Resolução do Conselho de Ministros n.º 139/2019
Sumário: Aprova medidas de prevenção e combate à violência doméstica.
A violência contra as mulheres e a violência doméstica são das formas mais gravosas de discriminação das mulheres em razão do seu sexo, reflexo de persistentes estereótipos de género e de relações de poder desiguais, como foi reconhecido pela Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011. Os impactos desta violência não se circunscrevem apenas às vítimas diretamente envolvidas, afetando também as famílias e a sociedade no seu conjunto.
Neste quadro de circunstâncias, aproxima-se o décimo aniversário da Lei 112/2009, de 16 de setembro, que criou o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas - o que recomendaria, em si mesmo, uma avaliação dos efeitos práticos da sua aplicação. Além disto, considerando o número de homicídios de mulheres já ocorridos no corrente ano de 2019, torna-se necessário reforçar as respostas para prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica, em todas as suas dimensões, definindo mecanismos que permitam evitar a ocorrência ou perpetuação deste tipo de situações e que reforcem a eficácia da tutela penal relativamente à proteção das vítimas e ao sancionamento das pessoas agressoras, em linha com as recomendações do Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica do Conselho da Europa, bem como da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídios em Violência Doméstica constituída nos termos do artigo 4.º-A da Lei 112/2009, de 16 de setembro, na sua redação atual.
A montante, trata-se de promover a literacia e de prevenir a violência contra as mulheres e a violência doméstica, desenhando campanhas e intervenções que contribuam para a mudança de comportamentos da sociedade e para a progressiva intolerância social face à violência.
A violência, mormente a violência doméstica, é, indiscutivelmente, também um problema de segurança e de saúde públicas, que impõe a adoção de estratégias multissetoriais e de respostas rápidas de múltiplas naturezas. É, pois, preciso continuar a sensibilizar e formar os profissionais que contactam com pessoas especialmente vulneráveis, para que a deteção de situações de violência ocorra o mais precocemente possível e a sinalização possa ser feita. E, perante uma situação de violência, é preciso agir rapidamente, assistindo a vítima no tratamento imediato de que necessita, providenciando apoio psicológico e interagindo com as respostas existentes para que o ciclo de violência seja interrompido.
Concomitantemente, afigura-se essencial o desenvolvimento de uma ação integrada de prevenção, tendo em vista, designadamente, a promoção do desenvolvimento das competências interpessoais e de uma cultura de não-violência, desde a primeira infância, com ações de capacitação parental e o reforço da intervenção com crianças e jovens que demonstrem sinais de risco de comportamentos violentos ou de serem vítimas de violência doméstica.
Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 52/2019, de 6 de março, foi criada uma comissão técnica multidisciplinar para a melhoria da prevenção e combate à violência doméstica, cujo relatório foi apresentado no dia 28 de junho de 2019. Este relatório apresenta recomendações, assentes nas linhas orientadoras traçadas pela referida resolução, e que servem de base à identificação de ações prioritárias a desenvolver.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Identificar como ações prioritárias, a concretizar com base nas propostas da comissão técnica multidisciplinar criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 52/2019, de 6 de março:
a) A melhoria, a harmonização e a atualização permanente dos dados oficiais sobre violência contra as mulheres e violência doméstica, a promover pelas áreas governativas da administração interna e da justiça, juntamente com as da modernização administrativa, da cidadania e igualdade, e do trabalho, solidariedade e segurança social, e em articulação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), designadamente através:
i) Da definição de uma lista de dados e indicadores relevantes, com base na proposta da comissão técnica multidisciplinar, atendendo igualmente às recomendações do Instituto Europeu para a Igualdade de Género e do Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica do Conselho da Europa, com vista à adaptação e harmonização dos respetivos mecanismos de recolha e sistemas de informação, designadamente:
O sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS), gerido pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.;
O Sistema Integrado de Informações Operacionais Policiais, gerido pela Guarda Nacional Republicana (GNR);
O Sistema Estratégico de Informações, gerido pela Polícia de Segurança Pública (PSP);
O Sistema Integrado de Informação Criminal, gerido pela Polícia Judiciária (PJ);
Os repositórios de dados sobre penas e medidas aplicadas a arguidos pelo crime de violência doméstica, com o recurso a meios de vigilância eletrónica, privativas de liberdade ou executadas em contexto comunitário, com ou sem Programas para Agressores de Violência Doméstica, recolhidos pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP);
Os repositórios de dados sobre Decisões Europeias de Proteção e Decisões Europeias de Investigação, geridos pela PGR, na qualidade de autoridade central;
Os repositórios de dados sobre crianças sinalizadas e acompanhadas pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, registados na aplicação informática disponibilizada pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens;
Os repositórios de dados sobre adiantamentos de indemnizações devidas às vítimas pelo Estado, recolhidos pela Comissão de Proteção a Vítimas de Crime;
Os repositórios de dados sobre teleassistência recolhidos pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG);
Os repositórios de dados sobre a Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD), recolhidos pela CIG e pelo Instituto da Segurança Social, I. P.;
A base de dados da PGR sobre suspensão provisória do processo.
