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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 3/2023, de 11 de Julho

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Sumário

Acórdão do STA de 24-11-2021, no Processo n.º 23/21.6BALSB - Pleno da 2.ª Secção - Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «As isenções fiscais dos n.os 6 (IMI), 7 (IMT) e 8 (IS) do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 (LOE 2009), devem ser interpretadas no sentido de que estão sujeitas à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2023

Sumário: Acórdão do STA de 24-11-2021, no Processo 23/21.6BALSB - Pleno da 2.ª Secção - Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «As isenções fiscais dos n.os 6 (IMI), 7 (IMT) e 8 (IS) do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da Lei 64-A/2008, de 31/12 (LOE 2009), devem ser interpretadas no sentido de que estão sujeitas à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação».

Acórdão do STA de 24-11-2021, no Processo 23/21.6BALSB - Pleno da 2.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I - Relatório

1 - A..., LDA., com os sinais dos autos, vem, nos termos dos artigos 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e 152.º do CPTA, interpor recurso para a uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral n.º 56/2020-T, proferida em 5 de Janeiro de 2021, pelo Centro de Arbitragem Administrativa, por considerar que esta decisão colide com a decisão arbitral de 22 de Maio de 2020 (processo 583/2019-T), apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:

«1.º O presente recurso vem interposto em virtude da evidente oposição entre a decisão arbitral recorrida e a proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo 583/2019-T, de 12.05.2020, considerando a identidade das questões de facto e de direito apreciadas em ambos os arestos;

2.º A oposição da decisão arbitral recorrida com a identificada decisão arbitral ocorre relativamente aos fundamentos de direito invocados a respeito da interpretação dos pressupostos exigidos pelo Regime Jurídico aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), previsto e aprovado pela Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009), publicada no Diário da República, Série I, n.º 252, para determinar a aplicação e manutenção das isenções de IMT, IS e IMI na esfera do Fundo Popular Arrendamento;

3.º A identidade factual entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral-fundamento resulta do facto de em causa estarem as mesmas correções efetuadas ao abrigo do mesmo Relatório de Inspeção Tributária, elaborado no âmbito da ação inspetiva interna em cumprimento das ordens de serviço OI 201800116, 201800117, 201800118, 201800119 e 201800120, cuja sua fundamentação foi alvo de debate nos dois arestos;

4.º Quer no âmbito da decisão arbitral-fundamento como no âmbito da decisão arbitral ora recorrida, estão em causa as mesmas correções ao IMT, IS e IMI com fundamento no facto de o Fundo ter adquirido todos os imóveis diretamente ao Banco ..., S. A. e não às famílias oneradas com empréstimos à habitação, o que ditaria a caducidade das isenções dos referidos impostos por alegadamente não terem sido cumpridos os pressupostos primordiais impostos pelo Regime Jurídico dos FIIAH;

5.º Quer no âmbito da decisão arbitral recorrida como na decisão arbitral-fundamento, estão em causa as mesmas correções ao IMT, IS e IMI com fundamento no facto de o Fundo Popular Arrendamento ter, posteriormente, alienado os imóveis que adquiriu com o intuito de os destinar exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, dando-lhes um destino diverso do que inicialmente se propunha, em alegado incumprimento do disposto no artigo 8.º, n.os 6, 7 e 8 do Regime Jurídico dos FIIAH;

6.º No que respeita à identidade quanto à questão fundamental de direito, ambos os Tribunais Arbitrais são chamados a pronunciar-se sobre a mesma questão jurídica, qual seja a de saber se a revogação das isenções por caducidade é devida com fundamento na inobservância dos pressupostos primordiais da lei, nomeadamente a aquisição dos imóveis às famílias oneradas com prestações dos empréstimos à habitação, e não a uma única entidade;

7.º Da mesma forma, ambos os Tribunais Arbitrais são chamados a pronunciar-se sobre a mesma questão jurídica relativamente à interpretação do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, à data dos factos e na vigência da Lei 64-A/2008 de 31 de dezembro, no sentido de saber se, para efeito de benefício das isenções de IMT, IS e IMI, é necessário a efetivação do arrendamento ou bastará, tão-só, a intenção de destinar os imóveis a arrendamento para habitação permanente;

8.º Não obstante a identidade da situação fáctico-jurídica vertida e apreciada nas decisões arbitrais em causa, viriam as mesmas a decidir em sentido oposto;

9.º Quanto à primeira questão de direito, a decisão arbitral recorrida entendeu que não merecia censura a interpretação sufragada pela administração tributária no sentido ser justificável a exigência de um pressuposto legal complementar ao requisito da efetivação do arrendamento habitacional permanente, relativo à necessidade de serem adquiridos imóveis com intuito de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias com a prestação de empréstimos à habitação, a fim de ser possível beneficiar das isenções em sede de IMT, IS e IMI;

10.º Já no acórdão-fundamento, entendeu-se que não se encontrava, no âmbito do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, tal exigência por parte do legislador, pelo que o ponto de vista expendido no relatório de inspeção não podia ter acolhimento como fundamento para determinar a caducidade das isenções;

11.º No que concerne à segunda questão fundamental de direito, analisada na decisão arbitral recorrida, o Tribunal Arbitral começa por concluir que as considerações tecidas pelo Tribunal Constitucional, nos termos dos acórdãos n.º 175/2018, de 05.04.2018; n.º 489/2018, 09.10.2018; e n.º 622/2019, de 23.10.2019, invocadas pela Recorrente, não poderão ser aplicadas ao caso em apreço, porquanto os atos de liquidação em apreço não foram fundamentados com base na aplicação do n.º 2, do artigo 236.º, da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, que estabelecia que as isenções caducariam se o imóvel, adquirido antes da entrada em vigor daquela norma, fosse alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014;

12.º Acresce que, na ótica do Tribunal Arbitral recorrido patente na decisão arbitral recorrida não basta a mera intenção de destinar os prédios a arrendamento, para que possa vigorar a isenção em sede de IMT, IS e IMI;

13.º Em fação diametralmente oposta encontra-se o entendimento proferido pelo Tribunal Arbitral na decisão arbitral-fundamento que, após analisar na sua totalidade a posição do Tribunal Constitucional, conclui que, na redação vigente à data dos factos, o artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH não exigia que os imóveis tivessem de ser efetivamente arrendados, exigência que apenas passou a vigorar com a entrada em vigor do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro;

14.º Deste modo, é, pois, manifesta a oposição da decisão arbitral recorrida com a decisão arbitral-fundamento;

15.º A solução perfilhada pela decisão arbitral proferida no processo 583/2019-T, de 12.05.2020, é a que se afigura mais correta;

16.º Quanto à primeira questão fundamental de direito, importa sublinhar que, ao contrário do que faz crer a decisão arbitral recorrida, os serviços de inspeção tributária estão a invocar um fundamento autónomo e destacável para justificar a caducidade das isenções ao IMT, IS e IMI aplicadas ao Fundo Popular Arrendamento, baseado no facto de, alegadamente, existir um requisito no Regime Jurídico que impõe aos Fundos a aquisição de imóveis a famílias oneradas com empréstimos habitacionais por forma a beneficiar das aludidas isenções;

17.º Acolhe-se o propugnado pela decisão arbitral-fundamento nos termos da qual refere que não existe o mínimo suporte na letra da lei para o entendimento da administração tributária, com base no qual foram emitidos os atos tributários contestados nos presentes autos, de que o Fundo Popular Arrendamento ao ter adquirido a totalidade de imóveis ao Banco ..., não se encontrava a cumprir com o pressuposto primordial da lei de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros nos anos da crise (posição igualmente defendida pela decisão arbitral de 02.03.2020, proferida no processo 318/2019-T);

18.º Tendo o Tribunal Arbitral recorrido avalizado a interpretação dos serviços, segundo a qual o Fundo Popular Arrendamento incumpriu o Regime Jurídico dos FIIAH uma vez que, por um lado não procedeu à afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação própria e permanente, e por outro frustrou o intuito de desagravamento dos encargos das famílias com as prestações dos empréstimos à habitação, enferma a decisão arbitral de erro de julgamento da matéria de direito, a qual se encontra em oposição com os entendimentos proferidos na decisão arbitral-fundamento e na decisão arbitral de 02.03.2020, proferida no processo 318/2019-T;

19.º Acresce que, ponderada a interpretação ao Regime Jurídico dos FIIAH efetuada na decisão arbitral-fundamento, é possível concluir que a administração tributária expande a letra da lei para nela fazer caber situações e critérios que não estavam expressamente previstos no aludido regime, pelo que tal equivale a ficcionar determinado requisito normativo onde este não existia, violando, assim, o princípio da legalidade fiscal e da confiança jurídica;

