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Acórdão 221/89, de 23 de Março

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral , de várias normas constantes do Decreto-Lei nº 465/85, de 5 de Novembro, - Declara a inconstitucionalidade das normas dos artigos 5.º, alínea c) artigo 6.º, parte final do artigo 7.º, parte final e na parte em que prevê para a situação prevista na parte final do artigo 6.º, bem como de todo o artigo 8.º, igualmente das normas dos artigos 9.º, 11.º e 12.º, na parte em que estabelecem para as coimas aplicáveis máximos superiores ao fixado no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

Texto do documento

Acórdão 221/89
Processo 91/86
1 - O Provedor de Justiça requereu a este Tribunal, em 4 de Abril de 1986, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, e 51.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade orgânica - por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição - do Decreto-Lei 465/85, de 5 de Novembro, que disciplina o uso de sistemas de alarme em estabelecimentos comerciais e residências, e, subsidiariamente, da inconstitucionalidade material das normas dos artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º do mesmo diploma, por as mesmas ofenderem o direito fundamental da inviolabilidade do domicílio consagrado no artigo 34.º da Constituição.

A justificar o pedido, alegou, em síntese, o requerente:
a) A autorização a que se referem a alínea c) do artigo 5.º e o artigo 6.º do diploma em causa «equivale a uma restrição ao direito à inviolabilidade do domicílio (artigo 34.º da Constituição), ainda que sob a aparência de renúncia - necessariamente forçada - do proprietário ou possuidor do alarme sonoro»;

b) «Perante a íntima conexão entre a inviolabilidade do domicílio e o direito à intimidade pessoal (artigo 26.º da Constituição) poder-se-á considerar também restringido pelo regime do Decreto-Lei 465/85 (artigos 5.º e 6.º) este direito fundamental de índole pessoal»;

c) «Decorre ainda a inconstitucionalidade orgânica da intervenção do Executivo no âmbito de um direito social (direito ao ambiente e à qualidade de vida) - consagrado no artigo 66.º da Constituição -, designadamente na parte do preceito relativa à prevenção e controlo das diferentes formas e efeitos da poluição. É que está sujeita à reserva de lei a vertente negativa desse direito, ou seja, aquele aspecto do respectivo conteúdo que visa impedir a perturbação do meio ambiente (n.º 3 do artigo 66.º)»;

d) A obrigação imposta pelo artigo 5.º do diploma ao proprietário ou possuidor do sistema sonoro de alarme de ele autorizar expressamente a entrada no edifício ou instalação onde se encontra montado o aparelho a agentes da autoridade, no caso previsto na parte final do artigo 6.º, traduz-se numa «renúncia forçada» ao direito à inviolabilidade do domicílio;

e) A responsabilização do proprietário ou possuidor pelas despesas referidas no artigo 7.º e pelo encargo previsto no artigo 8.º tem uma extensão incompatível com a natureza e alcance do direito fundamental em causa;

f) No conflito entre o direito fundamental - de carácter pessoal - à inviolabilidade do domicílio e o direito - social - ao ambiente revelam-se, assim, francamente desproporcionadas as normas do Decreto-Lei 465/85, por reduzirem o conteúdo essencial do primeiro.

Notificado para se pronunciar sobre o pedido, ofereceu o Primeiro-Ministro um parecer da Auditoria da Presidência do Conselho de Ministros que havia merecido a sua concordância e no qual se sustenta, em resumo:

a) O Decreto-Lei 465/85 não permite qualquer situação de que decorra a violação de domicílio, «não caindo, portanto, este diploma na previsão do artigo 168.º, alínea b), da Constituição»;

b) «Mesmo considerando que o Decreto-Lei 465/85 permite a restrição de um direito fundamental - direito à inviolabilidade de domicílio -, mesmo assim deverá entender-se que não existe qualquer inconstitucionalidade orgânica», pois o diploma «não diminuiu a extensão e o alcance do conteúdo essencial do direito constitucional»;

c) «O Decreto-Lei 465/85, de 5 de Novembro, não ofende o princípio da inviolabilidade de domicílio - e, nessa medida, não é materialmente inconstitucional -, porquanto subordina a entrada na residência ou instalação onde o alarme estiver montado ao consentimento prévio do seu dono ou detentor»;

d) «O diploma, ao exigir a subordinação aludida na conclusão anterior, não restringe o conteúdo fundamental do direito à inviolabilidade de domicílio».

