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Acórdão 755/2020, de 4 de Fevereiro

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Sumário

Julga parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Partido da Terra (MPT) de decisão da Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos, que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido da Terra (MPT) relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição para a Assembleia da República, realizada em 4 de outubro de 2015

Texto do documento

Acórdão 755/2020

Sumário: Julga parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Partido da Terra (MPT) de decisão da Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos, que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido da Terra (MPT) relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição para a Assembleia da República, realizada em 4 de outubro de 2015.

Processo 72/2020

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Na sequência da decisão da Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos (doravante, "ECFP") que julgou prestadas, com as irregularidades que ali se discriminam, as contas apresentadas pelo Partido da Terra (MPT) relativas à Campanha Eleitoral para a Eleição, realizada em 4 de outubro de 2015, dos deputados para a Assembleia da República, foi instaurado processo contraordenacional contra o MPT pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

No âmbito deste procedimento contraordenacional (Processo 29/2018), por decisão proferida em 24 de outubro de 2019, a ECFP aplicou ao partido uma coima no valor de (euro)4.686,00, equivalente a 11 (onze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril (Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante "LFP").

2 - O MPT interpôs recurso de contraordenação da decisão sancionatória.

3 - Recebido o requerimento de recurso, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional.

4 - Admitido o recurso, ordenou-se a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da Lei Orgânica da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, "LTC").

5 - O Ministério Público emitiu pareceu, pronunciando-se pela improcedência do recurso, ao qual o MPT respondeu, tudo nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

6 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, v. Acórdão 421/20.

III - Do Recurso da decisão da ECFP sobre a responsabilidade contraordenacional em matéria de contas de campanha

7 - Questão prévia

Certamente por lapso, no requerimento de impugnação judicial afirma-se que a impugnação é apresentada por "José Inácio da Silva Ramos Antunes de Faria e Partido da Terra - MPT, arguidos no processo».

Assim, importa começar por esclarecer que o único arguido no processo é o Partido da Terra (MPT), o qual naturalmente é representado em juízo pelo(s) titulares(s) dos órgãos dirigentes do Partido. Deste modo e sem necessidade de mais considerações, porque destituída de sentido, dá-se sem efeito a referência ao arguido José Inácio da Silva Ramos Antunes de Faria.

8 - Dos factos

8.1 - A - Fundamentação de facto - factos provados

Com relevo para a decisão provou-se que:

1) O Partido da Terra (MPT) é um partido político português, constituído em 12 de agosto de 1993, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2) O MPT apresentou candidatura às eleições para a Assembleia da República, realizadas a 4 de outubro de 2015.

3) O MPT apresentou, em 18 de julho de 2016, junto do Tribunal Constitucional as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada no ponto 2.

4) Nas contas apresentadas foram registadas despesas de campanha, com o seguinte documento de suporte (fatura):

4.1) Fatura n.º 1/13, de "Comsom II, Produção de Audiovisuais, Lda.", de 25/09/2015, com o descritivo "Produção e Realização de Filmes para campanha legislativa 2015", no valor de (euro)7.380,00;

4.2) Fatura 23/10, de "Go.Unik, SA", de 01/10/2015, no valor de (euro)14.043,53, com o descritivo "Estrutura Outdoor 8X3, Quant. 11, Preço unit. (euro) 590,00; Impressão Lona 8X3 Blockout 500g, Quant. 11, Preço unit. (euro) 228,00; Custos de Aplicação/Remoção no Algarve, Quant. 1, Preço unit. (euro) 450,00; Estrutura Outdoor 2X1, Quant. 21, Preço unit. (euro) 135,00; Impressão Lona 2X1 Blockout 500g, Quant. 21, Preço unit. (euro) 19,00; Seguro Contra Furto Estruturas 2X1, Quant. 21, Preço unit. (euro) 9,00";

4.3) Fatura 23/11, de "Go.Unik, SA", de 01/10/2015, com o descritivo "Mudança de Estrutura em Olhão: Custos Dia Extra Algarve 3 pessoas, Quant. 1, Preço unit. (euro) 190,00, Custos Mudança de Estrutura (OFERTA), Aplicação de Moldura Adicional em Lisboa: Moldura Extra para Outdoor 8X3 (Dupla Face), Quant. 1, Preço unit. (euro) 150,00; Impressão Lona 8X3 Blockout 500g, Quant. 1, Preço unit. (euro) 228,00 Custos de Deslocação a Lisboa e Montijo, Quant. 1, preço unit. 240,00, Custos Montagem Moldura e Lona (OFERTA), Mudança de Estrutura no Montijo: Custos Mudança de Estrutura (OFERTA)", no valor de (euro)923,73;

