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Acórdão 449/91, de 16 de Janeiro

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, na parte em que impõe o voto directo, e da norma constante do artigo 46.º do mesmo decreto-lei no segmento em que determina a aplicação da segunda parte do artigo 162.º do Código Civil às associações sindicais.

Texto do documento

Acórdão 449/91
Processo 185/89
Acordam no Tribunal Constitucional:
I
1 - O Procurador-Geral da República requer, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, na parte em que impõe o voto directo, e do artigo 46.º do mesmo decreto-lei, no segmento em que determina, nos termos do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei 594/74, de 7 de Novembro, a aplicação às associações sindicais da segunda parte do artigo 162.º do Código Civil.

O n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, estabelece o seguinte:

O voto será sempre directo, e ainda secreto, quando se trate de eleições e de deliberação sobre integração noutras organizações sindicais ou associação com elas.

Por seu lado, o artigo 16.º do Decreto-Lei 594/74, de 7 de Novembro, contém, subsidiariamente, a seguinte remissão:

As associações reger-se-ão pelas normas dos artigos 157.º e seguintes do Código Civil em tudo que não for contrário a este diploma.

Esta remissão torna aplicável às associações sindicais a exigência contida na parte final do artigo 162.º do Código Civil, nos termos da qual deverá ser impar o número de titulares do órgão colegial de administração e do conselho fiscal, incluindo um presidente.

2 - A inconstitucionalidade material das normas em questão é inferida das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 55.º da Constituição.

Com efeito, o Procurador-Geral da República deduz dos preceitos constitucionais referidos que «a liberdade sindical, enquanto liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, só pode ser limitada quando tal for necessário para assegurar o respeito pelos princípios da organização e da gestão democráticas». E, observando que a Constituição não exige o voto directo nem o número ímpar de titulares dos órgãos das associações sindicais, o Procurador-Geral da República conclui que as exigências legais cuja constitucionalidade ora se aprecia não são impostas e nem sequer autorizadas pela Constituição.

3 - Notificado por este Tribunal para se pronunciar, no prazo de 30 dias, querendo, sobre o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República, nos termos do disposto no artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o Primeiro-Ministro respondeu oferecendo o merecimento dos autos.

II
4 - A liberdade sindical constitui, em todas as suas manifestações constitucionais - incluindo a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, consagrada na alínea c) do n.º 2 do artigo 55.º da Constituição [correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 56.º na versão da 1.ª revisão constitucional e à alínea c) do n.º 2 do artigo 57.º na versão originária] -, um direito fundamental, beneficiando do regime previsto no artigo 18.º da Constituição.

Deste modo, a liberdade sindical só pode ser restringida, pelo legislador ordinário, nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo, cumulativamente, observar-se o princípio da proporcionalidade, isto é, estando as limitações confinadas ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2 do artigo 18.º). Por outra parte, as limitações não podem atingir o conteúdo essencial da liberdade sindical (n.º 3 do artigo 18.º).

5 - No caso em apreço, deveremos concluir que é o n.º 3 do artigo 55.º da Constituição (n.º 3 do artigo 56.º na versão da 1.ª revisão e n.º 3 do artigo 57.º na versão originária) que prevê a única limitação à liberdade sindical:

As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.

Na Constituição, a liberdade sindical é, pois, limitada pelo princípio democrático (da organização e da gestão democrática), sendo explicitadas as seguintes exigências deste princípio:

a) Escrutínio secreto na eleição dos órgãos dirigentes das associações sindicais;

b) Periodicidade do acto eleitoral;
c) Participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.

6 - A primeira questão que o teor do n.º 3 do artigo 55.º suscita é a de saber se a liberdade sindical é genericamente restringida pelo princípio democrático ou só o é, limitadamente, nas três manifestações desse princípio que, expressamente, refere.

Este problema tem um potencial alcance prático: o que se questiona, afinal, é se outros eventuais ditames do princípio democrático condicionam a liberdade sindical, para além dos explicitados no n.º 3 do artigo 55.º da Constituição. E, na hipótese de resposta afirmativa, deveremos inquirir se os requisitos estabelecidos pelo n.º 3 do artigo 17.º e pelo artigo 46.º da lei sindical constituem expressões obrigatórias do princípio democrático.