Operada a mudança de relator, por o primitivo ter renunciado ao cargo, cumpre decidir.

2 - O diploma em apreciação é assim justificado no respectivo preâmbulo:
São múltiplas as queixas de cidadãos contra o ruído de alarmes contra roubo ou intrusão que são fortuitamente accionados e, em muitos casos, só passado mais de um dia são desligados, aquando da reabertura dos estabelecimentos, decorrido o fim de semana ou no regresso de férias dos moradores. As forças de polícia que acorrem [no texto do Diário da República escreveu-se, por lapso, «ocorrem»] limitam-se quase sempre a constatar o accionamento fortuito, mas sempre que não houve arrombamento ou não comparecem os interessados ou responsáveis do edifício ou instalação vêem-se na impossibilidade de desligar os aparelhos.

E, depois de se dizer que «o Governo submeteu à apreciação pública o Regulamento sobre Ruídos, que definirá, quando entrar em vigor, o quadro geral da protecção que é devida aos cidadãos nessa matéria», acrescenta-se:

O caso referido encontra-se porém suficientemente detectado, pelo que podem ser, desde já, criados os meios técnico-administrativos que, sem prejuízo de os cidadãos poderem encontrar na instalação de alarmes um reforço de segurança, garantam que o seu accionamento, para além do tempo indispensável, não seja lesivo de outros interesses legítimos.

Vejamos agora, em resumo, o conteúdo das suas disposições.
O artigo 1.º sujeita a comunicação ao governador civil do respectivo distrito «a montagem em edifícios ou instalações de qualquer natureza de sistemas sonoros de alarme contra intrusão de que resulta a produção de ruído para o exterior dos mesmos» (n.º 1) e diz depois o que se entende por «sistema sonoro de alarme contra intrusão», ou seja, «o conjunto de dispositivos eléctricos e ou electrónicos que se destina a detectar e a sinalizar, de forma audível, a presença, entrada ou tentativa de entrada de um intruso em edifícios ou instalações protegidas» (n.º 3).

O artigo 2.º exceptua do disposto no artigo 1.º os «sistemas instalados em edifícios públicos ou de representação diplomática, desde que esteja assegurada a presença permanente de pessoal de guarda ou vigilância habilitado a desligar o alarme» (n.º 1), bem como as «correntes de segurança de porta que incorporem um dispositivo sonoro com um nível de potência sonora inferior a 90 dB (A), determinado de acordo com a normalização portuguesa aplicável, e de autonomia de funcionamento não superior a trinta minutos» (n.º 2).

O artigo 3.º estabelece os requisitos a que deve obedecer a comunicação a fazer ao governador civil.

O artigo 4.º comete a fiscalização do disposto no diploma à Guarda Nacional Republicana e à Polícia de Segurança Pública.

O artigo 5.º, nas suas diferentes alíneas [a) a h)], impõe outras tantas obrigações ao proprietário ou possuidor que instale o sistema sonoro de alarme.

O artigo 6.º regula o «caso de o sistema de alarme, accionado por qualquer motivo, não ser desligado em prazo razoável pelo seu proprietário ou possuidor ou pelas pessoas ou serviços por si indicados», conferindo à autoridade competente, para o efeito de «desligar o aparelho», o poder de «entrar por qualquer meio adequado nos próprios edifícios ou instalações donde o ruído é originário».

Os artigos 7.º e 8.º responsabilizam o proprietário ou possuidor pelas despesas a que der lugar a intervenção da autoridade policial no caso previsto no artigo 6.º (artigo 7.º), bem como pelo encargo decorrente da montagem de guarda ao edifício ou instalação (artigo 8.º).

Nos artigos 9.º, 10.º, 11.º e 12.º estabelecem-se coimas e outras sanções para a violação de alguns preceitos do diploma; no artigo 13.º declara-se «igualmente punida» a negligência «no caso dos artigos 9.º a 12.º»; no artigo 14.º dispõe-se sobre competência: para a instrução das contra-ordenações e para a aplicação das coimas, e no artigo 15.º fixa-se o destino do produto das coimas.

No artigo 16.º regula-se a aplicação do diploma aos proprietários com aparelhos já montados à data da sua entrada em vigor.

