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Acórdão 775/2014, de 18 de Dezembro

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Sumário

Não julga inconstitucionais interpretações das alíneas d) e e) do artigo 9.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de dezembro (disciplinam o momento a partir do qual o imposto municipal sobre imóveis é devido)

Texto do documento

Acórdão 775/2014

Processo 133/14

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - SEDIL - Sociedade de Edificações, Lda., recorrente nos presentes autos em que é recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, requereu, junto do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, com base no Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - "RJAT"), a constituição de tribunal arbitral e a consequente pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade de parte da liquidação de imposto municipal sobre imóveis de 9 de março de 2013, relativa aos prédios urbanos situados nos municípios de Lisboa, Ferreira do Zêzere e Tomar, objeto da nota de cobrança n.º 2012/264809003 (fls. 10 e ss.).

Em 15 de janeiro de 2014, foi proferida decisão arbitral singular, julgando, no que ora releva, improcedente o pedido de inexistência de facto tributário invocado pela requerente, por considerar inexistentes as inconstitucionalidades e ilegalidades por ela aduzidas (cf. o dispositivo a fls. 95, v.º). Concretamente, disse-se o seguinte na decisão recorrida, quanto à matéria das invocadas inconstitucionalidades (fls. 94, f. e v.º):

«Da inconstitucionalidade das normas

A requerente pretende a anulação da dívida relativamente aos prédios urbanos constantes da nota de cobrança 2012264809003 no montante de 2651.5,68 por considerar que a tributação em IMI dos prédios detidos por empresas que tenham por atividade a construção ou a venda de imóveis, é do seu ponto de vista inconstitucional, mesmo depois de ultrapassados os prazos de suspensão da tributação previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º, por esta norma violar frontalmente o princípio constitucional da igualdade tributária e ainda, decorrente deste o princípio da capacidade contributiva.

Entende que tal normativo discrimina estas empresas relativamente a outras que exerçam a montagem, a produção e a venda de quaisquer outros bens.

[...]

No entanto, é notório, que a comparação que é feita pela requerente é sobre realidades completamente diversas.

No se pode pretender que haja tributação igual para realidades económicas diferentes. O CIMI regula a tributação do património imobiliário que, no seu artigo primeiro, estabelece o seu campo de incidência sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português e no seu artigo segundo estabelece o conceito de prédio, sendo para efeitos de tributação em IMI "toda a fração de território nela se englobando as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência" e exige mais este normativo que tal realidade pertença "ao património de pessoa singular ou coletiva e que em circunstâncias normais tenha valor económico".

O artigo 9.º do CIMI estabelece o início da tributação que difere conforme as realidades. No caso de prédio que "tenha passado a figurar no ativo circulante de uma empresa que tenha por objeto a sua venda", a tributação tem início a partir "do terceiro ano seguinte, inclusive", àquela ocorrência.

Em sede de IMI comparar uma empresa cuja atividade seja a construção e ou venda de imóveis e outras que se dediquem a construção, montagem, produção e a venda de quaisquer outros bens é comparar realidades económicas diferentes, como já se disse, e, enquanto a primeira cai na norma de incidência do artigo 1.º do CIMI e, portanto, sujeita a tributação nos termos nele previstos as outras jamais o poderão ser, dado estarem completamente fora do âmbito das normas de incidência daquele Código.

Nem se diga que há uma absoluta igualdade de circunstâncias, no plano fiscal, entre quem constrói ou detém imóveis para venda e quem constrói, produz ou detém para venda outro tipo de bens. As circunstâncias são logo diferentes pela natureza dos bens, o legislador pretendeu tributar em IMI apenas bens imóveis e não outros, daí que não se possa dizer que haja igualdade de circunstâncias.

Pretender, através de realidades económicas diversas, pôr em causa as normas de incidência do CIMI e concluir que estas violam os princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva é raciocínio que não acompanhamos.

O princípio da igualdade tributária poder-se-á traduzir na obrigação de todos os cidadãos ou pessoas coletivas ficarem adstritos ao pagamento de impostos, proibindo-se o arbítrio de forma a que situações iguais tenham tratamento igual e situações diferentes tenham tratamento diferente. Daqui decorre a capacidade contributiva que impõe que o imposto será igual para aqueles que estejam em situação igual e diferente para aqueles que estejam em situação diferente.

Do ponto de vista do Tribunal o direito constituído aplicável ao caso concreto dos autos, alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, de forma alguma desrespeitam quer o princípio da igualdade tributária quer o da capacidade contributiva, pelo que a sua aplicação tem pleno suporte constitucional.

O legislador trata esta tributação em IMI das empresas que se dedicam a este ramo de atividade, de uma forma especial, concedendo ao titular do património um período considerado razoável para a sua venda não o sujeitando a IMI durante esse período.

Dir-se-á que, estamos perante circunstâncias anormais, tais como a saturação dos mercados, falta de financiamento e menor poder de compra dos potenciais clientes, e que o período de não sujeição concedido é insuficiente e levará os titulares do património a situações dramáticas que poderá chegar à insolvência.

Mas aí terá de haver uma intervenção do legislador, revisitando a lei, se assim o entender, e ponderar da necessidade de constituir direito novo que contemple estas situações ou outras, de modo a evitar prejuízos maiores. Mas até lá será forçoso observar o de jure constituto que, do ponto de vista do Tribunal, não está ferido de inconstitucionalidade como se pretende.»

