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Acórdão do Tribunal Constitucional 247/2021, de 9 de Junho

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos n.os 4 e 5 do artigo 19.º, quando conjugados com o n.º 6 do mesmo artigo, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 247/2021

Sumário: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos n.os 4 e 5 do artigo 19.º, quando conjugados com o n.º 6 do mesmo artigo, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto.

Processo 168/2021

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - A Provedora de Justiça requereu, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma resultante das disposições conjugadas dos n.os 4 e 6 do artigo 19.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, bem como da inconstitucionalidade consequente do artigo 19.º, n.º 5, daquele diploma, decorrente da sua relação instrumental com o respetivo n.º 4.

2 - O pedido vem acompanhado da seguinte fundamentação:

«I. Breve enquadramento constitucional da candidatura de grupos de cidadãos eleitores aos órgãos das autarquias locais

1.º A Lei Constitucional 1/97 aditou o n.º 4 ao artigo 239.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual «[a]s candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei».

2.º Até então, a Constituição reservava o exclusivo da participação eleitoral mediante a propositura de candidaturas aos partidos políticos, com exceção das candidaturas às assembleias de freguesia, as quais, desde o texto originário, de 1976, podiam também ser apresentadas por grupos de cidadãos eleitores (artigo 246.º, n.º 2, da Constituição, na versão originária).

3.º A possibilidade de os grupos de cidadãos eleitores passarem também a concorrer às eleições de todos os órgãos autárquicos - acrescentando-se os órgãos deliberativo e executivo do município - é, por isso, jurídico-constitucionalmente relevante, enquanto concretização expressa, ao nível das autarquias locais - manifestação da organização democrática do Estado (artigo 235.º, n.º 1) -, do direito dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, consagrado no artigo 48.º, n.º 1.

4.º Assim, o direito de os cidadãos apresentarem, diretamente - sem intermediação dos partidos políticos -, candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais é, na sua essência, um direito fundamental, determinado a nível constitucional (artigos 48.º, n.º 1 e 239.º, n.º 4).

5.º Tal significa que a definição pelo legislador do processo eleitoral para os órgãos das autarquias locais, no que respeita à apresentação de candidaturas pelos grupos de cidadãos eleitores, está sujeita ao regime dos direitos, liberdades e garantias, designadamente à exigência de que as soluções encontradas pelo legislador na conformação do regime legal observem o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2).

6.º A natureza jusfundamental da candidatura cidadã às eleições para os órgãos das autarquias locais é sublinhada na jurisprudência constitucional. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 582/2013, de 16 de setembro, afirma-se que «[quando a lei vem estabelecer a legitimidade para a apresentação de candidaturas às eleições para os órgãos das autarquias por grupos de cidadãos eleitores [...], confere essa faculdade aos cidadãos eleitores proponentes, que, desta forma, exercem um direito de participação política que lhes é expressamente conferido pela Constituição (artigo 239.º, n.º 4, da CRP)».

7.º Assim, à luz do artigo 239.º, n.º 4, da Constituição, jamais pode o legislador, ao regular o processo eleitoral dos titulares dos órgãos das autarquias locais, desvirtuar a opção constitucional fundamental, tomada em sede de revisão constitucional, de procurar abertura do sistema político para a renovação da representação política a nível local e de permitir a dinamização de uma verdadeira participação política e de mobilização próxima dos cidadãos (essa dupla finalidade é assinalada por Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 735).

8.º A tal entendimento não obsta o inciso final do n.º 4 do artigo 239.º, na parte em que reserva ao legislador a regulação das candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos eleitores para as eleições dos órgãos das autarquias locais. Como escrevem Gomes Canotilho/Vital Moreira (cit., pág. 735), «a remissão para a lei - nos termos da lei - destina-se fundamentalmente a definir o número exigido de cidadãos proponentes no que se refere a candidaturas de grupos de cidadãos e o regime de candidatura de coligação partidárias [...]». Ou seja, não pode o legislador introduzir alterações de natureza substancial, que injustificadamente venham restringir um direito fundamental de participação política.

9.º Além da sua dimensão eminentemente subjetiva, conferindo expressamente aos cidadãos um direito de participação política, o artigo 239.º, n.º 4, contém igualmente uma dimensão objetiva, conformando o modo como, ao nível das autarquias locais - expressão, reitera-se, da organização democrática do Estado (artigo 235.º, n.º 1) -, se deve realizar aquele que é um dos princípios estruturantes de toda a ordem constitucional: o princípio democrático (artigo 2.º).

II. Da violação do direito dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, da Constituição)

10.º Com a alteração introduzida pelo artigo 2.º da Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, ao n.º 4 do artigo 19.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais [doravante: LEOAL], passou a ser vedado a um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, a órgãos municipais e às assembleias de freguesia do mesmo concelho.

11.º Assim é, porque, nos termos dessa disposição, ao considerar-se distintos os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho, a lei passou a exigir, para que um mesmo grupo de cidadãos eleitores possa apresentar candidaturas para as eleições dos órgãos autárquicos, que a lista de proponentes seja exatamente idêntica na candidatura apresentada a cada um desses órgãos.

12.º Ora, por força do disposto no n.º 6 do artigo 19.º da LEOAL, os proponentes devem fazer prova de recenseamento na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura, pelo que a condição estabelecida no n.º 4 desse preceito legal - para que um grupo de cidadãos eleitores que apresente candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho não seja considerado «distinto» de todos os outros - é, na esmagadora maioria dos caos, objetivamente impossível de cumprir.

13.º Assim, deixa de ser possível que, no mesmo concelho, um mesmo grupo de cidadãos eleitores (com a mesma denominação, a mesma sigla e o mesmo símbolo) apresente candidaturas, simultaneamente, à assembleia municipal, à câmara municipal e a mais do que uma assembleia de freguesia.

14.º Com efeito, apenas é possível a um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, aos órgãos municipais e a uma única assembleia de freguesia, na exata medida em que, nessa hipótese, ainda se verificará uma perfeita identidade de proponentes. Já não assim no que respeita a candidaturas às restantes assembleias de freguesia do concelho, para as quais a lei exige proponentes recenseados em cada uma delas.

15.º Exemplificando, a partir do momento em que um determinado grupo de cidadãos eleitores (GCE 1) apresente e formalize candidaturas aos órgãos municipais e à assembleia de freguesia da freguesia A, torna-se legalmente impossível que os cidadãos eleitores recenseados na freguesia B - embora se possam organizar em grupo de cidadãos eleitores distinto (GCE 2) e, nessa qualidade, apresentar, igualmente, uma candidatura quer aos órgãos municipais quer à assembleia de freguesia dessa mesma freguesia B - sejam proponentes das candidaturas do GCE 1 aos órgãos autárquicos do município.

16.º Aliás, mesmo que os cidadãos eleitores recenseados na freguesia B decidam nem sequer ser proponentes de uma candidatura à assembleia de freguesia (da freguesia B), torna-se impossível que os mesmos sejam proponentes das candidaturas do GCE 1 aos órgãos municipais. Isto porque o GCE 1, ao apresentar uma candidatura à assembleia de freguesia da freguesia A teve já que definir os seus proponentes (que, obrigatoriamente, têm que estar recenseados nessa freguesia), pelo que terão que ser esses - e apenas esses - os proponentes das candidaturas aos órgãos municipais, ficando assim, necessariamente, excluídos todos os cidadãos recenseados em outras freguesias.

17.º Esta impossibilidade legal, decorrente do artigo 19.º, n.º 4, da LEOAL, de um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, aos órgãos municipais e às assembleias de freguesia [do mesmo município] consubstancia uma violação da liberdade de participação na vida pública, liberdade essa que se traduz, desde logo, no direito, que assiste a todos, de «tomar parte na vida política e na direção dos assuntos políticos do país» (artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, da Constituição).

18.º Assim é por duas razões fundamentais que, estando embora entre si estreitamente relacionadas, devem ser analisadas separadamente. A primeira razão prende-se com a afetação grave - que decorre desta escolha legislativa - das possibilidades que têm os cidadãos de, enquanto membros de uma certa comunidade local, se envolverem na promoção e salvaguarda dos seus próprios valores e interesses; a segunda razão prende-se com a impossibilidade - que também decorre desta opção legislativa - de um mesmo grupo de cidadãos eleitores vir a disputar, numa certa eleição, todos os mandatos a preencher.

a) Da afetação grave do grau de envolvimento dos cidadãos na promoção e salvaguarda dos interesses próprios da comunidade em que se integram

19.º A formalização da apresentação de candidaturas de base cidadã ou extrapartidária para as eleições dos órgãos autárquicos implica que sejam cumpridos os requisitos de identificação do grupo de cidadãos eleitores, relativos à denominação, símbolo e sigla (artigo 23.º, n.º 4, da LEOAL) - alguns deles constituindo, de resto, uma novidade resultante das alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto -, incluindo o requisito de deverem ser distintos os símbolos e as siglas de diferentes grupos de cidadãos eleitores candidatos na área geográfica do mesmo concelho (artigo 23.º, n.º 4, alínea e), da LEOAL). Ora, na medida em que face ao regime estabelecido no n.º 4 do artigo 19.º, da LEOAL, para todos os efeitos se devam considerar «distintos grupos de cidadãos eleitores», esse mesmo grupo [de cidadãos eleitores] terá, forçosamente, que conceber diferentes denominações, símbolos e siglas.

20.º Sem prejuízo da essencialidade de uma efetiva base de apoio, aferida a partir da real existência de proponentes, para a viabilidade de uma candidatura extrapartidária, deve observar-se que o regime contido no artigo 19.º, n.º 4, da LEOAL, hipervaloriza, deste modo, a lista de proponentes como se se tratasse de um elemento essencial da identidade específica de um grupo de cidadãos eleitores, quando, na verdade, a própria lei prevê, quanto aos grupos de cidadãos eleitores, que os seus elementos de identificação sejam a denominação, sigla e símbolo, bem como a identificação dos candidatos e dos mandatários, omitindo-se qualquer referência aos proponentes (artigo 23.º, n.º 2, da LEOAL).

21.º Independentemente dessa antinomia intrínseca ao próprio regime legal, a impossibilidade legal de um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, a órgãos municipais e às assembleias de freguesia do mesmo concelho assume uma natureza jurídico-constitucional, pois vem afetar gravemente o grau de envolvimento dos cidadãos na promoção e salvaguarda dos seus interesses.

22.º E que, face à atomização forçada de um mesmo grupo de cidadãos em múltiplos grupos para os efeitos da lei, os cidadãos interessados que, por naquele se reverem, pretendam envolver-se nesse movimento de participação cidadã, constituído no momento e com o propósito de concorrer a uma determinada eleição, deixam de poder fazê-lo de forma unitária e transversal no âmbito do concelho.

23.º Ou seja, aquilo que, à primeira vista, seria apenas uma exigência de natureza formal, acaba por ter, efetivamente, um impacto material. O legislador, ao excluir deste modo potenciais proponentes de um determinado projeto de candidatura, condiciona fortemente as dinâmicas de constituição dos grupos de cidadãos eleitores, limitando o conteúdo das suas mensagens, a escolha dos temas a eleger, a definição das prioridades políticas e da estratégia eleitoral a seguir, e, finalmente, o próprio envolvimento dos cidadãos na propositura de candidaturas, com a consequente mobilização do eleitorado por ocasião de uma dada eleição. Assim, em lugar de procurar assegurar a abertura do sistema representativo a nível local, e de permitir a dinamização de uma verdadeira participação próxima dos cidadãos (supra, ponto 7), com a alteração legislativa agora introduzida retrocede-se relativamente a algo que, em 1997, foi uma decisão fundamental do legislador de revisão constitucional.

24.º Sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 7.º da LEOAL, a impossibilidade legal decorrente do n.º 4 do seu artigo 19.º não deixa de afetar também, ainda que indiretamente, a própria possibilidade de os cidadãos integrarem listas, enquanto candidatos aos órgãos autárquicos por um determinado grupo de cidadãos eleitores, retirando escala a esse movimento e, desse modo, objetivamente condicionando o direito fundamental de acesso aos cargos públicos (artigo 50.º, n.º 1, da Constituição).

25.º Também da perspetiva do eleitor se torna impossível associar cada um dos grupos de cidadãos - que, formalmente, terão que ser distintos - a um mesmo denominador comum: um único movimento, com uma identidade própria, com a mesma génese e base de apoio.

26.º Isto é assim não apenas por deverem ser distintos os símbolos e as siglas de diferentes grupos de cidadãos eleitores (artigo 23.º, n.º 4, alínea e), da LEOAL) - distinção essa que, de resto, é artificial e potencialmente indutora do eleitor em erro, nada contribuindo para o esclarecimento e para a formação da sua decisão no ato de votar -, mas, essencialmente, por se subtrair ao campo de atuação de um mesmo grupo de cidadãos eleitores toda a ação política que pressuponha a articulação entre o município e a freguesia ou entre as freguesias (todas ou parte delas) entre si.

27.º Tal significa que, a um aumento, do ponto de vista quantitativo, de grupos de cidadãos eleitores apresentados a sufrágio, não corresponde, na realidade, e do ponto de vista qualitativo, uma diversificação da escolha política. Pelo contrário: ao retirar-se escala a um mesmo grupo de cidadãos [eleitores] está-se a estreitar e a empobrecer as possibilidades de escolha dos eleitores relativamente aos seus representantes nos diversos órgãos autárquicos. Tal não deixa, só por si, de representar uma afetação dos direitos de participação política, através do voto - e de um voto esclarecido -, dos cidadãos (artigo 48.º, n.º 1, da Constituição).

28.º O único argumento que, em tese, se poderia alegar para justificar a solução agora encontrada pelo legislador seria o de nas eleições para os órgãos das autarquias locais se estar, em rigor, perante atos eleitorais distintos, tratando-se de eleger titulares para dois órgãos de cada município (assembleia municipal e câmara municipal) e para um órgão de cada freguesia (assembleia de freguesia).

29.º Além disso - acrescentar-se-ia ainda a este argumento - dever-se-ia realçar que entre freguesia e município não existe qualquer relação de subordinação, dependência ou hierarquia, tratando-se, nos termos da Constituição, de diferentes categorias de autarquias locais (artigo 236.º, n.os 1 e 2), cada uma delas com órgãos representativos próprios, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa (artigos 235.º, n.º 2, 237.º, n.º 1, e 239.º, n.os 1 e 2).

30.º A explicação para a exceção estabelecida no n.º 5 do artigo 19.º, da LEOAL, nos termos da qual se permite a um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, à assembleia municipal e à câmara municipal estaria precisamente aí: serem ambos órgãos de uma mesma autarquia local.