Finalmente, o artigo 17.º fixa o começo da vigência do diploma.
Apreciemos então as inconstitucionalidades invocadas.
3 - Como se disse, vem requerida a declaração de inconstitucionalidade orgânica de todo o Decreto-Lei 465/85, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, preceito que, segundo se lê na conclusão 1.ª do requerimento do Provedor de Justiça, «atribui à Assembleia da República competência para legislar, em termos exclusivos, em matéria de direitos, liberdades e garantias, sem prejuízo de concessão de autorização legislativa ao Governo, a qual não foi concedida no caso daquele diploma do Executivo».

Na verdade, o artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa dispõe que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre «direitos, liberdades e garantias».

Sobre a intervenção legislativa nesta matéria dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 1.º vol., nota prévia à parte I, n.º 4.7:

Esquematicamente, são as seguintes as principais funções da lei em relação aos direitos fundamentais: (a) definir o âmbito constitucional de cada direito fundamental, seja cumprindo uma expressa incumbência constitucional nesse sentido, seja aclarando os limites expressamente previstos na Constituição, seja «revelando» os limites implícitos decorrentes do texto constitucional («limites imanentes»), designadamente os resultantes da colisão de direitos [...]; (b) definir as restrições aos direitos fundamentais nos casos constitucionalmente autorizados, seja concretizando restrições expressamente previstas na Constituição, seja utilizando as autorizações constitucionais da restrição [...]; (c) definir as garantias e dispor as condições de exercício dos direitos fundamentais, concretizando as respectivas incumbências constitucionais, quer expressas, quer implícitas [...]; (d) satisfazer o cumprimento dos direitos fundamentais quando ele consista na criação de instituições ou de prestações públicas (caso da generalidade dos «direitos sociais»); (e) definir os meios de defesa contra a agressão a direitos fundamentais, designadamente através de meios penais [...]; (f) alargar eventualmente o âmbito de um direito fundamental para além dos limites constitucionais [...]

A reserva de competência legislativa da AR [reafirmam os mesmos autores, ob. cit., 2.º vol., nota VIII ao artigo 168.º] aplica-se não apenas às restrições (artigo 18.º), mas também a toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias.

Ensina, por sua vez, o Prof. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. IV, n.º 71, III:

A reserva abrange os direitos na sua integridade - e não somente as restrições que eles sofrem - por assim resultar dos artigos 167.º e 168.º e não fazer sentido que respeitasse ao acessório ou ao excepcional (a restrição) e não à substância ou ao conteúdo essencial de cada direito.

Será que o citado preceito constitucional é violado pelo diploma em análise?
Desse diploma destaca o requerente os artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º
Dispõem esses preceitos:
Art. 5.º Ao instalar o sistema sonoro de alarme o proprietário ou o possuidor obriga-se:

a) A declarar o nome, morada e telefone, se o tiver, das pessoas ou serviço que, permanentemente ou por escala, poderão em qualquer momento desligar o aparelho que haja sido accionado;

b) A manter permanentemente actualizados, através de comunicação escrita dirigida à autoridade policial da área da situação do edifício ou instalação em que o alarme está montado, os elementos informativos referidos na alínea anterior;

c) Autorizar expressamente, mediante declaração escrita, a entrada no edifício ou instalação onde o aparelho se encontra montado a agentes da referida autoridade, no caso previsto na parte final do artigo 6.º;

d) Assegurar, por si ou pelas pessoas ou serviços referidos na alínea a) deste artigo, que, em prazo razoável contado do momento em que a autoridade policial competente tiver solicitado a sua presença no local em que o aparelho estiver instalado, o mesmo seja desligado;

e) Instalar um sistema certificado pela Direcção-Geral da Qualidade, do Ministério da Indústria e Energia, dotado de um mecanismo de controlo de duração do alarme;

f) Assegurar a permanente manutenção do aparelho e do sistema;
g) Pagar pontualmente as despesas previstas nos artigos 7.º e 8.º;
h) Comunicar ao governo civil a retirada do alarme, para efeitos de cancelamento do registo.

Art. 6.º No caso de o sistema de alarme, accionado por qualquer motivo, não ser desligado em prazo razoável pelo seu proprietário ou possuidor ou pelas pessoas ou serviço por si indicados, a autoridade policial competente lavrará auto de notícia da ocorrência e tomará as necessárias providências para desligar o aparelho, podendo, para o efeito, utilizar os meios adequados e ainda, se isso se mostrar indispensável, entrar por qualquer meio adequado nos próprios edifícios ou instalações donde o ruído é originário, lavrando igualmente auto.