Inconformada, veio a requerente apresentar junto deste Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como "LTC"), o requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade, tendo em vista a apreciação da constitucionalidade das normas constantes do artigo 2.º, n.º 1, e 9.º, n.º 1, alíneas d), e e), ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), alegando a violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva consagrados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição.

Por despacho de fls. 98-99, o Relator determinou a baixa dos autos ao tribunal recorrido para os efeitos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC.

2 - Admitido o recurso pelo árbitro singular (fls. 105), subiram os autos novamente a este Tribunal, e, depois de em resposta ao convite do relator ter sido completado o requerimento de recurso (fls. 124-126), foi ordenada a produção de alegações, sendo na altura as partes alertadas para a eventualidade de não ser conhecida a questão relativa ao artigo 2.º, n.º 1, do CIMI, na dimensão interpretativa especificada pela recorrente, em virtude de a mesma constituir objeto inidóneo de recurso de constitucionalidade por se incluir na norma sindicada um dos respetivos parâmetros de controlo, bem como pelo facto de não integrar a ratio decidendi da decisão sob recurso (fls. 127).

3 - A recorrente não se pronunciou quanto a estas questões prévias, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

«Conclusões:

I. A tributação em IMI dos prédios detidos como matéria-prima (terrenos destinados a construção para subsequente venda) ou mercadoria (destinados a venda) por empresas que tenham como atividade a construção e ou a venda de imóveis, como é o caso da recorrente, viola frontalmente o princípio constitucional da igualdade - e o princípio da capacidade contributiva que decorre deste.

II. Tal tributação cria uma discriminação, sem fundamento de qualquer espécie, entre empresas cuja atividade seja a construção para venda e ou venda de imóveis e todas as demais empresas cuja atividade seja a construção, a montagem, a produção e a venda de quaisquer outros bens.

III. Uma empresa que constrói para venda e ou vende imóveis não retira dos mesmos qualquer utilidade a mais, não demonstra maior capacidade contributiva, que qualquer outra empresa que produza ou compre para revenda bens diferentes de imóveis. A detenção dos imóveis é provisória e transitória por natureza, são matéria-prima ou mercadoria, que se destinam a ser vendidos ou transformados, a empresa que meramente constrói edifícios para vender ou adquire edifícios para revender não os detém em circunstâncias normais, no sentido em que não os construiu e ou adquiriu com vista a retirar deles uma utilidade normal, para os usar ou fruir. A utilidade retirada dessa matéria-prima ou mercadoria em nada diverge da utilidade que qualquer outra empresa, que não constrói imóveis, retira das matérias-primas que usa na produção dos seus bens e das mercadorias que detém para venda.

IV. O conceito de prédio para efeitos de tributação em sede de IMI e o conceito de prédio constante do Código Civil não é idêntico. O Código Civil contém uma definição estática de prédio, mas o Código do IMI contém uma noção funcional de prédio, assente no princípio do benefício, segundo a qual, para ser tributável, o prédio tem de (i) fazer parte do património de uma pessoa singular ou coletiva, e (ii) em circunstâncias normais, tem de ter valor económico, o que aponta indiscutivelmente para aquelas situações em que o prédio está afeto a fins permanentes, não transitórios, ou seja, aquelas situações em que os prédios são utilizados, usados, fruídos, na atividade operacional da empresa (ou utilizados, usados ou fruídos enquanto património de pessoas ou entidades no empresariais). Assim, não se devem considerar abrangidas pelo conceito de prédio constante do artigo 2.º, n. 1, do Código do IMI, e consequentemente não se devem considerar tributáveis, aquelas situações em que os prédios têm como destino, como função, a sua transformação e ou venda enquanto matéria-prima ou mercadoria.

V. A empresa que compra terrenos para construir edifícios e os vender, ou que compra prédios para os revender, não retira qualquer benefício dos mesmos, no sentido de que não os usa nem frui, donde também não representam um custo acrescido para a comunidade. É uma situação completamente distinta da daquela empresa que detém imóveis para os utilizar na sua atividade operacional. Esta, retira um benefício dos prédios que detém; aquela, não, pois os prédios destinam-se a ser vendidos.

VI. A tributação, em sede de IMI, dos imóveis detidos enquanto existências para venda por uma empresa, que os construiu ou adquiriu para esse fim, viola frontalmente o princípio constitucional da igualdade, pois quando assim é o IMI nada mais representa que um encargo adicional ao imposto sobre o rendimento, que as outras empresas não têm de suportar.

A igualdade fiscal implica a uniformidade na tributação da riqueza: igualdade horizontal (tributação igual, para riqueza igual), e igualdade vertical (tributações diferentes, para riquezas diferentes). O dever de pagar impostos deve ser aferido pelo mesmo critério, o critério da capacidade contributiva, que impõe que os que dispõem de igual capacidade contributiva devem pagar igual imposto.

VII. O fundamento constitucional do princípio da capacidade contributiva é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da "constituição fiscal" e, em especial, aqueles que decorrem dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103.º e 104.º da Constituição (Casalta Nabais, ob. cit.).

VIII. A lei viola o princípio constitucional da igualdade quando, sem um motivo razoável (em termos constitucionalmente relevantes), procede a um tratamento diverso de cidadãos que se encontram em situação idêntica, ou seja, sem que existam diferenças de tal natureza e de tal peso que possam justificar o tratamento desigual.