31.º No entanto, justamente porque se trata de atos eleitorais diferentes, respeitantes a autarquias locais distintas, é que não tem qualquer sentido limitar a possibilidade de um cidadão ser simultaneamente proponente de candidaturas a órgãos de uma e de outra (ao contrário, por exemplo, da limitação decorrente do artigo 16.º, n.º 3, da LEOAL, que se compreende por estar em causa a candidatura ao mesmo órgão autárquico e cujo incumprimento passou, agora, a assumir relevância criminal).

32.º Sobretudo se considerarmos que, atendendo à parcial coincidência entre a área de circunscrição territorial de cada freguesia e a área de circunscrição territorial do município, o cidadão se identifica tanto com a freguesia como com o município, relativamente a ambos formando um sentimento de pertença comunitária.

33.º Assim, faz sentido que o mesmo cidadão eleitor possa ser, simultaneamente, proponente de candidaturas aos órgãos do município e à assembleia de freguesia apresentadas pelo mesmo grupo de cidadãos eleitores, como também faz sentido que cidadãos recenseados em outras freguesias possam ser igualmente proponentes da candidatura apresentada por esse mesmo grupo de cidadãos eleitores aos órgãos municipais.

34.º Não só tal faz sentido como a limitação dessa possibilidade consubstancia uma restrição desproporcional - por inexistir qualquer razão de interesse público que a fundamente ou necessidade de salvaguardar qualquer valor constitucional (seguramente que tal não é reclamado pelo princípio da descentralização administrativa) -, do direito dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, da Constituição), em violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República.

35.º O elo de ligação entre a freguesia e o município não é apenas um dado da experiência comum - o sentimento de pertença comunitária -, antes resulta, inequivocamente, do próprio enquadramento jurídico das autarquias locais (Lei 75/2013, de 12 de setembro, que aprova o regime jurídico das autarquias locais).

36.º Desde logo, nos termos do disposto no artigo 2.º desse diploma, «constituem atribuições das autarquias locais a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações», exercendo os respetivos órgãos competências de consulta, de planeamento, de investimento, de gestão, de licenciamento e controlo prévio e de fiscalização (artigo 3.º).

37.º Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 4.º, «a prossecução das atribuições e o exercício das competências das autarquias locais [...] devem respeitar os princípios da descentralização administrativa, da subsidiariedade, da complementaridade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos e a intangibilidade das atribuições do Estado».

38.º Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 7.º desse diploma, «constituem atribuições da freguesia a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com o município» [(itálico nosso)].

39.º Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º desse diploma, «constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com as freguesias» (itálico nosso).

40.º Tal significa que existe uma articulação e complementaridade entre as atribuições da freguesia e do município, legalmente estabelecidas, bem como entre as competências dos respetivos órgãos, da perspetiva da promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações. Tal articulação, de resto, assume dignidade constitucional no próprio plano de composição dos respetivos órgãos representativos (artigo 251.º da Constituição).

41.º Além disso, existe uma articulação e complementaridade na relação, horizontal, das várias freguesias (no todo ou em parte) entre si.

42.º Ora, compreendendo a circunscrição territorial do município a circunscrição territorial de várias freguesias, carece de qualquer fundamento, dada a comunidade de interesses prosseguidos pelo município e pelas freguesias, impedir que o mesmo grupo de cidadãos eleitores, qua tale, que se candidate a órgãos municipais, simultaneamente, se candidate a cada uma das assembleias de freguesia do mesmo concelho.

43.º Recorde-se que, conforme reiteradamente sublinhado na jurisprudência constitucional (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 582/2013), «a subscrição das propostas de listas de candidatos às eleições para um determinado órgão autárquico não corresponde a uma mera manifestação de apoio ou concordância com um projeto político de um movimento ou grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstancia a própria escolha, pelos cidadãos eleitores, dos candidatos a apresentar». Embora tal afirmação seja feita a propósito de outra questão, ela não deixa de ser elucidativa do grau de compromisso pressuposto na declaração de propositura da candidatura de um grupo de cidadãos eleitores e, portanto, daquilo de que, com a nova redação dada ao n.º 4 do artigo 19.º da LEOAL, os cidadãos ficaram privados.

44.º Mas ainda que assim não fosse - entendendo-se que nenhuma articulação existe entre freguesia e município e devendo, para todos os efeitos, considerar-se estar-se perante autarquias locais distintas - ainda assim se haveria de concluir que carece de racionalidade a solução encontrada pelo legislador no n.º 4 do artigo 19.º da LEOAL.

45.º É que, pelo menos numa dada interpretação, tal solução não impede que o mesmo grupo de cidadãos eleitores apresente candidaturas a órgãos de autarquias locais distintas. Com efeito, será ainda possível, cumprindo o requisito estabelecido no n.º 6 do artigo 19.º da LEOAL, o mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas simultaneamente aos órgãos do município e a uma assembleia de freguesia, desde que integrem os mesmos proponentes. Pelo que a ser aquele o argumento - o de se tratar de distintas categorias de autarquias locais - é manifesta a sua improcedência.

46.º Se, como decorre da jurisprudência constitucional, faz sentido que em face da natureza e estrutura dos grupos de cidadãos eleitores seja legítimo ao legislador estabelecer requisitos que assegurem um modelo de apresentação de candidatura exigente e suscetível de demonstrar o apoio popular à sua apresentação, tais requisitos têm que ser objetivamente aptos a esse propósito. Não podem ser desproporcionados e, muito menos, desprovidos de qualquer justificação racional.

b) Da impossibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores disputar todos os mandatos a preencher

47.º A segunda razão pela qual a impossibilidade de candidatura simultânea, resultante do n.º 4 do artigo 19.º da LEOAL, assume [uma negativa] relevância jurídico-constitucional decorre do facto de, logo à partida, ser inviável a um grupo de cidadãos eleitores disputar todos os mandatos a preencher, dado o disposto, in fine, no artigo 251.º da Constituição. Na verdade, e como aí se diz, a assembleia municipal é constituída por membros diretamente eleitos nas listas concorrentes a este órgão e pelos presidentes de junta de freguesia, que a integram, os quais, por sua vez, são determinados em função da lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia (artigo 24.º, n.º 1, da Lei 169/99, de 18 de setembro).

48.º Ou seja, um grupo de cidadãos eleitores que se candidate à assembleia municipal jamais pode ter algum presidente de junta que, por inerência do cargo, venha a integrar aquele órgão deliberativo (ou, quando muito, na interpretação menos restritiva, na medida em que se possa candidatar, simultaneamente, a uma assembleia de freguesia, tem a hipótese de ter apenas um presidente de junta).

49.º Pelo que, ao estar impedido de, simultaneamente, concorrer à assembleia municipal e às assembleias de freguesia, o grupo de cidadãos eleitores - e, portanto, os cidadãos que nele pretendem envolver-se - vêm, também por isso, ser severamente restringido o seu direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4).

50.º Tanto mais quanto a mesma limitação se não aplica aos partidos políticos. Sendo certo que, conforme abundantemente reafirmado na jurisprudência constitucional, está na disponibilidade do legislador conformar os termos da apresentação das candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, sendo legítimo que estabeleça requisitos legais que se não aplicam a candidaturas apresentadas para os mesmos órgãos por partidos políticos ou coligações de partidos políticos constituídas para fins eleitorais, não só a extensão da lícita desigualdade de tratamento não pode deixar de ter limites como em caso algum pode ser, pura e simplesmente, arbitrária.

51.º Ainda no plano institucional, deve ter-se em conta que, nos termos do disposto nos artigos 17.º, n.º 3, e 18.º, n.º 3, da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Lei 19/2003, de 20 de junho), só as candidaturas aos órgãos municipais são elegíveis para beneficiar de subvenção estatal, pelo que um grupo de cidadãos eleitores que se candidate a assembleias de freguesia, caso não possa candidatar-se à assembleia municipal, jamais terá direito a essa subvenção, suportando todos os custos da campanha eleitoral. Uma vez mais, tal se não verifica em relação aos partidos políticos, que, ao poderem apresentar candidaturas, simultaneamente, a todos os órgãos autárquicos, poderão beneficiar da subvenção estatal.

52.º Ainda considerando o regime da Lei 19/2003, de 20 de junho, o desdobramento de um único grupo de cidadãos eleitores em múltiplos grupos formalmente distintos acarreta replicações burocráticas e de encargos diversos próprios da propositura de candidaturas que se afiguram desrazoáveis. E isto tanto do ponto de vista do grupo de cidadãos eleitores - que terão que suportar, múltiplas vezes, todos esses encargos - como do ponto de vista do próprio Estado, pois que com a multiplicação artificial dos grupos de cidadãos eleitores apresentados a sufrágio se estarão a consumir, desnecessariamente, os recursos daquelas entidades que, nos termos da lei, deverão exercer as suas competências de controlo do cumprimento de todas essas regras, incluindo na fase contenciosa.

c) Sobre a inexistência de razões de interesse público que justifiquem a alteração legislativa

53.º Como começámos por assinalar (supra, ponto 18), as duas razões que apresentámos para sustentar a inconstitucionalidade da alteração legislativa que vimos analisando encontram-se estreitamente relacionadas entre si. Mas se em função de cada uma delas, quando analisadas em separado, haverá que concluir que é severamente afetado o direito fundamental de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4), em função das duas, quando consideradas em conjunto, será manifesta a desproporcionalidade existente entre o grau de afetação daquele direito e as razões de interesse público que a poderiam justificar, razões essas que - diga-se desde já - se não vislumbra quais sejam.

54.º O processo legislativo que conduziu à Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, teve a sua origem no Projeto de Lei 226/XIV/l.ª, publicado em DAR, 2.ª série-A, n.º 55/XIV/l, de 3 de março de 2020, págs. 31-34, cujo texto inicial viria a ser, subsequentemente alterado e publicado em DAR, 2.ª série-A, n.º 112/XIV/l, de 30 de junho de 2020, págs. 23-25.

55.º A «exposição de motivos» do referido Projeto de Lei oferece três razões justificativas para a introdução de, como nele se refere, «alterações cirúrgicas» ao diploma legislativo que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, a saber: (i) prever uma nova inelegibilidade que aumente a transparência na relação entre as autarquias e os seus fornecedores de serviços, muitas das vezes concretizados por ajuste direto; (ii) clarificar na lei que os grupos de cidadãos eleitores se não devem confundir com os partidos políticos; (iii) proceder à revogação do artigo que se refere ao cartão de eleitor, dadas as alterações promovidas no recenseamento eleitoral pela Lei 47/2018, de 13 de agosto. Relativamente às alterações introduzidas aos artigos 19.º e 23.º, da LEOAL, as mesmas reconduzem-se, portanto, à justificação identificada em segundo lugar.

56.º Desde logo, deve observar-se que as alterações introduzidas aos artigos 19.º, da LEOAL, não podem de todo em todo ser qualificadas como meras alterações cirúrgicas ao edifício legislativo relativo à eleição dos titulares de órgãos das autarquias locais, tendo, bem pelo contrário, como já tivemos oportunidade de demonstrar, implicações sistémicas não-irrelevantes, de natureza jurídico-constitucional.

57.º Quanto à razão justificativa oferecida na «exposição de motivos» do Projeto de Lei, e assente na necessidade de clarificação da distinção essencial entre partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores, a verdade é que se não vislumbra em que medida é que o novo regime contribuirá para tal clarificação.

58.º Nenhuma dúvida há que os grupos de cidadãos eleitores se não confundem com os partidos políticos, estando aliás essa distinção essencial bem patente nos diferentes regimes jurídicos que se aplicam a uns e a outros. É evidente que as exigências constitucionais e legais aplicáveis à constituição de partidos políticos, designadamente no que se refere à sua vocação nacional (artigo 51.º, n.º 4, da Constituição), em nada relevam para efeitos do regime aplicável aos grupos de cidadãos eleitores. A materialidade subjacente aos grupos de cidadãos eleitores em nada se confunde com o carácter tendencialmente perene dos partidos políticos. Aqueles constituem-se no momento e com o propósito de concorrerem a uma determinada eleição, esgotando-se no ato eleitoral.

59.º Assim sendo, não se vê de que modo é que o novo regime poderá contribuir para acentuar esta distinção essencial, já decorrente, antes dele, da Constituição e da lei. Bem pelo contrário. Na verdade, os obstáculos agora criados à apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores aos órgãos das diferentes autarquias locais do mesmo concelho apenas servirão, porventura, para fomentar o fenómeno de constituição não necessariamente desejada de partidos políticos, na exata medida em que esta se revelará, afinal, a única solução viável para a apresentação de candidaturas simultâneas a todos os órgãos autárquicos.

60.º Assim, não só inexiste qualquer razão de interesse público que legitime a referida limitação de apresentação simultânea de candidaturas como, pelo contrário, o novo regime em vigor será, na realidade, manifestamente lesivo do interesse público, pela desnecessária burocratização do processo eleitoral, quer na fase de propositura (múltiplos representantes, múltiplos mandatários, entre outros, para listas com a mesma génese e base de apoio) quer na fase do próprio contencioso eleitoral.

61.º Face à inexistência de uma razão de interesse público que legitime a limitação resultante do artigo 19.º, n.º 4, da LEOAL, há que concluir que a mesma consubstancia uma restrição desproporcional do direito dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país (artigo 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4), não satisfazendo as exigências que decorrem do artigo 18.º, n.º 2.

3 - Notificado, ao abrigo do disposto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, para se pronunciar sobre o pedido, bem como sobre a atribuição de prioridade à apreciação e decisão do presente processo, o Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento dos autos, tendo enviado ainda uma nota técnica, elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativa aos trabalhos preparatórios que conduziram à aprovação da Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto.

No dia 3 de março de 2021, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, na qualidade de autor do projeto de Lei 226/XIV/1.ª, que deu origem à Lei Orgânica 1-A/2020, remeteu ao Tribunal Constitucional um documento enunciando vários argumentos sustentando a conformidade constitucional das normas fiscalizadas.

4 - Discutido em Plenário o memorando a que alude o artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, cabe agora decidir em conformidade com a orientação que ali se firmou.

II - Fundamentação

5 - O pedido incide sobre a norma constante do n.º 4 do artigo 19.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto (em si mesmo e em conjugação com o disposto no n.º 6), que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (LOEAL), na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto. A requerente solicita, ainda, que o Tribunal Constitucional declare a inconstitucionalidade consequente da norma constante do n.º 5 do mesmo artigo, decorrente da sua relação instrumental com a norma contida no n.º 4.

Antes das alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1-A/2020, o artigo 19.º da LEOAL dispunha, nos seus n.os 4, 5 e 6, o seguinte:

«Artigo 19.º

Candidaturas de grupos de cidadãos

1 - [...]