Art. 7.º Em qualquer das situações previstas no artigo anterior serão da conta do proprietário ou possuidor todas as despesas relativas à afectação dos meios técnicos e humanos necessários e o custo da substituição ou reparação de fechaduras ou outros objectos que hajam eventualmente sido destruídos, desfigurados ou inutilizados.

Art. 8.º - 1 - Sempre que se tenha verificado a previsão da parte final do artigo 6.º, desligado o aparelho, será montada guarda ao edifício ou instalação, por conta do proprietário ou possuidor do mesmo, até que este ou seu comissário ou representante compareça no local, lavrando-se auto da ocorrência.

2 - A guarda referida no número anterior tem a natureza de serviço renumerado, constituindo encargo do proprietário ou possuidor o pagamento das gratificações legalmente fixadas.

Não suscitando dificuldades a interpretação dos artigos 5.º, 7.º e 8.º, importa, todavia, fixar o verdadeiro sentido do artigo 6.º

Na verdade, tanto pode entender-ser que ele rege apenas para a hipótese em que o proprietário ou possuidor cumpriu a obrigação que lhe é imposta pela alínea c) do artigo 5.º - isto é, quando ele autorizou expressamente a entrada no edifício ou instalação onde o aparelho se encontra montado a agentes da autoridade -, como também para a hipótese de ele não ter autorizado essa entrada, por não ter procedido ao registo do aparelho.

A conjugação dos dois preceitos, ou seja, do artigo 5.º, alínea c), e do artigo 6.º, parece, todavia, impor a primeira interpretação. Se assim não fosse, a exigência da autorização tornar-se-ia inútil.

À objecção de que, sendo assim, se premeiam afinal os proprietários ou possuidores de aparelhos que não comunicam ao governador civil a respectiva montagem pode responder-se: em primeiro lugar, que esses proprietários ou possuidores incorrem nas sanções, previstas no artigo 9.º do diploma, para a instalação de aparelhos sem comunicação prévia; em segundo lugar, que não está excluído que tais proprietários ou possuidores fiquem igualmente sujeitos à entrada nos seus edifícios ou instalações - aqueles «edifícios ou instalações donde o ruído é originário» -, embora por aplicação de outros preceitos ou princípios jurídicos.

Posto isto, dir-se-á que o artigo 5.º, alínea c) - ao obrigar o proprietário ou possuidor a «autorizar expressamente, mediante declaração escrita, a entrada no edifício ou instalação onde o aparelho se encontra montado a agentes da referida autoridade, no caso previsto na parte final do artigo 6.º» -, e o artigo 6.º - na parte (final) em que permite à autoridade policial competente, no caso de o sistema de alarme, accionado por qualquer motivo, não ser desligado em prazo razoável pelo seu proprietário ou possuidor ou pelas pessoas ou serviços por si indicados, «se isso se mostrar indispensável, entrar por qualquer meio adequado nos próprios edifícios ou instalações donde o ruído é originário» - contêm matéria atinente a «direitos, liberdades e garantias», mais precisamente matéria respeitante ao direito à inviolabilidade do domicílio, previsto no artigo 34.º da Constituição, ou ao direito de propriedade, garantido no artigo 62.º, na sua vertente «negativa» ou de defesa.

Nem se diga que, vedando aquele artigo 34.º, em princípio, a «entrada no domicílio de cidadãos contra a sua vontade», o artigo 5.º, alínea c), do diploma em apreciação se limita a exigir o consentimento do proprietário ou possuidor à entrada da autoridade policial no edifício ou instalação onde se encontra montado o aparelho, nada acrescentando, por isso, ao texto constitucional. É que essa alínea c) estabelece vários condicionalismos que «regulam» o direito fundamental em causa. Não só o proprietário ou possuidor é obrigado a fazer uma declaração a consentir na entrada a agentes da autoridade no edifício ou instalação onde o aparelho se encontra montado, como da imposição legal decorre que tal declaração, além de dever ser expressa e escrita e entregue a uma autoridade administrativa, é genérica, indefinida na sua duração e irrevogável (salvo, neste último ponto, quando se verifique a retirada do aparelho).