20.º Ao ficcionar um determinado requisito que não tem expressão verbal no Regime Jurídico dos FIIAH, por forma a permitir revogar as isenções de IMT, IS e IMI, e com isso fazer incidir os tributos sobre uma concreta realidade - aquisição de imóveis por um Fundo - a administração tributária está a violar o disposto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, sendo a sua interpretação contrária ao princípio da legalidade na vertente da tipicidade e da confiança jurídica (a este propósito veja-se as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 369/2015-T e n.º 370/2015-T e ainda o acórdão do STA de 12.10.2016, proferido no processo 0797/15);

21.º Razão pela qual não se acolhe o entendimento do Tribunal Arbitral recorrido quando julga não verificada a violação ao princípio da legalidade, na vertente da tipicidade, tal como suscitado pela Recorrente nos termos do pedido de pronúncia arbitral;

22.º No que se refere à segunda questão fundamental de direito, saliente-se que, contrariamente à interpretação do Tribunal recorrido, o Tribunal Constitucional efetua uma clara separação entre a intenção do legislador expressa no artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, na vigência da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, e a intenção (inovadora) do legislador expressa na Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, tal como apontado pela decisão arbitral-fundamento (cf. páginas 26 e 27 da decisão);

23.º Se é verdade que no caso em apreço nos presentes autos não está em causa uma aplicação retroativa da lei fiscal, não menos verdade é o facto de em causa estar uma interpretação que viola o princípio da tutela da confiança jurídica por a conclusão ser idêntica: para beneficiar das isenções, ao abrigo do disposto no artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, é necessário verificar a efetivação do arrendamento habitacional próprio e permanente, não bastando a mera intenção de destinar os imóveis ao seu arrendamento;

24.º Considerando a posição propugnada na decisão arbitral-fundamento, a qual tem por base as considerações tecidas pelo Tribunal Constitucional (proferidas nos acórdãos n.º 915/2018, de 23.10.2019, n.os 175/2018 e 489/2018), a decisão arbitral recorrida merece reparo porquanto a interpretação dos serviços de inspeção tributária é, em si, violadora do princípio da tutela da confiança jurídica, na medida em que se baseia no facto de ser necessário a efetivação dos contratos de arrendamento, exigência essa que apenas foi imposta com a introdução do artigo 236.º, da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro;

25.º O juízo do Tribunal Arbitral recorrido afigura-se erróneo do ponto de vista da apreciação dos pressupostos constantes do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, na redação vigente à data dos factos, nem tampouco se poderá considerar que a sua interpretação é corroborada pela tese defendida pelo Tribunal Constitucional;

26.º É de salientar, a este respeito, o entendimento que consta da decisão arbitral-fundamento, onde é referido que "[...] o aspeto primordial é que, como se viu da descrição anterior das sucessivas alterações legislativas e da decisão do Tribunal Constitucional, nada na lei determinava, à data dos factos, em que é que se traduzia a obrigação de comprar para arrendamento de habitação própria, pelo que a exigência em que se fundou a AT para determinar no relatório a caducidade das isenções carece de base legal. Nada, a nosso ver, proibia que ao fim de um lapso de tempo o FIIAH não pudesse vender os imóveis que não conseguisse arrendar." (cf. página 26 da decisão arbitral-fundamento, sublinhado nosso);

27.º Ao contrário do propugnado pela decisão arbitral recorrida, não existe na redacção concedida pelo legislador ao artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, introduzida pela Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, qualquer indicação do legislador no sentido de impor uma condição resolutiva para fazer caducar as isenções de IMT, IS e IMI caso não fosse cumprido o requisito da efetivação do arredamento desses mesmos imóveis;

28.º À luz do acórdão do Tribunal Constitucional, proferido no processo 175/2017, de 05.04.2018, deve argumentar-se, então, que a interpretação que os serviços de inspeção tributária efetuam, agora corroborada pela decisão arbitral recorrida, constitui uma penalização na esfera tributária do Fundo Popular Arrendamento, na medida em que pretende fazer caducar benefícios fiscais pelo mero facto de tal contrato não chegar a ser efetivamente celebrado ou de o imóvel adquirido não ter permanecido na propriedade do fundo por determinado prazo, apesar da ausência de qualquer alternativa financeiramente sustentável para a sua detenção, sem que a lei, à data da aquisição dos mesmos, sancionasse tal obrigação;

29.º Assim, afigura-se que a melhor interpretação dos pressupostos legais para a concessão e manutenção das isenções dos aludidos impostos no caso de aquisição de imóveis com vista ao arrendamento habitacional próprio e permanente pelos FIIAH, é a que consta da decisão arbitral-fundamento (a qual precede a já identificada decisão arbitral de 02.03.2020, proferida no processo 318/2019-T), na medida em que o legislador, num primeiro momento, quis incentivar a aquisição de imóveis para arrendamento pelos FIIAH e a sua colocação no mercado, prevendo para isso a isenção dos aludidos impostos, mas sem colocar sobre os FIIAH o risco, sob pena de perda do benefício, de não lograr arrendar os imóveis, ou de não os poder alienar, como veio a prever a Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro;

30.º Também não assiste razão ao Tribunal Arbitral recorrido quando entende que as isenções haviam sido concedidas por aplicação do artigo 14.º, n.º 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) em conjugação com o artigo 8.º do aludido Regime Jurídico, porquanto aquele regime não consagra qualquer tipo de requisito associado à necessidade de autorização do Ministro das Finanças para a concessão da isenção;

31.º Sendo pressuposto da extinção do benefício fiscal previsto no artigo 14.º, n.º 3 do EBF a circunstância de ter sido dado ao imóvel "outro destino sem autorização do Ministro das Finanças", não constitui fundamento do ato tributário a ausência de tal autorização do Ministro das Finanças, nem tal é alegado pelos serviços de inspeção tributária nos termos do relatório de inspeção tributária (neste sentido vai a invocada decisão arbitral datada de 02.03.2020); e

32.º Pelo exposto, não poderá a decisão arbitral recorrida deixar de ser anulada, firmando-se, para efeitos de uniformização de jurisprudência, o entendimento ora prescrito e na decisão arbitral-fundamento e, em consequência, ser determinada a remessa dos autos ao Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IMT, IS e IMI supra identificadas.

Por todo o exposto e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, encontrando-se demonstrada no caso vertente a manifesta oposição entre a decisão arbitral-fundamento e a decisão arbitral recorrida, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente fixação da jurisprudência firmada na decisão arbitral-fundamento, bem como, determinada a remessa dos autos ao Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IMT, IS e IMI em crise, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

[...]».

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no seguinte sentido "[...] o presente recurso deve ser decidido com a prolação de acórdão que uniformize a jurisprudência nos seguintes termos: O regime jurídico dos FIIAH criado nos artigos 102.º a 105.º do Decreto-Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, na sua versão original, impunha como condição resolutiva da concessão dos respetivos benefícios fiscais, a disponibilização exclusiva por parte do fundo, dos prédios adquiridos nesse período (2009-2013), para arrendamento para habitação permanente, mas não a efetiva celebração de contratos de arrendamento, a qual ficava dependente do mercado [...]".

4 - Notificadas as partes do teor desse parecer nada disseram.

Cumpre apreciar e decidir

II - Fundamentação

1 - De facto

1.1 - Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

«[...]

a) O Fundo B... era um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional, de subscrição particular, que foi constituído em 6 de Junho de 2012;

b) A Requerente era a única participante do fundo, sendo a representação e gestão do mesmo assegurada pela sociedade C..., S. A. (cf. documento n.º 5 junto pela Requerente aos autos);

c) No âmbito da sua actividade a sociedade a C..., S. A. adquiriu, em 2012 e 2013, diversos prédios urbanos ou fracções autónomas com vista a integrá-los no património do aludido fundo;

d) Na aquisição desses prédios urbanos ou fracções autónomas o Fundo B... beneficiou de isenção de IMT, IS e IMI ao abrigo do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, aprovado e consagrado nos artigos 102.º a 104.º da Lei 64 A/2008, de 31 de Dezembro, e publicado no Diário da República, Série I, n.º 252, que isenta daqueles tributos a aquisição de prédios urbanos ou fracções autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente;

e) Entre 2012 e 2016 o Fundo B... alienou diversos imóveis que havia adquirido, sendo que muitos dos imóveis alienados nunca foram arrendados (cf. PA junto pela Requerida aos autos);

f) O Fundo B... foi dissolvido e liquidado por escritura pública em 6 de Abril de 2017, tendo a Requerente sucedido na universalidade dos direitos e obrigações daquele (cf. documento n.º 5 junto pela Requerente aos autos);