2 - [...]

3 - [...]

4 - Os proponentes devem fazer prova de recenseamento na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura, nos termos dos números seguintes.

5 - As listas de candidatos propostos por grupos de cidadãos devem conter, em relação a cada um dos proponentes, os seguintes elementos:

a) Nome completo;

b) Número do bilhete de identidade;

c) Número do cartão de eleitor e respetiva unidade geográfica de recenseamento;

d) Assinatura conforme ao bilhete de identidade.

6 - O tribunal competente para a receção da lista pode promover a verificação por amostragem da autenticidade das assinaturas e da identificação dos proponentes da iniciativa.»

Na sequência das alterações introduzidas pela Lei 1-A/2020, que aditaram ao artigo 19.º os seus atuais n.os 7 e 8, os referidos n.os 4, 5 e 6 passaram a ter a seguinte redação:

«Artigo 19.º

Candidaturas de grupos de cidadãos

1 - [...]

2 - [...]

3 - [...]

4 - Os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes consideram-se distintos para todos os efeitos da presente lei, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho.

5 - Excetuam-se do disposto no número anterior os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura simultaneamente aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, desde que integrem os mesmos proponentes.

6 - Os proponentes devem fazer prova de recenseamento na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura, nos termos dos números seguintes.

7 - (...)

8 - (...)»

Tendo em conta que a declaração de propositura constitui um ato prévio e essencial para que as listas de candidatos aos órgãos das autarquias locais possam ser apresentadas por grupos de cidadãos eleitores, verifica-se que, com a nova redação conferida aos n.os 4 a 6, as condições em que tal apresentação pode ocorrer foram significativamente modificadas.

6 - Na versão decorrente da Lei Orgânica 1-A/2001 - nesta parte não alterada pela Lei Orgânica 1/2017, de 2 de maio -, o mesmo grupo de cidadãos eleitores podia apresentar listas de candidatos para a eleição de todos os órgãos das autarquias do mesmo concelho ou para a eleição de todos os órgãos autárquicos na circunscrição do mesmo município, desde que propostas por cidadãos eleitores recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeitasse a candidatura; os cidadãos eleitores, por seu turno, podiam propor as listas de candidatos apresentadas pelo mesmo grupo de cidadãos a qualquer um dos órgãos eletivos do poder local, desde que pertencentes à autarquia em cuja circunscrição se encontrassem recenseados.

Com as alterações levadas a cabo pela Lei 1-A/2020, ambas as possibilidades foram em larga medida limitadas.

As novas regras introduzidas no artigo 19.º da LEOAL determinam que os grupos de cidadãos eleitores apresentados por diferentes proponentes se consideram distintos (n.º 4); e que só podem ser proponentes das listas de candidatos apresentadas pelo mesmo grupo de cidadãos os eleitores recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura (n.º 6).

O efeito jurídico destas normas traduz-se na impossibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas a todos os órgãos autárquicos de um mesmo concelho - concretamente, aos órgãos municipais (câmara municipal e assembleia municipal) e às várias assembleias de freguesia. Assim é porque, exigindo-se que um grupo de cidadãos eleitores tenha de ser apresentado pelos mesmos cidadãos proponentes quando pretenda candidatar-se a várias autarquias do mesmo concelho (artigo 19.º, n.º 4) e, ao mesmo tempo, que os cidadãos proponentes se encontrem recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura, torna-se impossível que o mesmo grupo de cidadãos eleitores - com a mesma denominação, a mesma sigla e o mesmo símbolo [artigo 23.º, n.º 4, alínea e), da LEOAL, na versão resultante da Lei Orgânica 1/2020] - se candidate simultaneamente aos órgãos municipais e a mais do que uma das assembleias de freguesia do mesmo concelho.

Dito de outro modo: para que um grupo de cidadãos eleitores se candidate a uma assembleia de freguesia, todos os seus proponentes devem estar recenseados na área dessa freguesia (n.º 6 do artigo 19.º da LEOAL); tal circunstância permite-lhe concorrer às eleições para essa assembleia de freguesia, para a assembleia municipal e para a câmara municipal - mas não para as demais assembleias de freguesia do mesmo concelho.

Assim, se um determinado grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas aos órgãos municipais e à assembleia de uma das freguesias de determinado concelho (tomando como exemplo o concelho de Barcelos, a uma das suas 61 assembleias de freguesias), os cidadãos eleitores recenseados em qualquer uma das demais freguesias (no caso, em qualquer das restantes 60) ficam impedidos de propor as candidaturas que aquele grupo apresente aos órgãos autárquicos do município. É que, ao apresentar uma lista de candidatos à assembleia da freguesia X, o grupo de eleitores definiu irremediavelmente o universo dos seus possíveis proponentes - que, por força do n.º 6 do artigo 19.º da LEOAL, têm de estar obrigatoriamente recenseados nessa freguesia -, tendo que ser esses - e apenas esses - os proponentes das candidaturas que o mesmo grupo apresente aos órgãos municipais.

Do ponto de vista do ato de propositura, daí resulta que os cidadãos eleitores apenas poderão subscrever as candidaturas que um determinado grupo de cidadãos apresente aos órgãos municipais do respetivo concelho se esse grupo: i) não apresentar lista de candidatos a qualquer uma das assembleias de freguesia desse concelho; ou ii) apresentar lista de candidatos à assembleia de freguesia em que os mesmos se encontram recenseados e somente a esta. Apenas nestes dois casos se verificará a identidade de proponentes exigida no n.º 4 do artigo 19.º da LEOAL para que o grupo de cidadãos possa ser considerado o mesmo.

7 - Consagrando o direito fundamental de participação na vida pública, a Constituição estabelece, no n.º 1 do artigo 48.º, que «[t]odos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos».

O direito fundamental a tomar parte na vida política constitui, assim, uma das vertentes em que se desdobra o direito de participação na vida pública, integrando, tal como este, o conjunto dos direitos, liberdades e garantias do indivíduo enquanto cidadão (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 664). Trata-se, portanto, de um direito de cidadania, que se liga à realização da pessoa no quadro do sistema democrático e ao reconhecimento da sua dignidade social (Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, 2.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 222 e 237), cuja consagração exprime a «transposição para o plano subjetivo do princípio fundamental proclamado nos artigos 2.º, 3.º, 9.º, alínea c), e 10.º, n.º 1» (Jorge Miranda, «Anotação ao artigo 48.º», Constituição Portuguesa Comentada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 936); isto é, do princípio do Estado de Direito Democrático, na dimensão que comete ao Estado a tarefa fundamental de assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais [artigo 9.º, alínea c)] e atribui ao povo, enquanto titular último da soberania (artigo 3.º, n.º 1), o exercício do poder político através do sufrágio universal, do referendo e das demais formas previstas na Constituição (10.º, n.º 1), tendo em vista a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa (artigo 2.º).

Tratando-se de um direito de agir - de tomar parte na vida política -, o direito consagrado no n.º 1 do artigo 48.º não é, no entanto, imediatamente exequível.

Tal como sucede com maioria dos direitos políticos - como o direito de sufrágio (artigo 49.º) -, a sua concreta efetivação carece da intervenção mediadora do Estado através da realização de prestações tanto fácticas como normativas, que assegurem a criação dos instrumentos administrativos e das regras procedimentais necessárias à concretização da liberdade positiva de participação na vida política por todas as formas previstas na Constituição.

Para além de vincular o poder público à criação dos pressupostos de facto e de direito necessários à respetiva efetivação, o direito consagrado no n.º 1 do artigo 48.º da Constituição encerra ainda, enquanto direito de liberdade, uma dimensão negativa ou defensiva. Surge, nesta aceção, como o direito de cada cidadão a não ser impedido de tomar parte na vida política por qualquer das formas previstas na Constituição, vinculando o Estado a abster-se de eliminar, neutralizar ou restringir a facultas agendi em que o respetivo conteúdo se analisa, através das medidas que em cada momento adote.

8 - O direito de participação na vida política é configurado pela Constituição como abrangendo um envolvimento direto ou mediante representação («diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos»). Significa isto que a participação dos cidadãos na vida política compreende o direito a ser ouvido e o direito de voto (Baptista Machado «Participação e descentralização», in Participação e Descentralização - Democratização e Neutralidade na Constituição de 76, Almedina, 1976, p. 41). Daqui decorre que tal participação há de ser assegurada não apenas na formação da vontade política através do voto, mas, também, por via da liberdade de auto-organização e autodeterminação descentralizada (Baptista Machado, «Participação», ob. cit., p. 76).

Em ambas as referidas dimensões, o direito à participação política dos cidadãos concretiza-se, sobretudo, através da representação política, no quadro da democracia representativa (Jorge Miranda, «O quadro de direitos políticos da Constituição», Estudos sobre a Constituição, vol. i, 1977, p. 178), e esta realiza-se primordialmente através dos partidos políticos: «porque o sistema representativo não pode funcionar sem partidos políticos, logo nos princípios fundamentais estes, e não quaisquer outras organizações, são tomados, como meios privilegiados de formação e expressão da vontade popular» (Jorge Miranda, «O quadro...», ob. cit., p. 177). Do ponto de vista subjetivo, isso traduz-se no direito de cada cidadão «constituir ou participar em partidos políticos e através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular a organização do poder político», expressamente consagrado, enquanto direito de liberdade, no n.º 1 do artigo 51.º da Constituição.

Apesar de ter nos partidos políticos o seu eixo ou vetor principal - tanto que a participação em atos eleitorais constitui para os partidos políticos não apenas um direito, mas também um ónus [cf. artigo 18.º, n.º 1, alínea c), da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto] -, o sistema representativo em que assenta a ordem constitucional democrática não se esgota, todavia, neles.

Intensificando o nível de concretização do princípio participativo, a Revisão de 1997 veio permitir, através do aditamento ao artigo 239.º da Constituição do seu atual n.º 4, a apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, em condições de paridade com os partidos políticos, isoladamente ou em coligação, a todos os órgãos das autarquias locais, e não apenas às assembleias de freguesia, como ocorria até então (artigo 246.º, n.º 2, da Constituição, na versão originária).

Por força desta alteração na organização do poder político local, o conteúdo do direito de participação na vida política consagrado no n.º 1 do artigo 48.º da Constituição foi em parte densificado, tendo passado a integrar, como sua vertente específica, o direito de propositura e de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores tanto às assembleias de freguesia como aos órgãos eletivos do município.

A viabilidade de candidaturas a órgãos autárquicos por grupos de cidadãos eleitores inscreve-se, assim, na liberdade de participação política dos cidadãos, que lhes confere, por expressa determinação da Constituição, a faculdade de disputarem, através de organizações de tipo ocasional, o acesso aos cargos políticos do poder local. Por meio da propositura e da apresentação de candidaturas promovidas por grupos de cidadãos eleitores, estes tomam parte ativa na vida pública da respetiva autarquia por via alternativa à participação nos partidos políticos, «tentando capturar», em posição simétrica à destes, «a direção dos órgãos eletivos de âmbito local e assim influenciar de forma determinante o processo de tomada de decisão política, fazendo parte do mesmo» (Manuel Meirinho Martins, Participação política e grupos de cidadãos eleitores, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2003, p. 29).

Enquanto mecanismo de aprofundamento da democracia representativa a que se encontra vinculado o Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição), a admissibilidade de candidaturas de grupos de cidadãos eleitores consubstancia, assim, uma outra importante forma de participação política, a par dos partidos políticos, assente na auto-organização dos cidadãos, que proporciona novas modalidades de intervenção na vida pública (Manuel Meirinho Martins, Participação..., ob. cit., pp. 33 e 35), contribuindo para a afirmação do satus activae civitatis decorrente do princípio democrático.

9 - As candidaturas de grupos de cidadãos eleitores encontram-se exclusivamente previstas para os órgãos autárquicos - e não também para os órgãos eletivos de âmbito nacional ou regional.

Tal circunstância liga-se à missão constitucionalmente atribuída às autarquias locais, que, de acordo com n.º 2 do artigo 235.º da Constituição, «visam a prossecução dos interesses próprios das populações respetivas». Neste quadro, a Constituição reforça a autonomia local, permitindo aos residentes das autarquias não só a escolha dos seus representantes, mas também a apresentação de candidaturas pelos indivíduos aí recenseados, à margem dos partidos políticos e em paridade com eles. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma «exceção ao monopólio partidário de apresentação de candidaturas», que tem em vista a «abertura do sistema político para a renovação da representação política a nível local», bem como «a dinamização de uma verdadeira participação política e de mobilização cidadã próxima dos cidadãos» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., ob. cit., vol. ii, p. 735).

A Constituição reconhece assim que a democracia local não depende somente da circunstância de os órgãos representativos serem eleitos pelas respetivas populações (António Cândido Oliveira, «A difícil democracia local e o contributo do direito», Estudos em comemoração do 10.º aniversário da licenciatura em direito da Universidade do Minho, Almedina, 2004, p. 99), reforçando a participação democrática dos cidadãos residentes por via da admissibilidade da apresentação de candidaturas por estes. Aceita, deste modo, que a autodeterminação das autarquias pressupõe o envolvimento dos cidadãos nos órgãos eletivos que lhes dizem respeito e a sua implicação na governação das autarquias em cuja área se encontram recenseados e que ambos esses desígnios postulam a criação de condições reforçadas para garantir a liberdade de propositura e de apresentação de candidaturas aos órgãos deliberativo e executivo do município e às assembleias de freguesia. No fundo, trata-se de reconhecer que o monopólio partidário de apresentação de candidaturas aos órgãos eletivos autárquicos não beneficia, antes constrange, a liberdade de cada cidadão tomar parte na vida política local e de participar na tutela dos interesses próprios da sua comunidade - isto é, daqueles que são «comuns aos [aí] residentes, e que se diferenciam dos interesses da coletividade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades locais» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., ob. cit., vol. ii, p. 717).

10 - Na dimensão específica traçada a partir do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição, o conteúdo do direito de tomar parte na vida política encontra-se constitucionalmente determinado. Trata-se do direito que assiste a cada cidadão de propor e apresentar diretamente, sem intermediação dos partidos políticos e em paridade com eles, candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais.

Conforme se afirmou no Acórdão 582/2013:

«[q]uando a lei vem estabelecer a legitimidade para a apresentação de candidaturas às eleições para os órgãos das autarquias por grupos de cidadãos eleitores [...], confere essa faculdade aos cidadãos eleitores proponentes, que, desta forma, exercem um direito de participação política que lhes é expressamente conferido pela Constituição (artigo 239.º, n.º 4, da CRP).