7 - A resposta a dar, liminarmente, à questão formulada deverá reconhecer que a sujeição das associações sindicais aos princípios da organização e da gestão democráticas implica a observância do princípio democrático, nas suas características constitutivas. Assim, embora o n.º 3 do artigo 55.º da Constituição não aluda, expressis verbis, à universalidade e à igualdade no sufrágio, não sofre contestação que essas exigências decorrem do requisito genérico de democraticidade na organização e na gestão das associações sindicais: seria, por exemplo, materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos n.os 3 do artigo 56.º, 1 do artigo 12.º e 2 do artigo 13.º da Constituição, uma norma que reservasse o direito de voto aos trabalhadores do sexo masculino ou atribuísse um peso preponderante ao voto destes.

O que decorre desta afirmação é que a eleição dos órgãos dirigentes das associações sindicais não é exclusivamente condicionada pelos requisitos da periodicidade e do escrutínio secreto, consagrados, de forma explícita, no n.º 3 do artigo 55.º da Constituição. São configuráveis, igualmente, requisitos implícitos, derivados do princípio democrático desde que possuam, relativamente a ele, uma natureza constitutiva.

8 - O problema a que importa dar resposta, seguidamente, é o de saber que requisitos referentes ao sufrágio inerem ao próprio princípio democrático. E este problema deve ser ponderado à luz das disposições constitucionais que disciplinam o sufrágio.

Nesta matéria, os artigos 10.º, 49.º e 116.º da Constituição contêm as fundamentais precisões do princípio democrático, genericamente enunciado no artigo 2.º No seu n.º 1 o artigo 10.º determina que «o povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico e das demais formas previstas na Constituição». Por seu turno, o artigo 49.º, tratando a matéria como direito subjectivo, determina que «têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral» (n.º 1) e que «o exercício de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico» (n.º 2). Finalmente, o n.º 1 do artigo 116.º consagra, como princípio geral de direito, eleitoral, «o sufrágio directo, secreto e periódico».

9 - Da conjugação das disposições constitucionais citadas flui, com nitidez, que o princípio democrático é concretizado, no que respeita às eleições de órgãos de soberania, na exigência de que o sufrágio seja universal, igual, directo, pessoal, secreto e periódico.

Vale, na sua totalidade, este desenvolvimento do princípio democrático para as demais eleições previstas na Constituição?

10 - Não sendo decisiva, a não referência ao voto directo, no âmbito do n.º 3 do artigo 55.º da Constituição, não pode deixar de ser devidamente ponderada, na dilucidação do problema em análise.

Com efeito, a redacção do n.º 3 do artigo 55.º claramente sugere que a concretização institucional do princípio democrático nas associações sindicais não corresponde exactamente à sua concretização no Estado. Na verdade, os subprincípios em que assenta a democracia sindical segundo o n.º 3 do artigo 55.º não coincidem com os enumerados para o Estado no artigo 10.º Nomeadamente, segundo o n.º 3 do artigo 55.º, os dois princípios da organização e da gestão democrática são desenvolvidos por quatro subprincípios:

1) Do sufrágio periódico para eleição dos órgãos dirigentes;
2) Do sufrágio secreto para eleição dos mesmos órgãos;
3) Da não sujeição dos órgãos eleitos a qualquer autorização ou homologação;
4) Da participação activa dos trabalhadores em todas os aspectos da actividade sindical.

Além destes subprincípios explicitados, já vimos que há, pelo menos, outros dois, da universalidade e da igualdade do sufrágio, que se devem considerar igualmente incluídos nos princípios da organização e da gestão democráticas das associações sindicais e que representam implicações normativas autónomas destes princípios isto é, que derivam directamente deles, e não de outros segmentos normativos, como são os subprincípios explicitados. Só que estas implicações normativas são tão essenciais ao princípio democrático, independentemente das suas várias concretizações institucionais e históricas, que a sua negação implicaria só por si a negação do princípio. Já o mesmo não se pode dizer do subprincípio do sufrágio directo. Assim sendo, a sua omissão do teor do n.º 3 do artigo 55.º já sugere que foi essa a intenção do legislador constitucional. Esta sugestão, por si não decisiva, é confirmada por razões sistemáticas e históricas.

11 - Por seu lado, o elemento sistemático da interpretação do n.º 3 do artigo 55.º da Constituição não se esgota na consideração dos preceitos que regulam a eleição de órgãos de soberania.