IX. Há uma absoluta igualdade de circunstâncias, no plano fiscal, entre a posição dos contribuintes que constroem para venda e ou detêm imóveis para vender, e a daqueles contribuintes que constroem/produzem e ou detêm qualquer outro tipo de bens para vender. Não há razões, não existe fundamento racional, para tratar diferentemente, no plano fiscal, a situação de uns e de outros.

X. O IMI sobre prédios que fazem parte das existências das empresas de construção para venda e ou de compra e venda de imóveis, seja como matéria-prima (caso dos terrenos para construção onde vai ser edificada uma construção ou dos edifícios destinados a reabilitação), seja como mercadoria (caso dos edifícios construídos para venda ou adquiridos para revenda) funciona como um mero encargo que vai afetar diretamente os custos de produção e, consequentemente, o rendimento dessas empresas, encargo este que as demais empresas não têm de suportar.

XI. É, pois, inconstitucional a interpretação do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IMI - seguida pela administração fiscal e aceite pelo Tribunal Arbitral de cuja decisão se recorre -, segundo a qual se inclui no conceito de prédio, para efeitos de tributação em sede de IMI, o prédio que faz parte das existências de uma empresa que tenha por objeto a sua construção e ou venda ou revenda.

XII. O próprio Código do IMI acolhe o princípio de que os prédios que integram as existências de uma empresa de construção e ou venda de imóveis não evidenciam uma manifestação de capacidade contributiva relevante para efeitos de aplicação do imposto, ao prever nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI que, cumprido determinado condicionalismo, a tributação sobre tais imóveis só se inicia no 4.º ano ou no 3.º ano, consoante os casos, seguinte àquele em que o prédio tenha passado a figurar no inventário da empresa.

XIII. Para evitar situações de abuso e fraude à lei, o legislador restringiu no tempo a situação de não sujeição, presumindo para o efeito que, esgotados os prazos indicados nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI, os imóveis só continuariam na titularidade das empresas em causa por as mesmas haverem retardado deliberadamente a sua venda, situação em que a tributação passaria a ser legítima. Contudo, o legislador não previu o direito de o sujeito passivo manter a não sujeição a tributação para além dos prazos de 3 ou 4 anos, demonstrando para tal que a construção e ou venda do prédio não foi retardada por facto a si imputável.

XIV. É facto público e notório (dado como provado pelo tribunal a quo) que, por razões a que são alheias e que se prendem com a crise económica e financeira que se instalou desde 2008, nacional e internacionalmente, muitas das empresas contribuintes, entre as quais a recorrente, não tiveram a possibilidade de, dentro dos prazos de 3 e 4 anos previstos nas normas citadas, dar aos seus imóveis o destino para que estavam programados (fosse ele a construção e ou a venda).

XV. Quando a construção e ou a venda do prédio haja sido retardada por circunstâncias alheias ao sujeito passivo, como acontece atualmente em virtude da crise económica e financeira, deve julgar-se afastada a presunção legal constante das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI, e obviar-se à tributação sob pera de se criar uma situação de desigualdade e penalizar ainda mais a empresa que constrói ou que compra para vender.

XVI. Quer isto dizer que, à luz do princípio constitucional da igualdade fiscal, e do princípio da capacidade contributiva dele decorrente, só não será inconstitucional a incidência de IMI sobre imóveis integrados nas existências das empresas de construção e ou de compra e venda de imóveis, após esgotados os prazos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI, quando exista a correlativa capacidade contributiva por parte dos sujeitos passivos, evidenciada pela circunstância de a construção ou a venda do prédio estar a ser retardada por facto imputável ao sujeito passivo.

XVII. Por outras palavras, o princípio constitucional da igualdade fiscal, e o princípio da capacidade contributiva dele decorrente, são violados sempre que é liquidado IMI a uma empresa de construção e ou de compra e venda de imóveis, pelos prédios que detém nas suas existências como matéria-prima ou mercadoria, independentemente dos prazos e critérios de não sujeição consagrados pelas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI, exceto se se demonstrar que a construção ou a venda dos prédios foi retardada por facto imputável ao sujeito passivo.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, se requer que seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, declarada a inconstitucionalidade das seguintes normas:

a) O n.º 1 do artigo 2.º do Código do IMI, que dispõe que "Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial", por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, quando interpretada no sentido de abranger no conceito de prédio, tributável para efeitos deste imposto, o prédio que faz parte do inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua construção e ou venda, quando não haja sido construído e ou vendido nos prazos previstos respetivamente nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º por facto não imputável ao sujeito passivo, e por conseguinte não revelando qualquer capacidade contributiva deste;

b) A alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI, que dispõe que o imposto é devido a partir "do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a construção de edifícios para venda", por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, porque o facto de um terreno para construção passar a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a construção de edifícios para venda não revela maior capacidade contributiva do sujeito passivo do que a revelada por qualquer outra empresa que tenha por objeto a construção de qualquer outro bem, mesmo quando for ultrapassado o prazo de quatro anos fixado nesta norma, e porque não permite fazer a demonstração de que a construção do referido terreno não foi retardada por facto imputável ao sujeito passivo;

c) A alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IMI, que dispõe que o imposto é devido a partir "Do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda", por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, porque o facto de um prédio passar a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda não revela maior capacidade contributiva do sujeito passivo do que a revelada por qualquer outra empresa que tenha por objeto a venda de qualquer outro bem, mesmo quando for ultrapassado o prazo de três anos fixado nesta norma, e porque não permite fazer a demonstração de que a venda do referido prédio não foi retardada por facto imputável ao sujeito passivo.»