Ora, daqui decorre que a subscrição das propostas de listas de candidatos às eleições para um determinado órgão autárquico não corresponde a uma mera manifestação de apoio ou concordância com um projeto político de um movimento ou grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstancia a própria escolha, pelos cidadãos eleitores, dos candidatos a apresentar» (itálico aditado).

A faculdade de propositura e de apresentação de candidaturas de cidadãos aos órgãos eletivos do poder local integra, assim, a liberdade de participação na vida política por todas as formas previstas na Constituição, a que se refere n.º 1 do artigo 48.º Tal equivale a dizer que a facultas agendi em que essa liberdade positiva se analisa apresenta, nesta sua vertente específica, um conteúdo concreto e preciso, fixado a nível constitucional.

Porém, tal como sucede com as demais dimensões do direito de participação política (vide supra, n.º 7), o direito de propositura de candidaturas de cidadãos de âmbito local não é imediatamente exequível. Para poder efetivar-se, carece, também ele, da intervenção mediadora do legislador, designadamente através da conformação do processo eleitoral para os órgãos do poder autárquico.

Simplesmente, porque se trata da efetivação de um direito cujo conteúdo a própria Constituição densifica, a intervenção mediadora do legislador não reveste carácter central ou predominantemente discricionário.

Não reveste, desde logo, quanto à iniciativa. Contendo a norma do n.º 4 do artigo 239.º uma verdadeira imposição legiferante, o legislador encontra-se constitucionalmente vinculado a editar a lei complementar necessária à efetivação e concretização do direito de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores aos órgãos eletivos do poder local, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por omissão (vide, a propósito, Acórdão 242/2001).

E também não reveste quanto à margem de conformação legislativa. A incumbência cometida pela Constituição ao legislador encontra-se perfeitamente definida quanto ao seu sentido e alcance, não lhe deixando, prima facie, qualquer margem de liberdade quanto à decisão de concretizar no todo ou apenas em parte o direito de propositura e apresentação, em condições paralelas às dos partidos políticos, de candidaturas cidadãs aos órgãos do poder local. A margem decisória que a Constituição confere à lei na definição das condições de que depende a candidatura dos grupos de cidadãos eleitores diz essencialmente respeito à disciplina reguladora dos aspetos específicos de tal apresentação, tais como a definição do número de cidadãos proponentes exigido para o efeito (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., ob. cit., vol. i, p. 735) e requisitos de exteriorização desse ato de vontade, não incluindo nem coenvolvendo a inviabilização, direta ou indireta, total ou parcial, da faculdade de propositura e de apresentação de candidaturas de base extrapartidária à titularidade dos órgãos das autarquias locais. Uma vez que a facultas agendi que integra o direito a tomar parte na vida política se encontra, neste caso, constitucionalmente concretizada, uma lei que apenas parcialmente o efetive não poderá deixar de corresponder à ablação do seu âmbito restante e esta ablação a uma restrição do conteúdo que, através do n.º 4 do artigo 239.º, a própria Constituição lhe fixa.

Sabendo-se que a lei complementar destinada a permitir a efetivação da liberdade de participação política é aqui a LEOAL, o que importa seguidamente verificar é se o regime que consta do respetivo artigo 19.º constitui, após as alterações introduzidas pela Lei 1-A/2020, uma concretização parcialmente ablativa - e, por isso, de efeito necessariamente restritivo - do direito de apresentação de candidaturas cidadãs aos órgãos das autarquias locais em paridade com os partidos políticos, tal como conformado pelos artigos 48.º, n.º 1, e 239.º, n.º 4, da Constituição; e, na hipótese afirmativa, se podem dar-se por verificados no caso os pressupostos a que, através dos seus artigos 17.º e 18.º, n.º 2, a Constituição sujeita as leis restritivas tanto de direitos, liberdades e garantias, como de direitos fundamentais de natureza análoga.

11 - Ao prescrever que «[a]s candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei» (artigo 239.º, n.º 4), a Constituição coloca os grupos de cidadãos eleitores em pé de igualdade com os partidos políticos no acesso às candidaturas para os órgãos das autarquias locais, procurando dessa forma «complementar o princípio representativo da democracia através do elemento participativo» (Baptista Machado, «Democratização e Neutralidade do Estado na Constituição de 76», in Participação e Descentralização - Democratização e Neutralidade na Constituição de 76, Almedina, 1976, p. 116).

Ora, ao vedarem a um mesmo grupo de cidadãos eleitores a apresentação de candidaturas, simultaneamente, aos órgãos municipais e a mais do que uma das assembleias de freguesia do mesmo concelho, os n.os 4 a 6 do artigo 19.º da LEOAL, na redação conferida pela Lei 1-A/2020, introduzem uma desigualdade entre candidaturas de base cidadã e candidaturas partidárias na disputa dos mandatos das autarquias locais. É que, enquanto o mesmo partido político pode concorrer aos cargos eletivos de todos os órgãos autárquicos integrados na área geográfica do mesmo concelho - assembleia municipal, câmara municipal e assembleias de freguesia -, sem carecer para isso de subdividir-se ou de fracionar-se em entidades menores, distintas e autónomas entre si, o mesmo grupo de cidadãos eleitores apenas pode, mediante a utilização da mesma denominação, da mesma sigla e do mesmo símbolo, apresentar-se simultaneamente à eleição dos titulares dos órgãos municipais e de uma das várias assembleias de freguesia que integram o mesmo concelho; na hipótese de pretender candidatar-se a outra (ou outras) das assembleias de freguesia da área geográfica desse concelho, não o poderá fazer senão através da fragmentação necessária à constituição de um grupo novo, com diferentes denominação, sigla e símbolo.

A desigualdade estabelecida entre candidaturas cidadãs e candidaturas partidárias na eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais situados na área geográfica de um mesmo concelho projeta-se sobre as condições em que os cidadãos podem tomar parte da vida política da respetiva comunidade local através dos partidos políticos e à margem deles.

Se a possibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores disputar simultaneamente a titularidade de todos os órgãos das autarquias locais se encontra limitada, dentro da área geográfica do mesmo concelho, aos órgãos municipais e a apenas uma das suas várias assembleias de freguesia, os cidadãos que nesse movimento se revejam e a ele pretendam associar-se através da propositura da candidatura aos cargos eletivos do respetivo município deixam de poder fazê-lo no caso de se encontrarem recenseados numa outra freguesia. E se todos os grupos de cidadãos eleitores constituídos à escala do concelho fizerem a mesma opção eleitoral - isto é, somarem à candidatura que apresentem aos órgãos municipais a candidatura a uma das assembleias de freguesia do mesmo município -, os cidadãos recenseados em freguesia distinta daquela(s) que vier(em) a ser contemplada(s) nessas diversas candidaturas, ficam impedidos de propor qualquer candidatura de base extrapartidária aos órgãos eletivos do respetivo município.

Ora, ao negar deste modo a potenciais proponentes de um determinado projeto de candidatura de base cidadã a possibilidade de participarem por essa via - no limite, por qualquer via extrapartidária - na eleição dos titulares dos órgãos do município em cuja área se encontram recenseados, a solução que emerge das alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2020 não apenas condiciona os termos em que os cidadãos podem tomar parte na prossecução dos interesses próprios da respetiva comunidade municipal - finalidade compreendida na própria conceção constitucional da autonomia local (artigo 235.º) -, como restringe a amplitude constitucionalmente atribuída ao direito de participação na vida política (artigo 48.º, n.º 1), na vertente específica correspondente ao direito de apresentação de «candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais», ao lado dos «partidos políticos» e em paridade com eles (artigo 239.º, n.º 4).

É por isso que a intervenção mediadora do legislador ordinário expressa nas alterações levadas a cabo pela Lei Orgânica 1/2020, apesar de corresponder, do ponto de vista categorial, à edição de normas procedimentais destinadas à efetivação daquele concreto direito de participação política, representa, em substância, uma ablação parcial do conteúdo que a própria Constituição lhe fixa, quando o concretiza e densifica no âmbito da organização do poder local. É que, à luz do n.º 4 do artigo 239.º, tal direito integra a faculdade de cada cidadão eleitor propor e apresentar candidaturas com a mesma base cidadã a todos os órgãos do poder local que desenvolvem a sua ação na área territorial correspondente à circunscrição em que se encontra recenseado, o que impede o legislador de vir a concretizá-lo em termos materialmente equivalentes à eliminação do conteúdo remanescente a não ser nas condições previstas no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

Este não é, contudo, o único plano em que o problema da conformidade constitucional das normas impugnadas pode colocar-se.

12 - De acordo com a requerente, independentemente da afetação do direito subjetivo dos cidadãos à participação na vida política, sempre teria de concluir-se pela inconstitucionalidade das normas que integram o objeto do pedido com base no incumprimento pelo legislador ordinário da injunção que, no n.º 4 do artigo 239.º, a Constituição lhe dirige, no quadro da organização política do Estado, no sentido de consagrar a plena viabilidade de candidatura dos grupos de cidadãos eleitores aos vários órgãos das autarquias locais.

Este segundo nível argumentativo parece ter implícito o entendimento segundo o qual o direito de apresentação de candidaturas a órgãos autárquicos através de grupos de cidadãos eleitores não consubstancia apenas um direito político dos cidadãos que acresce ao direito de sufrágio (Jorge Miranda, «O quadro...», ob. cit., p. 181), de exercício coletivo (Jorge Miranda, «Os direitos políticos...», ob. cit., p. 616); isto é, que ele comporta também uma refração objetiva, no quadro da organização política do Estado, na medida em que implica o reconhecimento de que os grupos de cidadãos eleitores constituem, senão sujeitos constitucionais (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª Edição, 2010, p. 48), pelo menos agentes políticos (Manuel Meirinho Martins, Participação..., ob. cit., p. 30), sendo-lhes atribuído poder de iniciativa numa atividade político-constitucionalmente relevante - a candidatura a órgãos autárquicos. E que, por isso mesmo, ao remeter para «os termos da lei» a respetiva concretização, a Constituição comete ao legislador a responsabilidade pela definição dos requisitos de candidatura sob condição de assegurar aos grupos de cidadãos eleitores a viabilidade efetiva da candidatura aos órgãos das autarquias locais (Manuel Meirinho Martins, As eleições autárquicas e o poder dos cidadãos, Veja Universidade, 1997, p. 52). Por outras palavras: uma vez que, diferentemente do que sucede com os partidos políticos, os grupos de cidadãos eleitores constituem uma organização política não permanente, que se esgota numa única eleição (Manuel Meirinho Martins, As eleições..., ob. cit., p. 220) e apenas subsiste durante os mandatos que nesta consiga fazer eleger (Jorge Miranda, Manual..., ob. cit., vol. vi, p. 161), a lei pode impor requisitos distintos - e porventura mais exigentes - para as candidaturas de grupos de cidadãos eleitores; mas, na medida em que lhe é constitucionalmente vedada qualquer opção que redunde, direta ou indiretamente, na preclusão da viabilidade de candidaturas de base cidadã aos órgãos autárquicos, o legislador não pode sujeitar a apresentação dessas candidaturas a pressupostos específicos que comprometam a faculdade de disputarem a totalidade dos mandatos das autarquias locais ou que distorçam as condições de paridade ou simetria em que essa disputa deve ocorrer com os partidos políticos.

Sucede que, ao impedirem que um mesmo grupo de cidadãos eleitores (cujos proponentes devem estar todos recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura) some à candidatura que apresente aos órgãos municipais de determinado concelho a candidatura a mais do que uma das suas várias assembleias de freguesia, as normas fiscalizadas produzem ainda um outro efeito: não permitem que o mesmo grupo de cidadãos eleitores se candidate a todos os mandatos da assembleia municipal.

13 - Nos termos do disposto no artigo 251.º da Constituição, a assembleia municipal é composta por membros diretamente eleitos e pelos presidentes de junta de freguesia daquele concelho. Dito de outro modo: alguns dos membros da assembleia municipal são eleitos indiretamente, através da eleição para os órgãos representativos das freguesias (Maria José Castanheira Neves, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 66; Manuel Meirinho Martins, As eleições..., ob. cit., p. 56).

Ora, conforme visto já, a solução legal fiscalizada impede que um grupo de cidadãos eleitores se candidate simultaneamente a várias assembleias de freguesia que integram a área de circunscrição do mesmo município. Sendo certo que o presidente de junta de freguesia é o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia de freguesia (cf. artigos 239.º, n.º 3, e 246.º da Constituição; artigo 24.º, n.º 1, da Lei 169/99, de 18 de setembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro), torna-se impossível de facto que um grupo de cidadãos eleitores apresente listas de candidatos a todos os lugares da assembleia municipal - prerrogativa que fica reservada aos partidos políticos: ao não poder concorrer à eleição de mais do que uma assembleia de freguesia, fica precludida a possibilidade de um grupo de cidadãos apresentar candidaturas à totalidade dos mandatos na assembleia municipal.

E, note-se, o número de membros cuja candidatura está vedada pode ser muito significativo, podendo constituir quase metade da composição da assembleia municipal. Com efeito, a Constituição apenas impõe que o número de membros diretamente eleitos para a assembleia municipal seja superior ao dos presidentes de junta de freguesia (artigo 251.º da Constituição). Ora, nos termos da lei atualmente vigente, o número de membros diretamente eleitos para a assembleia municipal será, em princípio, o triplo de membros da respetiva câmara municipal (artigo 42.º, n.º 2, da Lei 169/99, de 18 de setembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro), sendo o número de membros da câmara municipal dependente do número de eleitores daquele município (artigo 57.º da mesma lei).

Significa isto que, em certos concelhos (maxime, aqueles com um reduzido número de eleitores e em que exista um número considerável de freguesias), procede-se ao aumento do número de deputados à assembleia municipal de modo a que o número de membros diretamente eleitos seja sempre superior ao dos membros indiretamente eleitos (os presidentes de junta de freguesia - cf. artigo 42.º, n.os 1 e 2, da Lei 169/99, de 18 de setembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro). Veja-se o exemplo dado por António Cândido de Oliveira, «A difícil...», ob. cit., p. 106, ainda que por referência à realidade anterior à reorganização territorial de 2013: «Ela terá sempre o triplo do número de membros da respetiva câmara municipal escolhidos por eleição direta e método de Hondt e a sua composição completar-se-á com os presidentes das juntas de freguesia do município em causa sempre que o seu número for inferior ao dos eleitos diretamente. Quando o número dos presidentes de junta for superior, aumenta-se o número de membros eleitos diretamente por forma a que estes sejam sempre em número igual ao daqueles mais um. O município de Barcelos, por exemplo, porque possui 89 freguesias, tem 90 membros eleitos diretamente, o que dá um total de 179 membros na assembleia municipal».