4.4) Fatura n.º 1500/000009, de "OOTB, Limitada", de 07/10/2015, com o descritivo "Consultoria em organização de eventos e e-marketing Campanha eleitoral - Legislativas 2015", no valor de (euro)13.899,00;

4.5) Fatura n.º 98801, de "Lutécia Hotéis, Exploração Turística e Hoteleira, S. A.", de 23/09/2015, com o descritivo, referente a 19/09/2015, de "Salas Comidas, Salas Bebidas, Aluguer de Salas, Aluguer de Equipamento" e, referente a 23/09/2015, de "Transferência Bancária", no valor de (euro)527,50;

5) Ao agir conforme descrito em 4.1, 4.4 e 4.5 dos factos provados, o Arguido representou como possível que tal falta de detalhe impossibilitasse a identificação dos serviços efetivamente pagos, conformando-se com essa concreta possibilidade.

6) O MPT sabia que a sua conduta era proibida e sancionável como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

7) O MPT, nas contas referidas em 3., registou receitas no valor total de (euro)45.627,16 e despesas no valor de (euro)45.867,77.

8) O Arguido não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas em 2.

8.2 - B - Factos não provados

Ao agir conforme o descrito em 4.2. e 4.3. o Arguido representou como possível que a falta de detalhe das faturas referidas impossibilitasse a identificação dos serviços efetivamente pagos, conformando-se com essa possibilidade.

8.3 - C - Motivação da matéria de facto

A prova da factualidade dada como provada nos pontos 1. a 8. resultou da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos.

Concretizando, relativamente à factualidade elencada no ponto 1., foi considerado o teor da publicação existente no sítio da Internet do Tribunal Constitucional, da qual a mesma se extrai; a factualidade do ponto 2. e 3. adveio do teor de fls. 4 a 7 e 21 a 51 do processo administrativo relativo à apreciação das contas aqui em apreço (PA 19/AR/15/2018), apenso aos presentes autos.

No que respeita à matéria de facto elencada nos pontos 4.1 a 4.5 dos factos provados, a mesma emergiu da análise do teor das faturas juntas a fls. 23 e 26 a 30 dos presentes autos, e bem assim no teor do Anexo VII/Rubrica M7 das contas apresentadas a fls. 36 e 37 do PA 19/AR/15/2018. A alteração da factualidade do ponto 4.2 e 4.3, que resultou da análise das faturas juntas aos autos a fls. 27 e 28, não foi formalmente comunicada ao Arguido, por lhe ser favorável.

Relativamente à prova da factualidade constante nos pontos 5. a 7. dos factos provados, extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação, tanto mais quanto do relatório da ECFP de fls. 54 a 77 do 19/AR/15/2018 constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que o Partido foi do mesmo notificado e, apesar de lhe ter sido concedido prazo para se pronunciar e/ou retificar as contas, o mesmo não o fez.

Relativamente à prova da factualidade constante dos pontos 8. e 9. dos factos provados, a mesma adveio do teor de fls. 33 a 35 do PA 19/AR/15/2018, apenso aos presentes autos.

A factualidade não provada resultou da análise dos documentos referidos.

9 - Do Direito

9.1 - Da responsabilidade contraordenacional do MPT

Na decisão recorrida entendeu-se que a conduta descrita no ponto 4. dos factos provados preenche o tipo objetivo previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, na modalidade de insuficiente comprovação das despesas realizadas. Assim como se concluiu que tal conduta preenche o elemento subjetivo do apontado tipo de ilícito, na modalidade de dolo eventual.

O Recorrente contesta este entendimento por três ordens de razões.

Em primeiro lugar vem invocar que «a decisão recorrida padece do vício da nulidade decorrente «da ausência de factos que consubstanciem a imputação objetiva e subjetiva da infração aos recorrentes».

Em segundo lugar, entende que a norma do artigo 31.º da LFP padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da tipicidade, por utilizar um conceito indeterminado, o advérbio "devidamente".

Em último lugar, defende que lhe devia ter sido aplicada uma admoestação.

Vejamos.

9.2 - Relativamente ao primeiro ponto, contrariamente ao que refere o Recorrente, o problema não é de nulidade.