A matéria constante dos citados artigos 5.º, alínea c), e 6.º, parte final, é, pois, da reserva relativa de competência legislativa e, tendo o Governo legislado sem autorização da Assembleia da República, são essas normas inconstitucionais, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

Quanto aos artigos 7.º e 8.º:
O artigo 7.º, estatuindo para «qualquer das situações previstas no artigo anterior», é consequencialmente inconstitucional na parte em que provê para a situação prevista na parte final desse artigo, ou seja, inconstitucional precisamente por o ser, como vimos, a parte final do artigo 6.º

O mesmo artigo é, aliás, autonomamente inconstitucional - por violação do citado artigo 168.º, n.º 1, alínea b) -, enquanto, na sua parte final, determina ser da conta do proprietário ou possuidor «o custo da substituição ou reparação de fechaduras ou outros objectos que hajam eventualmente sido destruídos, desfigurados ou inutilizados»: trata-se, na verdade, de matéria atinente ao direito de propriedade, na vertente atrás indicada.

Por sua vez, o artigo 8.º, ao impor ao proprietário ou possuidor um encargo derivado da verificação da situação prevista na parte final do artigo 6.º, é todo ele consequencialmente inconstitucional, isto é, inconstitucional pela razão, já dita, de o ser essa parte do artigo 6.º

Quanto às restantes normas do diploma em exame:
Não se vê que elas regulem matéria de direitos, liberdades e garantias, designadamente o direito à inviolabilidade do domicílio, o direito à intimidade da vida privada (artigo 26.º da Constituição) ou o direito ao ambiente e qualidade de vida, na sua vertente «negativa» (artigo 66.º da Constituição).

Não se verifica, pois, a inconstitucionalidade orgânica de tais normas, a esse título.

São, porém, organicamente inconstitucionais, a outro título, as normas dos artigos 9.º, 11.º e 12.º, que se transcrevem:

Art. 9.º A instalação do aparelho referido no artigo 1.º sem comunicação prévia constitui contra-ordenação punida com coima de 2000$00 a 300000$00 e, acessoriamente, com a apreensão e perda do mesmo a favor do Estado.

Art. 11.º A violação do disposto na alínea d) do artigo 5.º será sancionada com coima de 2000$00 a 500000$00 e, acessoriamente, com a apreensão e perda do aparelho a favor do Estado, sendo o mínimo da coima elevado para o dobro no caso de pessoas colectivas.

Art. 12.º A instalação de aparelhos sem mecanismo de controlo de duração de alarme é punida com coima de 50000$00 a 500000$00 e, acessoriamente, com a apreensão do aparelho a favor do Estado.

Na verdade, sendo da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, sobre regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo [citado artigo 168.º, n.º 1, alínea d)] e constando do regime geral do ilícito de mera ordenação social instituído pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que, «se o contrário não resultar da lei, o montante mínimo da coima será de 200$00 e o máximo de 200000$00 (n.º 1 do artigo 17.º), aquelas normas são inconstitucionais, por violação do citado artigo 168.º, n.º 1, alínea d), na parte em que estabelecem para as coimas aplicáveis as contra-ordenações nelas previstas máximas superiores àqueles 200000$00: 300000$00 no caso do artigo 9.º, e 500000$00, nos casos dos artigos 11.º e 12.º

Escreveu-se a esse propósito no Acórdão deste Tribunal n.º 56/84, de 12 de Junho (no Diário da República, 1.ª série, de 9 de Agosto de 1984, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol., p. 153):

O Decreto-Lei 433/82, embora editado pelo Governo no uso da autorização legislativa constante do artigo 2.º da Lei 24/82 {«fica igualmente autorizado o Governo a alterar a legislação respeitante às contra-ordenações [...]»}, não o foi para execução do preceituado na alínea d) do n.º 1 daquele artigo 168.º: o Decreto-Lei 433/82 precedeu a revisão constitucional, por via da qual foi cometida à Assembleia da República, no novo texto da Constituição, a apontada reserva legislativa.