4 - A recorrida contra-alegou, suscitando o não conhecimento do recurso com dois fundamentos: não exaustão dos recursos ordinários e não coincidência do objeto do recurso com a ratio decidendi da decisão recorrida. No mais, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

«Conclusões:

1 - A decisão arbitral não se pronuncia expressamente no sentido de que os prédios detidos pela Recorrente se encontram abrangidos pelo conceito de prédio para efeitos de tributação em IMI.

2 - A decisão arbitral não faz qualquer juízo de inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 1 de CIMI, nem explícita, nem implicitamente.

3 - A decisão arbitral antes direcionou o raciocínio para a matéria alusiva ao princípio da igualdade tributária, no contexto dos artigos 9.º, n.º 1, alínea d) e e) do CIMI.

4 - Em todo o seu ideário argumentativo do pedido de pronúncia arbitral e das alegações, a Recorrente circunscreve a querela à violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, por conta da discriminação dos sujeitos passivos que se dedicam ao ramo da construção civil e de venda de imóveis relativamente aos demais.

5 - Nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 da LTC, os recursos interpostos para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo - artigo 70, n.º 1, alínea b) da LTC - apenas cabem de decisões que (1) não admitem recurso ordinário, (2) por a lei não o prever ou (3) por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam.

6 - Nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 4 da LTC, entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários quando, por entre outros motivos, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição.

7 - Paralelamente, de acordo com os dispositivos previstos no RJAT, artigos 27.º e 28.º, é possível deduzir impugnação judicial, no prazo de 15 dias contados desde a notificação arbitral, quando seja o caso de a mesma se encontrar ferida de nulidade por omissão de pronúncia.

8 - A Recorrente podia e devia ter deduzido impugnação judicial com base em omissão de pronúncia, dado a decisão arbitral de que agora recorre, de facto, não se ter pronunciado nem produzido um eventual juízo de inconstitucionalidade acerca do artigo 2.º, n.º 1 do CIMI.

9 - Na hipótese de ter deduzido a competente impugnação judicial no prazo de 15 dias, nos termos do disposto no artigo 27.º do RJAT, com fundamento em omissão de pronúncia, - e por consequência, não ter interposto recurso para o Tribunal Constitucional no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 25.º do RJAT - à Recorrente era sempre possível o ulterior recurso para esta instância, a partir da notificação de decisão de segundo grau que confirmasse a primeira, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 6 da LTC.

10 - Nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 e 4 da LTC, atenta a inobservância de um dos requisitos indispensáveis à admissibilidade de recurso, mormente o não esgotamento do recurso ordinário, não deverá o Tribunal, relativamente a tal norma (artigo 2.º, n.º 1 do CIMI), dele tomar conhecimento.

11 - A decisão arbitral não produziu julgamento da inconstitucionalidade relativo ao artigo 2.º, n.º 1 do CIMI.

12 - Em bom rigor, no que toca ao artigo 2.º, n.º 1 do CIMI, o Recorrente limita-se a contestar a bondade da decisão recorrida, por suposta violação de preceitos constitucionais, mais não fazendo que dissentir do juízo de direito infraconstitucional realizado pelo Tribunal a quo.

13 - A discussão sobre o acerto ou desacerto de tal juízo extravasa a competência do Tribunal Constitucional, pois que se reporta a normas de direito infraconstitucional, sendo que inexiste, no nosso ordenamento jurídico, a figura do recurso de amparo, diretamente imputado às decisões judiciais/arbitrais prolatadas.

14 - Tudo o mais lavrado no acórdão se circunscreve ao princípio da igualdade tributária à análise de comparação entre objetos societários que, no entender do Tribunal a quo, constituem realidades económicas diversas e que, por esse motivo, se encontram em plano que não permitem comparabilidade.

15 - De acordo com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, não existe igualdade de circunstâncias entre quem constrói ou detém imóveis para venda e quem constrói, produz ou detém para venda outro tipo de bens.

16 - Apesar de o juízo de não inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e e) do CIMI presente na decisão arbitral, tal julgamento surge inserido num fio argumentativo em nítido contraponto às alegações da Recorrente, não constituindo um fundamento da decisão (ratio decidendi).

17 - A apologia do princípio da igualdade tributária, efetuada pelo Tribunal a quo, materializa-se na ideia da generalidade e da uniformidade, no sentido de que só deve pagar impostos quem revela capacidade contributiva para tanto, bem como no sentido de que a repa tição de impostos pelos cidadãos se deve basear num mesmo critério.

18 - Mas o acórdão arbitral estabelece uma clara distinção entre o princípio da igualdade tributária sob o ponto de vista de pagamento de impostos e a solução que propugna para o presente caso, - que se deve a circunstâncias anormais de mercado, consequências nefasta para os sujeitos passivos - e cuja saída repousará numa intervenção legislativa.

19 - O Tribunal a quo, apesar de abordar o princípio da igualdade tributária, parece querer centrar a presente contenda na discussão em torno do tópico de política legislativa, com a eventual alteração que precaveja a posição económica, jurídica e financeira dos sujeitos passivos do sector.

