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Recomendação 6/2020, de 27 de Novembro

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Sumário

Recomendação sobre o acesso ao ensino superior e a articulação com o ensino secundário

Texto do documento

Recomendação 6/2020

Sumário: Recomendação sobre o acesso ao ensino superior e a articulação com o ensino secundário.

O acesso ao ensino superior e a articulação com o ensino secundário

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pelo Conselheiro Pedro Lourtie o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 6 de novembro, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo a presente Recomendação que é complementada pelo Relatório Técnico e pelo documento Questões e Abordagens disponíveis em: www.cnedu.pt.

O sistema de acesso ao ensino superior tem mantido o essencial do seu quadro legal desde o Decreto-Lei 296-A/98, de 25 de setembro, apesar de ter tido várias alterações ao longo do tempo. O sistema tem como elemento central o Regime Geral de Acesso, através do qual, designadamente o Concurso Nacional de Acesso, acede a maioria dos candidatos ao ensino superior.

As alterações que foram sendo introduzidas incidiram sobretudo nos Concursos Especiais que visam regular o acesso de titulares de situações habilitacionais diversas, que não os cursos científico-humanísticos do ensino secundário. Os Regimes Especiais completam o quadro regulamentar do acesso ao ensino superior e destinam-se a candidatos cujas situações pessoais justificam que não sejam postos em confronto com a generalidade dos candidatos ao Regime Geral.

A alteração mais recente ao sistema de acesso ao ensino superior consistiu na criação de concursos especiais para titulares de cursos do ensino secundário de dupla certificação e artísticos especializados, através do Decreto-Lei 11/2020, de 2 de abril. Esta alteração fundamenta-se na inadequação dos exames nacionais dos cursos científico-humanísticos do ensino secundário aos planos curriculares dos cursos de dupla certificação e no aumento significativo da frequência daqueles cursos.

O CNE tem refletido sobre o acesso ao ensino superior, tendo-se pronunciado nos últimos anos através do Parecer 3/2017 - Diário da República, 2.ª série, de 8 de maio de 2017 -, o qual inclui um historial do sistema de acesso. Em 2019, a solicitação do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o CNE pronunciou-se sobre um projeto de decreto-lei visando o acesso ao ensino superior dos titulares das vias profissionais e artísticas especializadas do ensino secundário, através do Parecer 3/2019 - Diário da República, 2.ª série, de 21 de junho de 2019. A criação destes concursos especiais veio a ser concretizada através do Decreto-Lei 11/2020, de 2 de abril.

O acesso ao ensino superior foi igualmente objeto de relatórios elaborados por grupos de trabalho nomeados pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, pelos Despachos n.º 6930/2016 - Diário da República 2.ª série, de 25 de maio - (GTAES, 2016), e n.º 11092/2018 - Diário da República 2.ª série, 27 de novembro - (GTNM, 2019).

O CNE promoveu um processo de trabalho envolvendo audições, seminários e discussão interna, bem como a produção de um relatório técnico (CNE, 2019) e um documento para discussão (Lourtie, 2020). Deste processo e das contribuições recebidas, retira-se que o atual sistema de acesso, em particular o Regime Geral de Acesso, é um sistema que está estável e que é considerado fiável e justo por largos setores. Este Regime Geral baseia-se em exames nacionais considerados isentos, no sentido em que os candidatos são colocados perante provas iguais para todos.

Os exames nacionais têm um peso elevado no cálculo da nota de candidatura do concurso nacional de acesso, tendo em conta que valem 30 % da classificação de cada disciplina do ensino secundário, que a classificação final do ensino secundário tem o peso mínimo de 50 % na nota de acesso e que contribuem ainda com entre 35 % e 50 % para esta nota, visto que atualmente são adotados como provas de ingresso. Assim, o peso dos exames nacionais na nota de acesso varia entre 50 % e 65 %, em função das percentagens da classificação final do ensino secundário, das provas de ingresso e da existência de pré-requisitos, consoante o que estiver fixado para cada curso pela respetiva instituição de ensino superior, dentro dos limites legais.