ii) Da interoperabilidade e centralização dos dados referidos na subalínea anterior na base de dados criada nos termos do n.º 1 do artigo 37.º-A da Lei 112/2009, de 16 de setembro, na sua redação atual, que deve passar a designar-se «Base de Dados de Violência contra as Mulheres e Violência Doméstica»;
b) A criação de um portal no sítio na Internet da CIG, a promover pela área governativa da cidadania e igualdade, juntamente com as áreas governativas da administração interna, da justiça, da educação, do trabalho, solidariedade e segurança social, e da saúde, que promova o acesso e a publicitação de dados provenientes da base de dados referida na subalínea ii) da alínea anterior, bem como de dados das áreas governativas supramencionadas, que disponibilize informação útil sobre direitos, legislação aplicável, recursos e linhas telefónicas de apoio às vítimas, que receba pedidos de informação e denúncias por via eletrónica;
c) O aperfeiçoamento dos mecanismos a adotar pela GNR, PSP e PJ nas 72 horas subsequentes à apresentação de denúncia por maus-tratos cometidos em contexto de violência doméstica, a promover pelas áreas governativas da administração interna e da justiça, juntamente com a da cidadania e igualdade, em articulação com a PGR, designadamente através:
i) Da elaboração de um manual de atuação funcional, por uma equipa que integre as estruturas formativas e operacionais da GNR, da PSP e da PJ, o Centro de Estudos Judiciários e a PGR, que inclua, designadamente, os procedimentos que devem ser desenvolvidos com vista à proteção e apoio à vítima, à preservação e aquisição urgente da prova, à contenção e definição da situação processual da pessoa agressora e ao desencadeamento e articulação com os procedimentos que corram simultaneamente termos na área de família e menores;
ii) Da revisão do auto de notícia/denúncia-padrão de violência doméstica e dos modelos de atribuição do estatuto de vítima, nos termos da Portaria 229-A/2010, de 23 de abril;
iii) Da criação, através de projetos-piloto, de redes de urgência de intervenção (RUI), tendo em vista o desenvolvimento de um modelo integrado de atuação urgente de âmbito territorial, envolvendo operadores policiais, judiciários e membros das respostas e estruturas da RNAVVD e/ou dos Gabinetes de Apoio à Vítima (GAV), disponíveis 24 horas por dia, em articulação com as linhas telefónicas integradas no Serviço de Informação a Vítimas de Violência Doméstica (SIVVD);
iv) Da avaliação do atual modelo de organização da intervenção dos GAV nos Departamentos de Investigação e Ação Penal, com vista à eventual ampliação da respetiva cobertura;
v) Da revisão do modelo de avaliação e gestão do grau de risco da vítima, incluindo indicadores relativos a crianças e jovens, e outras vítimas em situação de vulnerabilidade acrescida;
d) A promoção de formação em matéria de violência contra as mulheres e violência doméstica, designadamente através:
i) Da elaboração de um plano de formação sobre o manual de atuação funcional e os instrumentos identificados nas subalíneas i), ii) e v) da alínea c), destinado a profissionais que atuam nas 72 horas subsequentes à apresentação de denúncia por maus-tratos cometidos em contexto de violência doméstica, a promover pela área governativa da administração interna, juntamente com as áreas governativas da cidadania e igualdade e da justiça, em articulação com a PGR;
ii) Da elaboração conjunta pelas áreas governativas da cidadania e igualdade, da administração interna, da justiça, da educação, do trabalho, solidariedade e segurança social, e da saúde, em articulação com a PGR, sob coordenação da área governativa da cidadania e igualdade, de um plano anual de formação que inclua, designadamente, a uniformização de conceitos, a definição de conteúdos e metodologias formativas baseadas na análise de casos concretos e a identificação de uma bolsa de formadores, destinado aos profissionais das áreas governativas envolvidas que atuam na área da violência contra as mulheres e a violência doméstica.