20 - No fundo, sem o dizer, a decisão arbitral resolve o diferendo por recurso à obediência à legalidade democrática e ao princípio constitucional de separação de poderes, quando menciona que "até lá será forçoso observar o de jure constituto que, do ponto de vista do Tribunal, não está ferido de inconstitucionalidade como se pretende".

21 - Tanto por via da legalidade democrática como por via do princípio constitucional de separação de poderes, o Tribunal a quo estava, por isso, obrigado (como fez) a aplicar a lei que vigora no ordenamento jurídico, tal como se encontra redigida e de acordo com o seu espírito.

22 - É ao legislador, por via dos dispositivos legais próprios, que, no caso concreto, compete alterar a lei, reformula-la e adaptá-la, para que de forma estruturada e eficaz, a mesma sirva no combate às dificuldades e aos novos desafios que resultam das alterações (e oscilações) ocorridas na sociedade civil e nos mercados financeiros.

23 - Nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, o presente recurso não deve ser conhecido, atenta a inobservância de dois requisitos indispensáveis à respetiva admissibilidade, a não verificação da aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 2.º, n.º 1 do CIMI), bem como pelo facto de a pronúncia de juízo de inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e e) do CIMI se inserir num fio argumentativo da conclusão da decisão arbitral, não constituindo a sua "ratio decicendum".

24 - Os argumentos da Recorrente colidem frontalmente com os mais elementares princípios legais e constitucionais, desde logo, porque o argumento da violação quer do princípio constitucional da igualdade fiscal, quer do princípio da capacidade contributiva - em que a Recorrente assenta a sua pretensão para daí extrair que apenas é legítima a incidência de IMI sobre imóveis integrados nas Existências das empresas de construção e ou de compra e venda de imóveis, designadamente após esgotados os prazos previstos nas alíneas d) e e) do Artigo 9.º n.º 1 do CIMI, quando exista uma correlativa capacidade contributiva por parte dos sujeitos passivos, evidenciada pela circunstância de a construção ou a venda do prédio estar a ser retardada por facto não imputável ao sujeito passivo - é totalmente despiciendo.

25 - O princípio da capacidade contributiva concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade, assentando de igual modo na igualdade perante e lei.

26 - O princípio da capacidade contributiva emana primeiramente de uma igualdade horizontal, o que implica que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva paguem os mesmos impostos, bem como de uma igualdade vertical, sob a qual os contribuintes com capacidade diferente pagarão impostos diferentes, quer em termos qualitativos quer em termos quantitativos.

27 - Por seu turno, o princípio da capacidade contributiva encontra hoje refúgio no artigo n.º 4.º da LGT, determinando que os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva relevada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.

28 - A capacidade contributiva deve ser entendida como a capacidade económica, pelo que, numa primeira vertente, exclui (em sentido negativo) que se tributem situações que não revelem capacidade económica, enquanto do mesmo modo, na vertente positiva, a capacidade contributiva significa que todo aquele que dispõe de rendimentos, riqueza ou realiza ou despesas deverá pagar impostos.

29 - No caso concreto, não poderemos atender à comparação encetada pela Recorrente com empresas com outro objeto social, sob pena de estarmos a tratar igualmente situações diferentes, e sob pena de se estar a violar o princípio da igualdade.

30 - Por outro lado, a capacidade contributiva da Recorrente advém do facto de, em igualdade de circunstâncias com outras empresas do mesmo ramo societário, suportar o mesmo o tipo de impostos que as outras sociedades (igualdade horizontal), e que o legislador fiscal consagrou em obediência à constituição, não se percebendo em que perspetiva se encontra violado o princípio da capacidade contributiva e da igualdade.

31 - Não é expectável que se aceite que o objeto de comércio das empresas pertencentes ao universo das sociedades de construção civil e de revenda de imóveis seja similar qualquer outro objeto de comércio dos demais sectores de atividade, isto porque, ab initio o objeto em causa da atividade são prédios (urbanos ou rústicos), sujeitos a IMI.

32 - Não há violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, apenas porque objetos de comércio, como os prédios, se encontram sujeitos a IMI, enquanto outros objetos de comércio, como os tremoços, o não são.

33 - Nos termos do disposto no artigo 980.º do Código Civil, o contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade.

34 - Neste sentido, a característica simetricamente correspondente é a do risco empresarial de não geração de lucros, traduzindo-se a mesma numa espécie de "obrigação por parte dos sócios de quinhoar nos prejuízos.

35 - Aquando do momento em que iniciou a sua atividade, a Recorrente sabia que uma das ramificações do risco empresarial que assumia, - isto face ao facto de o objeto de comércio em causa ser prédios - era o de ter que, obrigatoriamente, começar a suportar o imposto (ao tempo, Contribuição Autárquica) sobre o abundante leque de prédios de que era proprietária, ultrapassados os prazos de suspensão de tributação, isto, claro, para além do risco de não conseguir vender - e de assim não alcançar o fim lucrativo - em tempo razoável acervo de prédios que detinha em carteira, continuando assim com as suas mercadorias "parqueadas" na conta das existências da sociedade.

36 - O princípio da igualdade tributária será violado quando a distinção levada a cabo por quem legisla se apresente como materialmente infundada, assentando em motivos que não oferecem carácter objetivo e razoável, isto é, quando o preceito ou preceitos em apreço não apresentem qualquer fundamento material razoável.