A competência das instituições de ensino superior na fixação dos critérios de seleção dos candidatos é limitada. A Lei de Bases do Sistema Educativo prevê que compete às instituições de ensino superior a avaliação da capacidade para a frequência, a seleção e a seriação dos candidatos, nos limites a fixar por decreto-lei. O Decreto-Lei 296-A/98, de 25 de setembro, apesar de estabelecer que "compete aos estabelecimentos de ensino superior [...], a fixação da forma de realização da avaliação da capacidade para a frequência, bem como dos critérios de seleção e seriação dos candidatos", limita essa competência ao prever que as provas de ingresso são provas elaboradas e realizadas sob a direção da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES) ou exames nacionais. A legislação revela a tensão entre a atribuição de competências às instituições de ensino superior, com o risco de proliferação de provas a que os candidatos se teriam de submeter, obrigando-os a percorrer o país para as realizar, a menos que houvesse uma real articulação entre as instituições, e a centralização e uniformização do processo de acesso ao ensino superior que impede a capacidade de diferenciação de critérios.

Está muito difundida a ideia de que estas provas avaliam os conhecimentos essenciais para o acesso, e eventualmente sucesso, no ensino superior, aceitando por isso que o peso dos exames nacionais na classificação de acesso possa atingir cerca de 2/3. No entanto, o conjunto de competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (ME, 2017) apenas é parcialmente avaliado através de exames como os nacionais do ensino secundário. Nesse documento, as competências são definidas como «combinações complexas de conhecimentos, capacidades e atitudes», em linha com o pensamento atual a nível internacional, designadamente no âmbito do projeto da OCDE The Future of Education and Skills 2030 (OCDE, 2018b).

O peso dos exames nacionais e a pressão dos candidatos ao ensino superior para a preparação para os exames têm efeitos negativos na prossecução dos objetivos do ensino secundário, contrariando a sua vocação de formação terminal, vocacionada para preparar os jovens para a vida como cidadãos ativos e conscientes numa sociedade democrática. Como os exames avaliam sobretudo conhecimentos, não tendo condições para avaliar muitas das capacidades previstas no Perfil dos Alunos (ME, 2017) que se não revelam em provas de duração limitada, nem as atitudes aí previstas, a avaliação externa dos alunos dos cursos científico-humanísticos não permite aferir se o perfil de competências real dos alunos à saída da escolaridade obrigatória corresponde ao Perfil dos Alunos.

A utilização dos exames nacionais para efeitos de acesso tem o atrativo de serem provas cuja elaboração e classificação é independente de eventuais enviesamentos introduzidos por critérios de cada uma das escolas ou dos respetivos professores. Outras formas de avaliação para efeitos de acesso que permitam alargar o espetro de competências avaliado, valorizem a iniciativa e o envolvimento dos alunos em atividades diversas e minimizem esses eventuais enviesamentos, realizadas pelas instituições de ensino superior, individualmente ou em consórcios, ou resultam em produção documental ou, ainda, requerem a introdução de alguma forma de moderação no processo de avaliação (OCDE, 2013; Crooks, 2004; Lourtie, 2020).

Nos cursos de dupla certificação, a avaliação tem outras características, designadamente pela existência de provas de aptidão profissional ou artística especializada, consoante o curso frequentado, e que, com a realização de um trabalho com dimensão prática e a apresentação perante um júri do respetivo relatório, têm condições para avaliar um perfil de competências mais alargado e alinhado com os objetivos dos respetivos cursos. A participação de um júri com membros exteriores à escola, tem condições para constituir um processo de moderação.

O atual Regime Geral de Acesso, ao exigir a realização dos exames nacionais, próprios dos cursos científico-humanísticos, não está ajustado a todos os potenciais candidatos ao ensino superior que frequentaram os diferentes cursos do ensino secundário. É o caso dos titulares de cursos de dupla certificação, o que justificou a criação de concursos especiais para que estes candidatos não tenham de se submeter a provas de matérias dos cursos científico-humanísticos que não fazem parte dos planos de estudos dos cursos que frequentaram.

Não está provado que o atual Regime Geral de Acesso permita selecionar os mais capazes de sucesso no ensino superior, havendo estudos que sugerem que a nota de acesso, que inclui a nota interna, ou a própria nota interna, têm maior correlação com o sucesso no ensino superior.