Em matéria próxima da actividade sindical - a respeitante às comissões de trabalhadores - a Constituição exige voto secreto e directo (cf. o n.º 2 do artigo 54.º). Quer a própria «proximidade formal» do preceito quer a identidade substancial da matéria que regula sugerem que não está em causa um lapso do legislador constituinte - consubstanciado na não exigência de escrutínio directo na eleição de corpos gerentes das associações sindicais -, perpetuado já por duas revisões constitucionais.

O que a diversidade de requisitos consagrados em ambos os preceitos (artigos 54.º, n.º 2, e 55.º, n.º 3, da Constituição) sugere é uma opção do legislador constituinte: a Constituição, assumidamente, não exige escrutínio directo no âmbito das associações sindicais.

12 - O completo esclarecimento do problema proposto exige a consideração do elemento teleológico do n.º 3 do artigo 55.º da Constituição. Importa averiguar por que razão o legislador constituinte não consagrou a exigência de escrutínio directo no âmbito das associações sindicais, quando a explicitou na eleição das comissões de trabalhadores.

Neste contexto observar-se-á que um significativo número de associações sindicais portuguesas e europeias procedem à eleição dos respectivos corpos gerentes através do sufrágio indirecto: os seus associados elegem, através de voto universal, igual, directo, secreto e periódico, um congresso que, por sua vez, elege os corpos gerentes. E tão-pouco a doutrina inclui, na exigência genérica de democraticidade das associações sindicais, o sufrágio directo (cf., nomeadamente, Carinci, Tamajo, Tozi, Treu, Diritto del lavoro, I, Il diritto sindicale, 1983, p. 81; Riva Sanseverino, Diritto sindicale, 4.ª ed., 1982, pp. 120 e seguintes e 140 e seguintes).

Esta constatação não possui, por si, o valor de prova - que não poderá ser meramente empírica - de que a democracia sindical se realiza sem escrutínio directo. No entanto, ela documenta uma realidade histórica, anterior à Constituição de 1976, que o legislador constituinte e as sucessivas revisões constitucionais não contrariaram. A ideia de democracia sindical, tal como é formulada, modernamente, pelas sociedades democráticas, não integra a exigência de escrutínio directo.

13 - Que fundamentos podem justificar, no entanto as diferentes exigências a que a Constituição subordina as eleições de comissões de trabalhadores e de corpos gerentes de associações sindicais?

Existem razões objectivas que explicam, facilmente, a diversidade de regimes:
a) Associação sindical é qualquer sindicato, união, federação geral (cf. o artigo 2.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril); ora, em relação as uniões, federações e confederações gerais de sindicatos, a exigência de escrutínio directo não tem o sentido de voto directo dos próprios trabalhadores, que se tem em vista no n.º 2 do artigo 54.º, visto que tais associações têm por membros os próprios sindicatos;

b) Os próprios sindicatos, em sentido restrito, entendidos como «organizações de 1.º grau», podem ter um âmbito consideravelmente vasto - podem, designadamente, ser nacionais e englobar trabalhadores com categorias diferenciadas;

c) As associações sindicais estão dotadas de personalidade e capacidade jurídicas e de uma estrutura orgânica complexa, ausentes de uma «entidade» como «os trabalhadores de uma empresa», cujo único colégio eleitoral admissível é o plenário (artigo 54.º, n.º 2, da Constituição; sobre os colégios eleitorais em empresas, cf. Maurice Cohen, Le droit des comités d'entreprise, 2.ª ed., 1977, pp. 164 e seguintes).

Todas estas razões explicam que o legislador constitucional não tenha aplicado às associações sindicais a exigência de escrutínio directo dos próprios trabalhadores: tal exigência é inaplicável a determinadas associações sindicais; não é claro, sequer, que o escrutínio directo se traduza sempre no método que melhor garante a efectiva participação dos trabalhadores, pelo menos nos casos em que as próprias associações sindicais de primeiro nível (isto é, os sindicatos) têm um âmbito nacional ou abarcam trabalhadores com categorias diferenciados.

O escrutínio indirecto, assente na eleição directa de delegados a um congresso, praticado no movimento sindical português e europeu, constitui um método indiscutivelmente democrático. De resto, tal método apresenta consideráveis similitudes com o modelo democrático de exercício do poder político, contanto que equiparemos o congresso do sindicato (que, por razões óbvias, não pode funcionar permanentemente) ao parlamento e os corpos gerentes do sindicato ao governo.