g) Por via da dissolução foi acordada a transferência global do património do Fundo B... a favor da Requerente, mencionando-se que os imóveis transmitidos seriam destinados pela Requerente a revenda (cf. documento n.º 5 junto pela Requerente aos autos);

h) Em 12 de Fevereiro de 2018 o Fundo B... foi objecto de inspecção tributária interna, de âmbito parcial, em cumprimento das ordens de serviço com os n.os 012018... e 012018..., e em 14 de Fevereiro de 2018 em cumprimento das ordens de serviço com os n.os 012018..., 012018... e 012018...;

i) Posteriormente a Requerente, em representação do Fundo B..., foi notificada do projecto de relatório de inspecção tributária no qual foram projectadas as correcções em sede de IMT, IS e IMI e, bem assim, para, querendo, exercer o direito de audição (cf. documento n.º 6 junto pela Requerente aos autos);

j) Em 7 de Janeiro de 2019 a Requerente foi notificada do relatório de inspecção tributária (cf. documento n.º 7 junto pela Requerente e PA junto pela Requerida aos autos);

k) Entre Outubro de 2019 e Janeiro de 2020, a Requerente, na qualidade de representante do Fundo, foi notificada dos actos de liquidação de IMT, IS, IMI, e respectivos juros compensatórios, referentes aos prédios urbanos ou fracções autónomas adquiridos entre os exercícios de 2012 e 2013;

l) Em concreto, a Requerente foi alvo dos seguintes actos de liquidação de IMT e respectivos juros compensatórios, no montante total de (euro) 114.661,64 (cf. tabela A junta pela Requerente como documento n.º 1 que foi igualmente reproduzida pela Requerida na sua resposta e cf. documento n.º 3 junto pela Requerente aos autos);

m) Em concreto, a Requerente foi alvo dos seguintes actos de liquidação de IS e respectivos juros compensatórios, no montante total de (euro) 46.095,30 (cf. tabela B junta pela Requerente como documento n.º 2 que foi igualmente reproduzida pela Requerida na sua resposta e cf. documento n.º 3 junto pela Requerente aos autos);

n) Em concreto, a Requerente foi alvo dos actos de liquidação de IMI n.º 2013..., de 21 de Agosto de 2019, referente ao ano de 2013, no montante total a pagar de (euro) 1.109,33, referente aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais...-A,...-B,...-F,...-F a...-H e...-A sitos em Braga, e prédios urbanos sitos nos Municípios de Braga, Albufeira, Tavira, Vila Real de Santo António, Oeiras, Montijo, Moimenta da Beira e outros prédios não listados e, bem assim, dos actos de liquidação de IMI n.º 2013..., de 02 de Dezembro de 2019, referente ao ano de 2013, no montante total a pagar de (euro) 498,92, referente aos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais...-A,...-B,...-F a...-H,...-A e... sitos em Braga, e prédios urbanos sitos nos Municípios de Braga, Albufeira, Mafra, Oeiras, Montijo, Moimenta da Beira e outros prédios não listados (cf. documento n.º 4 junto pela Requerente aos autos);

o) A Requerente procedeu ao pagamento voluntário dos referidos impostos (cf. documentos n.os 8, 9 e 10 juntos pela Requerente aos autos).

Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

[...]».

1.2 - A decisão arbitral na qual a recorrente se apoia como fundamento do recurso de uniformização de jurisprudência, deu como assente a seguinte factualidade concreta:

«[...]

14 - O sujeito passivo, o Fundo B... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional ("Fundo B..." ou "Fundo"), foi constituído a 06/06/2012 e era representado e gerido pela sociedade D..., S. A. ("D...").

15 - O Fundo B... era um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional, de subscrição particular, constituído a 06/06/2012 e era representado e gerido pela sociedade D...

16 - No âmbito da sua atividade, a sociedade D... adquiriu, em 2012 e em 2013, os prédios urbanos, afetos à habitação, a que se referem os atos tributários com vista a integrá-los no património do Fundo.

17 - O Fundo adquiriu ao Banco C..., S. A., em 2012 e 2013, prédios urbanos ou frações autónomas destinadas exclusivamente a arrendamento habitacional, beneficiando de isenção de IMT, IS e IMI ao abrigo do artigo 8.º, n.os 6, 7 e 8 do Regime Jurídico dos FIIAH.

18 - O benefício fiscal verificou-se por iniciativa do sujeito passivo antes do ato translativo dos imóveis, perante a qual os serviços da AT entenderam não promover a liquidação do IMT, do IS e do IMI, por aplicação da isenção, tendo sido emitidas certidões de forma a viabilizar as escrituras notariais, pelo serviço de Finanças de Lisboa-... (código...) de 14.11.2012, 20.12.2012. 15.02.2013, 22.05.2013, 20.06.2013, 20.09.2013, e 23.12.2013, na sequência da apresentação da declaração Modelo 11 modelo (cf. ponto III. 1., pág. 22 do doc. n.º 7 e pontos 30.º, 37.º e 38.º do Pedido Arbitral).

19 - Por escritura pública lavrada a 06/04/2017, o Fundo foi dissolvido e liquidado, tendo sido acordada a transferência global do seu património a favor da Requerente que, em 2017, era a única participante do Fundo.

20 - Em 2018, o Fundo foi objeto de uma ação inspetiva interna, efetuada em cumprimento das Ordens de Serviço n.os OI 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., realizada pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças de Lisboa.

21 - Por Ofício n.º..., de 06/11/2018, e no decurso da ação inspetiva relativa aos anos de 2012 a 2016, a Requerente, em representação do Fundo, foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária no qual foram propostas correções em sede de IMT, IS e IMI.

22 - No dia 7 de janeiro de 2019, a Requerente, em representação do Fundo, foi notificada do relatório final de inspeção tributária.

23 - Entre abril e julho de 2019, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IMT, IS e IMI.

24 - A Requerente efetuou o pagamento voluntário do imposto, conforme decorre dos comprovativos de pagamento das respetivas guias juntos ao PPA.

Factos dados como não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados

[...]».

III - De direito

1 - Da admissibilidade do recurso

1.1 - Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso à data em que o mesmo foi interposto:

1.º Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária - doravante identificado pela sigla "RJAT");

2.º Que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral, ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

3.º Que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma];

4.º Que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do 281.º do CPPT).

Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:

i) As situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

ii) O quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem direta nem indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

Finalmente, entende-se que os dois acórdãos estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respetivas (e já não será assim quando apenas se oponham os seus fundamentos).

Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada - n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT (e que reproduz o que atualmente consta do n.º 2 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).

Cumpre analisar se estão verificados estes pressupostos de admissão do recurso.

Vejamos, então, se estão preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso.

1.2 - Nas duas decisões arbitrais é apreciado o mérito da questão que havia sido suscitada e que se prendia com a legalidade dos atos de liquidação adicional de IMT, IMI e IS, nos exercícios de 2012 e 2013 (decisão arbitral recorrida) e de 2012 a 2016 (decisão arbitral fundamento) relativamente a fundos de investimento imobiliário fechados para arrendamento habitacional, ambos constituídos em 2012 e liquidados em 2017 e o fundamento daqueles atos de liquidação foi a alegada caducidade do benefício fiscal nos termos do disposto no artigo 8.º do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), aprovado pelo artigo 102.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

1.3 - A decisão arbitral fundamento concluiu pela ilegalidade das liquidações, entendendo que o artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH não tinha sido violado, fundamentando esse entendimento, para o que aqui interessa, no seguinte: "[...] Quanto ao aspeto de os prédios não terem sido, todos eles, objeto de arrendamento, há que dizer que a lei, o já mencionado artigo 8.º, torna irrelevante tal argumentação porquanto face à redação do mesmo à data dos factos tal obrigação não constava expressamente da lei. Com efeito, o aspeto primordial é que, como se viu da descrição anterior das sucessivas alterações legislativas e da decisão do Tribunal Constitucional, nada na lei determinava, à data dos factos, em que é que se traduzia a obrigação de comprar para arrendamento de habitação própria, pelo a exigência em que se fundou a AT para determinar no relatório a caducidade das isenções carece de base legal. Nada, a nosso ver, proibia que ao fim de um lapso de tempo o FIIAH não pudesse vender os imóveis que não conseguisse arrendar. De facto, só através dos aditamentos dos n.os 14 a 16 do artigo 8.º é que se veio expressamente dizer e de forma claramente inovadora qual o prazo máximo que o Fundo tinha para arrendar os imóveis pelo que não colhe a argumentação da AT ao dizer que a nova legislação não continha nada de novo e se destinou a regulamentar os normativos anteriormente existentes. De tal sorte assim não é, que o TC considerou que a simples aplicação aos prédios adquiridos antes de 1.1.2014 dos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime dos FIIAH era inconstitucional por violação do princípio da confiança. Dito por outras palavras, o prazo máximo de 3 anos não podia sem mais ser aplicado e, por outro lado, o normativo na versão inicial falava em aquisição de prédios para habitação própria e permanente, tendo os mesmos sido disponibilizados para o efeito e a isenção continuava a ser válida ainda que nenhum contrato viesse a celebrar-se no referido prazo, conforme, aliás, se acentua no Acórdão do Tribunal Constitucional, por razões de funcionamento do mercado. Ora, a Requerente invoca justamente que adquiriu os imóveis com essa finalidade.