O atual sistema de acesso ao ensino superior, em particular o Regime Geral, foi concebido para o prosseguimento de estudos dos diplomados das vias académicas do ensino secundário, atualmente os cursos científico-humanísticos. A evolução da frequência de outras vias do ensino secundário, como os atuais cursos de dupla certificação, a extensão da escolaridade obrigatória até aos 18 anos e a política de inclusão educativa prevista no Decreto-Lei 54/2018, de 6 de julho, tendo como corolário a tendência para a generalização da conclusão do ensino secundário, e o aumento das exigências habilitacionais para o exercício de muitas profissões, introduziram maior pressão para acesso ao ensino superior e uma diversidade de perfis dos candidatos, que o atual Regime Geral de Acesso não tem condições para acomodar.

Considerando-se normal a diversidade de percursos escolares no ensino secundário, questiona-se a forma como são desenhados os planos curriculares dos cursos superiores, geralmente concebidos como continuação dos cursos científico-humanísticos do ensino secundário. Acolher adequadamente os candidatos oriundos de formações diversas implica repensar o desenho das formações superiores, designadamente no seu início, criando alternativas que permitam a homogeneização da base de conhecimentos de todos os alunos.

Da análise dos sistemas de acesso ao ensino superior a nível internacional (CNE, 2019; Lourtie, 2020), identificam-se práticas que incluem outros fatores de seleção e seriação para além da classificação do ensino secundário e de exames, os do ensino secundário ou outros. São diversos os elementos que podem ser tidos em conta nos processos de seleção de candidatos, como portfólios, entrevistas, provas com júris, avaliação de currículos, cartas de motivação, pareceres de anteriores professores, etc. Assim como se encontram sistemas de acesso em que o ingresso dos candidatos pode ser condicionado à frequência de formação adicional, antes ou no início do curso superior. Alguns desses elementos obrigam a que o processo de seleção se inicie antes do final do ano letivo em que os candidatos completam o ensino secundário, por vezes começando logo no início desse ano letivo.

Os fatores de seleção utilizados têm como objetivo selecionar os candidatos com maior potencial, não apenas com o melhor desempenho escolar instantâneo, e, cada vez mais, a promoção da justiça social. É reconhecido que o desempenho escolar dos alunos está correlacionado com vários fatores, designadamente as habilitações académicas dos pais e as condições socioeconómicas das famílias. O reconhecimento deste facto tem levado à introdução de políticas de correção das desigualdades por duas vias: o apoio ao desempenho no ensino secundário e promoção das aspirações para o prosseguimento de estudos, dirigido aos alunos individualmente ou às escolas de meios desfavorecidos; e a introdução no processo de seleção e seriação de fatores de compensação do desempenho dos alunos, em função da sua origem socioeconómica. Esta segunda via tem sido objeto de debate, por vezes acalorado, em alguns países. No entanto, existem práticas de seleção e seriação em que o contexto socioeconómico é tido em conta, como é o caso da Escócia (CWA, 2016; US, 2017).

Os dados disponíveis a nível nacional permitem constatar que a percentagem de novos alunos do ensino superior com pais com habilitações superiores é maior do que a da população em geral, o que é particularmente evidente no subsistema universitário. Os dados habilitacionais dos pais dos candidatos não são os únicos considerados para identificar situações de desigualdade. A condição socioeconómica da família e a zona de residência ou da escola frequentada são igualmente dados referidos como relevantes ou utilizados internacionalmente na sua identificação. A constatação de que estudantes de determinadas etnias ou de classes desfavorecidas estão menos representados no corpo estudantil levou países ou instituições de ensino superior a realizar intervenções ou a incorporar nos critérios de acesso fatores de correção de discriminação positiva (OCDE, 2018c). A introdução destes critérios requer, no entanto, a recolha sistemática de dados que permitam caracterizar os estudantes (CNE, 2020).

A pandemia gerada pelo novo coronavírus veio tornar ainda mais evidente, em Portugal como nos outros países, o efeito das desigualdades e o seu impacto nas condições de escolarização e aprendizagem e, em consequência, da desigualdade em que os alunos se encontram perante as formas de avaliação, em particular os exames.

Recomendações

Assim, o CNE recomenda:

1 - A avaliação da representatividade social do corpo estudantil nas instituições de ensino superior, designadamente no que se refere aos efeitos discriminatórios da situação socioeconómica familiar e individual, de etnia, de deficiência, do local de residência ou outros que venham a ser identificados como relevantes, bem como os resultados das políticas de inclusão e de aprendizagem ao longo da vida, identificando medidas que visem a sua correção, fixando metas a atingir até 2030.