37 - A inserção, pelo legislador, de uma bolsa de ar de cariz normativo, de suspensão de tributação, materializada pelo teor que perpassa o artigo 9.º, n.º, alínea d) e e) do CIMI, justifica a afirmação de que o legislador discriminou positivamente o sector empresarial ligado à construção, comercialização e revenda de prédios, permitindo vigore no ordenamento jurídico a norma de incidência que retarda o início de tributação em 3 ou 4 anos.

38 - Salvo melhor opinião, o prolongamento do início de tributação revela-se ineficiente sob os ângulos económico e fiscal, a ponto de se estar perante um privilégio de natureza tributária, esse, sim, manifestamente inconstitucional.

39 - Em bom rigor, a apreciação e eventual deferimento do presente recurso permitirá que a ora Recorrente subtraia dos cofres do erário público imposto que é legalmente devido, sobre o qual existe a respetiva norma de incidência, - Artigos 1.º e 9.º, n.º 1, alínea d) e e) do CIMI - por meio de uma dilatação do prazo de suspensão de início da tributação.

40 - O entendimento pretendido pela Recorrente viola frontalmente o princípio constitucional da proteção da confiança, decorrente da ideia de Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), da segurança jurídica (artigo 18.º da CRP), da tipicidade da legalidade, na medida em que permitia serem os próprios contribuintes (e não o Estado) a estabelecerem as moratórias fiscais e, mais grave, a definirem as regras do universo de impostos, em claro desacerto com o princípio da reserva de lei parlamentar.

41 - Atendendo a que a decisão arbitral defende que a solução para as questões sugeridas pela Recorrente se atém ao nível de futura intervenção do legislador (entretanto, ainda não ocorrida), que, "revisitando a lei", precaveja a situação económica, jurídica e financeira dos sujeitos passivos do sector da construção civil e da venda de imóveis, conclui-se que da legalidade foi respeitado em qualquer dos seus corolários, e que, até que se proceda à alteração da lei, à tal revisitação pelo legislador, os Tribunais estão obrigados conforme ela vigora no ordenamento jurídico.»

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Das questões prévias e da delimitação do objeto do recurso

5 - A recorrida suscita nas suas contra-alegações duas questões prévias tendentes a fundamentar o não conhecimento do objeto do recurso:

1.ª - A não exaustão dos recursos ordinários, já que a decisão recorrida, ao não pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 1, do CIMI, incorreu em omissão de pronúncia, sem que a recorrente tenha arguido a nulidade correspondente (v. as conclusões 1 a 10);

2.ª - A inobservância de dois requisitos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC: (i) a não verificação da aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo - o artigo 2.º, n.º 1 do CIMI; e (ii) o facto de a pronúncia sobre a não inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CIMI não constituir ratio decidendi da decisão recorrida (v. as conclusões 11 a 23).

5.1 - Quanto à primeira questão, o que releva para este Tribunal é a inexistência do incidente pós-decisório em causa: o problema da validade da decisão ora recorrida, por alegada omissão de pronúncia, pura e simplesmente não foi colocado no presente processo nos termos previstos nos artigos 27.º e 28.º do RJAT. Nestas circunstâncias, e para todos os efeitos, a decisão ora recorrida constitui a «última palavra» dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal que a proferiu. Ademais, a recorrente considera expressamente que o artigo 2.º, n.º 1, do CIMI, numa dada interpretação por si considerada inconstitucional, foi aplicado tanto pela recorrida, como pelo tribunal a quo (cf. a conclusão XI. das suas alegações). E a simples leitura da decisão recorrida também não deixa dúvidas sobre o entendimento do mesmo tribunal quanto à não inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 1, do CIMI: assumindo a determinação da incidência do IMI com referência aos conceitos de «imóvel» e de «prédio» - este tal como definido naquele preceito -, o tribunal a quo conclui, afastando a violação do princípio da igualdade, que «o legislador pretendeu tributar em IMI apenas bens imóveis e não outros», pelo que não se pode dizer que haja igualdade de circunstâncias, no plano fiscal, «entre quem constrói ou detém imóveis para venda e quem constrói, produz ou detém para venda outro tipo de bens».

5.2 - Esta última conclusão permite simultaneamente infirmar a ideia, reportada igualmente ao artigo 2.º, n.º 1 do CIMI, de que na decisão recorrida não ocorreu a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Aliás, se o tribunal a quo decidiu, além do mais, julgar improcedente o pedido de inexistência de facto tributário invocado pela requerente, por considerar inexistentes as inconstitucionalidades e ilegalidades por ela aduzidas (cf. o dispositivo da decisão a fls. 95, v.º), necessariamente que teve de aplicar as normas definidoras de incidência real do tributo em causa, ou seja, os artigos 1.º e 2.º do CIMI.

E a mesma decisão quanto à não verificação de inexistência de facto tributário é também suportada pela apreciação da constitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CIMI. Tal resulta inequivocamente do seguinte trecho da decisão recorrida:

«Do ponto de vista do Tribunal o direito constituído aplicável ao caso concreto dos autos, alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI, de forma alguma desrespeitam quer o princípio da igualdade tributária quer o da capacidade contributiva, pelo que a sua aplicação tem pleno suporte constitucional.