14 - De tudo quanto se sustentou decorre que a não exigência de escrutínio directo, a propósito das associações sindicais, no n.º 3 do artigo 55.º da Constituição, é entendida como uma assumida opção do legislador constituinte (e não como um lapso) e que tal opção se explica, racionalmente, tendo presente a natureza das associações sindicais.

Ora, a esta luz, a exigência de voto directo feita pelo legislador ordinário, no âmbito do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, afigura-se materialmente inconstitucional, por violação da liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais [alínea c) do n.º 2 do artigo 55.º] e, cumulativamente, do n.º 2 do artigo 18.º, tendo em vista o disposto no n.º 3 do artigo 55.º Com efeito, a exigência de voto directo constitui uma restrição da liberdade sindical desproporcionada, visto que se não limita ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (aqui, o direito de participação democrática na organização e na gestão das associações sindicais).

A intervenção do legislador, nesta matéria, só se poderia justificar para a regulamentação, fundamento ou de desenvolvimento do conteúdo de um direito e também para a concretização legislativa, destinada a conferir, total ou parcialmente, exequibilidade a normas constitucionais não exequíveis por si mesmas (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, 1988, pp. 301 e seguintes; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, pp. 163 e seguintes).

15 - A exigência de que o órgão colegial de administração e o conselho fiscal das associações sindicais sejam constituídos por um número ímpar de titulares, incluindo um presidente, resultante da conjugação dos artigos 46.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, 16.º do Decreto-Lei 594/74, de 7 de Novembro, e 162.º do Código Civil, afigura-se contrária ao disposto do n.º 2 do artigo 55.º e no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, como se entendeu já no Acórdão 342/86 do Tribunal Constitucional (Diário da República, 2.ª série, n.º 65, de 19 de Março de 1987; cf. no mesmo sentido, Vasco da Gama Lobo Xavier e Bernardo da Gama Lobo Xavier, «Anotação», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXX, 1988, p. 316).

Na verdade, esta exigência da lei civil, respeitante, genericamente, às pessoas colectivas, tem uma evidente pretensão de funcionalidade, que ultrapassa os requisitos formulados pelo princípio democrático. Com efeito, sem negar que alguma funcionalidade está implicada no princípio democrático, na medida em que este se deverá efectivar na prática, necessitando assim dos meios que garantam essa efectividade, deve, contudo, acentuar-se que se trata, então, da funcionalidade instrumental ao próprio princípio. Por outras palavras e aplicando ao caso: as associações sindicais deverão poder efectivamente deliberar democraticamente para prossecução dos seus fins, mas a optimização do processo decisório, para facilitar a obtenção de maiorias, não é imposta pelo fim dessas associações nem pelo princípio democrático. Senão, por exemplo, estariam proibidas em certas matérias maiorias qualificadas, que podem dificultar a obtenção de deliberações, não menos que o número par de deliberantes. Pelo contrário, o próprio princípio democrático manifesta-se na liberdade de facilitar ou dificultar a obtenção de deliberações nos órgãos colectivos.

16 - A liberdade de organização e regulamentação interna dos sindicatos, que constitui uma «vincada expressão de autonomia sindical» (cf. Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito de Trabalho, II, 1983, p. 62), sofre, com esta exigência, uma restrição claramente incompatível com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição e, igualmente, desproporcionada, no sentido de desnecessária para assegurar a organização e a gestão democrática das associações sindicais.

III
17 - Nestes termos, decide-se:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, na parte em que impõe o voto directo;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 46.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, no segmento em que determina, nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei 594/74, de 7 de Novembro, a aplicação da segunda parte do artigo 162.º do Código Civil às associações sindicais, impondo que o órgão colegial de administração e o conselho fiscal destas sejam constituídos por um número ímpar de titulares e incluam um presidente;

em ambos os casos, por violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 55.º e do n.º 2 do artigo 18.º, tendo em vista o disposto no n.º 3 do artigo 55.º, todos da Constituição.

Lisboa, 28 de Novembro de 1991. - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - António Vitorino - Luís Nunes de Almeida - Bravo Serra - Fernando Alves Correia - Armindo Ribeiro Mendes - Messias Bento - Antero Alves Monteiro Dinis - Vítor Nunes de Almeida [vencido, conforme declaração de voto que junto, quanto à alínea a) da decisão] - Mário de Brito (com a declaração de voto junta) - José Manuel Cardoso da Costa.


