Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/84
A situação da nossa marinha mercante não pode deixar de reflectir a crise que assola o sector a nível internacional, que no caso português vem agravada por factores específicos, onde avultam o desmantelamento da reserva de tráfego marítimo com as ex-colónias e o desaparecimento das preferências da bandeira portuguesa para as cargas estrangeiras transportadas para o mesmo destino, como consequência da descolonização. Era nos tráfegos coloniais que grande parte da marinha mercante nacional de carga sólida se apoiava, beneficiando de explorações em mercados protegidos. O equipamento que as empresas então possuíam, e que entretanto não foi reconvertido nem renovado, não lhes permitiu, em plena época de implantação do contentor e de equipamentos altamente eficientes no despacho de operações terminais, tentar mercados alternativos. Nem a frota de que dispunham era suficiente e adequada, nem a organização era apropriada para tal empreendimento.
País muito dependente do comércio marítimo para as suas importações essenciais, com interesses no tráfego de linha regular, que estrategicamente necessita de ser mantido, e com parcelas significativas de território insular, Portugal chega quase a meados da década de 80 com uma frota de comércio inadequada para as suas necessidades básicas, tecnologicamente ultrapassada e muito envelhecida.
De um total de 130 navios próprios em 1975, restavam em 1983 apenas 83 unidades, das quais mais de metade (45) acusavam vida útil superior a 16 anos e apenas 3 navios não ultrapassavam os 5 anos de serviço.
Em 1 de Julho de 1983, encontravam-se afretados por armadores nacionais 15 navios em regime de casco nu, os quais supriam algumas das carências de meios próprios para actuação em determinados tráfegos. No entanto, mesmo com este recurso, observa-se que a frota nacional controlada pelos armadores é insuficiente e apresenta-se já envelhecida; dos actuais 101 navios próprios ou afretados em regime de casco nu (incluindo já neste número os 3 graneleiros em construção na SETENAVE), se fossem adoptados critérios de abate consentâneos com a média de vida útil dos equipamentos, restariam em 1993 apenas 21 unidades.
A evolução observada para a frota nacional explica a queda acentuada da parcela de mercadorias transportadas em navios nacionais, que, de um valor rondando os 45% em 1975, desceu para menos de 16% em 1981. Assim, não surpreende que a balança de transportes de Portugal com o exterior tenha vindo a sofrer sucessivos agravamentos, motivados, em especial, pelo aumento substancial do débito da sub-rubrica «Fretes de mercadorias» (os pagamentos ao exterior em 1982 por afretamentos, leasings e fretes elevaram-se a quase 500000 milhões de dólares dos Estados Unidos).
No período mais recente - anos de 1982-1983 - atingiram-se os níveis de frete e de taxas de afretamento mais baixos desde a primeira metade da década de 70, situando-se estas últimas, em 1983, entre 50% e 60% da média do período 1972-1983.
A actual situação da frota (que impõe um certo programa de abates), conjugada com os fluxos que previsivelmente deverão ser transportados no próximo decénio (mesmo se tomados em hipótese conservadora relativamente a taxas de desenvolvimento económico futuro), irá impor, necessariamente, investimentos em diversas unidades, sendo desde já previsíveis os seguintes níveis de insuficiência:
Programa de disponibilização de navios
(Número de navios a disponibilizar no período de 1984-1993)
(ver documento original)
O reapetrechamento a fazer poderá assumir formas alternativas de concretização, designadamente encomenda a estaleiro nacional, encomenda ou aquisição a estaleiro estrangeiro e aquisição em mercado de ocasião.