Por isso mesmo, tal diploma não caracteriza com o rigor exigível certos aspectos do regime geral de punição dos ilícitos de mera ordenação social. Em particular, e como atrás se viu, permite a estipulação de sanções com uma dimensão nele não prevista (artigo 21.º) e sugere apenas os limites mínimo e máximo das coimas (artigo 17.º). Ora, daquele regime geral, por força do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, não pode deixar de constar um quadro rígido das sanções aplicáveis aos ilícitos de mera ordenação social, bem como uma referência, com valor taxativo, aos montantes mínimo e máximo das coimas. A não se entender assim, a competência exclusiva da Assembleia da República, precisamente na zona mais nuclear do regime geral de punição das contra-ordenações, seria praticamente destruída: a simples enumeração, com carácter exemplificativo, das sanções aplicáveis, a mera recomendação de tectos das coimas, deixaria sempre ao Governo a possibilidade de desbordar em qualquer momento aquelas indicações. Não é, pois, lícita leitura diversa da que se fez do artigo 168.º, n.º 1, alínea d).

Como assim, têm os artigos 17.º e 21.º do Decreto-Lei 433/82 de ser interpretados restritamente, têm em suma de ser compaginados com aquela nova área de competência legislativa exclusiva da Assembleia da República. Logo, o Governo, ao estabelecer sanções e ao fixar coimas em casos particulares, deverá conformar-se com a moldura punitiva ali traçada. Isto é, será obrigado a ter por rígido o módulo sancionatório constante daqueles preceitos.

4 - Apreciada a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 465/85, vejamos a inconstitucionalidade material dos seus artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º, cuja declaração foi pedida «subsidiariamente».

Antes de mais, impõe-se fazer uma precisão. É que, apesar de se falar na inconstitucionalidade material daqueles artigos, parecendo querer-se significar que eles são inconstitucionais no seu todo, na realidade o que se pretende suscitar é uma inconstitucionalidade parcial, precisamente a inconstitucionalidade dessas normas na parte em que se referem à entrada por qualquer meio adequado nos próprios edifícios ou instalações donde o ruído é originário, com as consequências daí recorrentes: responsabilização do proprietário ou possuidor pelo custo da substituição ou reparação de fechaduras ou outros objectos que hajam eventualmente sido destruídos, desfigurados ou inutilizados e pelas despesas com a montagem de guarda ao edifício ou instalação. O que é posto em causa é, pois, tão-só a constitucionalidade das normas dos artigos 5.º, alínea c), 6.º, parte final, 7.º, parte final, e 8.º

Isto resulta quer do teor dos artigos 10.º e 17.º do requerimento do Provedor de Justiça [cf. as alíneas d) e e), do n.º 1 deste acórdão], quer da referência ao direito à inviolabilidade do domicílio, consagrado no artigo 34.º da Constituição, como sendo o único direito violado por aquelas normas.

Ora, tais normas já foram declaradas organicamente inconstitucionais [por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição] e tanto bastaria para, de acordo com a orientação do Tribunal em casos idênticos, não se entrar na apreciação da sua inconstitucionalidade material (por violação do artigo 34.º da Constituição). Mas essa posição é mesmo a única possível no caso vertente, por o Provedor de Justiça ter feito o pedido de declaração de inconstitucionalidade material dessas normas a título subsidiário, ou seja, para ser tomado em consideração apenas no caso de não proceder o pedido de declaração de inconstitucionalidade orgânica (cf. o artigo 469.º do Código de Processo Civil).

5 - Pelo exposto:
1.º Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral:
a) Das normas dos artigos 5.º, alínea c), 6.º, parte final, e 7.º, parte final, do Decreto-Lei 465/85, de 5 de Novembro - por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa;

b) Das normas dos artigos 7.º (na parte em que provê para a situação prevista na parte final do artigo 6.º) e 8.º do referido diploma - como consequência da inconstitucionalidade da parte final do artigo 6.º;

c) Das normas dos artigos 9.º, 11.º e 12.º do mesmo diploma, na parte em que estabelecem para as coimas aplicáveis às contra-ordenações nele previstas máximos superiores ao fixado no n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro - por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea d);

2.º Não se declara a inconstitucionalidade das restantes normas do diploma.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 1989. - Mário de Brito - Martins da Fonseca - Vital Moreira - Luís Nunes de Almeida - Antero Alves Monteiro Dinis - Raul Mateus - Messias Bento - José Magalhães Godinho [vencido quanto às alíneas a) e b) do n.º 1.º da decisão, conforme declaração de voto que junta.] - Armando Manuel Marques Guedes.