O Tribunal entende que o artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH não foi objeto de violação no caso sub judice, pelo que, em consequência determina a anulação das liquidações de IMT, IMI e Imposto de Selo com fundamento em ilegalidade.

Ao considerar que a Requerente tem razão no pedido formulado, deixa de fazer sentido apreciar a questão dos juros compensatórios devidos por aquela [...]".

Já a decisão arbitral recorrida concluiu pela conformidade jurídica das liquidações adicionais, essencialmente, pelas seguintes razões, que sumariou: "[...] V. Os benefícios fiscais, enquanto normas que derrogam os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, devem ser interpretados e aplicados tendo em conta a finalidade extrafiscal para a qual foram criados; VI. O regime jurídico dos FIIAH concede isenções de pagamento de IMT, IS e IMI que caducam na eventualidade de os fundos alienarem os imóveis que beneficiaram daquelas isenções sem que tenham sido efectivamente destinados a arrendamento para habitação permanente nos termos do artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH [...]".

1.4 - Assim, concluímos provisoriamente que existe uma aparente identidade do quadro factual e que existe aparente oposição em relação à mesma questão fundamental de direito, uma vez que as duas decisões arbitrais enfrentam a questão da interpretação e aplicação do disposto no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e a ela oferecem soluções jurídicas antagónicas quanto a saber se o benefício fiscal caduca pelo facto de os imóveis adquiridos não serem objeto de arrendamento. A este respeito a decisão arbitral fundamento concluiu que a isenção se deve considerar efetiva, mesmo que os imóveis sejam vendidos e nunca tenham sido objeto de arrendamento; ao passo que a decisão arbitral recorrida considera que há lugar à caducidade do benefício se os fundos alienarem os imóveis que beneficiaram daquelas isenções sem que tenham sido efetivamente destinados a arrendamento para habitação permanente. Colocada assim a questão parece existir oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, a qual se identifica com a interpretação jurídica do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, ou seja, com a interpretação da norma jurídico-tributária que consagra o benefício fiscal dos FIIAH. Impor-se-ia, assim, a intervenção deste STA nos termos do disposto no artigo 25.º do RJAT.

1.5 - Porém, o Recorrente alega que estão aqui em causa duas questões fundamentais de direito, as quais identifica do seguinte modo: i) a primeira questão fundamental de direito consiste na existência ou não de um "fundamento autónomo e destacável para justificar a caducidade das isenções ao IMT, IS e IMI", o que, no essencial, se reconduz ao problema da interpretação do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH que antes enunciámos; ii) a segunda questão fundamental de direito é enunciada pelo Recorrente como uma divergência na interpretação da jurisprudência constitucional.

Importa, por isso, verificar se a questão pode ser enunciada e decidida como vem alegada pelo Recorrente, ou seja, assente em duas questões fundamentais de direito.

1.6 - Na verdade, cabe sublinhar a existência de quatro decisões do Tribunal Constitucional em que se analisam e decidem questões de constitucionalidade sobre normas do regime jurídico dos FIIAH, arestos aos quais as decisões arbitrais em confronto fazem amplas e determinantes referências para sustentar as suas posições. Cumpre, pois, saber da relevância que estas decisões podem ter para o preenchimento dos pressupostos da intervenção deste STA em matéria de uniformização de jurisprudência. No fundo, importa apurar se a questão fundamental de direito que opõe as decisões arbitrais em confronto consubstancia uma questão de interpretação e aplicação de normas jurídico-tributárias ou (ou também) uma questão de constitucionalidade, como parece resultar das alegações recursivas (conclusão 22.ª), ou seja, devemos apurar se a questão fundamental de direito relativamente à qual existe oposição de julgados consubstancia uma divergência a respeito da interpretação e aplicação de normas jurídico-tributárias ou se existe uma divergência a respeito de uma questão de constitucionalidade que já tenha sido decidida pelo Tribunal Constitucional, como alega o Recorrente.

Vejamos.

1.6.1 - Tendo em conta, como dissemos, que as decisões arbitrais em confronto sustentam as respetivas interpretações jurídicas do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH (norma que mobilizam como parâmetro de decisão dos litígios que solucionam) numa interpretação que fazem dos arestos proferidos pelo Tribunal Constitucional importa aferir se a oposição entre aquelas decisões arbitrais se centra numa divergente interpretação do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH ou numa divergente interpretação do sentido do princípio da proteção da confiança legítima que o Tribunal Constitucional julgou violado por um segmento normativo interpretativo extraído do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH. Só no primeiro caso é que a questão se pode qualificar como oposição entre uma questão fundamental de direito a dirimir por este Supremo Tribunal Administrativo, pois no segundo caso estaremos perante uma questão jurídico-constitucional já dirimida pelo Tribunal Constitucional.

1.6.1.1 - A questão de constitucionalidade que foi suscitada perante o Tribunal Constitucional e a jurisprudência proferida a este respeito

O regime jurídico dos FIIAH foi aprovado, já o dissemos, pelos artigos 102.º a 104.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro (LOE/2009). No artigo 103.º da Lei 64-A/2008 estipulava-se que este regime jurídico seria aplicável aos FIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor daquela e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período, ou seja, até 2013.

Em 2013, na Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE/2014), procedeu-se à alteração da redação dos n.os 1, 14, 15 e 16 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH (artigo 235.º da Lei 83-C/2013) e no artigo 236.º dessa Lei 83-C/2013 estipulou-se o seguinte: "1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014; 2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014".

Para melhor se compreender a questão vejamos a redação do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH

Artigo 8.º

Regime tributário

1 - Ficam isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.

1 - Ficam isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2015, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores. (Redação do artigo 235.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro)

2 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.

3 - Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.

4 - As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.

5 - São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.

6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º

9 - Ficam isentas de taxas de supervisão as entidades gestoras de FIIAH no que respeita exclusivamente à gestão de fundos desta natureza.

10 - Ficam excluídas das isenções constantes do presente artigo as entidades que sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

11 - As obrigações previstas no artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 125.º do Código do IRS devem ser cumpridas pelas entidades gestoras ou registadoras.

12 - Caso os requisitos referidos no n.º 1 deixem de se verificar, cessa a aplicação do regime previsto no presente artigo, passando a aplicar-se o regime previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de julho, devendo os rendimentos dos fundos de investimento referidos no n.º 1 que, à data, não tenham ainda sido pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares ser tributados às taxas previstas no artigo 22.º-A do referido diploma, acrescendo os juros compensatórios correspondentes. (Redação do artigo 6.º do Decreto-Lei 7/2015, de 13 de janeiro)

13 - As entidades gestoras dos fundos de investimento referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto dos fundos cuja gestão lhes caiba.

14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo. (Aditado pelo artigo 235.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro)

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto. (Aditado pelo artigo 235.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro)

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior. (Aditado pelo artigo 235.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro)

(* em itálico a redação introduzida pela Lei 83-C/2013)

A primeira questão que foi suscitada ao TC no Acórdão 61/2017 foi a da conformidade constitucional do «artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, enquanto aplicável "aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014"», tendo aquele Tribunal concluído nessa ocasião que "a norma que constituía a ratio decidendi da decisão recorrida era a norma constante da alínea a) do n.º 7 do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH e não a norma sobre regime transitório plasmada no artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro", razão pela qual não conheceu do objeto do recurso.

Na segunda vez que a questão foi suscitada perante o TC, no acórdão 175/18, analisou-se a recusa da decisão arbitral na aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, «do n.º 2, do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, na redação da Lei 83-C/2013», tendo aquele Tribunal concluído que era "inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.os 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014".