Tanto nas compras directas ao exterior como em eventuais acordos entre estaleiros nacionais e estrangeiros terão de ter-se presentes certos princípios, designadamente:
i) Necessidade de aumentar significativamente o nível de incorporação nacional da indústria de construção naval, devendo maximizar-se a componente com origem nacional, a qual, tanto quanto possível, não deverá ser inferior a 50%. Este objectivo é compatível com o facto de se estar perante um programa e não em face de operações isoladas, o que permitirá aumentar significativamente o nível do VAB nacional;
ii) As compras ao exterior - quer de unidades completas, quer de componentes - deverão poder beneficiar de financiamento altamente competitivo, tanto relativamente a níveis de comparticipação como no referente a prazos e taxas de juro dos empréstimos;
iii) Deverá procurar-se que os países fornecedores de unidades completas ou de componentes compensem os fluxos comerciais assim gerados mediante compras de bens produzidos em Portugal, designadamente no sector da construção naval.
Nestes termos e nos das deliberações legais aplicáveis:
O Conselho de Ministros, reunido em 26 de Julho de 1984, resolveu estabelecer as seguintes recomendações, que deverão ser objecto de propostas específicas por parte dos respectivos responsáveis, em particular dos Ministros das Finanças e do Plano, da Indústria e Energia, do Comércio e Turismo e do Mar:
1 - Redefinir e modernizar os esquemas institucionais relativos ao quadro de funcionamento da marinha de comércio mediante o estabelecimento de regras claras e flexíveis, conhecidas de todos os interessados e de aplicação automática ou quase, qualquer que seja a natureza - privada ou pública - dos intervenientes. Implementar uma orientação liberal, concorrencial e desenvolvimentista, para o que deverá proceder-se à revisão e adaptação das normas vigentes.
As alterações normativas a introduzir deverão privilegiar a função investimento e terão em conta a disponibilidade para assumir riscos, pelo que as actividades de risco menor ou nulo deverão ser atribuídas - não por expediente administrativo, mas de acordo com regras bem definidas e claras - a quem assumir maiores ónus em termos de investimento.
2 - A filosofia a prosseguir deverá basear-se na não discriminação dos agentes, operando no sector em função da sua natureza, pública ou privada, e será dado rigoroso cumprimento às normas decorrentes de compromissos internacionais livremente assumidos. Assim, serão apoiadas iniciativas válidas visando esquemas de cooperação entre agentes de diversa natureza - públicos e privados - e ou de diferente nacionalidade. O critério de decisão será o da maximização do interesse, para a comunidade nacional, dos negócios prosseguidos.
3 - Será incentivado e apoiado o estabelecimento de contratos plurianuais de transporte entre carregadores e armadores, os quais deverão ser estabelecidos por acordo entre as partes com o objectivo de constituírem uma base de suporte aos investimentos na frota.
Relativamente às empresas públicas grandes carregadores, será tido em linha de conta pela Administração Pública, na atribuição de eventuais apoios, o terem ou não celebrado os contratos aqui previstos. Estes contratos permitirão simultaneamente estabilizar os níveis de frete com benefícios claros e equitativos para os carregadores e os armadores.
O prazo de vigência poderá variar conforme o tipo de produtos a transportar e consoante se trate de navios próprios ou afretados (como base de orientação aponta-se para que tal prazo se situe entre 5 e 8 anos para navios próprios e 2 a 3 anos para navios afretados).
As quantidades a transportar deverão ser fixadas em termos anuais e com uma margem de variação percentual em função de um programa de importações dos diversos produtos estabelecidos para um prazo mais dilatado.
4 - A curto prazo deverá proceder-se à revisão, adaptação e reajustamento dos principais diplomas legais, em particular:
Decreto-Lei 543/71, de 6 de Dezembro;
Decreto-Lei 282/78, de 8 de Setembro;
Decreto-Lei 259/81, de 1 de Setembro.
Proceder-se-á à articulação eficiente, mas flexível, entre vários ministérios e outros departamentos governamentais interessados na actividade da marinha de comércio, não só tendo em conta que a existência de um largo leque de entidades pertencentes ao sector público exige uma actuação coordenada dos diferentes sectores e empresas, materializando uma intervenção global subordinada a objectivos centrais de política económica, mas considerando também o apoio que se torna imprescindível conceder tendo em vista a redinamização da iniciativa, tanto privada quanto pública.