Declaração de voto
Votei vencido quanto à decisão constante da alínea a) do n.º III do presente acórdão pelos fundamentos seguintes:

1 - O artigo 46.º da Constituição da República garante «o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações», sendo este um dos direitos fundamentais, que constitui, aliás, um pressuposto reconhecidamente indispensável para a formação e manutenção de uma sociedade democrática.

2 - A liberdade sindical é um corolário de liberdade de associação, na medida em que se traduz no direito de os trabalhadores poderem criar livremente sindicatos para defesa dos respectivos direitos e interesses.

Neste sentido apontam os diversos textos internacionais seguidos na ordem jurídica portuguesa, v. g., a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 18 de Dezembro de 1948 (artigo 23.º, n.º 4), a Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 9 de Julho de 1948 (artigo 3.º), o Pacto Internacional sobre os Direitos Económico-Sociais e Culturais, de 16 de Dezembro de 1966 [artigo 8.º, n.º 1, alínea a)] e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966 (artigo 8.º, n.os 1 e 2).

Na Constituição da República (versão original), o artigo 56.º reconhecia aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses (n.º 1) e no n.º 2, alínea c), dessa norma garantia-se, no exercício de liberdade sindical, a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais. Porém, no n.º 3 desse preceito (após a revisão constitucional de 1982, passa a ser o artigo 55.º, n.os 1, 2 e 3) estabelece a lei fundamental as regras que devem reger as associações sindicais na sua reconhecida auto-organização e auto-regulamentação.

Estas regras são as seguintes:
a) As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e gestão democráticas; que, por sua vez,

b) Se devem basear na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes; e

c) Devem assentar na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.

3 - Nesta matéria, o Tribunal Constitucional vem entendendo que a Constituição reconhece ao legislador ordinário legitimidade para emitir normas com carácter imperativo desde que com as mesmas se promova uma explicitação ou concretização do princípio democrático que deve reger aquelas associações e a sua gestão.

A liberdade sindical há-de ser entendida como um direito dos trabalhadores singulares para criarem ou não sindicatos e para, tendo-os criado, nestes se inscreverem ou não, podendo os sindicatos criados definir a sua própria organização e o seu âmbito, por forma tal que não é, em princípio, legítima a intervenção de estranhos.

Os únicos limites admissíveis são os decorrentes das regras extraídas do n.º 3 do artigo 55.º da Constituição, ou seja, a intervenção do legislador apenas se pode admitir para realizar, como se referiu, o princípio democrático.

É, aliás, porque concordo com toda a posição que o Tribunal vem assumindo nesta matéria que não posso aceitar a conclusão contida na referida alínea a) do n.º III relativa à inconstitucionalização do sufrágio por voto directo.

4 - Na verdade, se na óptica do n.º 3 do artigo 55.º a organização e gestão democráticas das associações sindicais valem desde logo por si, não deixam elas de ser também uma forma de realizar aquilo que, em minha opinião, melhor caracteriza o princípio democrático a participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.

A lei fundamental, aliás, não formula exigências similares a propósito do direito de associação, previsto no seu artigo 46.º Precisamente por essa razão, sendo o direito de associação um parâmetro de referência do regime de todos os tipos de associações, desta forma se tornam patentes as preocupações do legislador constituinte quanto ao respeito pelo princípio democrático não só por parte do legislador mas também por parte das próprias associações sindicais.

Ao intérprete, mais do que ver nestas preocupações uma restrição à liberdade de organização e regulamentação interna [alínea c) do n.º 2 do artigo 55.º da Constituição], impõe-se a tarefa de obter uma concordância prática entre os dois princípios na medida em que porventura se apresentarem conflituantes.

5 - Sem ser necessário alongar-me em maiores considerações acerca deste ponto, direi que, na minha perspectiva, a previsão de eleições através de voto directo ao menos para alguns dos órgãos dirigentes - e designadamente quanto àqueles que maior peso tiverem na formação da vontade das associações sindicais ou sejam condicionantes dessa mesma vontade a formar futuramente -, além da compatível com a Constituição, representa uma directa exigência dos seus normativos neste domínio.

Com efeito, na minha opinião, se assim não for, não vejo como a participação activa dos trabalhadores possa ganhar alguma projecção em termos de organização e de gestão que a Constituição procura que sejam democráticas. Poderá certamente continuar a existir participação activa, e admito que até aberta a todos os trabalhadores. Contudo, faltar-lhe-á uma outra dimensão constitucionalmente relevante que é a sua tradução na orgânica da pessoa colectiva.

