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Acórdão 561/2014, de 27 de Novembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na interpretação de que é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a recorrente não pôde produzir prova; não julga inconstitucional a norma constante do no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, na interpretação de que o alargamento do prazo de recurso encontra-se excluído do campo de aplicação do recurso de revista

Texto do documento

Acórdão 561/2014

Processo 34814

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Sandra Margarida Costa Gomes Matos Albuquerque Constantino interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça com reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 5, do Código de Processo de Trabalho, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de julho de 2013, que havia julgado procedente o recurso de apelação interposto pela Ré Robustae - Confeções Unipessoal, Limitada, tendo revogado a decisão do Tribunal de 1.ª instância e, em consequência, declarado a licitude do despedimento da Autora e absolvido a Ré de todos os pedidos contra ela formulados na presente ação.

Este recurso não foi admitido, por despacho do Desembargador Relator, com o fundamento de que era extemporâneo.

A Recorrente reclamou desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o Conselheiro Relator indeferido a reclamação.

A Recorrente reclamou para a conferência desta decisão, tendo sido proferido acórdão em 19 de fevereiro de 2014 que indeferiu a reclamação.

A Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional desta decisão, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, pedindo a "apreciação da constitucionalidade da norma compreendida no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, interpretada no sentido de que o alargamento do prazo de recurso encontra-se excluído do campo de aplicação do recurso de revista, e a ainda a apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na parte em que proíbem a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria nova, contra a qual a Recorrente não pôde defender-se".

Apresentou alegações, com as seguintes conclusões:

"I. A decisão recorrida no presente recurso é o douto acórdão do STJ de 19/02/2014, o qual indeferiu a reclamação apresentada pela aqui Recorrente contra o despacho de não admissão de recurso do TRL;

II. O referido despacho de não admissão de recurso apenas invocou a motivação como sendo a de intempestividade e nunca alegou as razões de direito que permitissem à Recorrente compreender o motivo pelo qual o recurso não havia sido admitido;

III. Isto porque, face à interpretação normativa do artigo 80.º, n.º 1 e n.º 3 do CPT outro teria sempre de ser o entendimento;

IV. Razão pela qual a Recorrente reclamou junto do STJ, com vista a alterar a decisão do despacho de não admissão do recurso por parte do TRL;

V. Somente com a decisão singular do STJ é que são invocadas, PELA PRIMEIRA VEZ, no âmbito da não admissão do recurso por intempestividade, as motivações de direito, nomeadamente, a interpretação normativa do arte 80.º, n.º 3 do CPT conjugado com os arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, ambos do CPC;

VI. Desta forma, não restou outra hipótese à Recorrente senão reclamar para a conferência do STJ, de forma a esgotar os meios de impugnação ordinários da douta decisão singular recorrida, conforme artigo 70.º, n.º 2 e n.º 3 da LTC;

VII. Assim, não restam quaisquer dúvidas que a decisão aqui recorrida é douto acórdão proferido pelo STJ a 19/02/2014, onde se invoca pela primeira vez as normas dos arts. 80.º, n.º 3 do CPT e dos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2 do CPC, questão nunca antes suscitada pelas partes ou até pelo douto Tribunal;

VIII. E por isso, as normas identificadas pela Recorrente no requerimento de interposição de recurso constituem a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, a não admissão do recurso por intempestividade, nomeadamente, o douto acórdão do STJ de 19/02/2014;

IX. O recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, só podendo o Tribunal Constitucional conhecer de uma questão de constitucionalidade quando a norma ou a interpretação normativa questionada exerça influência na decisão em causa;

X. O que se verifica no caso em apreço, pois ao não admitir o recurso, o STJ, face à interpretação normativa dos preceitos legais já mencionados, impossibilita a Recorrente de poder ver novamente apreciada a sua questão laboral de despedimento sem justa causa, quando ESTÁ A RECORRER DA MESMA PELA PRIMEIRA VEZ;

XI. Só as normas jurídicas podem ser objeto de recurso de constitucionalidade, precisamente o que a Recorrente submete à douta apreciação do Tribunal Constitucional;

XII. E é requisito especifico do recurso interposto ao abrigo da alínea b) n.º 1, do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade se suscita;

XIII. Quer a decisão singular, quer, posteriormente, o acórdão do STJ aplicaram as normas cuja inconstitucionalidade se suscitou quer no âmbito das reclamações, quer no âmbito do presente recurso;

XIV. Assim, a Recorrente pretende que o Douto Tribunal Constitucional aprecie constitucionalidade da interpretação normativa dos preceitos legais contidos nos arts. 80.º, n.º 3 do CPT conjugado com os arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, ambos do CPC, em conformidade com o que foi decidido pelo douto acórdão do STJ;

XV. Mais acresce, a Recorrente desde logo, na sua reclamação inicial para o STJ, invocou normas constitucionais que consagram direitos, liberdades e garantias fundamentais;

XVI. E de acordo com o regime específico dos mesmos, nos termos do artigo 18.º da CRP, tais direitos liberdades e garantias têm uma aplicabilidade direta;

XVII. Não são meras normas para a produção de outras normas, mas sim normas diretamente reguladoras de relações jurídico-materiais, imediatamente eficazes e atuais, por via direta da Constituição e não através da auctoritas interpositio do legislador;