Declaração de voto
Vencido.
O problema em causa levantou-me sérias dúvidas.
Efectivamente, não me parece que possam considerar-se como violadoras do direito à inviolabilidade do domicílio consagrado no artigo 34.º, n.º 1, da Constituição da República, nem do direito à intimidade pessoal, tutelado pelo n.º 1 do artigo 26.º, pois não creio que as normas do decreto-lei em apreço restrinjam os direitos fundamentais consagrados naquelas disposições constitucionais.

De facto, do que se trata é tão-só de exigir na comunicação de instalação de um sistema sonoro de alarme contra intrusão uma declaração de autorização - que consta do impresso a preencher - de entrada no edifício ou instalação onde o aparelho se encontra montado a agentes da autoridade policial, no caso de o sistema de alarme, accionado por qualquer motivo, não ser desligado em prazo razoável pelo seu proprietário ou possuidor ou pelas pessoas ou serviços por si indicados, para que aqueles agentes da autoridade providenciem para desligar o aparelho.

Se se atentar nas razões que levam o proprietário ou possuidor do aparelho a instalá-lo no seu domicílio, facilmente se observa que elas são, sem sombra de dúvida, a defesa dos haveres e das pessoas que se encontram no domicílio e até da intregridade pessoal daqueles que nele habitam.

Isto é, a instalação do aparelho sonoro no domicílio é um direito de quem o adquire e tem por fim um acto de legítima defesa das pessoas e bens das que vivem naquele domicílio.

Perante a manifesta impossibilidade de as autoridades poderem assegurar com eficácia a defesa da inviolabilidade do domicílio por intrusos, perante o impressionante acréscimo do número de assaltos a domicílios, através de arrombamentos e escalamentos, não só na ausência dos seus legítimos habitantes, como até quando neles se encontram, originando práticas de violências físicas, que têm chegado ao assassínio, os cidadãos procuram por si próprios os meios de defesa eficazes para não serem vítimas. E, assim, tendo-se encontrado em verdadeiro estado de necessidade para defesa das suas pessoas e bens, e da sua casa, recorrem à instalação de aparelhos sonoros que actuem eficazmente, ou para só por si afugentarem os intrusos, ou, dando o alarme, obter que vizinhos ou autoridades venham em seu auxílio e defesa, e, se possível, sejam capturados os mesmos intrusos.

Estas instalações, pois, funcionam até como actuação preventiva contra a criminalidade e envolvem em si mesmas não só a concessão de uma autorização de entrada no domicílio dos agentes da autoridade policial, como até um apelo a que eles nele entrem quando o alarme funcionar.

E aqueles que delas lançaram mão são os primeiros a desejar que, quando elas lançam o alarme, os agentes da autoridade policial, pelo mesmo alertados, acorram ao seu domicílio, defendendo assim os seus haveres e a sua integridade pessoal, quiçá a sua própria vida.

Entre aquilo que, no caso de funcionamento do alarme, ainda que ininterruptamente, possa ocasionar de incómodo momentâneo pelo ruído que provoca, atingindo outros no seu direito ao sossego, e os direitos, sem dúvida mais importantes e relevantes, da introdução de um alarme para defesa dos direitos de integridade pessoal e de vida, e de propriedade, que podem estar em risco, deve prevalecer, por valor mais significativo, a defesa destes últimos direitos, não podendo ter-se, pois, como restrição do direito de inviolabilidade do domicílio a entrada - que além disso é o desejo do próprio ocupante do domicílio -, nessas circunstâncias, dos agentes da autoridade no seu domicílio.

Pode até afirmar-se que, mesmo sem autorização escrita, essa entrada não representaria jamais infracção do direito à inviolabilidade do domicílio, mas antes o cumprimento pela autoridade do desejo do domiciliado da defesa do direito à inviolabilidade do seu domicílio e à propriedade dos bens nele existentes contra a intrusão de criminosos.

A não comparência dos agentes da autoridade e a sua não entrada representariam, sim, a defesa dos intrusos, como se a introdução de gatunos num domicílio fosse um direito reconhecido aos ladrões.