O acórdão assinalou esta dimensão, mas não retirou dela todas as consequências possíveis.

6 - Com esta posição não se pretende contrariar a afirmação de que, com o voto indirecto, ainda se realiza o princípio democrático, pelo que tal tipo de sufrágio há-de ser constitucionalmente aceite.

Neste contexto, o que se passa com o sufrágio indirecto é que, por definição, nele não participam todos os trabalhadores associados. Será ele compatível com a eleição de determinados órgãos, mas não penso que possa a lei aceitar que seja adoptado para a eleição de todos os órgãos da associação.

Na verdade, se o princípio democrático se houver de entender também como meio de realizar a referida participação activa dos trabalhadores em toda a actividade sindical - como me parece decorrer inequivocamente do n.º 3 do artigo 55.º da Constituição -, então a imposição do voto directo é a forma de realizar tal princípio, face à lei fundamental, e, por isso, não só não consubstancia uma restrição do princípio da liberdade sindical como, ao invés, é a forma mais adequada, necessária e proporcional para realizar o princípio democrático na perspectiva da participação activa dos trabalhadores.

Efectivamente, o voto indirecto é uma alienação (transferência) do exercício de um direito, concedendo-se a outrem o poder de decidir pela pessoa individual, no caso, o trabalhador, o que equivale, em direitas contas, a uma «alienação» pelo trabalhador singular do seu direito fundamental de liberdade sindical, em contradição com a exigência constitucional de participação activa do trabalhador em todas as actividades sindicais como modo de concretização do princípio democrático.

7 - Na economia do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril (lei sindical), o n.º 3 do artigo 17.º, agora declarado inconstitucional, conjugava-se com a previsão, não directamente expressa, de que todos os corpos gerentes teriam de ser eleitos por voto directo [cf. os n.os 5 e 9 do artigo 17.º, o artigo 13.º e a alínea d) do artigo 14.º, entre eventualmente outras disposições].

Podendo embora admitir-se que este regime aplicado, designadamente, às uniões e federações de sindicatos revelasse alguma desproporção (se bem que se possa entender tratar-se aqui de voto orgânico), não se pode, todavia, considerar o voto directo incompatível com os princípios constitucionais, para as hipóteses de eleições de pelo menos alguns dos corpos gerentes das associações de primeiro grau, máximo nos casos em que não for prevista assembleia geral, na eleição dos membros do órgão com competências semelhantes e também para as deliberações sobre integração ou associação com outras organizações sindicais, disposição esta que está em apreciação.

Na medida em que estes últimos aspectos não foram salvaguardados, o que tão-só levaria nesta parte a uma inconstitucionalização parcial da norma em causa, votei vencido. - Vítor Nunes de Almeida.


Declaração de voto
1 - O n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, que regula o exercício da actividade sindical, obriga a que a gestão das associações sindicais respeite os princípios de gestão democrática, nomeadamente as regras dos números seguintes. Entre essas regras conta-se a do n.º 3, ou seja:

O voto será sempre directo, e ainda secreto quando se trate de eleições e de deliberação sobre integração noutras associações sindicais ou associação com elas.

Por seu lado, o artigo 46.º desse decreto-lei sujeita as associações sindicais ao regime geral do direito de associação em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma; o artigo 16.º do Decreto-Lei 594/74 de 7 de Novembro, que regula o direito de associação, manda reger as associações pelas normas dos artigos 157.º e seguintes do Código Civil em tudo o que não for contrário a este diploma; e o artigo 162.º do Código Civil dispõe:

Os estatutos da pessoa colectiva designarão os respectivos órgãos, entre os quais haverá um órgão colegial de administração e um conselho fiscal, ambos eles constituídos por um número ímpar de titulares, dos quais um será o presidente.

No presente processo pede-se a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 215-B/75, no segmento em que impõe o voto directo, e do artigo 46.º do mesmo decreto-lei, na parte em que, nos termos do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei 594/74, de 7 de Novembro, determina a aplicação às associações sindicais da segunda parte do artigo 162.º do Código Civil, ou seja, a parte em que este exige que o órgão colegial de administração e o conselho fiscal sejam constituídos por um número ímpar de titulares, dos quais um será o presidente.