Na fundamentação deste aresto o Tribunal Constitucional considerou que para aferir corretamente dos termos da aplicação da regra do n.º 3 do artigo 103.º da CRP à factualidade subjacente se impunha que previamente procedesse "[...] à exata caracterização do pressuposto que integra a condição aposta aos benefícios fiscais consagrados no artigo 8.º, n.º 7, alínea a), e n.º 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei 64-A/2008 [...]" o que levou a que nos pontos 11 e 12 desse aresto se dissertasse amplamente sobre a caracterização do tipo de benefício fiscal previsto no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH [afirmando-se, por exemplo, que "as isenções fiscais previstas naquelas disposições se encontravam sujeitas já a uma condição resolutiva, cujo pressuposto se projetava para além do facto tributário"] e sobre o sentido que o legislador lhe tinha querido imprimir [concluindo-se que "o conjunto de elementos acima considerados aponta, ao invés, para a conclusão de que se tratava, já então, de um facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas se completava com a efetiva disponibilização do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício"].

Uma opção que motivou até a seguinte observação na declaração de voto que acompanha a decisão "[...] Com efeito, parece-me que as considerações feitas nos pontos 11 e 12 do Acórdão excedem largamente os poderes cognitivos da jurisdição constitucional, sobretudo no âmbito da fiscalização concreta, cuja função não é a de sindicar a interpretação da lei ordinária feita pelas instâncias, mas apenas a de apreciar a constitucionalidade das normas que resultam de tal interpretação [...]"

Na terceira pronúncia do TC, no acórdão 489/18, analisou-se uma vez mais a recusa de uma decisão arbitral de aplicação do «n.º 2 do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, na redação da Lei 83-C/2013», desta vez com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. O TC, em decisão expressamente remissiva para o acórdão 175/18 antes mencionado, julgou inconstitucional o segmento normativo que havia sido desaplicado, com fundamento na violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, sempre que aquele segmento normativo fosse aplicado com o sentido de haver lugar à liquidação de IMT e de Imposto de Selo (por caducidade das isenções respetivamente previstas nos n.os 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º) relativamente a imóveis que, tendo sido adquiridos por fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, em momento anterior a 1 de Janeiro de 2014, fossem vendidos antes de decorrido o prazo de 3 anos contados a partir de 1 de Janeiro de 2014, sem que tivessem sido objeto de contrato de arrendamento habitacional.

Esta decisão foi acompanhada de um voto de vencido no qual se concluía o seguinte: «[...] Atendendo à especificidade da realidade tributária inerente ao caso (que se refere a um facto complexo de formação sucessiva) e ao objetivo do legislador com a atribuição do benefício fiscal em causa - a tutela de interesses sociais ligados ao mercado da habitação - a norma transitória aplicável aos FIIAH e SIIAH consagrada no n.º 2, do artigo 236.º da LOE 2014, que estabeleceu que sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014 (destaque nosso), não padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP».

A mesma questão - conformidade constitucional do «n.º 2 do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, na redação da Lei 83-C/2013» - foi ainda formulada perante o Tribunal Constitucional no Acórdão 622/2019, tendo a mesma, uma vez mais, sido decidida por remissão para o Acórdão 175/18. Nela pode ler-se, com interesse para a questão que nos ocupa o seguinte: "O alargamento das causas de caducidade dos benefícios fiscais - no caso de o imóvel adquirido, apesar de disponibilizado para arrendamento habitacional, não vir a ser efetivamente arrendado dentro de determinado prazo, ainda que por razões não imputáveis ao fundo, e/ou no caso de alienação, ainda que determinada pelo prejuízo daí adveniente - impõe-se como inelutável a apontada conclusão de que "[...] a lei nova transfere para os fundos o risco inerente ao funcionamento do mercado em termos que não só não tinham paralelo no domínio da lei antiga como não eram, em face dos que aí se previam, de modo algum antecipáveis", resultado não tolerado pela tutela constitucional da confiança".

1.6.1.1.1 - De tudo quanto se transcreveu e sumariou resulta evidente que o Tribunal Constitucional apenas julgou a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.º da LOE 2014, bem como do segmento normativo interpretativo que se pode extrair da conjugação dessa norma com a do n.º 16 do artigo 8.º da Lei 64-A/2008, na redação dada pela Lei 83-C/2013, considerando expressamente que estas normas violavam o princípio da proteção da confiança legítima (o artigo 2.º da CRP) sempre que interpretadas e aplicadas no sentido de que o benefício fiscal consagrado no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH caducava se os imóveis que, tendo sido adquiridos por fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, em momento anterior a 1 de janeiro de 2014, fossem vendidos antes de decorrido o prazo de 3 anos contados a partir de 1 de janeiro de 2014, sem que tivessem sido objecto de contrato de arrendamento habitacional.

1.6.1.2 - A relação expressa entre as decisões arbitrais fundamento e recorrida e o teor da decisão de inconstitucionalidade e a sua influência na determinação do objecto da presente oposição dos julgados

Ora, as decisões arbitrais em confronto divergem na interpretação que fazem da norma do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH na redacção prévia à alteração legislativa introduzida pela Lei 83-C/2013, que é a que está em apreço neste recurso de uniformização e divergem também na interpretação que fazem daquilo que o Tribunal Constitucional afirmou a respeito da conformidade constitucional do segmento normativo interpretativo a extrair dessa norma.

A decisão arbitral fundamento (proferida em 12.05.2020) concluiu que só com o aditamento dos n.os 14 a 16 ao artigo 8.º é que se veio expressamente a prever na lei que o Fundo tinha que arrendar efetivamente os imóveis para poder beneficiar das isenções tributárias previstas na norma e que da redação original do preceito não resultava essa interpretação condicionante, porquanto não havia uma definição legal da exigência de "obrigação de comprar para arrendamento de habitação própria". E concluiu que esta interpretação se retirava da jurisprudência do TC, porquanto não era apenas o prazo de três anos para a realização de um arrendamento que não podia aplicar-se aos imóveis adquiridos antes da entrada em vigor da nova redação do artigo 8.º dada pela Lei 83-C/2013. Pelo contrário, na sua interpretação do que foi afirmado pela jurisprudência do TC caberia concluir que uma interpretação das normas conforme com o princípio da proteção da confiança legítima impunha que para o gozo do benefício fiscal bastaria a disponibilização dos imóveis para arrendamento para habitação própria, independentemente de um efetivo arrendamento dos mesmos e independentemente de um prazo mínimo ou máximo para o efeito.

Ou seja, a decisão arbitral fundamento concluiu da jurisprudência constitucional que não é apenas o n.º 2 do artigo 236.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, que é inconstitucional por impor uma condição nova ao benefício fiscal com efeitos retroativos, mas que também a redação original do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH não pode ser interpretada como já contemplando uma condicionalidade de arrendamento efetivo do prédio.

Já a decisão arbitral recorrida (proferida em 05.01.2021) concluiu que a jurisprudência do Tribunal Constitucional não se pronunciou no sentido que lhe é dado pela decisão arbitral fundamento, mas sim no sentido inverso, e convoca para o efeito as passagens dos pontos 11 e 22 do já mencionado Acórdão 175/18, onde se afirma, com relevância para o juízo a firmar sobre a questão, entre outras coisas, o seguinte:

"[...] Pode, por isso, legitimamente duvidar-se de que, antes mesmo das alterações introduzidas pela Lei 83-C/2013, a mera declaração de vontade expressa no ato de aquisição pelo fundo, ainda que conforme à respetiva vontade real, constituísse, tal como entendeu o Tribunal a quo, o único pressuposto da condição - nesse caso necessariamente suspensiva - aposta aos benefícios concedidos na alínea a) do n.º 7 e no n.º 8 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH.

Existe, pelo contrário, um conjunto suficientemente convincente de elementos que apontam para a ideia de que as isenções fiscais previstas naquelas disposições se encontravam sujeitas já a uma condição resolutiva, cujo pressuposto se projetava para além do facto tributário: a não disponibilização do imóvel para arrendamento habitacional do imóvel adquirido pelo fundo em momento ulterior ao da respetiva aquisição determinava a caducidade do benefício, com consequente renascimento da correspondente obrigação tributária [...]».

Em suma: mesmo atentando nos argumentos invocados na sentença recorrida, encontramo-nos longe de poder afirmar com segurança que o pressuposto de aplicação da norma excecional isentiva - destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente - tinha, na versão aprovada pela Lei 64-A/2008, a mesma natureza instantânea que o ato de aquisição do imóvel; o conjunto de elementos acima considerados aponta, ao invés, para a conclusão de que se tratava, já então, de um facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas se completava com a efetiva disponibilização do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício [...]».