Note-se que o sistema de representação proporcional estatuído no artigo 239.º, n.º 2, da Constituição agrava ainda mais esta desigualdade: v.g. um grupo de cidadãos eleitores que obtenha 51 % dos votos ao nível do município (elegendo o Presidente da Câmara Municipal e a maioria dos vereadores), pode perder a maioria na assembleia municipal; no exemplo dado, tal percentagem de votos assegurará 46 deputados municipais, número que ascenderá a 47 contando com o presidente da junta da única freguesia a cuja assembleia o grupo de cidadãos pôde simultaneamente candidatar-se, num universo de 179 membros.

Daqui decorre que as normas fiscalizadas não admitem aos grupos de cidadãos eleitores a candidatura a todos os lugares da assembleia municipal, por não lhes permitir concorrer aos lugares indiretamente eleitos. A solução legal não se limita a criar requisitos distintos para os grupos de cidadãos eleitores, tendo ainda por efeito impedir a candidatura de um grupo de cidadãos eleitores a todos os lugares da assembleia municipal, em dissemelhança do que sucede com os partidos políticos.

14 - No sentido de que a Constituição não impõe a viabilidade de candidatura a todos os mandatos da assembleia municipal podem avançar-se dois argumentos.

Por um lado, deve sublinhar-se que a Constituição apenas determina que as candidaturas podem ser apresentadas «por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei» (artigo 239.º, n.º 4), conferindo ampla margem ao legislador na respetiva modelação. Nesse quadro poderia sustentar-se não resultar da Constituição uma injunção de todos os mandatos da assembleia municipal poderem ser disputados por grupos de cidadãos eleitores.

Por outro lado, pode sustentar-se que a integração dos presidentes de junta de freguesia na assembleia municipal - que é constitucionalmente estabelecida, no artigo 251.º da Lei Fundamental - se liga à representação dos interesses da freguesia no órgão deliberativo do município, levando em conta eventuais divergências entre os interesses locais da freguesia e os interesses locais do município, sendo certo que o município e a freguesia são autarquias distintas, sem qualquer poder de direção, superintendência ou tutela entre si (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., ob. cit., vol. ii, p. 721; Jorge Miranda, «Anotação ao artigo 236.º», Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 451).

Em consequência, a disputa destes mandatos estaria, por natureza, excluída da eleição para a assembleia municipal, ressalvando-se em todo o caso uma maioria de membros diretamente eleita (artigo 251.º da Constituição). Tal atestaria a conformidade constitucional da opção legislativa de restringir a cada grupo de cidadãos eleitores a legitimidade eleitoral ativa aos órgãos representativos de uma certa área de recenseamento, não admitindo a candidatura aos mandatos da assembleia municipal que se dirigem, no fundo, a representar outros cidadãos (os recenseados nas outras freguesias) - limitação essa que não existiria no quadro partidário, atento o projeto político territorialmente transversal e perene dos partidos políticos.

Todavia, são mais robustos os argumentos no sentido de que a Constituição impõe que a previsão de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores aos órgãos das autarquias locais implica, para o legislador, a obrigação de modelar uma solução normativa que conduza à viabilidade de disputa de todos os mandatos dos órgãos eletivos (assembleia de freguesia, câmara municipal e, também, assembleia municipal).

Em primeiro lugar, não é despiciendo que o direito de candidatura por grupos de cidadãos eleitores surja constitucionalmente previsto em estrita igualdade com o direito atribuído aos partidos políticos. A Constituição estabelece que «As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais» - isto é, os órgãos deliberativos e executivos, incluindo a assembleia - «podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei» (n.º 4 do artigo 239.º da Constituição). Neste quadro, a remissão constitucional para o legislador dirige-se à definição das condições da candidatura, mas impondo sempre que esta seja possível com o mesmo âmbito: quer os partidos políticos, quer os grupos de cidadãos eleitores são titulares do mesmo direito de candidatura, sendo constitucionalmente ilegítima a subtração aos grupos de cidadãos eleitores a viabilidade da disputa de alguns dos mandatos.

Em segundo lugar, deve notar-se que os mandatos da assembleia municipal cuja candidatura está vedada aos grupos de cidadãos eleitores (os presidentes de junta de freguesia) não deixam de ser cargos eletivos. Com efeito, a integração dos presidentes de junta de freguesia na assembleia municipal (consagrada no artigo 251.º da Constituição) não põe em causa que a assembleia seja um órgão eleito por sufrágio universal (n.º 2 do artigo 239.º da Constituição). Trata-se, outrossim, de uma eleição indireta de certos mandatos, através das eleições para os órgãos da freguesia. Ora, o direito de candidatura a que se refere o n.º 4 do artigo 239.º abrange todos os órgãos autárquicos consagrados nos números anteriores do artigo 239.º (incluindo, pois, os mandatos da assembleia municipal, direta e indiretamente eleitos), cabendo ao legislador a modelação de uma solução que torne possível a candidatura (quer por partidos políticos, quer por grupos de cidadãos eleitores), a todos lugares eletivos na assembleia municipal.

Em terceiro lugar, importa sublinhar que os presidentes de junta de freguesia são membros de pleno direito da assembleia municipal, não tendo qualquer diminuição da sua capacidade pelo facto de terem sido indiretamente eleitos. Nessa medida, exercem na assembleia municipal não apenas competências quanto aos assuntos que à sua freguesia digam respeito, mas todas as que são atribuídas às assembleias municipais - quer concernentes ao interesse geral do município, quer atinentes a outras freguesias. Isto assume especial relevância no que concerne ao poder regulamentar, no âmbito do qual se estabelece uma vinculação das autarquias de grau inferior (freguesias) às normas emanadas pelas autarquias de grau superior (município), nos termos do disposto no artigo 241.º da Constituição, sendo certo que, ao nível municipal, é à assembleia municipal que cabe o seu exercício (artigo 25.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 75/2013, de 12 de setembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei 66/2020, de 4 de novembro).

Ora, o poder regulamentar «é uma expressão da autonomia local (autonomia normativa)» (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., ob. cit., vol. ii, p. 740), sendo mesmo visto como o «cerne da autonomia local» (Acórdão 110/95) por refletir, no plano normativo, a autodeterminação das populações (cf. Rui Medeiros, «Anotação ao artigo 241.º», Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 484). Neste quadro, o acesso dos grupos de cidadãos eleitores à plenitude dos mandatos da assembleia municipal constitui a garantia do exercício pleno dessa autonomia local - do cerne da autonomia local: os mandatos são idênticos em poderes, dignidade e atribuições a todos os demais, influindo nos mesmos exatos termos na formação das deliberações da assembleia municipal.

Por fim, deve considerar-se que, ainda que a integração dos presidentes de junta de freguesia na assembleia municipal se dirija à representação, ao nível municipal, dos interesses da freguesia de que provêm, tal não impediria que o legislador conformasse uma solução normativa que acomodasse o interesse de representação das freguesias na assembleia municipal com a viabilidade da candidatura dos grupos de cidadãos eleitores à totalidade dos mandatos. Desde logo, seria possível que o legislador admitisse - como, de resto, sucedia até à introdução das normas fiscalizadas - a existência de grupos de cidadãos eleitores de abrangência municipal, com proponentes recenseados em várias freguesias (porventura com as mesmas exigências quanto ao número de proponentes de cada freguesia, para que se admitisse a candidatura aos órgãos da freguesia), admitindo-se assim a disputa de todos os mandatos da assembleia municipal. Dito de outro modo: a missão eventualmente cometida ao presidente de junta de freguesia de representação dos interesses da freguesia não é incompatível com a criação de soluções normativas que consagrem a viabilidade efetiva de candidatura por grupos de cidadãos eleitores a todos os mandatos da assembleia municipal.

15 - O efeito decorrente das normas impugnadas que se traduz na impossibilidade de uma candidatura com a mesma base cidadã disputar todos os mandatos - direta e indiretamente eleitos - da assembleia municipal de um determinado concelho - contraria a garantia da faculdade de os grupos de cidadãos eleitores apresentarem candidaturas aos órgãos das autarquias locais em condições de paridade com os partidos políticos, ao mesmo tempo que consubstancia uma segunda limitação do direito de participação na vida política, na vertente integrada pelo direito de propositura e de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, em condições de paridade com os partidos políticos, aos órgãos eletivos do poder local. Encontra-se, por isso, em evidente tensão com o programa normativo definido pela Constituição no âmbito da concretização do princípio participativo, obrigando, tal como o efeito atrás considerado (vide supra n.º 11), à indagação das razões em que possa apoiar-se.

De acordo com a exposição de motivos constante do Projeto de Lei 226/XIV/l, que esteve na génese da Lei Orgânica 1-A/2020, as alterações da LEOAL visadas pelo pedido destinam-se a «[c]larificar na lei que os grupos de cidadãos eleitores não se devem confundir com partidos políticos».

A relação entre o regime que passou a constar dos n.os 4 a 6 do artigo 19.º da LEOAL e a finalidade invocada pelo legislador é, no entanto, de difícil compreensão.

Que os grupos de grupos de cidadãos eleitores não devem ser confundidos com partidos políticos no âmbito do processo eleitoral é desiderato que a LEOAL prossegue através do estabelecimento, para as candidaturas por uns e outros apresentadas, de distintos requisitos de admissibilidade. Tendo em conta que os grupos de cidadãos eleitores, ao contrário do que sucede com os partidos políticos, constituem, conforme notado já (vide supra n.º 8), organizações de tipo ocasional, a lei preocupa-se em assegurar a presença de uma efetiva base de apoio, aferida a partir da real existência de proponentes. É assim que se compreende o requisito relativo ao número de cidadãos proponentes, estabelecido no n.º 1 do artigo 19.º da LEOAL, bem como a exigência que das declarações dos proponentes resulte, de forma inequívoca, a sua vontade expressa de propor determinados cidadãos como candidatos à eleição em causa, fixada no respetivo n.º 3.

A impossibilidade de um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar candidaturas, simultaneamente, a órgãos municipais e às assembleias de freguesia do mesmo concelho, assim como de disputar a totalidade dos mandatos da respetiva assembleia municipal, não constitui, contudo, um resultado alinhado (ou alinhável) com esta legítima preocupação. Num caso como no outro, do que se trata não é de reforçar as condições destinadas a assegurar a existência de uma verdadeira dinâmica participativa de base cidadã, mas antes de agravar as condições em que, relativamente aos partidos políticos, os grupos de cidadãos eleitores podem disputar a totalidade dos mandatos dos órgãos autárquicos respeitantes a um mesmo concelho.

É por isso que, tanto na dimensão em que veda aos cidadãos eleitores a faculdade de proporem candidaturas com a mesma base cidadã a todos os órgãos do poder local que desenvolvem a sua ação na área territorial correspondente à circunscrição em que se encontram recenseados, como naquela em que inviabiliza a disputa pelo mesmo grupo de cidadãos eleitores da totalidade dos mandatos da assembleia municipal, a solução decorrente das normas fiscalizadas não pode ter-se por adequada à prossecução de qualquer finalidade legítima de interesse público, o que desde logo a exclui do âmbito das restrições de direitos, liberdades e garantias e de direitos fundamentais de natureza análoga consentidas pelo n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.

16 - Declarando-se a inconstitucionalidade das normas contidas nos números 4 e 5 do artigo 19.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, em conjugação com o n.º 6 do mesmo artigo, importa saber se há lugar à repristinação das normas que estas hajam revogado.

Assim não sucede. Com efeito, a eliminação da ordem jurídica do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 19.º da LEOAL, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, implica que a parte subsistente do artigo 19.º coincida materialmente com a sua redação anterior (conferida pela Lei Orgânica 1/2017, de 2 de maio), de onde não resulta ser impossível a candidatura de um grupo de cidadãos eleitores a todos os mandatos da assembleia municipal.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos n.os 4 e 5 do artigo 19.º, quando conjugados com o n.º 6 do mesmo artigo, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 48.º, conjugado com o n.º 4 do artigo 239.º e com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

Atesto o voto de conformidade do Juiz Conselheiro José António Teles Pereira e o voto de vencido do Juiz Conselheiro Lino Ribeiro, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio).

Lisboa, 28 de abril de 2021. - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Gonçalo Almeida Ribeiro (com declaração) - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho (com declaração) - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes - Assunção Raimundo (vencida, com declaração) - João Pedro Caupers.

Declaração de voto

Acompanho o juízo de inconstitucionalidade com fundamento na violação do direito de participação política que decorre das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 48.º e do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição - o direito a tomar parte na vida política através da apresentação de candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais por grupos de cidadãos eleitores. Parece-me sobretudo de sublinhar, tendo em conta a timidez da jurisprudência constitucional em matéria de direitos positivos, a afirmação perentória de que este direito fundamental, que é sobretudo um direito a que o poder público institua as condições necessárias para o exercício de uma determinada forma de participação política, compreende uma «dimensão negativa ou defensiva», correlativa de um dever estatal de não «eliminar, neutralizar ou restringir» a liberdade-de-participação tornada possível pela intervenção do legislador, com a consequência de que «uma lei que apenas parcialmente o efetive [ao direito fundamental] não poderá deixar de corresponder à ablação do seu âmbito restante.»

Ainda que a decisão não o refira expressamente, este modo de colocar a questão implica o reconhecimento de um dever acessório de o legislador não limitar ou destruir as condições normativas para o exercício de um direito fundamental, dever este que tem carácter negativo e cujo cumprimento, ainda que por referência a um dever principal de prestar com carácter positivo, pode ser controlado pela jurisdição constitucional no domínio da fiscalização da constitucionalidade por ação, ou seja, através da apreciação da conformidade constitucional de uma norma restritiva de direitos. Não é difícil antever as implicações deste raciocínio em matéria de proteção judicial dos direitos positivos em geral, mormente os direitos sociais, sempre que se trate de sindicar a constitucionalidade de uma norma que opera a exclusão de certa categoria de pessoas do acesso a um bem ou uma regressão constitucionalmente relevante no nível de proteção anteriormente concedido pela lei. Trata-se, em suma, de integrar os direitos positivos, na medida em que isso se mostre dogmaticamente viável, no modelo geral do controlo judicial das restrições a direitos fundamentais.

Onde já não posso acompanhar a decisão é no modo como justifica a existência de uma restrição legal do direito de participação política através da apresentação, por grupos de cidadãos eleitores, de candidatos a eleição de órgãos das autarquias locais. A fundamentação contém dois argumentos distintos para concluir que a norma sindicada tem carácter restritivo: o de que através dela os cidadãos «ficam impedidos de propor qualquer candidatura de base extrapartidária» a todos os órgãos eletivos do concelho; e o de que impede a apresentação de candidatos a eleições «em condições paralelas às dos partidos políticos», ou seja, «sem intermediação» e «em paridade» com estes. Nenhum destes argumentos se me afigura persuasivo.