De resto, nem sequer, dado o que se deixa exposto, se pode dizer que o facto de a instalação do alarme estar condicionada ao preenchimento do impresso em que se declare expressamente o consentimento da entrada dos agentes da autoridade no domicílio, nas hipóteses, e só nessas, que as normas em causa estipulam, constitua uma coacção relevante que limita de forma discricionária a vontade e o direito de o cidadão instalar no seu domicílio um aparelho sonoro de alarme contra intrusos, e só nesse aspecto se poderia considerar o decreto em causa como tratando de limitação de direitos e, consequentemente, constituindo reserva legislativa da Assembleia da República. Mas tal não é o caso.

A invocação dos direitos de inviolabilidade do domicílio ou de propriedade existem para garantia de que contra a vontade de quem nele reside não pode a autoridade ou seja quem for entrar no domicílio.

As normas em causa não vêm contrariar tal. Pelo contrário, vêm ao encontro da vontade do possuidor do alarme, pois o que ele visa, quando o instala, é precisamente, dado o estado de necessidade em que se encontra, estar eficazmente protegido contra uma violação que, num crescendo imparável, se vai verificando hoje em dia em toda a parte.

Pode dizer-se que não se passa um dia em que os meios de comunicação social não noticiem assaltos em residências, alguns com práticas de violência, atingindo porventura a integridade física das vítimas e de que estas não conseguem defender-se.

Daí que é cada vez maior o número daqueles que desejam protecção eficaz contra tal estado de coisas e, portanto, adquirem um alarme e instalam-no no seu domicílio.

As normas em causa não têm carácter geral e abstracto, não têm efeitos retroactivos nem dominam a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais. Com efeito, essas normas aplicam-se apenas àqueles que instalam sistemas sonoros de alarme contra intrusos, logo só aos domicílios que as possuam, e a autorização de entrada respeita só aos momentos, às ocasiões em que o alarme esteja a funcionar, e cujos residentes haviam comunicado a instalação do alarme.

Se, de cada vez que o alarme funcionasse, fosse preciso dar consentimento às autoridades policiais para entrada no domicílio, isso corresponderia a invalidar a instalação do alarme e o fim a que ela se destina ou a tornar impraticável, na maior parte dos casos, a pretensão desses agentes. Vou mesmo ao ponto de considerar que se criaria numa situação caricata, semelhante àquela que resultaria perante um incêndio: os bombeiros não entrarem no domicílio a arder se não tiverem prévio consentimento dos habitantes para nele entrarem.

É que, nestes casos, mesmo que a comunicação de instalação de um sistema de alarme não contivesse a autorização expressa de entrada dos agentes da autoridade, quando o alarme funcionasse, se impunha a entrada da autoridade, como acto não só inteiramente lícito, mas também devido e necessário, já que aos agentes da autoridade cabe o dever de defesa da integridade física e dos haveres dos cidadãos, e estes, ao instalarem no seu domicílio uma aparelhagem sonora de alarme contra intrusos, manifestaram com esse acto a vontade, o desejo, o apelo que fizeram para que os agentes da autoridade acorram em sua defesa, por forma eficaz, e não será impedindo-os da entrada que essa protecção de defesa se dará.

Não pode dizer-se que a regulamentação da instalação de aparelhagens sonoras de alarme contra intrusos consubstancia a regulamentação do direito à inviolabilidade do domicílio ou da propriedade, já que ela não é mais do que o estabelecimento de uma condição para a instalação da aparelhagem, não atingindo dignidade tal que aconselhe só poder ser legislada pela Assembleia da República, e não caiba na competência da alínea a) do artigo 201.º da Constituição, que é, aliás, a invocada pelo Decreto-Lei 465/85.

E seria até estranho que, permitindo o artigo 34.º da Constituição a entrada no domicílio dos cidadãos contra sua vontade, quando ordenada pela autoridade judicial competente, ela não se pudesse verificar quando esta é da vontade expressa do desejo dos cidadãos, vontade essa que a simples introdução da aparelhagem revela insofismavelmente.

José Magalhães Godinho.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/42342.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-08-23 - Lei 24/82 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a legislar com vista a um novo Código Penal e a adoptar as disposições adequadas de direito criminal, de processo criminal e de organização judiciária, bem como a legislar em matéria de contravenções e contra-ordenações e ainda sobre o regime penal de jovens.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-11-05 - Decreto-Lei 465/85 - Ministério da Administração Interna

    Disciplina o uso de sistemas de alarme em estabelecimentos comerciais e residências.

Aviso

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