Destas passagens daquele aresto do Tribunal Constitucional, a decisão arbitral recorrida conclui que o julgamento de inconstitucionalidade por violação da proteção da confiança legítima se limita ao segmento normativo interpretativo a extrair do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH na parte respeitante à imposição da condição do prazo de 3 anos para a efetivação do arrendamento e não à condicionante de imposição de efetivação de um arrendamento. Esta conclusão é clara na seguinte passagem da decisão arbitral recorrida: "[...] Da leitura das considerações efetuadas pelo Tribunal Constitucional não restam dúvidas de que apesar de as isenções estabelecidas no artigo 8.º, do regime jurídico dos FIIAH, na redacção inicialmente conferida pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não referirem expressamente a necessidade de efectivação de arrendamento para habitação própria e permanente dos imóveis adquiridos pelos FIIAH, é essa a ratio legis subjacente à previsão daquelas isenções. Dito de outro modo, não restam dúvidas de que a concessão das isenções de IMT, IS e IMI em virtude de os imóveis adquiridos pelos FIIAH serem "destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente" materializa a concessão de um benefício fiscal de forma automática, embora sujeita a uma condição resolutiva, que se consubstancia na efectiva celebração de contratos de arrendamento para habitação própria e permanente [...]».

Daqui podemos concluir o seguinte:

- Primeiro, que a divergência interpretativa entre as decisões arbitrais recorrida e fundamento se centra na interpretação a extrair das normas legais do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH na redação em vigor antes da alteração legislativa introduzida pela Lei 83-C/2013;

- Segundo, que a interpretação desse segmento normativo ou dessa norma não foi objeto de decisão do Tribunal Constitucional, na medida em que as decisões proferidas e antes mencionadas julgam apenas a questão dos efeitos retroativos decorrentes da nova redação do 8.º do regime jurídico do FIIAH em função da alteração legislativa introduzida pela Lei 83-C/2013;

- Terceiro, que a oposição entre as decisões arbitrais recorrida e fundamento no respeitante à interpretação que ambas fazem do teor da jurisprudência constitucional não é objecto do presente recurso: i) seja porque se trata de uma divergência entre as fundamentações e não entre as decisões arbitrais em confronto e tal não consubstancia "matéria de uniformização", não podendo reconduzir-se a uma questão fundamental de direito, como alega a Recorrente; ii) seja porque as decisões do Tribunal Constitucional não incidem, como vimos, sobre a norma cuja interpretação temos de uniformizar e as passagens daqueles arestos que são transcritas nas decisões arbitrais em confronto consubstanciam um obiter dictum no contexto da decisão que ali é tomada, a qual é balizada pelo princípio do pedido (artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional) e restrita à questão jurídico-constitucional implicada na questão recorrida (artigo 71.º da Lei do Tribunal Constitucional).

Assim, cabe concluir que a alegada segunda questão fundamental de direito enunciada pelo Recorrente como uma divergência entre as decisões arbitrais recorridas a respeito da interpretação da jurisprudência constitucional que se pronunciou sobre a norma legal do artigo 8.º, n.os 6, 7 e 8 do regime jurídico do FIIAH não se configura juridicamente como uma questão fundamental de direito: i) quer porque a oposição resulta da fundamentação das decisões arbitrais e não dos seus dispositivos; ii) quer porque é falso que o Tribunal Constitucional tenha já emitido um julgamento sobre a conformidade constitucional da norma que serviu de parâmetro de decisão à oposição de julgados aqui em presença.

O recurso apenas pode ser admitido em relação à questão enunciada pelo Recorrente como a primeira questão fundamental de direito.

1.7 - Por último, sobre a identificada questão fundamental de direito que constitui o único objeto do presente recurso para uniformização de jurisprudência não existe jurisprudência prévia deste Supremo Tribunal Administrativo, o último dos requisitos previstos no artigo 284.º para aferir da admissibilidade do recurso.

Assim, impõe-se admitir o presente recurso e uniformizar a jurisprudência.

2 - Da correcta interpretação dos pressupostos normativos do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original.

2.1 - A questão que cumpre apreciar é, afinal, a de saber se é ou não correta a interpretação formulada pela AT e acolhida pela decisão arbitral recorrida, de que dos n.os 6, 7 e 8 do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH (ou seja, na sua redação original deste artigo 8.º dos FIIAH) já resulta a caducidade dos benefícios fiscais aí previstos (isenção de IMT, IMI e IS) caso os imóveis adquiridos ao abrigo daquele regime jurídico venham a ser alienados sem nunca terem sido arrendados.

No essencial, o que há a interpretar é a expressão "destinados ao arrendamento para habitação permanente", que é aquela que se repete nas três normas e que assegura a isenção de IMT e de IS no momento do facto tributário aquisitivo, bem como a isenção de IMI pelo período em que estes imóveis "se mantiverem na carteira do FIIAH".

Para a AT "destinados" significa neste caso que esse tem de ser um fim alcançado por aqueles imóveis antes da respetiva alienação, sob pena de caducidade do benefício. A AT defende desde o RIT, com fundamento no n.º 3 do artigo 14.º do EBF, que a alienação dos imóveis sem que os mesmos tenham sido objeto de arrendamento determina a caducidade do benefício fiscal. E os FIIAH entendem que o disposto neste artigo do EBF só poderia aplicar-se ao caso se expressamente se tivesse previsto essa condição no regime jurídico em causa, em especial no referido artigo 8.º aqui em análise.

Porém, carece de fundamento jurídico a tese de que estamos perante um "benefício fiscal incondicionado", pois tudo aponta para que este seja um benefício fiscal condicionado, do tipo previsto no n.º 2 do artigo 14.º do EBF (i. e., condicionado ao cumprimento do fim para o qual este benefício fiscal foi criado e que, segundo o relatório do OE/2009, era o de apoiar as famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação) e que sem a verificação dessa condição, que tem natureza resolutiva, o benefício fiscal caduque, impondo-se a recuperação dos montantes da despesa fiscal indevidamente suportada pelo Estado.

Para os Representantes dos FIIAH aquele benefício fiscal tinha aposta uma condição que teria de reconduzir-se a uma obrigação de meios e não de resultados, ou seja, para cumprir a condição bastaria que os imóveis do Fundo fossem disponibilizados para arrendamento, mas não podia exigir-se que fossem efetivamente arrendados, pois a condição nesse caso deixaria de depender apenas de obrigações que pudessem ser impostas ao beneficiário e ficaria na dependência de condições de mercado, o que não tem sentido no âmbito da construção de um benefício fiscal. E por essa razão, esse nunca poderia ter sido o sentido original da norma, pois ela nunca poderia ser interpretada assim por um "destinatário normal".

E acrescentam ainda que a imposição de uma autorização prévia do Ministro das Finanças para a alienação, sob cominação de caducidade do benefício fiscal constitui um "aditamento ao tipo normativo legal", por via interpretativa administrativa que viola o princípio da legalidade fiscal, na dimensão do princípio da tipicidade, ou seja, a AT impôs uma condição que só o legislador poderia exigir, atento o facto de este ser um domínio de reserva de competência legislativa (artigo 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i da CRP).

Vejamos o sentido que se pode extrair da norma a partir dos elementos da interpretação jurídica.

2.2 - O elemento literal diz-nos que estamos efetivamente perante um benefício fiscal condicionado. É isso que se infere, claramente, dos pressupostos normativos em causa:

«[...]

Artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12

[...]

6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

7 - Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º

[...]»

Só se podem considerar isentos de IMI os imóveis integrados na carteira do FIIAH enquanto estejam destinados ao arrendamento para habitação permanente, assim como só podem considerar-se isentos de IMT as aquisições de prédios efetuadas por estes FIIAH destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente e só podem considerar-se isentos de IS os atos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos.

O elemento literal da interpretação jurídica parece apontar já para o sentido que veio a ser acolhido na decisão arbitral recorrida, sobretudo a partir da letra do n.º 8 do artigo 8.º onde expressamente se faz referência à substancialidade do negócio que se pretendeu isentar, identificando-o com a "conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento".

2.3 - E o elemento histórico aponta no mesmo sentido, como resulta do texto que serve de base à proposta do Orçamento do Estado para 2009 e, por isso, à criação do regime jurídico em questão e que aqui passamos a transcrever:

«[...]

Criação dos Fundos de Investimento Imobiliário Arrendamento Habitacional

Merece igualmente referência a iniciativa em matéria de criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário especificamente vocacionados para o investimento em imóveis destinados ao arrendamento habitacional. Com esta iniciativa pretende-se criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal, prevendo-se um regime tributário especialmente favorável aplicável até 31 de Dezembro de 2020. O presente regime é aplicável a fundos e sociedades constituídas nos cinco anos subsequentes à entrada em vigor da lei e aos imóveis por aqueles adquiridos nesse período.