O legislador trata esta tributação em IMI das empresas que se dedicam a este ramo de atividade, de uma forma especial, concedendo ao titular do património um período considerado razoável para a sua venda não o sujeitando a IMI durante esse período.»

Pelo exposto, não tem razão a recorrida quanto à invocada inobservância de dois requisitos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

6 - No que se refere à alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 1, do CIMI, na dimensão interpretativa especificada pela recorrente, o relator alertou oportunamente para a eventualidade de a mesma não vir a ser apreciada (cf. fls. 127). Está em causa, como referido, o citado preceito, interpretado no sentido de «abranger no conceito de prédio, tributável para efeitos deste imposto, o prédio que, fazendo parte do inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua construção e ou venda, não haja sido construído e ou vendido nos prazos previstos respetivamente nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º por facto não imputável ao respetivo sujeito passivo, e por conseguinte não revelando qualquer capacidade contributiva deste».

Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, dada a sua natureza instrumental, tem de respeitar a questão normativa referente aos fundamentos da decisão recorrida, isto é, à respetiva ratio decidendi (cf. o artigo 79.º-C da LTC). Para que a decisão do recurso possa ter efeito útil, é necessário que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida, como seu fundamento, da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reforma dessa decisão (cf. o artigo 80.º, n.º 2, da LTC).

In casu o tribunal a quo interpretou e aplicou o artigo 2.º, n.º 1, do CIMI, exclusivamente como fator complementar - a definição do conceito de «prédio» utilizado no artigo 1.º do mesmo Código - de delimitação da incidência do imposto: «o legislador pretendeu tributar em IMI apenas bens imóveis e não outros». As distinções entre sujeitos passivos - os quais, de resto, apenas são definidos no artigo 8.º do mesmo Código - relevam na decisão recorrida - tal como no próprio CIMI - apenas a propósito do início da tributação (artigo 9.º do CIMI). Portanto, a determinação feita na decisão recorrida do que é um «prédio», para efeitos de incidência de imposto municipal sobre imóveis, pura e simplesmente não considerou nem a natureza jurídica do respetivo proprietário - se é pessoa singular ou coletiva - nem a atividade a que o mesmo se dedica ou a finalidade prosseguida mediante a titularidade do imóvel. Ao proceder apenas à delimitação positiva da incidência real do imposto, a interpretação sindicada abstraiu de quaisquer aspetos subjetivos ou pessoais, os quais, como mencionado, são objeto de um outro artigo - o artigo 8.º do CIMI.

Pelo exposto, a decisão recorrida não interpretou o artigo 2.º, n.º 1, no sentido de incluir no respetivo âmbito de aplicação os prédios de certos proprietários, mas antes e tão-somente no sentido de que os bens sobre cujo valor patrimonial tributário incide o imposto municipal sobre imóveis são apenas os «prédios», tal como definidos naquele preceito, e não quaisquer outros bens. Consequentemente, a mesma decisão não aplicou o parâmetro normativo que, com referência ao mesmo preceito, a recorrente pretende sindicar no presente recurso de constitucionalidade.

Acresce que, integrando a norma sindicada a dimensão de sentido referente à «falta de capacidade para exibir capacidade contributiva», a mesma apresenta-se simultaneamente como objeto e parâmetro de controlo, uma vez que um dos parâmetros convocados é, precisamente, o princípio da capacidade contributiva.

Assim, e quanto à primeira questão de constitucionalidade, determina-se o não conhecimento da mesma uma vez que respeita a norma que não integra a ratio decidendi da decisão recorrida.

Quanto ao mérito

7 - Vem arguida a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, das seguintes normas:

- A alínea d) do artigo 9.º, n.º 1, do CIMI, interpretada no sentido de que o imposto é devido a partir do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a construção de edifícios para venda, mesmo quando comprovadamente a construção do referido terreno não foi retardada por facto imputável ao respetivo sujeito passivo;

- A alínea e) do artigo 9.º, n.º 1, do CIMI, interpretada no sentido de que o imposto é devido a partir do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda, mesmo quando comprovadamente a venda do prédio não foi retardada por facto imputável ao respetivo sujeito passivo.

Relativamente a ambos os casos, refere a recorrente que a razão de ser do retardamento da venda ou da construção se prende com circunstâncias objetivas: respetivamente, o facto de, durante o prazo de quatro anos fixado na lei, não terem existido no mercado condições de financiamento para aquela construção nem para o concomitante escoamento dos imóveis a construir; e o facto de o mercado estar saturado e o sujeito passivo não ter logrado vendê-lo no prazo de três anos fixado na lei, pese embora os esforços de venda que desenvolveu para o efeito.

8 - O artigo 9.º do CIMI, com a epígrafe «início da tributação», disciplina o momento a partir do qual o imposto municipal sobre imóveis é devido. A determinação dos sujeitos passivos do mesmo imposto vem prevista no artigo 8.º, determinando o seu n.º 1, que «o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de dezembro a que o mesmo respeitar».

À decisão do presente recurso interessa especialmente o disposto no n.º 1 do referido artigo 9.º, na redação dada pela Lei 64-B/2011, de 31 de dezembro:

«O imposto é devido a partir:

a) Do ano, inclusive, em que a fração do território e demais elementos referidos no artigo 2.º devam ser classificados como prédio;

b) Do ano seguinte ao do termo da situação de isenção, salvo se, estando o sujeito passivo a beneficiar de isenção, venha a adquirir novo prédio para habitação própria e permanente e continuar titular do direito de propriedade do prédio isento, caso em que o imposto é devido no ano em que o prédio deixou de ser habitado pelo respetivo proprietário;

c) Do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio;

d) Do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a construção de edifícios para venda;

e) Do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda.»