Creio que o primeiro repousa numa premissa errada. Nada impede que um cidadão proponha candidatos a todos os órgãos eletivos do «concelho» - o que apenas se pode dizer por comodidade de expressão, visto que município e freguesia são categorias diversas de autarquia local -, integrando um grupo de eleitores para efeitos da candidatura aos órgãos municipais e outro para efeitos da candidatura a uma assembleia de freguesia. Sendo certo que o proponente não pode integrar um grupo de cidadãos que pretenda concorrer aos mandatos dos órgãos municipais e de uma das freguesias que não aquela em que se encontra recenseado, o que daí se retira não é que o direito de participação do cidadão sofra uma ablação de conteúdo, pois o direito que tem é o de propor candidatos e não o de integrar um determinado grupo de cidadãos constituído para esse efeito.

O segundo argumento prova demais. É verdade que a norma sindicada impede que um determinado grupo de cidadãos eleitores apresente candidatos a todos os órgãos autárquicos de um «concelho», ao passo que os partidos políticos podem concorrer aos órgãos municipais e das várias freguesias. Mas resta explicar em que medida ou por que razão essa falta de paridade atinge o direito de participação política do cidadão individual, plenamente livre de constituir ou integrar distintos grupos de cidadãos eleitores para concorrer a eleições de nível municipal e da freguesia. De resto, se a paridade fosse levada às últimas consequências, a circunstância de a lei não permitir a criação de grupos de cidadãos eleitores a uma escala nacional ou regional deveria ser considerada uma medida restritiva, visto que estabelece uma diferença de tratamento entre partidos políticos e grupos de cidadãos.

Apesar de distintos, estes argumentos procedem do mesmo equívoco ou cometem a mesma falácia: a reificação dos grupos de cidadãos eleitores. É claro que, a partir-se da premissa de que estes, enquanto sujeitos constitucionais, têm um direito de participação política, o facto de a lei não permitir que um determinado grupo se candidate aos órgãos municipais e das várias freguesias constitui simultaneamente uma limitação da participação eleitoral e uma diferença de tratamento em relação aos partidos políticos. Sucede que o direito de participação através da apresentação de candidatos a eleições autárquicas é dos cidadãos individuais e não dos grupos de cidadãos. Estes, ao contrário dos partidos políticos, não têm existência autónoma, vocação duradoira ou interesses próprios; correspondem ao resultado contingente do exercício dos direitos a apresentar candidatos por parte dos indivíduos que os constituem e têm relevância jurídica exclusivamente enquanto e na medida desse exercício coletivo de direitos individuais. Como se lê no Acórdão 493/2017, a propósito da impossibilidade de os grupos de cidadãos, ao contrário dos partidos políticos, formarem coligações eleitorais:

«Os partidos políticos têm uma existência anterior e independente a uma coligação e encarnam propostas políticas diversas com uma abrangência nacional; o propósito da coligação eleitoral é as diversas partes, através da mediação da diferença e do acordo de vontades, apresentarem uma candidatura conjunta à eleição. Já os grupos de cidadãos eleitores constituem-se no momento e com o propósito de concorrerem a uma determinada eleição, pelo que não existem, nem têm identidade política, antes dela; se dois conjuntos de cidadãos partilham um determinado projeto político, constituem um único grupo de cidadãos eleitores e apresentam uma única candidatura eleitoral. Se o não fizerem, e apresentarem candidaturas distintas - o que implica, naturalmente, que cada grupo de cidadãos apresente listas integralmente diversas de proponentes e de candidatos (artigo 16.º, n.os 3 e 6, da LEOAL) -, são, para todos os efeitos, grupos independentes, que concorrem entre si e com as restantes forças políticas na eleição em causa, cada qual com a sua lista de candidatos, com as suas denominação, sigla e símbolo, e com lugar próprio nos boletins de voto.»

Por isso, o argumento de que a norma sindicada constitui uma restrição do direito de participação política através da apresentação de candidaturas de grupos cidadãos eleitores tem necessariamente de passar pela demonstração de que atinge a esfera do cidadão individual. Ora, ao contrário do que se afirma na decisão, a restrição operada pela norma não reveste a forma de uma ablação - a supressão de faculdades que integram o direito -, mas de um condicionamento - a criação de obstáculos ao exercício do direito. Assim é porque, da perspetiva do titular do direito fundamental - o cidadão individual -, o novo regime não limita o poder de apresentar candidatos aos órgãos das autarquias locais em cuja área se encontrem recenseados, antes dificulta o seu exercício e deprecia o respetivo valor. Em termos mais sugestivos, o regime não tem repercussões negativas nos poderes jurídicos do cidadão, mas nas suas possibilidades efetivas de participação política.

Tal ocorre, no essencial, por quatro ordens de razão. Em primeiro lugar, porque o ónus de constituição de múltiplos grupos de cidadãos eleitores, com denominação, sigla e símbolo distintos, por um lado, e acumulação de encargos burocráticos, por outro, elimina as economias de escala que se podem alcançar através da constituição de um grupo compósito e alargado que apresenta candidatos aos órgãos municipais e se desdobra em grupos menores que propõem candidatos ao nível da freguesia. Em segundo lugar, porque apesar de municípios e freguesias constituírem autarquias distintas, o exercício da autonomia local reclama uma simbiose entre os dois níveis, que se manifesta, quer no facto de os presidentes de junta serem membros de pleno direito da assembleia municipal (não intervindo apenas nos assuntos que digam respeito à sua freguesia), quer no facto de os regulamentos municipais vincularem as freguesias. Em terceiro lugar, e em consequência dessa simbiose, é natural que um grupo de cidadãos encarne um projeto político que compreende os dois níveis de exercício da autonomia local, pelo que a exigência formal de que se constituam diferentes grupos de cidadãos para as eleições aos órgãos municipais e de cada uma das freguesias compromete o exercício esclarecido do direito de voto - o mesmo é dizer, a verdade eleitoral. Finalmente, e como alerta a requerente, só as candidaturas aos órgãos municipais são elegíveis para beneficiar de subvenção estatal, de modo que a impossibilidade de um e o mesmo grupo de cidadãos eleitores concorrer simultaneamente aos órgãos autárquicos de ambos os níveis redundaria num desincentivo a esta forma de participação política, pelo menos no que ao nível inferior diz respeito.

O facto de a norma sindicada ter por consequência a impossibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores disputar todos os mandatos a preencher na assembleia municipal, em virtude de os presidentes de junta serem membros desta por inerência, mais do que constituir uma razão autónoma para o juízo de inconstitucionalidade - como parece entender-se no aresto -, é revelador de que este regime, contrariamente ao que se refere na exposição de motivos do projeto de lei que deu origem à Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, em vez de «clarificar» o processo eleitoral autárquico, é largamente artificial e espúrio, contribuindo para esvaziar de sentido o direito individual de participação política através da apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores. Ora, não se vislumbrando nenhuma outra razão para a restrição deste direito - em termos que justificassem a aferição da sua adequação, necessidade e proporcionalidade -, impõe-se concluir, como se conclui na decisão, ainda que com um percurso argumentativo diverso, que a mesma é inconstitucional. - Gonçalo de Almeida Ribeiro.

Declaração de voto

Votei a decisão e o respetivo fundamento paramétrico, mas afasto-me da fundamentação do Acórdão, a partir do ponto 10, por razões que passo a explicar, com brevidade.

1 - Não creio que possa retirar-se da disposição normativa constante do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição, isoladamente considerado, a determinação constitucional do conteúdo do direito de tomar parte na vida política, através de grupos de cidadãos eleitores, nos termos em que o Acórdão o faz, em particular, no que respeita à afirmação de paridade com os partidos políticos, tomada em termos quase absolutos no que às eleições para os órgãos das autarquias locais respeita. Na verdade, este direito só pode ser adequadamente compreendido - como aliás a presente decisão acaba por (bem) reconhecer - em conjunção com o disposto no artigo 48.º, n.º 1, onde se consagra, de forma mais geral, o direito de participação na vida política. O direito a apresentar candidaturas aos órgãos das autarquias, por via de grupos de cidadãos eleitores, é, pois, uma (entre várias possíveis) forma constitucionalmente concretizada de exercer o direito (mais amplo) de participação política.

2 - Porém, o direito que se recorta da conjugação das duas normas constitucionais mencionadas - e que constituem o parâmetro do Acórdão - é, antes de mais, um direito fundamental de natureza positiva, ou seja, um direito a uma prestação do Estado. O que se exige ao poder público é que aprove e implemente um regime jurídico que salvaguarde a possibilidade e defina as condições das candidaturas dos grupos de cidadãos aos órgãos das autarquias locais. Daqui decorre, naturalmente, uma importante obrigação de natureza constitucional, para o Estado - no sentido de estar constitucionalmente vinculado a assegurar o exercício do direito -, mas, ao mesmo tempo, uma significativa margem de conformação para o legislador no que respeita às condições procedimentais impostas para tal.

3 - Acontece, no entanto, que o facto de um direito fundamental poder ser caraterizado como um direito positivo, ou de prestação, não implica, de forma alguma, que ele não tenha também uma dimensão negativa, de abstenção e/ou resistência à atuação do poder público, em particular, do legislador. Na verdade, isto decorre, muito simplesmente, da força normativa da Constituição e do consequente dever geral de respeito, por parte do Estado, pelos direitos fundamentais, aplicando-se, em termos idênticos, a todos esses direitos. O Estado tem, assim, uma obrigação constitucional de os não afetar negativamente, abstendo-se «de intervir nas possibilidades e capacidade de acesso que o particular (...) alcançou» (cf. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais - Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais, AAFDL Editora, 2.ª Edição, 2016). Nestes termos, torna-se claro que pode haver violações de direitos positivos com origem não na violação de uma obrigação de facere, mas sim no incumprimento de obrigações negativas por parte do legislador.

4 - O Acórdão qualifica as normas questionadas como uma restrição legal ao direito de participação política, na específica dimensão do direito a apresentar candidaturas de grupos de cidadãos eleitores às autarquias locais. Todavia, não me parecem convincentes os argumentos com base nos quais o sustenta, designadamente a ideia de que assim se inviabiliza «a apresentação de candidaturas de base extrapartidária à titularidade dos órgãos das autarquias locais», que teria de ocorrer, por imposição constitucional, sempre, «em condições paralelas às dos partidos políticos». No meu entender, esta visão das coisas assenta em três equívocos: i) que os grupos de cidadãos têm um direito fundamental à apresentação de candidaturas a todos os órgãos do concelho; ii) que as normas questionadas o inviabilizam, pelo menos parcialmente; e ainda iii) que as ditas candidaturas têm de ter um regime jurídico de paridade com o dos partidos políticos.

4.1 - Ora, correndo o risco de afirmar o óbvio, os grupos de cidadãos não existem autonomamente antes de constituídos para efeito das candidaturas, constituição essa que deve obedecer às condições que a lei exigir. Assim, «não existem, nem têm identidade política» antes das eleições, como aliás este Tribunal afirmou no Acórdão 493/2017. Na verdade, eles configuram-se como um meio, ou um instrumento, de realização do direito fundamental dos cidadãos à participação na vida política, na vertente específica de direito de apresentação de candidaturas aos órgãos das autarquias locais, tendo o legislador constituinte entendido consagrar duas alternativas para o seu exercício: a candidatura em listas partidárias e a candidatura em listas apresentadas por grupos de cidadãos. São, pois, os cidadãos individuais os titulares do direito fundamental aqui em causa. Deste modo, nos termos do regime jurídico instituído pelas normas questionadas, nenhum cidadão está privado da possibilidade de propor a candidatura de grupos, nem de através deles exercer a sua capacidade eleitoral ativa (neles votando) ou passiva (sendo candidato nas listas que apresentam), em todas as autarquias locais da sua área de residência: da sua freguesia e do seu município.

4.2 - O exercício dos direitos acima referidos pode mesmo ser levado a cabo por via do mesmo grupo de cidadãos, com a mesma denominação, a mesma sigla e o mesmo símbolo. A única possibilidade que as normas questionadas vedam é que um grupo de cidadãos nessas condições concorra simultaneamente à eleição dos titulares dos órgãos municipais e de várias assembleias de freguesia que integram o mesmo concelho. No entanto, não sendo os grupos titulares do direito fundamental violado, o problema de constitucionalidade não reside aqui, uma vez que os cidadãos individuais mantêm a liberdade de constituir e de apresentar a sua candidatura, através de tais grupos, a todos os órgãos autárquicos relevantes. Do ponto de vista da prestação mínima do direito, concretizadora da específica incumbência dirigida pela Constituição ao legislador, a obrigação imposta pela Lei Fundamental está, na ótica de cada titular individual do direito, cumprida.

4.3 - Por fim, a premissa segundo a qual as candidaturas dos grupos de cidadãos têm de ter um regime jurídico de paridade com o dos partidos políticos não só não tem nenhum suporte textual nas normas constitucionais, como se afigura contraditória com o lugar particular que a CRP reserva aos partidos políticos. Estes, tendo personalidade jurídica e identidade própria, bem como uma inequívoca vocação de durabilidade, são tidos por instituições fundamentais de uma democracia pluralista, veículo da «formação da vontade popular» (na expressão do artigo 51.º, n.º 1, da Constituição), com direitos próprios e deveres correlativos, constitucionalmente impostos, de transparência, e de organização e gestão democráticas. Assim, a desigualdade introduzida pelas normas questionadas entre candidaturas de base cidadã e candidaturas partidárias, na disputa dos mandatos das autarquias locais, poderia fundamentar-se, precisamente, nesta óbvia diferença de estatuto constitucional.

5 - Nestes termos, creio que a inconstitucionalidade das normas em apreço reside noutro facto: como muito bem explica o Acórdão, o regime jurídico em crise resulta, essencialmente, da alteração introduzida pelo artigo 2.º da Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, ao n.º 4 do artigo 19.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de agosto (LEOAL). Até então, inexistia a regra que considera distintos para todos os efeitos legais, os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho. Significa isto que as anteriores versões da lei consagravam um regime jurídico de exercício do direito fundamental aqui em causa de âmbito muito mais alargado, como também se demonstra no Acórdão. As alterações legislativas aprovadas em 2020 significaram a introdução de um condicionamento (ou seja, de um obstáculo adicional ao exercício) do direito fundamental de participação política, ao comprimir o grau em que o mesmo se apresentava já regulado e assegurado pelo Estado.