No essencial, vem prever-se a criação de fundos e sociedades de investimento imobiliário cujo activo total seja constituído, numa percentagem não inferior a 75 %, por imóveis situados em Portugal destinados ao arrendamento para habitação permanente. Deste modo, pretende-se criar as condições necessárias, à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento e permitir, ainda, às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, alienar o respectivo imóvel ao fundo ou à sociedade, com redução dos respectivos encargos, substituindo-os por uma renda de valor inferior àquela prestação e mantendo uma opção de compra sobre o imóvel que arrendem ao fundo.

Propõe-se que o regime fiscal destes fundos contemple:

. Isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) sobre os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2014.

. Isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC sobre os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.

. Isenção de IRS sobre as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento, desde que a relação de arrendamento se mantenha e venha a ser exercida a opção de compra no final.

. Dedução à colecta em IRS das importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.

. Isenção de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, para os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente.

. Isenção de IMT nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente ou de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento.

. Isenção de Imposto do Selo em todos os actos conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento, bem como com o exercício da opção de compra.

. Isenção de taxas de supervisão para as entidades gestoras de FIIAH no que respeita à gestão de fundos desta natureza.

[...]»

Daqui resulta que a finalidade deste benefício fiscal não era a criação de fundos de investimento imobiliário e sim a colocação de imóveis no mercado de arrendamento, bem como o apoio transitório às famílias oneradas com os empréstimos, permitindo-lhes "converter" o crédito à habitação em arrendamento para habitação permanente com condições mais favoráveis.

E tanto assim é que o benefício foi estruturado sob uma "dupla despesa fiscal": a despesa decorrente das isenções de IMT, IS e IMI em benefício dos fundos e a despesa decorrente da "conversão do empréstimo em arrendamento" em benefício das pessoas singulares que passariam a arrendatárias dos imóveis transmitidos a esses fundos e, para esse efeito, beneficiariam de isenção de mais-valias no momento da transmissão e de uma dedução à coleta de IRS correspondente a uma parte do valor das rendas.

Trata-se, por conseguinte, de um benefício fiscal complexo, que se tem de interpretar e analisar de forma conjunta e estruturada e não segmentária, como propõe o Recorrente, bem como de um benefício fiscal dinâmico, que pressupõe operações de conversão de empréstimos em arrendamentos e não um benefício fiscal estático a favor dos FIIAH, em razão da sua mera constituição associada a uma atitude passiva no respeitante à afetação dos imóveis ao arrendamento.

Ainda no âmbito do elemento histórico veja-se:

- O que disse o Primeiro-Ministro por ocasião do debate na generalidade ao apresentar esta medida: "[...] Em terceiro lugar, as famílias com habitação própria vêem diminuídos os seus encargos com o IMI e substancialmente aumentada a dedução, em sede de IRS, das despesas com juros. Para os contribuintes de mais baixos rendimentos, isto significa o aumento em 50 % desta dedução fiscal. E o Estado incentiva, por via fiscal, o desenvolvimento dos fundos de arrendamento, que representam mais um instrumento a que as famílias podem recorrer para protegerem o seu património e rendimento numa época de maior dificuldade económica [...]" [in Diário da AR, n.º 16, de 6 de novembro de 2008, pp. 61];

- O diálogo parlamentar quando se questionou especificamente a finalidade da medida e os beneficiários da mesma segundo a intencionalidade da norma: "[...] A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, na verdade, as questões que tenho para lhe colocar têm a ver com uma matéria que o Sr. Primeiro-Ministro tem procurado fazer passar em silêncio ao longo de todo este debate, tendo já sido questionado sobre ela duas, três vezes - trata-se dos fundos de investimento imobiliário para o arrendamento -, mas as perguntas caiem no silêncio. Ora, isso é a demonstração de como as respostas do Governo para responder às necessidades desta emergência social, para responder à crise não estão à altura das necessidades sociais das pessoas que se colocam hoje em dia. A minha primeira questão tem a ver com a injustiça que está subjacente a estes fundos. Isto é, pessoas que compraram casa numa altura de especulação, de alta de preço das habitações, em que o valor do crédito que contraíram com o banco subiu, vão agora entregá-las ao Fundo, numa altura em que as casas são avaliadas por baixo, porque estão desvalorizadas.

Sr. Primeiro-Ministro, o que lhe quero perguntar é o seguinte: admite que estas pessoas, que já foram prejudicadas pelas flutuações do valor da sua habitação e pela desvalorização do investimento que fizeram, paguem uma renda ao mesmo banco para o qual têm estado a pagar juros ao longo de todos estes anos e cheguem ao final do processo a pagar para habitar uma casa em relação à qual mantêm um endividamento com esse banco no final das contas? Esta medida é da sua responsabilidade, Sr. Primeiro-Ministro!! Porque se cria uma figura que, segundo o Sr. Primeiro-Ministro, é para resolver um dos problemas centrais de hoje, tem de dizer qual é a medida da sua responsabilidade e da sua garantia em relação a estes proprietários.

A segunda questão que lhe quero colocar tem a ver a justificação da criação deste verdadeiro paraíso fiscal. Porque estes fundos de investimento imobiliário beneficiam de isenções de IRC, de IMI, de IRS sobre a distribuição das receitas dos fundos. Ora, Sr. Primeiro-Ministro, na verdade este é um bom negócio para a banca! É um negócio tão bom que todos os promotores imobiliários começam já a «pôr-se em bicos de pés» para entrarem também neste negócio.

Sr. Primeiro-Ministro, tem de explicar este paraíso fiscal que o senhor e o seu Governo estão a criar com estes fundos, porque ele é um acréscimo de todos os benefícios que os contribuintes já estão a pagar à banca para a sustentabilidade do sistema financeiro.

[...]

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, começo pelos fundos de arrendamento. Os fundos de arrendamento são uma iniciativa do Governo para criar um incentivo fiscal a que esses fundos constituam mais uma alternativa para as pessoas com dificuldades no pagamento das prestações mensais na habitação. Não é uma medida que vise dar casas às pessoas, porque isso é impossível, mas é uma medida à qual as pessoas podem, se quiserem, recorrer. É mais uma possibilidade. Ora, estamos a falar de pessoas que, sem esta alternativa, possivelmente ficariam sem as casas. Esta alternativa é uma alternativa boa para as pessoas porque naquele momento as pessoas têm a hipótese»

[...]

O Sr. Primeiro-Ministro: - Naquele momento as pessoas têm mais uma possibilidade. Esta alternativa destina-se só a quem quiser. É mais uma possibilidade e ninguém é obrigado a fazê-lo.

Em muitos casos as alternativas são ou entregar a casa e ficar sem casa ou negociar com o banco. Ou seja, naquele momento a casa é avaliada pelo valor do mercado. O banco paga pelo valor do mercado»

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Em baixa!

O Sr. Primeiro-Ministro: - Em baixa, neste momento» Não, desculpem, mas o valor do arrendamento também será em função do mercado naquele momento. Claro está que, no futuro, as pessoas terão a opção de comprar a casa»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Em alta!

O Sr. Primeiro-Ministro: - Em alta?! Como é que sabemos se é em alta ou se é em baixa? Os senhores acham. Qual é a alternativa? A alternativa que os senhores estão a sugerir é a seguinte: «Bom, quem não pode pagar não paga e ficará na casa a pagar uma renda. E o banco fica prejudicado com essa situação.»

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Não, não!

O Sr. Primeiro-Ministro: - Mas isso não pode ser. Ó Sr. Deputado, esta é mais uma possibilidade, que os senhores não querem reconhecer, a que muitas pessoas recorrerão e ficarão satisfeitas com isso porque lhes permitirá viver na mesma casa e ter mais uma possibilidade de, vivendo na mesma casa, pagar uma renda que está de acordo com as suas possibilidades.

Mais tarde, se o quiserem fazer, ficam de novo com a casa. Julgo que esta solução é benéfica.

O que fazemos é criar um sistema fiscal atractivo justamente para beneficiar as pessoas, para que essas pessoas não tenham ainda o encargo do pagamento de impostos que teriam de pagar caso tivessem de fazer o arrendamento de outra forma.» [in Diário da AR, n.º 16, de 6 de novembro de 2008, pp. 98-100].

- E o que disse, na mesma ocasião, o Ministro das Finanças: "[...] Ao mesmo tempo, com a verificação do agravamento dos encargos das famílias com a habitação, o Governo actuou prontamente para atenuar esses efeitos, especialmente sobre as famílias mais carenciadas, tendo aprovado a redução da taxa máxima do IMI e o alargamento do prazo de isenção desse imposto; a isenção regressiva nos valores de dedução à colecta com os encargos com a habitação, que pode chegar aos 50 % para os escalões mais baixos de IRS, beneficiando quase um milhão de famílias. Eliminamos também barreiras económicas ou legais, quer à renegociação das condições dos empréstimos quer à respectiva mobilidade entre instituições. A própria proposta de criação dos fundos de arrendamento habitacional, beneficiando de um regime fiscal mais favorável, garantirá o acesso à habitação em condições mais vantajosas que as actualmente existentes. Todas estas medidas ajudam a economia, pois apoiam um número muito significativo de empresas e de famílias. [...]» [in Diário da AR, n.º 17, de 7 de novembro de 2008, pp. 26].