Quando o Recorrente alega que «os factos descritos nos pontos 4. e 5., conjugados com os demais factos provados, não se subsumem à prática de uma contraordenação prevista no artigo 31.º da LFP» o que, na verdade, pretende suscitar, é o problema da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que se verifica quando a factualidade provada não é suficiente para fundamentar a solução de direito adotada.

Não lhe assiste, porém, razão.

Analisando os factos dados como provados na decisão administrativa da ECFP, bem como o direito aplicado, não se vê qualquer insuficiência da referida factualidade.

Outra questão é a de saber se a factualidade agora dada como provada, com o aditamento das especificações que constam do descritivo das faturas constante de pontos 4.2 e 4.3, permite concluir que o MPT cometeu a contraordenação que lhe vem imputada.

O problema da insuficiência ou falta de clareza da documentação que suporta as despesas não é novo. O Tribunal tem sucessivamente reiterado que o cumprimento do dever imposto pela segunda parte do n.º 2 do artigo 19.º da LFP impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontram adequadamente refletidas nas contas.

Situações em que o descritivo do documento de suporte se mostrou insuficiente ou pouco claro para os efeitos acabados de referir - por conter uma discriminação vaga e imprecisa de cada um dos elementos implicados no serviço globalmente prestado - foram consideradas violação do dever de comprovação, através de documentos de suporte suficientemente concludentes e completos, das despesas da campanha eleitoral, imposto pelos artigos 15.º e 19.º, n.º 2 da LFP (Acórdãos. n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016).

Corresponde igualmente a jurisprudência uniforme e reiterada que tal violação é relevante no plano contraordenacional, nos termos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º do mesmo diploma legal, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha.

Como resulta da factualidade provada, as despesas de campanha elencadas nos pontos 4.1., 4.4. e 4.5. encontram-se tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou, mostrando-se, assim, incompletas.

Assim, a fatura referida em 4.1. limita-se a referir "Produção e Realização de Filmes para campanha legislativa 2015". Na falta de informação relativa ao número de filmes produzidos ou realizados e às respetivas durações, não é possível avaliar o que foi realmente pago, razão pela qual a fatura é incompleta.

Já no que respeita à fatura referida em 4.4., com o descritivo "Consultoria em organização de eventos e e-marketing Campanha eleitoral - Legislativas 2015", sem se saber qual foi o tipo de consultadoria, quantas pessoas estiveram envolvidas na prestação dos serviços e qual a duração, ainda que aproximada, do trabalho, não se pode determinar aquilo que foi efetivamente pago, razão pela qual, se apresenta insuficiente.

O mesmo sucede com a fatura referida em 4.5. com o descritivo, referente a 19/09/2015, de "Salas Comidas, Salas Bebidas, Aluguer de Salas, Aluguer de Equipamento", que não diz quantas salas, que quantidades aproximadas de comidas e bebidas e que equipamento foi alugado, é impossível saber o que realmente se pagou.

Contrariamente, das faturas constantes de 4.2. e 4.3., parece perceber-se o que foi pago. Note-se que os outdoors se encontram previstos na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 125, de 2 de julho, e que a fatura indica o número, as dimensões, os materiais utilizados e o preço unitário de cada estrutura e serviço, mostrando-se esta informação suficiente para aferir da razoabilidade do preço.

Não há dúvida de que relativamente à factualidade referida em 4.1.,4.4. e 4.5. se verifica uma violação do dever imposto pelos artigos 15.º e 19.º, n.º 2 da LFP, sendo esta relevante no plano contraordenacional, no âmbito de tipo legal previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da mesma lei, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente ou deficiente comprovação das despesas imputadas à Campanha.

Para além do preenchimento do tipo objetivo de ilícito previsto no n.º 1 do artigo 31.º da LFP, a responsabilidade contraordenacional que vem imputada pressupõe uma atuação dolosa, podendo esta ocorrer em qualquer uma das três modalidades em que o dolo é legalmente admitido: dolo direto, necessário ou eventual.

A este respeito, provou-se que o Arguido, ao atuar da forma descrita, representou como possível que a falta de detalhe das despesas tituladas pelas faturas referidas em 4.1., 4.4. e 4.5. impossibilitasse a aferição daquilo que efetivamente foi pago, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

Estão, assim, verificados, na modalidade correspondente ao dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo do ilícito.

