRENDAMENTOS DESTINADOS AO COMERCIO, INDÚSTRIA E AO EXERCÍCIO DE PROFISSÕES LIBERAIS E, BEM ASSIM, AOS CONTRATOS DESTINADOS A OUTROS FINS NAO HABITACIONAIS. O PRESENTE DIPLOMA NAO E APLICÁVEL AOS CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DA SUA ENTRADA EM VIGOR.

  • Tem documento Em vigor 2006-02-27 - Lei 6/2006 - Assembleia da República

    Aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas, e altera o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Registo Predial. Republica em anexo o capítulo IV do título II do livro II do Código Civil.

  • Tem documento Em vigor 2012-08-14 - Lei 31/2012 - Assembleia da República

    Procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, altera o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. Republica em anexo o capítulo IV do título II do livro II do Código Civil e o capítulo II do título I e os títulos II e III da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.

  • Tem documento Em vigor 2017-06-14 - Lei 42/2017 - Assembleia da República

    Regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local (terceira alteração à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados)

  • Tem documento Em vigor 2017-06-14 - Lei 43/2017 - Assembleia da República

    Altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, procede à quarta alteração à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, e à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados

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