2 - Quanto ao n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 215-8/75, também entendo que essa norma, na parte em que impõe o voto directo, isto é, enquanto norma imperativa, é inconstitucional, pois atenta contra a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, hoje consagrada na alínea c) do n.º 2 do artigo 55.º da Constituição (na redacção da Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho - 2.ª revisão da Constituição).

As associações sindicais é que, nos respectivos estatutos, têm o poder de dizer como deve ser o voto.

Como referem Vasco da Gama Lobo Xavier e Bernardo da Gama Lobo Xavier, «Inaplicabilidade do Código Civil às associações sindicais», na Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXX, p. 285, n.º 5, não é em vão que comummente se fala de um «ordenamento sindical ou intersindical», como ordenamento originário e autónomo relativamente ao Estado, e da actividade autónoma de produção jurídica que lhe pertence. Na verdade, as associações sindicais não são criadas pelo ordenamento do Estado, mas apenas por ele reconhecidas, pertencendo-lhe porventura apenas garantir-lhes a plena autonomia, e, por isso, brigaria com a ideia de autonomia do «poder constituinte e estatutário dos sindicatos» impor-lhes formas processuais mais ou menos arbitrárias (autores e local citados).

3 - Quanto ao artigo 46.º do Decreto-Lei 215-B/75, na parte em que, segundo o requerente, ele manda aplicar às associações sindicais, por via do artigo 16.º do Decreto-Lei 594/74, a segunda parte do artigo 162.º do Código Civil.

Como ficou referido, o artigo 46.º do Decreto-Lei 215-B/75 só torna aplicável às associações sindicais o regime geral do direito de associação em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma e o artigo 16.º do Decreto-Lei 594/74 só torna aplicáveis às associações os artigos 157.º e seguintes do Código Civil em tudo o que não for contrário a este diploma.

E já em declarações anteriores - v. g., nas que fiz nos Acórdãos n.os 342/86, de 10 de Dezembro (no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Março de 1987, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional 8.º vol., p. 521), 11/87, de 14 de Janeiro (no Diário, 2.ª série, de 6 de Abril de 1987), 89/87, de 25 de Fevereiro (no Diário, 2.ª série, de 5 de Maio de 1987), e 100/87, de 11 de Março (no Diário, 2.ª série, de 12 de Maio de 1987) - deixei pressuposta a ideia de que, em geral, as disposições dos artigos 157.º e seguintes do Código Civil são inaplicáveis, por inadequadas, às associações sindicais.

Os autores a que me referi, no estudo citado, n.º 12, chegam mesmo a afirmar que a parte do Código Civil relativa às associações não podem constituir direito subsidiário, já que a LS (o Decreto-Lei 215-B/75) remeteu apenas para a LDA (o Decreto-Lei 594/74), e a remissão do artigo 16.º desta última lei para o Código Civil deve ser considerada contrária ao regime estabelecido pela lei sindical, pois o articulado da lei civil e globalmente inadequado para as AS (associações sindicais).

Do artigo 162.º do Código Civil, dizem os mesmos autores, na nota 33, que e incompatível com a autonomia de organização dos corpos gerentes da LS.

Ora, estando na base do pedido de declaração de inconstitucionalidade aqui feito a aplicabilidade às associações sindicais da segunda parte do citado artigo 162.º, só poderá dizer-se que, na verdade, o artigo 46.º do Decreto-Lei 215-B/75, na parte em que remete para o Decreto-Lei 594/74 e, por via do artigo 16.º deste diploma, para essa norma do Código Civil, é inconstitucional, por contrário à liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, consagrada no citado artigo 55.º, n.º 2, alínea c). - Mário de Brito.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/40155.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1974-11-07 - Decreto-Lei 594/74 - Ministério da Administração Interna - Gabinete do Ministro

    Reconhece e regulamenta o direito de associação.

  • Tem documento Em vigor 1975-04-30 - Decreto-Lei 215-B/75 - Conselho da Revolução

    Regula o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores - Revoga a legislação sobre associações sindicais, nomeadamente a que vincula os trabalhadores não sindicalizados ao pagamento obrigatório de quotas, ressalvado o disposto no n.º 4 do artigo 16.º do presente diploma - Revoga as normas relativas à representação profissional contidas na regulamentação das Casas do Povo e respectivas federações e das Casas dos Pescadores.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1989-07-08 - Lei Constitucional 1/89 - Assembleia da República

    Segunda revisão da Constituição.

Aviso

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