2 - Desenvolver uma ação integrada em matéria de prevenção primária e secundária da violência contra as mulheres e violência doméstica, a promover pelas áreas governativas da cidadania e igualdade, da justiça, da educação, do trabalho, solidariedade e segurança social, e da saúde, designadamente através:
a) Da elaboração de um guia para profissionais que intervêm junto de crianças e jovens, tendo em vista a promoção de competências interpessoais e de uma cultura de não violência, bem como o reforço da intervenção com crianças e jovens que demonstrem sinais de risco de comportamentos violentos ou de serem vítimas de violência doméstica, designadamente em matéria de sinalização, intervenção e encaminhamento;
b) Da elaboração de orientações técnicas para profissionais envolvidos na implementação do guia previsto na alínea anterior, designadamente do Sistema Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens (SNPDPCJ), da RNAVVD e da educação;
c) Da formação sobre os instrumentos referidos nas alíneas anteriores para profissionais que intervêm junto de crianças e jovens, designadamente psicólogos dos serviços de psicologia e orientação escolar, coordenadores da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, membros das equipas multidisciplinares de apoio à inclusão, profissionais das entidades com competência em matéria de infância e juventude, e profissionais do SNPDPCJ e da RNAVVD;
d) Da elaboração de um guia de requisitos mínimos para programas de prevenção primária e secundária;
e) Do acompanhamento de projetos de prevenção primária e secundária, e de desenvolvimento de instrumentos de intervenção junto de grupos vulneráveis;
f) Da promoção, pela DGRSP, de estratégias de educação para o direito, cidadania e igualdade de género em contexto de execução de penas e de medidas judiciais determinadas no âmbito tutelar educativo e penal, direcionadas a jovens sujeitos a processos tutelares e a arguidos em processo penal, em articulação com estruturas judiciais e com os SNPDPCJ e RNAVVD.
3 - Reestruturar o SIVVD, através da área governativa da cidadania e igualdade, garantindo o atendimento 24 horas por dia, o apoio especializado por técnicos qualificados em todas as formas de violência contra as mulheres e violência doméstica, e a intervenção imediata em situações de emergência.
4 - Reforçar, no prazo de 60 dias, os mecanismos de sinalização e atendimento a vítimas de violência contra as mulheres e violência doméstica no domínio da saúde, criando o Programa Nacional de Prevenção da Violência no Ciclo de Vida, a ser monitorizado pela Direção-Geral da Saúde, que contempla os seguintes instrumentos:
a) O Sistema de Intervenção e Vigilância da Violência, com o objetivo de coordenar, acompanhar, monitorizar e avaliar, a nível nacional, a implementação da estratégia de combate e sinalização de situações de violência a pessoas especialmente vulneráveis e de violência doméstica;
b) Procedimentos de registo, tratamento e partilha de dados sobre situações de violência doméstica sinalizadas no sistema de saúde português, em articulação com o disposto na alínea a) do n.º 1;
c) Normas de orientação sobre a abordagem a vítimas de violência doméstica;
d) Medidas de prevenção, referenciação e intervenção no âmbito da saúde mental, junto das vítimas, famílias e pessoas agressoras, em articulação com o Programa Nacional de Saúde Mental.