E cabe ainda sublinhar que a Portaria 1553-A/2008, que veio tornar operativas algumas normas do regime jurídico dos FIIAH dispunha no seu preâmbulo o seguinte: "A Lei do Orçamento do Estado para 2009 veio introduzir a figura dos fundos de investimento imobiliário especificamente vocacionados para o investimento em imóveis destinados ao arrendamento habitacional, tendo em vista, por um lado, contribuir para o desagravamento dos encargos das famílias no actual contexto dos mercados financeiros e, por outro, criar um estímulo adicional ao mercado do arrendamento urbano em Portugal. No essencial, veio prever-se a criação de fundos de investimento imobiliário cujo activo total é constituído, numa percentagem não inferior a 75 %, por imóveis situados em Portugal destinados ao arrendamento para habitação permanente, sendo-lhes consagrado um regime tributário especialmente favorável. Deste modo, pretende criar-se as condições necessárias à colocação dos imóveis no mercado de arrendamento e permitir, ainda, às famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, alienar o respectivo imóvel ao fundo, com redução dos respectivos encargos, substituindo-os por uma renda de valor inferior àquela prestação e mantendo uma opção de compra sobre o imóvel alienado".

Dúvidas não restam de que a medida foi apresentada no parlamento e regulamentada como uma despesa fiscal a favor das famílias e do direito à habitação destas e não como uma medida dinamizadora do mercado de capitais e do apoio aos fundos de investimento imobiliário. O estímulo a estas entidades tinha uma natureza funcional relativamente ao objetivo primeiro daquele regime jurídico. E não pode admitir-se que destinatários da medida colocados na posição real de investidores neste tipo de instrumentos financeiros, com a capacidade efetiva que têm de acesso à informação, objetivamente, ignorassem o teor do debate parlamentar e do sentido que foi dado às normas que instituíram o benefício fiscal aqui em apreço no momento da sua aprovação e regulamentação.

2.4 - O elemento teleológico da interpretação normativa não terá aqui um valor determinante para a fixação do sentido das normas em apreço, mas dele podemos, ainda assim retirar alguns contributos válidos. Com efeito, o enquadramento deste regime jurídico no respetivo contexto socioeconómico de 2008-2009 permite compreender que, tal como resultou do elemento histórico, a finalidade de interesse público a prosseguir com este regime fiscal mais favorável era a de assegurar a continuidade do acesso à habitação das famílias que se viram em situação económica difícil no contexto da crise financeira internacional, originária da crise do subprime, que tinha tido início em 2007, nos EUA.

O objetivo do regime jurídico era - como já explicámos antes - apoiar estas famílias através de um regime de benefícios fiscais por via do IRS e por via da conversão dos empréstimos em arrendamentos graças ao incentivo instituído a favor dos FIIAH. Ora, se estes fundos não chegassem a arrendar os imóveis ficaria frustrado o objetivo desta política económica e fiscal e, mais do que isso, no que no aqui releva em termos jurídicos, tornar-se-ia injustificada a despesa fiscal a favor de certas entidades. Também por essa razão este seria um resultado interpretativo inadmissível à luz do disposto no n.º 3 do artigo 14.º da LGT, que impõe uma definição clara dos objetivos dos benefícios fiscais.

E não podemos deixar de concluir que, a admitir-se que as isenções de IMI, IMT e IS pudessem não caducar nos casos em que os imóveis adquiridos pelos FIIAH viessem a ser alienados sem nunca terem sido arrendados, o mais provável é que se produzisse um resultado inverso àquele que era visado pelo benefício fiscal, permitindo que fundos imobiliários utilizassem a crise e o benefício fiscal para obter rendimentos decorrentes de uma valorização dos imóveis no mercado à custa do sacrifício do direito à habitação dos titulares originários desses bens onerados com os respetivos empréstimos.

É por isso que, teleologicamente, também não se afigura juridicamente razoável a interpretação adotada no acórdão fundamento.

2.5 - Assim, pelos fundamentos antes enunciados, cumpre concluir que as normas dos artigos 8.º, n.os 6, 7 e 8 do regime jurídico dos FIIAH, na sua redação original, devem ser interpretadas no sentido de que instituíram um benefício fiscal cuja finalidade primeira era a garantia do direito à habitação e que visava apoiar os titulares de empréstimos à habitação na conversão destes encargos em regimes de arrendamento, para o que instituiu um benefício fiscal complexo, do qual faziam parte, como estímulo à dinamização daquele mercado de arrendamento, as isenções de IMI, IMT e IS a favor dos FIIAH. Estas isenções fiscais, contudo, estavam condicionadas à destinação dos imóveis integrados naqueles fundos ao regime do arrendamento. Daqui decorria a caducidade daqueles benefícios - leia-se isenções fiscais -, ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 14.º do EBF, sempre que os imóveis viessem a ser alienados sem terem sido efetivamente afetos a arrendamento para habitação permanente.

A referência que a AT faz à necessidade de autorização do Ministro das Finanças para efeitos de obstar àquele efeito de caducidade do benefício é apenas uma forma de mostrar um meio ao dispor do sujeito passivo para tentar evitar os efeitos da caducidade do benefício, explicando, por exemplo, a razão pela qual apesar de ter envidado todos os esforços, não foi possível destinar o imóvel ao arrendamento antes da sua alienação.

Esta faculdade/direito de comunicação prévia ao Ministro das Finanças com o intuito de obter uma autorização que obstasse ao efeito da caducidade afigura-se uma faculdade do sujeito passivo e não a criação de um pressuposto normativo novo, como alega o Recorrente. Como já explicámos, o benefício fiscal tinha em si uma natureza condicionada (funcionalizada à realização dos fins do arrendamento) e uma eficácia resolutiva em caso de não cumprimento da condição. É por isso que, como também se explica no acórdão recorrido, a necessidade de cumprimento da condição (i. e., o arrendamento prévio do imóvel) já decorria do disposto no segmento normativo interpretativo resultante da conjugação dos n.os 6, 7 e 8 do artigo 8.º do FIIAH com o n.º 2 do artigo 14.º da LGT, porquanto aí se dispõe expressamente que os titulares de benefícios fiscais são sempre obrigados a revelar à AT os pressupostos em que repousa o benefício ou a cumprir as obrigações previstas na lei, sob pena de esses benefícios ficarem sem efeito.

Assim, tendo o benefício como pressuposto legal a destinação do imóvel a arrendamento habitacional permanente, o FIIAH teria sempre que fazer prova junto da AT do cumprimento daquele pressuposto (da condição legal) ou, em caso de "justo impedimento" (por exemplo, por não ter tido resposta do mercado, ou seja, por nenhum interessado ter apresentado proposta para arrendar o imóvel), de solicitar uma autorização para promover a alienação do bem apesar de não estar cumprida a condição. Caso contrário, a ter lugar a alienação do imóvel sem se ter preenchido a condição (sem o bem ter sido arrendado) e sem se ter obtido a autorização, os benefícios fiscais (ou seja, as isenções de IMT, IS e IMI) teriam de considerar-se sem efeito, o mesmo é dizer que aqueles benefícios fiscais caducariam.

IV - Decisão

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em admitir o recurso, manter o decidido na decisão arbitral recorrida e fixar a seguinte jurisprudência: "As isenções fiscais dos n.os 6 (IMI), 7 (IMT) e 8 (IS) do artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da Lei 64-A/2008, de 31/12 (LOE 2009), devem ser interpretadas no sentido de que estão sujeitas à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação".

Custas pelo Recorrente.

Registe-se, notifique-se e comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 24 de novembro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5406134.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1913-07-17 - Lei 64 - Ministério do Interior - Direcção Geral de Administração Política e Civil

    Autoriza a Câmara Municipal de Serpa a municipalizar os serviços de abastecimento de água e da iluminação, a construir um edifício para os Paços do Concelho, e a contrair um empréstimo para ocorrer às respectivas despesas.

  • Tem documento Em vigor 1989-07-01 - Decreto-Lei 215/89 - Ministério das Finanças

    Aprova o estatuto dos benefícios fiscais e altera os Códigos de IRS e de IRC.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Portaria 1553-A/2008 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Define o regime jurídico a que ficam sujeitos os imóveis adquiridos por um fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH).

  • Tem documento Em vigor 2013-12-31 - Lei 83-C/2013 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2014.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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