5 - Proceder-se-á à recuperação, redimensionamento e dinamização das unidades empresariais operando no sector, tendo presente que apenas com unidades bem dimensionadas e apetrechadas será possível inverter a degradação que tem vindo a constatar-se e assegurar os tráfegos marítimos vitais ao País, designadamente quanto ao abastecimento de produtos essenciais e quanto às regiões autónomas.
Colocando-se com acuidade a necessidade de clarificação da estratégia de intervenção dos armadores controlados pelo sector público, dever-se-á:
i) Eliminar situações de concorrência nociva existentes actualmente ao nível do sistema empresarial do Estado da marinha de comércio, nomeadamente pela institucionalização de áreas de intervenção especializada por empresas ou pela criação de formas coordenadas de actuação; e
ii) Sanear o sistema empresarial do Estado da marinha de comércio, através de medidas que ataquem integradamente os diversos problemas existentes, a definir empresa a empresa.
O prosseguimento dos objectivos fixados deverá traduzir-se, designadamente, em adequada articulação e integração da gestão por tipos de tráfego, o que poderá, eventualmente, justificar a criação de uma holding para o sector.
6 - Tendo em conta a actual situação da frota e o nível das necessidades previsíveis para os próximos anos, e atendendo ainda aos compromissos internacionais de Portugal, será esquematizado um programa para o gradual reapetrechamento da frota, tanto com vista à prossecução da necessária independência no que se refere aos abastecimentos básicos ao País, como visando a diminuição drástica de pagamentos ao exterior com fretes e afretamentos.
Cada unidade a obter será objectivo de projecto e decisão específicos. Sem prejuízo do que antecede, considera-se que as necessidades deverão ser satisfeitas, grosso modo, em volume igual, mediante recurso a construção em estaleiros nacionais e por compras ao estrangeiro (navios com cerca de meia dúzia de anos).
As compras ao estrangeiro deverão, por norma, recair em navios que tenham efectuado recentemente a primeira reclassificação.
Os armadores deverão receber os navios novos dos estaleiros nacionais sensivelmente nas condições de qualidade e preço prevalecentes no mercado internacional.
Não podendo na gestão do sector prescindir-se do recurso à aquisição de navios novos, deverá o licenciamento para a aquisição ao estrangeiro de navios usados ter em conta, tendencialmente, o volume de investimento efectuado em frota nova; de igual modo deverá o licenciamento de afretamentos acompanhar o envolvimento em investimento directo em unidades da frota nacional.
7 - Proceder-se-á à reformulação de taxas actualmente existentes no âmbito do Regulamento das Imposições Marítimas Gerais, devendo obter-se receitas proporcionadas às necessidades de cobertura financeira das acções a desenvolver no âmbito da renovação, ampliação e recuperação da frota da marinha de comércio. Contemplar-se-ão, designadamente, as seguintes aplicações:
i) Concessão de empréstimos a empresas armadoras nacionais, públicas ou privadas, destinados à construção de navios em estaleiros nacionais, a grandes reparações e a modernizações de unidades próprias nos mesmos estaleiros;
ii) Concessão de bonificação de juros de empréstimos concedidos pelas instituições financeiras com a mesma finalidade da alínea anterior;
iii) Concessão de financiamentos, a fundo perdido, de projectos de renovação, modernização e ampliação da frota de manifesto interesse nacional, que de outro modo não sejam viáveis.
8 - Na reestruturação do sector suscitam-se problemas de excedentes de recursos humanos e pesados ónus daí decorrentes, subsistindo, além disso, dificuldades laborais de diverso tipo.
Uma adequada estratégia de recuperação e desenvolvimento pressupõe que deva tentar cimentar-se as grandes linhas de desenvolvimento futuro em matéria laboral implementando esquemas adequados de prestação de trabalho e de responsabilização a todos os níveis, tendo em conta que melhorias significativas de remuneração só poderão decorrer de acréscimos também importantes de produtividade e de diminuição de custos.
Presidência do Conselho de Ministros. - O Primeiro-Ministro, Mário Soares.