Assim, sempre se exigiria, nesta situação, por parte do legislador, o cumprimento de uma obrigação agravada de fundamentação da diminuição do âmbito e modo de exercício do direito de participação política, na dimensão de apresentação de candidaturas de grupos de cidadãos aos órgãos das autarquias locais, operada pela alteração legislativa. Atendendo à intrínseca relação que se estabelece entre as normas constitucionais consagradoras de direitos positivos e as normas legais concretizadoras do seu conteúdo material, parece-me evidente que uma alteração de regime em sentido compressivo, com a importância da que aqui se analisa, teria, no mínimo, de ser justificada com base em ponderosas razões de interesse público, que cabe ao legislador esclarecer adequadamente. Ora, como bem se aponta, aliás, no pedido, as razões explicativas das modificações legais oferecidas na «exposição de motivos» do projeto de lei, em particular, a necessidade de clarificação da distinção essencial entre partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores, não parecem ter qualquer relação de causalidade evidente com as normas aqui em questão, não se compreendendo como e em que medida poderiam estas contribuir para a prossecução de tais desígnios. Inexiste, assim, qualquer justificação ou fundamentação atendível para a diminuição, por via legislativa, do sentido, conteúdo e alcance já concretizados do direito fundamental em causa, razão que entendo suficiente para votar favoravelmente a presente declaração de inconstitucionalidade. - Mariana Canotilho.

Declaração de voto

Votei vencida com o seguinte entendimento:

1 - As normas fiscalizadas vêm regular os termos da admissibilidade de candidaturas de grupos de cidadãos para órgãos autárquicos (assembleia municipal, câmara municipal e assembleia de freguesia). As candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos nas eleições autárquicas são expressamente admitidas pelo n.º 4 do artigo 239.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição), que remete para a lei a respetiva concretização: «As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei».

A Constituição especifica, assim, um concreto direito de participação política dos cidadãos, traduzido na faculdade de concorrer aos órgãos das autarquias locais (freguesias e municípios) através de grupos de cidadãos eleitores. Trata-se de previsão constitucional que se alicerça no direito de participação na vida política consignado no n.º 1 do artigo 48.º «Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos».

Em anotação a esta norma, JORGE MIRANDA afirma que tal norma reflete a transposição para o plano subjetivo do princípio fundamental proclamado nos artigos 2.º, 3.º e 9.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, enquanto GOMES CANOTILHO assinala que os direitos políticos ou de participação política são direitos de cidadania, ou seja, direitos dos indivíduos enquanto cidadãos, enquanto membros da «república», que o mesmo é dizer, da coletividade politicamente organizada e são simultaneamente parte integrante e garantia do princípio democrático, constitucionalmente garantido.

Ora, a Constituição individualiza uma específica dimensão de participação dos cidadãos, que o legislador está vinculado a concretizar.

Na interação das referidas normas constitucionais, a viabilidade de candidaturas a órgãos autárquicos por grupos de cidadãos eleitores inscreve-se na participação política dos cidadãos. Trata-se, portanto, de cidadãos que decidem tomar parte ativa na vida pública, tentando capturar a direção dos órgãos eletivos de âmbito local e assim influenciar de forma determinante o processo de tomada de decisão política, fazendo parte do mesmo.

A circunstância de se não admitir a propositura de grupos de cidadãos eleitores formado por indivíduos recenseados em várias freguesias (e que, assim, pudessem candidatar-se a várias assembleias de freguesia do mesmo concelho) não pode ser vista como restrição ao direito a participar na vida política.

O direito a apresentar candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, tem em vista o envolvimento dos cidadãos nos órgãos das autarquias locais que dizem respeito a esses cidadãos, implicando-os na governação das autarquias em cuja área estão recenseados. A promoção da participação política liga-se à promoção da autodeterminação das populações para tutela dos seus interesses próprios - a que se refere o artigo 235.º, n.º 2, da Constituição - permitindo as normas fiscalizadas, que um grupo de cidadãos eleitores possa candidatar-se a todos os órgãos das autarquias, em cuja área os proponentes estão recenseados (assembleia de freguesia, câmara municipal e assembleia municipal).

A circunstância de estar impedida a candidatura aos órgãos das demais freguesias do mesmo concelho não contende com o direito de participação dos cidadãos: a admitir-se o contrário, seria igualmente uma restrição ao direito de participação dos cidadãos na vida política a impossibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores se candidatar a órgãos autárquicos de vários concelhos do país.

Como se retira do n.º 4 do artigo 16.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), o direito de participação política exercido na candidatura de grupos de cidadãos eleitores convive - e não exclui - com o direito de participação política através de candidaturas partidárias, pois nos termos da referida norma, as candidaturas partidárias, podem incluir candidatos independentes sem qualquer filiação partidária, não esquecendo que a fundamentação da participação política, ao nível da eleição democrática dos órgãos do poder local, dirige-se ao cumprimento da missão constitucionalmente atribuída às autarquias: a «prossecução de interesses próprios das populações respetivas» - n.º 2 do artigo 235.º da Constituição.

Neste quadro, mesmo que se qualificasse como restrição legislativa a limitação do direito de apresentar candidaturas aos órgãos autárquicos da área respeitante ao recenseamento dos proponentes, sempre se teria a medida por adequada ao objetivo: a tutela de interesses próprios da população respetiva - aqueles que são, nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA «comuns aos residentes, e que se diferenciam dos interesses da coletividade nacional e dos interesses próprios das restantes comunidades locais» -, não se podendo, assim, assacar ao corpo normativo fiscalizado uma violação desproporcionada do direito dos cidadãos a participar na vida política.

2 - Entendemos também que o legislador cumpriu a injunção constitucional de, no quadro da organização política do Estado, consagrar a plena viabilidade de candidatura dos grupos de cidadãos eleitores aos vários órgãos das autarquias locais.

Nos termos do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição, «As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei».

Verdade que o direito de apresentação de candidaturas a órgãos autárquicos através de grupos de cidadãos eleitores não consubstancia apenas um direito político dos cidadãos, ele comporta também uma refração objetiva, no quadro da organização política do Estado, na medida em que implica o reconhecimento de que os grupos de cidadãos eleitores constituem sujeitos constitucionais ou, pelo menos, agentes políticos, sendo-lhes atribuído poder de iniciativa numa atividade político-constitucionalmente relevante - a candidatura a órgãos autárquicos.

Todavia, a sua concretização (como sucede na maioria dos direitos políticos previstos na Constituição) é remetida para a lei. A Constituição confere margem decisória à lei na definição das condições de que depende a candidatura dos grupos de cidadãos eleitores, impondo-lhe somente que a conformação legislativa assegure a estes grupos a faculdade de concorrerem às eleições para os órgãos das autarquias locais.

Dispõe o n.º 4 do artigo 19.º da LEOAL, com a alteração introduzida pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto:

«4 - Os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes consideram-se distintos para todos os efeitos da presente lei, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho.»

E o n.º 5 do mesmo artigo:

«5 - Excetuam-se do disposto no número anterior os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura simultaneamente aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, desde que integrem os mesmos proponentes.»

Retiramos das transcritas normas, o entendimento que os grupos de cidadãos eleitores, individualmente considerados, que queiram candidatar-se a qualquer junta de freguesia, têm de ter como proponentes, os recenseados no âmbito da respetiva freguesia, podendo, o mesmo grupo, com os mesmos proponentes, candidatar-se também à assembleia municipal e à câmara municipal do respetivo concelho.

Desta leitura, decorre que poderão candidatar-se à câmara municipal e à assembleia municipal, tantos grupos de cidadãos, quantas as freguesias existentes.

Em anotação ao artigo 239.º da Constituição, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, assinalam que «As autarquias locais são formas autónomas de organização local dotadas de órgãos próprios. O princípio democrático exige que os seus órgãos emanem das próprias comunidades locais, que sejam órgãos representativos, democraticamente constituídos» e quanto ao n.º 4 da norma, referem que tal estatuição, resultante da Revisão de 1997, «[...] constitui mais exceção do monopólio partidário de apresentação de candidaturas o que cumpre dupla finalidade, 1) procurar abertura do sistema político para a renovação da representação política local; 2) permitir a dinamização de uma verdadeira participação política e de mobilização cidadã próxima dos cidadãos».

Ora a possibilidade de as candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais poderem ser apresentadas também por grupos de cidadãos eleitores, não teve como objetivo a criação de «forças políticas» idênticas às partidárias. O objetivo foi claramente abrir o sistema político à representação política local e à mobilização dos cidadãos locais, porque os partidos políticos, atenta a sua estrutura e dimensão nacional, afastavam-se, muitas vezes, dos efetivos interesses locais.

Assim, a circunstância de a lei impor requisitos distintos - e porventura mais exigentes - para as candidaturas de grupos de cidadãos eleitores não gera, por si só, um incumprimento da imposição constitucional. Somos do entendimento que o n.º 4 do artigo 239.º da Constituição não teve como objeto equiparar grupos de cidadãos a partidos políticos, até porque a isso se opõe o n.º 4 do artigo 51.º da Constituição.

A alteração introduzida, pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, na norma fiscalizada, corresponde, tendencialmente, ao princípio geral de direito eleitoral de que a capacidade eleitoral passiva depende da capacidade eleitoral ativa, de que só é elegível quem é eleitor.

Também da exposição de motivos ao Projeto de Lei 226/XIV/1.ª, que deu origem à Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, se retira, com total evidência, que se pretendia «clarificar na lei que os grupos de cidadãos eleitores não se devem confundir com partidos políticos, pelo que importa, a bem da verdade eleitoral, da proibição da existência de partidos regionais ou locais, das dúvidas interpretativas que vêm surgindo nos últimos processos eleitorais autárquicos sobre os quais a Comissão Nacional de Eleições também se pronunciou, introduzir alterações nesta matéria»

Portanto, houve sempre um sentido de que os partidos políticos e grupos de cidadãos são realidades distintas - (cf. artigos 9.º e 10.º da Lei Orgânica 2/2003) e a solução legal da LEOAL não se limita a criar requisitos distintos para pessoas coletivas idênticas.

Também não nos parece relevante a questão do impacto que esta alteração legislativa possa ter na composição da assembleia municipal nos termos da Lei 169/99, de 18 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro, segundo a qual o número de membros diretamente eleitos para a assembleia municipal será, em princípio, o triplo de membros da respetiva câmara municipal sendo o número de membros da câmara municipal dependente do número de eleitores daquele município (artigo 57.º da mesma lei). O legislador no âmbito da LEOAL, por força da remissão do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição, não tem que fazer a articulação daquela composição, mas, nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, de «definir o número exigido de cidadãos proponentes no que se refere a candidaturas de grupos de cidadãos».

O Acórdão 582/2013 disse sobre tal questão:

«Quando a lei vem estabelecer a legitimidade para a apresentação de candidaturas às eleições para os órgãos das autarquias por grupos de cidadãos eleitores (cf. artigos 16.º, n.º 1, alínea c), e 19.º da LEOAL), confere essa faculdade aos cidadãos eleitores proponentes, que, desta forma, exercem um direito de participação política que lhes é expressamente conferido pela Constituição (artigo 239.º, n.º 4, da Constituição). Ora, daqui decorre que a subscrição das propostas de listas de candidatos às eleições para um determinado órgão autárquico não corresponde a uma mera manifestação de apoio ou concordância com um projeto político de um movimento ou grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstancia a própria escolha, pelos cidadãos eleitores, dos candidatos a apresentar. [...]. Nestes termos, e com vista a garantir tal sentido, está na disponibilidade do legislador estabelecer requisitos específicos para as candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos eleitores, nos termos do artigo 239.º, n.º 4, da Constituição.»

Com a alteração operada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto, os grupos de cidadãos eleitores, individualmente considerados, que queiram candidatar-se a qualquer junta de freguesia têm de ter como proponentes os recenseados no âmbito da respetiva freguesia, podendo, o mesmo grupo, com os mesmos proponentes, candidatar-se também à assembleia municipal e à câmara municipal do respetivo concelho.

A dificuldade prática decorrente destas exigências, não torna a Lei restritiva por violação dos princípios da necessidade ou da proporcionalidade a que se refere o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, nem viola o parâmetro constitucional decorrente do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição, de abrir o sistema político à representação política local e à mobilização dos cidadãos locais, sendo certo que da norma não resulta qualquer injunção de que todos os mandatos aos órgãos autárquicos podem/têm de ser disputados por grupos de cidadãos eleitores.

Concluímos, pois, que a remissão que a norma constitucional faz para lei - nos termos da lei - comete ao legislador a responsabilidade pela definição dos requisitos de candidatura dos grupos de cidadãos, conferindo margem decisória à lei na definição das condições de que depende a candidatura desses grupos, impondo-lhe somente que a conformação legislativa assegure a estes grupos a faculdade de concorrerem às eleições para os órgãos das autarquias locais.

Daqui decorre, pois, ser constitucionalmente admissível que os requisitos de admissão de uma candidatura de grupos de cidadãos eleitores divirjam daqueles que o legislador imponha aos partidos políticos. Como se disse no citado Acórdão 582/2013, «a subscrição das propostas de listas de candidatos às eleições para um determinado órgão autárquico não corresponde a uma mera manifestação de apoio ou concordância com um projeto político de um movimento ou grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstancia a própria escolha, pelos cidadãos eleitores, dos candidatos a apresentar», pelo que «está na disponibilidade do legislador estabelecer requisitos específicos para as candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos eleitores, nos termos do artigo 239.º, n.º 4, da Constituição».

As normas fiscalizadas não negam aos grupos de cidadãos eleitores o direito a concorrer aos órgãos das autarquias locais, nem inviabilizam a candidatura de grupos de cidadãos eleitores aos órgãos autárquicos, já que não decorre da norma do n.º 4 do artigo 239.º da Constituição, que o legislador está vinculado ao mesmo tratamento de grupos de cidadãos e partidos políticos - até porque a própria Constituição os integra em patamares diferentes (artigo 51.º da Constituição) - ou de abrir portas para que um só grupo de cidadãos possa polarizar todos os órgãos autárquicos do concelho, podendo dessa forma afrontar o princípio geral de direito eleitoral de que a capacidade eleitoral passiva depende da capacidade eleitoral ativa e afrontar ainda a dimensão constitucional de abertura do sistema político para a renovação da representação política local e a mobilização de cidadãos descomprometidos. E o facto de haver agora a exigência de os proponentes estarem recenseados nas freguesias a que concorrem, poder levar à verificação de um aumento de grupos de cidadãos eleitores, não entendemos que a quantidade possa empobrecer a qualidade de escolha dos eleitores como seus representantes nos diversos órgãos autárquicos, mas antes a aumentar a intervenção popular local, em detrimento de interesses pessoais/concretos e de um coletivo restrito, à custa do voto popular local.