O simples confronto entre as alíneas a) a c) e as alíneas d) e e), todas deste preceito, evidencia a consagração nestas últimas de uma discriminação positiva de certas empresas, nomeadamente aquelas que tenham por objeto a construção de edifícios para venda ou a sua venda. Como referido na decisão recorrida, «o legislador trata esta tributação em IMI das empresas que se dedicam a este ramo de atividade, de uma forma especial, concedendo ao titular do património um período considerado razoável para a sua venda não o sujeitando a IMI durante esse período». Tal é igualmente reconhecido de forma expressa pela recorrente e pela recorrida (cf., respetivamente, as conclusões XII e XIII e 37, acima transcritas nos n.os 3 e 4). Por outro lado, não vem questionada, em si mesma, nem a necessidade nem a legitimidade constitucional desta diferenciação de sujeitos passivos em função do tipo de atividade económica exercida. E tanto basta para afastar a violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva.

9 - Aliás, em rigor, e como decorre da justificação apresentada pela recorrente para o retardamento da construção ou da venda dos imóveis, o que esta censura às normas em apreciação é a respetiva insuficiência devido à desconsideração de certas condições objetivas de mercado (cf. supra o n.º 7). Porém, a esta luz o parâmetro constitucional em causa já não é a igualdade, mas antes a proporcionalidade: é excessiva a tributação em sede de imposto municipal sobre imóveis de empresas que tenham por objeto a construção de edifícios para venda ou a sua venda, quando a construção ou a venda não foi retardada para além dos prazos fixados na lei por facto imputável às mesmas, ficando antes a dever-se a condições objetivas de mercado.

Cumpre começar por notar que, do ponto de vista constitucional, nada obriga o legislador a discriminar positivamente em sede de imposto municipal sobre imóveis as empresas ligadas à construção, comercialização e revenda de imóveis. Como bem refere a recorrida, a capacidade contributiva destas empresas advém do facto de, em igualdade de circunstâncias com outras empresas do mesmo ramo, suportar os mesmos impostos (igualdade horizontal - "igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva", conforme refere Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 155), sabendo as mesmas empresas ab initio que um dos riscos específicos associados à respetiva atividade económica é o de suportar a tributação sobre os imóveis de que sejam proprietárias (cf. as conclusões 30 e 35).

Por outro lado, também nada na Constituição impede o legislador de diferenciar um certo tipo de atividade económica na base de critérios objetivos e razoáveis, tratando-a fiscalmente de modo mais favorável. E, no caso sujeito, não está em causa a justificação objetiva do tratamento mais favorável nem o seu excesso - nem a decisão recorrida nem as partes consideram que a discriminação positiva legalmente estabelecida a favor das empresas do ramo da construção e da venda de imobiliário viola a igualdade vertical por excesso de benefício (segundo Casalta Nabais, ibidem, a igualdade agora considerada cifra-se em "diferente imposto (em termos qualitativos e quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença").

Ou seja, não impondo nem impedindo a Constituição que o legislador aprove normas como as que constam das alíneas d) e e) do artigo 9.º, n.º 1, do CIMI, tratando mais favoravelmente um certo setor empresarial por razões objetivas ligadas ao tipo de atividade económica em causa, a medida concreta desse benefício não pode deixar de ser estabelecida, sempre com respeito dos limites impostos pela igualdade vertical, pelo próprio legislador. Ou seja, cabe na liberdade de conformação deste decidir no tocante ao an e ao quantum do benefício em causa, até que seja atingido o limite imposto pela igualdade vertical.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Não conhecer da questão da inconstitucionalidade relativa à norma do artigo 2.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, interpretado no sentido de «abranger no conceito de prédio, tributável para efeitos deste imposto, o prédio que, fazendo parte do inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua construção e ou venda, não haja sido construído e ou vendido nos prazos previstos respetivamente nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 9.º por facto não imputável ao respetivo sujeito passivo, e por conseguinte não revelando qualquer capacidade contributiva deste»;

b) Não julgar inconstitucional a alínea d) do artigo 9.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, na redação dada pela Lei 64-B/2011, de 31 de dezembro, e interpretada no sentido de que o imposto é devido a partir do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a construção de edifícios para venda, mesmo quando comprovadamente a construção do referido terreno não foi retardada por facto imputável ao respetivo sujeito passivo;

c) Não julgar inconstitucional a alínea e) do artigo 9.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, na redação dada pela Lei 64-B/2011, de 31 de dezembro, e interpretada no sentido de que o imposto é devido a partir do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objeto a sua venda, mesmo quando comprovadamente a venda do prédio não foi retardada por facto imputável ao respetivo sujeito passivo;

E, em consequência,

d) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 4 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 12 de novembro de 2014. - Pedro Machete - Ana Guerra Martins - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208293245

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3771031.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2011-01-20 - Decreto-Lei 10/2011 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Regula, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária,

  • Tem documento Em vigor 2011-12-30 - Lei 64-B/2011 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2012 bem como o regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem em território português, em 31 de Dezembro de 2010, abreviadamente designado pela sigla RERT III.

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