9.3 - A segunda questão invocada pelo Arguido respeita a uma alegada violação do princípio da legalidade, na vertente tipicidade: o n.º 1 do artigo 31.º da LFP, ao utilizar um conceito indeterminado - devidamente - violaria o n.º 1 e o n.º 3 do artigo 29.º e o n.º 1 do artigo 30.º da CRP.

A redação do referido artigo é a seguinte:

Artigo 31.º

(Não discriminação de receitas e de despesas)

1 - Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS.

O Tribunal Constitucional tem abundante jurisprudência sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional. O Tribunal tem repetidamente acentuado que «a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes» (Acórdão 41/2004).

Como se resume no recente Acórdão 231/2020:

"Deve, portanto, concluir-se que as exigências do enquadramento constitucional relativamente à técnica legislativa a ser adotada no Direito Contraordenacional não correspondem necessariamente ao paradigma mais exigente da tipicidade no Direito Criminal.

É certo que a vinculação da atividade da Administração ao princípio da legalidade pressupõe a tipicidade dos seus comportamentos. Todavia, a exigência da determinabilidade na definição dos deveres impostos aos administrados que podem ser sancionados administrativamente não impede o recurso a conceitos indeterminados.

[...]

Daqui resulta que os tipos contraordenacionais podem revestir maior maleabilidade, desde que acautelem a determinabilidade objetiva das condutas proibidas. Certo é que não se encontra afastada a possibilidade de recurso a conceitos indeterminados, desde que a sua utilização não obste à determinabilidade objetiva da conduta proibida. Tão pouco fica impedido o recurso a normas em branco, desde que remetam para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das finalidades visadas."

Deve desde logo sublinhar-se que o tipo contraordenacional em causa resulta da interpretação conjugada da norma do artigo 31.º, n.º 1, com as normas do Capítulo III relativas ao regime de tratamento das receitas e despesas realizadas - o conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos atos já realizados (cf. artigo 12.º, por força do artigo 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003).

Ora, através da conjugação destes preceitos, a descrição do comportamento sancionado como contraordenação - e a sanção - resultam objetivamente determináveis para os destinatários, não podendo considerar-se violado o princípio previsto no artigo 29.º da Constituição. Acresce que a obrigação de integral comprovação documental de cada um dos atos de despesa contabilizados pelas candidaturas vem sendo reiteradamente afirmada e explicitada na jurisprudência constitucional, em termos que não deixam dúvidas quanto à forma do seu cumprimento. É ainda de notar que os destinatários da norma são os partidos políticos e os mandatários financeiros das campanhas, necessariamente familiarizados com o conjunto de regras específicas relativas à candidatura a um ato eleitoral.

Resta, portanto, concluir por um juízo de não inconstitucionalidade das normas em referência.

9.4 - Finalmente, o Recorrente pretende que lhe seja aplicada uma admoestação, por entender que «as razões de menor ilicitude ou culpa que justificam a aplicação da medida prevista no artigo 51.º do RGCO, verdadeira sanção de substituição, estão amplamente verificadas no caso sub judice». Só não diz é que razões são essas que, no caso concreto, entende estarem verificadas.

Nos termos do disposto no artigo 51.º do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

Analisando a matéria de facto provada, não se encontram razões que pudessem justificar a aplicação de admoestação.

Contudo, cremos que se justifica, em face da factualidade não provada e da consequente redução do peso relativo das referidas despesas em face do valor total das despesas realizadas na campanha, a redução do montante da coima aplicada, que se fixa agora no mínimo legal, ou seja, em 10 SMN de 2008, correspondente a (euro)4.260,00.

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo MPT e, consequentemente, condenar o MPT pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 12.º, 15.º, n.º 1 e 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, na coima no valor de 10 (dez) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de (euro)4.260,00 (quatro mil duzentos e sessenta euro).

O relator atesta o voto de conformidade ao presente acórdão do Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e dos Conselheiros José António Teles Pereira, Fernando Vaz Ventura, Maria de Fátima Mata-Mouros e Lino Ribeiro. João Pedro Caupers.

Lisboa, 17 de dezembro de 2020. - João Pedro Caupers - Pedro Machete - Gonçalo Almeida Ribeiro - Joana Fernandes Costa - Mariana Canotilho - José João Abrantes - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo.

313932002

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4409693.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2015-04-10 - Lei Orgânica 5/2015 - Assembleia da República

    Atribui ao Tribunal Constitucional competência para apreciar e fiscalizar as contas dos grupos parlamentares, procedendo à sexta alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), e à quinta alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais)

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

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