Nesta conformidade não deverá assacar-se ao corpo normativo fiscalizado uma violação desproporcionada e até desnecessária do direito dos grupos de cidadãos eleitores se candidatarem aos órgãos da respetiva autarquia. - Assunção Raimundo.

Declaração de voto

Votei vencido por entender que a norma extraída do n.º 4 do artigo 239.º em conjugação com o n.º 1 do artigo 48.º da Constituição não vincula o legislador a estabelecer que um «grupo de cidadãos eleitores» (GCE) tenha o direito de apresentar candidaturas a todas as eleições que se realizam no quadro do mesmo procedimento eleitoral autárquico.

Daquela norma resulta que as candidaturas às eleições dos titulares dos órgãos do poder local apenas podem ser apresentadas por (i) partidos políticos, (ii) coligações de partidos políticos, (iii) e grupos de cidadãos eleitores. Portanto, admite-se candidaturas extrapartidárias, mas as únicas organizações titulares do poder de apresentação de candidaturas autárquicas são os partidos políticos, excluindo-se candidaturas de outras associações (v. g. organizações de moradores, associações cívicas, ambientais, etc.).

A norma constitucional remete para a lei - «nos termos da lei» - a regulação do poder de apresentação de candidaturas. Não obstante a ampla margem de decisão que assim é conferida ao legislador no estabelecimento das condições de que depende a candidatura apresentada pelos GCE, a Constituição não é omissa quanto ao critério que deve ser adotado na formação dos grupos de cidadãos eleitores. Com efeito, os «eleitores» a que se refere o n.º 4 do artigo 239.º, que podem formar um grupo proponente de candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais, são os «cidadãos recenseados na área da respetiva autarquia» (n.º 2 do artigo 239.º da CRP). Ou seja, o critério do recenseamento que a Constituição adota para a determinação do colégio eleitoral, que define o que são «eleitores» (artigo 4.º da LEOAL), não pode deixar de ser utilizado na constituição do GCE. Assim, o GCE apenas pode ser composto pelos habitantes/residentes inscritos no recenseamento eleitoral da área da autarquia local a cujos órgãos apresentam a candidatura. De modo que o critério do recenseamento vincula o legislador a estabelecer que os cidadãos proponentes que formam o agrupamento estejam todos recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura (n.º 6 do artigo 19.º da LEOAL).

A opção constitucional de considerar que o «grupo de cidadãos eleitores» é formado pelos cidadãos inscritos no recenseamento da área da autarquia a cujos órgãos apresentam candidatura tem justificação nos interesses a que tende a eleição dos respetivos titulares. Consagra-se no n.º 2 do artigo 235.º da CRP que as autarquias «visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas», isto é, interesses próprios e específicos de uma comunidade local, que se diferenciam dos interesses comuns da coletividade nacional e dos interesses próprios das demais comunidades locais. Como o princípio democrático exige que os órgãos das autarquias locais emanem das próprias comunidades locais, a candidatura cidadã não pode deixar de refletir os interesses comuns dos residentes nessas comunidades. Por isso, a exigência de que os cidadãos eleitores residam no território da autarquia a que apresentam candidatura constitui corolário da democracia representativa, na medida em que se trata de eleição de órgãos representativos, através de sufrágio universal e direto, em que apenas participam os cidadãos da coletividade que por eles é representada, bem como permite maior participação política dos cidadãos na vida da comunidade em que se integram (artigo 48.º da CRP), ou seja, participação na prossecução dos interesses próprios e específicos, que muitas vezes se traduzem em relações de vizinhança.

Por força do caráter vinculativo do local de inscrição no recenseamento eleitoral, nenhum cidadão eleitor pode propor candidaturas em municípios e freguesias diferentes. Em princípio, um GCE é autónomo e independente em relação a qualquer outro, seja no âmbito das eleições para os órgãos da mesma autarquia, seja na eleição para órgãos de autarquias diferentes, pois o seu âmbito de atuação é o da circunscrição da autarquia em que estão recenseados os cidadãos que formam o agrupamento. O mesmo GCE apenas pode apresentar múltiplas candidaturas na eleição dos órgãos municipais - assembleia municipal e câmara municipal -, porque nesse caso a área do círculo eleitoral corresponde ao território do concelho onde estão recenseados os eleitores que compõem o grupo; assim como na eleição desses órgãos e de uma única assembleia de freguesia, quando todos os membros do grupo estão recenseados no território dessa freguesia. Nestes casos excecionais, por decorrência do critério do recenseamento, um GCE pode suportar no máximo três candidaturas; mas fora deles, cada GCE é único, constituindo-se para a específica propositura de uma concreta lista de candidatos à eleição de um órgão determinado. Daí que o GCE atue sempre no âmbito de um determinado círculo eleitoral e perante o colégio eleitoral que lhe corresponde. Não obstante os círculos de freguesia estarem inseridos em círculos municipais, o território de cada autarquia local constitui um único círculo eleitoral (artigo 10.º da LEOAL), e por isso o GCE não pode apresentar candidaturas em círculos eleitorais onde os cidadãos que o formam não estão inscritos no respetivo recenseamento eleitoral.

A lista de cidadãos eleitores pela qual se constitui um grupo de cidadãos proponentes de uma determinada candidatura varia em função do número de residentes na autarquia a que se destina a eleição. O n.º 4 do artigo 239.º da CRP remete para a lei a definição do número exigido de cidadãos proponentes e o artigo 19.º da LEOAL estabelece uma fórmula segundo a qual o GCE é composto por um número de eleitores calculado em função do número de eleitores da autarquia e do número de membros do órgão a que se destina a candidatura, corrigido por forma a não resultar um número de cidadãos proponentes inferior a 50 ou superior a 2000, no caso de candidaturas a órgão de freguesia, ou inferior a 250 ou superior a 4000, no caso de candidaturas a órgão do município. Ora, para que esta fórmula possa ser aplicada, naturalmente que os cidadãos que integram o GCE têm que estar recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a candidatura. Daí que a possibilidade do mesmo GCE apresentar candidaturas a órgãos de diferentes freguesias subverteria a aplicação da fórmula de cálculo do número de cidadãos que devem integrar o GCE proponente de determinada candidatura.

A dificuldade só poderia ser ultrapassada se a Constituição permitisse coligações entre GCE. Todavia, o n.º 4 do artigo 239.º apenas legitima candidaturas propostas por coligações de partidos políticos constituídas para fins eleitorais. Não são concebíveis coligações de candidaturas apresentadas por GCE, porque a representatividade manifestada por cada candidatura esgota-se no círculo e colégio eleitorais onde estão inscritos os respetivos proponentes.

Um GCE não é uma «associação» ou um «movimento» que possa exprimir a vontade popular através da apresentação de candidaturas às eleições dos órgãos das autarquias que integram um determinado concelho. Como se refere no Acórdão 582/2013 «a subscrição de listas de candidatos às eleições para um determinado órgão autárquico não corresponde a uma mera manifestação de apoio ou concordância com um projeto político de um movimento ou grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstancia a própria escolha, pelos cidadãos eleitores, dos candidatos a apresentar» (iálico nosso). O direito de se constituírem em listas de eleitores à margem e em competição com as listas partidárias é um direito fundamental de participação política dos cidadãos eleitores residentes na área da respetiva autarquia local e não um direito de qualquer associação constituído para o efeito. A possibilidade de uma associação política apresentar candidaturas a todos os órgãos das autarquias do concelho, ainda que seja com «recolha» de assinaturas em toda a área da autarquia, transformaria a associação num partido de índole ou âmbito regional, em desconformidade com a proibição constitucional constante da norma do n.º 4 do artigo 51.º da CRP.

É por isso que faz todo sentido que os GCE proponentes de candidaturas a órgãos de diferentes autarquias (v.g. freguesias) sejam distintos uns dos outros através do uso de denominações e siglas diferenciadas. De resto, embora a prática fosse diferente, esse era já o entendimento que se poderia ter antes da alteração efetuada pela Lei Orgânica 1-A/2020, de 21 de agosto. Com efeito, na redação anterior, já havia muitas dúvidas sobre a legitimidade da mesma denominação e sigla ser usada por um GCE que apresentasse candidatos a diferentes assembleias de freguesia, uma vez que, «por se reportarem a uma autarquia diferente (embora compreendia na área municipal), terem necessariamente, entre si, subscritores diferentes e nos parecer que o nosso ordenamento jurídico impede a existência de autênticos partidos políticos 'locais' ou 'municipais', tal como expressamente impede partidos políticos de âmbito regional (LPP, artigo 9.º)» (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, Anotada e Comentada, ed. INCM e CNE, pág. 153).

A circunstância de se não admitir a propositura de grupos de cidadãos eleitores formado por indivíduos recenseados em várias freguesias (e que, assim, pudessem candidatar-se a várias assembleias de freguesia do mesmo concelho) não pode ser vista como restrição ao direito a participar na vida política. Da natureza deste direito fundamental decorre apenas que o Estado fica impedido de vedar a participação dos cidadãos da vida política, não se identificando no seu conteúdo um direito subjetivo à candidatura de grupos de cidadãos a todos os órgãos autárquicos do mesmo concelho. Pelo contrário, o que a Constituição garante é o direito a não ser privado da participação na vida política, quer mediante o voto, quer mediante a participação direta, sendo uma das suas dimensões, justamente, o direito de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores (n.º 4 do artigo 239.º da Constituição). As normas fiscalizadas não privam qualquer cidadão de apresentar essas candidaturas: a lei prevê expressamente a viabilidade de os cidadãos formarem grupos de cidadãos candidatos aos órgãos autárquicos da área em que estão recenseados, podendo concorrer à assembleia de freguesia, à câmara municipal e à assembleia municipal.

Por outro lado, esta forma de participação política - o direito a apresentar candidaturas por grupos de cidadãos eleitores - dirige-se a propiciar o envolvimento dos cidadãos nos órgãos das autarquias locais que dizem respeito a esses cidadãos, implicando-os na governação das autarquias em cuja área estão recenseados. No fundo, a promoção da participação política liga-se à promoção da autodeterminação das populações para tutela dos seus interesses próprios (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). Nessa medida, permitindo as normas fiscalizadas que um grupo de cidadãos eleitores possa candidatar-se a todos os órgãos das autarquias em cuja área os proponentes estão recenseados (assembleia de freguesia, câmara municipal e assembleia municipal), o legislador cumpriu a injunção constitucional de consagrar tal forma de participação cívica. A circunstância de estar impedida a candidatura aos órgãos das demais freguesias do mesmo concelho não contende com o direito de participação dos cidadãos: a admitir-se o contrário, seria igualmente uma restrição ao direito de participação dos cidadãos na vida política a impossibilidade de o mesmo grupo de cidadãos eleitores se candidatar a órgãos autárquicos de vários concelhos do país.

Acresce, no que respeita à candidatura a órgãos autárquicos de áreas distintas daquela em que os eleitores estão recenseados, que o direito de participação política está garantido através de candidaturas partidárias, sobretudo atendendo ao lugar que os partidos políticos ocupam na arquitetura constitucional (os artigos 51.º e 114.º da Constituição) como sujeitos predominantes da participação política e, como consequência, da opção constitucional por uma democracia partidária. Por outras palavras: o direito de participação política exercido na candidatura de grupos de cidadãos eleitores convive - e não exclui - com o direito de participação política através de candidaturas partidárias, que não exigem qualquer filiação partidária (artigo 16.º, n.º 4, da LEOAL).

Mas ainda que não fosse este o entendimento - isto é, mesmo que se configurasse a impossibilidade de candidatura de um grupo de cidadãos eleitores a todas as assembleias de freguesia do mesmo concelho como restrição ao direito de participação na vida política -, nem assim se poderia concluir, sob este parâmetro, pela violação da Constituição. Com efeito, a fundamentação da participação política, ao nível da eleição democrática dos órgãos do poder local, dirige-se ao cumprimento da missão constitucionalmente atribuída às autarquias: a «prossecução de interesses próprios das populações respetivas» (n.º 2 do artigo 235.º da Constituição). A autonomia local constitucionalmente garantida vai para além da autonomia administrativa, constituindo também uma estrutura do poder político, sendo neste contexto que se prevê uma autodireção e autogestão, que cabe aos órgãos democraticamente constituídos no âmbito da própria coletividade local.

Neste quadro, mesmo que se qualificasse como restrição legislativa a limitação do direito de apresentar candidaturas aos órgãos autárquicos da área respeitante ao recenseamento dos proponentes, sempre se teria a medida por adequada ao objetivo: a tutela de interesses próprios da população respetiva. E não é conjeturável outra medida menos restritiva que concorresse igualmente para o objetivo de autogestão de cada comunidade local - o que autoriza a conclusão de que se respeitaria o princípio da proporcionalidade -, não se podendo assacar ao corpo normativo fiscalizado uma violação desproporcionada do direito dos cidadãos a participar na vida política.

Por último, o facto de um GCE não poder concorrer indiretamente a «todos os mandatos» da assembleia municipal, através da eleição dos presidentes das juntas de freguesia, também não constitui qualquer restrição ao direito de participação política. Os presidentes da junta integram a assembleia municipal por «inerência» e não por «eleição» (artigo 251.º da CRP) e, por conseguinte, não são representantes das freguesias junto do município. Ora, se a presença dos presidentes da junta na assembleia municipal pode constituir um fator de distorção na representação proporcional, podendo comprometer a formação de maiorias e perturbar o relacionamento com o executivo, isso resulta da restrição que o artigo 251.º faz ao n.º 2 do artigo 239.º da Constituição, ao impor que a assembleia municipal seja em parte constituída por membros por inerência, e não do modus de formação e expressão da vontade popular previsto na lei. - Lino Rodrigues Ribeiro.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4548138.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-22 - Lei Orgânica 2/2003 - Assembleia da República

    Aprova a lei dos Partidos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-12 - Lei 75/2013 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico.

  • Tem documento Em vigor 2017-05-02 - Lei Orgânica 1/2017 - Assembleia da República

    Sexta alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto (lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais)

  • Tem documento Em vigor 2018-08-13 - Lei 47/2018 - Assembleia da República

    Recenseamento eleitoral de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro (quinta alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de março, que estabelece o regime jurídico do recenseamento eleitoral)

  • Tem documento Em vigor 2018-12-31 - Lei 71/2018 - Assembleia da República

    Orçamento do Estado para 2019

  • Tem documento Em vigor 2020-03-13 - Decreto-Lei 10-A/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República

    Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-01 - Decreto-Lei 20/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2020-08-21 - Lei Orgânica 1-A/2020 - Assembleia da República

    Nona alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais

  • Tem documento Em vigor 2020-11-04 - Lei 66/2020 - Assembleia da República

    Modifica o prazo de submissão da proposta do orçamento municipal, alterando a Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, e a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro

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