5 - Incluir a atual Ação de Saúde para Crianças e Jovens em Risco e a Ação de Saúde sobre Género, Violência e Ciclo de Vida, a intervenção no âmbito da violência contra os Profissionais, e outras ações no âmbito do combate à violência no programa referido no número anterior, reforçando a prevenção e a resposta aos maus-tratos e à violência ao longo do ciclo de vida.
6 - Aperfeiçoar o funcionamento da RNAVVD, através da área governativa da cidadania e igualdade, que deve:
a) Implementar um sistema de gestão da informação na RNAVVD, através de uma plataforma comum, tendo em vista melhorar a coordenação interinstitucional, a partilha da informação entre intervenientes e a adequação das respostas às necessidades das vítimas;
b) Avaliar as estruturas e respostas de acolhimento da RNAVVD, tendo em vista a identificação das principais necessidades e constrangimentos na adaptação às condições estabelecidas no Decreto Regulamentar 2/2018, de 24 de janeiro, e respetiva regulamentação;
c) Criar um sistema nacional de certificação da conformidade das estruturas e respostas da RNAVVD com os requisitos mínimos de intervenção em situações de violência doméstica e violência de género, nos termos do artigo 11.º do Decreto Regulamentar 2/2018, de 24 de janeiro;
d) Alargar a cobertura das estruturas e respostas da RNAVVD, através da celebração de protocolos com municípios em territórios carenciados.
7 - Avaliar, no domínio da resposta judicial ao fenómeno da violência contra as mulheres e da violência doméstica, através da área governativa da justiça, juntamente com as áreas governativas da cidadania e igualdade e do trabalho, solidariedade e segurança social, os seguintes aspetos:
a) A assessoria técnica prestada pela DGRSP, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., pelos serviços da segurança social e pela CIG aos tribunais penais e de família e menores nos casos de violência doméstica, nas perspetivas do controlo penal da pessoa agressora e da proteção das vítimas e filhos menores;
b) O impacto das medidas aplicadas às pessoas agressoras, contemplando, designadamente, as temáticas da suspensão provisória do processo, medidas de coação urgentes, medidas de detenção em flagrante delito e fora de flagrante delito, incumprimento de medidas de coação, análise da taxa de homicídios em contexto de violência doméstica em situações com prévia denúncia ao sistema de justiça penal, vigilância eletrónica, aplicação do regime da regulação urgente das responsabilidades parentais previsto na Lei 24/2017, de 24 de maio, análise da legislação à luz da Convenção de Istambul, incluindo o estatuto de vítima, análise das decisões judiciais, nomeadamente na justificação da pena e respetiva suspensão, e avaliação do impacto do Programa para Agressores de Violência Doméstica.
8 - Determinar que a área governativa da justiça estude a possibilidade de, no atual quadro constitucional, e através da análise de experiências comparadas, concretizar uma abordagem judiciária integrada, no que se refere à decisão dos processos criminais, tutelares e de promoção e proteção relativos à prática de crimes contra vítimas especialmente vulneráveis, de acordo com as recomendações do Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica do Conselho da Europa.
9 - Criar um grupo de acompanhamento da implementação das ações prioritárias a concretizar nos termos do n.º 1, composto por representantes das áreas governativas da cidadania e igualdade, da administração interna, da justiça, da educação, do trabalho, solidariedade e segurança social, da saúde, e por um representante da PGR.
10 - Determinar que ao grupo mencionado no número anterior compete coadjuvar na planificação conjunta das ações a desenvolver, bem como monitorizar a respetiva implementação, e proceder a um reporte regular do ponto de situação da execução das medidas previstas aos membros do Governo responsáveis pelas áreas governativas mencionadas no número anterior.
11 - Estabelecer que o mandato do grupo referido no n.º 9 tem a duração de um ano, a contar da data de produção de efeitos da presente resolução.
12 - Determinar que a presente resolução produz efeitos no dia seguinte ao da sua publicação.
Presidência do Conselho de Ministros, 18 de julho de 2019. - O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
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