2 - A redução do peso dos exames nacionais no processo de seleção e seriação dos candidatos, aliviando a pressão do sistema de acesso ao ensino superior sobre o funcionamento do ensino secundário e viabilizando a concretização da sua vocação de formação terminal.

3 - O reforço da responsabilidade das instituições de ensino superior pelo processo de acesso e ingresso no ensino superior, individualmente ou em consórcio, definindo o perfil de competências para seleção dos candidatos, introduzindo critérios e instrumentos de seleção e seriação próprios em função do perfil definido, incluindo eventuais provas próprias, organizadas de forma a evitar que os candidatos se tenham de submeter a uma multiplicidade de provas, sem prejuízo das medidas gerais consideradas na recomendação 1.

4 - Com a consolidação da responsabilidade das instituições de ensino superior pelo acesso e ingresso, a extinção dos concursos especiais, permitindo às instituições a definição de contingentes em função da diversidade de formação académica prévia a que correspondam alternativas de matérias a cursar no início dos cursos.

5 - A revisão das formas de avaliação utilizadas no ensino secundário, designadamente nos cursos científico-humanísticos, de forma a assegurar a avaliação das competências constantes do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e a introdução de processos de moderação que permitam que algumas dessas formas tenham condições para serem consideradas no processo de acesso ao ensino superior.

6 - O acompanhamento dos trabalhos, a nível nacional e internacional, e a promoção da investigação sobre a avaliação de competências como as previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, para apoio ao ponto anterior.

7 - O acompanhamento e a avaliação do sucesso no ensino superior, incluindo a investigação educacional sobre os preditores de sucesso e a correlação do desempenho no ensino superior com os critérios e instrumentos de seleção e seriação usados, bem como a disponibilização pública da informação produzida.

8 - Introdução progressiva das alterações no sistema de acesso ao ensino superior, assegurando a integridade do processo de acesso, avaliando os passos dados e introduzindo as correções necessárias aos objetivos de promoção do sucesso no ensino superior, de justiça social e de inclusão educativa e social.

Referências

CNE (2019), Acesso ao Ensino Superior, Relatório Técnico, Assessoria Técnico-Científica, CNE, março de 2019.

CNE (2020), Recomendação sobre a Cidadania e a Educação Antirracista, CNE, 2020.

Crooks, T. J. (2004), Tensions between assessment for learning and assessment for qualifications, artigo apresentado à Third Conference of the Association of Commonwealth Examinations and Accreditation Bodies (ACEAB), Fiji, março de 2004.

CWA (2016), A Blueprint for Fairness, The Final Report of the Commission on Widening Access, The Scottish Government, março de 2016.

GTAES (2016), Grupo de Trabalho para Avaliação do Acesso ao Ensino Superior, Relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior (diagnóstico e questões para debate), outubro de 2016.

GTNM (2019), Grupo de Trabalho Nomeado pelo MCTES, Relatório sobre o Acesso ao Ensino Superior, junho de 2019.

Lourtie, Pedro. (2020), Acesso ao Ensino Superior: Questões e Soluções, CNE, maio de 2020.

ME (2017), Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, Ministério da Educação, Direção-Geral de Educação, 2017.

OCDE (2013), Synergies for Better Learning: An International Perspetive on Evaluation and Assessment, OECD Reviews of Evaluation and Assessment in Education, OECD, 2013.

OCDE (2018a), OECD Review of the Tertiary Education, Research and Innovation System in Portugal, Summary document, fevereiro de 2018.

OCDE (2018b), The Future of Education and Skills: Education 2030, OECD, 2018.

OCDE (2018c), Education Indicators in Focus #63, OECD, outubro 2018.

US (2017), Working to Widen Access, Universities Scotland, novembro de 2017.

6 de novembro de 2020. - A Presidente, Maria Emília Brederode Santos.

313750474

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4331154.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-09-25 - Decreto-Lei 296-A/98 - Ministério da Educação

    Fixa o regime de Acesso e Ingresso no Ensino Superior.

  • Tem documento Em vigor 2018-07-06 - Decreto-Lei 54/2018 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece o regime jurídico da educação inclusiva

  • Tem documento Em vigor 2020-04-02 - Decreto-Lei 11/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Cria os concursos especiais de ingresso no ensino superior para titulares dos cursos de dupla certificação do ensino secundário e cursos artísticos especializados

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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