XVIII. Além de que vinculam não só entidades públicas e privadas, como também o próprio legislador e o poder judicial, efetivando-se através de um processo justo aplicado no exercício da função jurisdicional e sendo que para o Juiz existe uma dupla vinculação, devendo obediência à lei e não podendo aplicar normas que infrinjam o disposto na nossa Constituição;

XIX. Assim, no ver da Recorrente, encontram-se reunidos todos os requisitos de admissibilidade do presente recurso, enunciados no artigo 70.º da L TC;

XX. Deste modo, a Recorrente não pode conformar-se com o mencionado acórdão do STJ, ao considerar que o prazo de interposição de recurso de revista é inderrogavelmente de 20 dias, não lhe sendo aplicável o alargamento do prazo em 10 dias, conforme artigo 80.º, n.º 3 do CPT, cuja inconstitucionalidade se argui;

XXI. Isto porque, o STJ não admite a reapreciação da prova gravada, nos recursos de revista, nos termos conjugados dos arts. 155.º, 640.º, n.º 1 e 662.º todos do CPC;

XXII. Contudo, admite que existem exceções a essa regra, como é o caso dos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, ambos do CPC, cuja inconstitucionalidade também se argui;

XXIII. Ora, no caso em apreço e com base nas excecionalidades previstas no artigo 674.º, n.º 3 do CPC, o objeto do recurso foi precisamente o erro de apreciação da prova por parte da Relação, com base na violação de normas de direito probatório, ao afirmar novas factualidades, nunca antes alegadas por ambas as partes e, por conseguinte, nunca antes sustentadas por qualquer prova em sede de audiência de discussão e julgamento;

XXIV. Com expressa violação de normas de direito probatório, de acordo com o disposto nos arts. 349.º e 351.º, ambos do CC e do disposto no artigo 662.º do CPC;

XXV. E nestes casos, é entendimento pacífico do STJ que pode existir um reexaminar da decisão de facto fixada pela Relação;

XXVI. Existindo, assim, a possibilidade de recorrer à prova gravada, como mero auxílio para propiciar a justa composição do litígio;

XXVII. Deste modo, não fará qualquer sentido afirmar-se que o alargamento previsto no artigo 80.º, n.º 3 do CPT encontra-se excluído do campo de aplicação do recurso de revista, quando possa estar em causa uma eventual reapreciação da matéria de facto, no caso das exceções previstas no artigo 674.º, n.º 3 do CPC;

XXVIII. Até porque se o legislador assim o quisesse, certamente que o teria consagrado de forma expressa estabelecendo uma distinção consoante o tipo de recurso em causa (apelação ou revista), não constando do preceito legal do artigo 80.º, n.º 3 do CPT "... aos prazos referidos na parte final dos números anteriores acrescem 10 dias...";

XXIX. O acórdão do STJ ao não admitir o recurso de revista limitou o prazo do mesmo, não considerando sequer a hipótese de que no caso sub judice, a Recorrente teria sempre de ouvir a prova gravada, de forma a esclarecer e verificar a existência ou não da afirmação de novos factos, sem a respetiva produção da prova pela Relação, como se prevê nos casos excecionais do artigo 674.º, n.º 3 do CPC;

XXX. Com a interpretação assim feita pelo douto acórdão do STJ confere-se às normas, ora invocadas, um sentido de denegação de acesso à justiça, direito ao recurso e de violação da garantia de dupla jurisdição, negando à ora Recorrente uma instância de recurso, em matéria de facto, face à inclusão de matéria nova pela Relação com apreciação pelo STJ, o direito da reexaminação da prova e, por via dela, o direito de obter outra decisão de mérito;

XXXI. Direitos estes constitucionalmente consagrados nos arts. 13.º, 18.º, 20.º, 32.º e 204.º, todos da CRP;

XXXII. Até porque, cumpre frisar que a aqui RECORRENTE ENCONTRAVA-SE A RECORRER PELA PRIMEIRA VEZ, devendo ser-lhe reconhecida a garantia de um segundo grau de jurisdição, sob pena de, ao não admitir o recurso de revista, viola-se o direito ao acesso à justiça e aos tribunais em igualdade de circunstâncias e a um processo equitativo;

XXXIII. Mais acresce, o acesso aos recursos deve ser favorecido e não limitado "favorabilia ampliando, odiosa restringenda", devendo, com efeito, acolher-se a interpretação mais favorável ao Recorrente e em caso de dúvidas sobre a admissibilidade de um recurso, deve ser admitido, de acordo com este princípio a fim de permitir ao tribunal de recurso, constituído por Magistrados mais experientes, decidir definitivamente da questão;

XXXIV. Logo, o preceituado no artigo 80.º, n.º 3, deverá ser considerado aplicável aos recursos de revista, nos casos excecionais, previstos no art, 674.º, n.º 3 do CPC, pois tendo sido feita em 1.ª instância a gravação da prova produzida em sede de audiência e julgamento, o prazo para a apresentação do recurso, em que possa estar em causa uma eventual reapreciação da matéria de facto, incluindo as exceção do art. 674, n.º 3 do CPC, é aumentado em 10 dias, como se extrai dos n.os 1 e 3 do art, 80.º do CPT;

XXXV. E sempre se dirá que do próprio artigo 81.º, n.º 5 do CPT ao remeter as regras da interposição do recurso de revista para a disciplina normativa estabelecida no CPC, face ao princípio do acesso aos recursos não limitado e mais favorável, seria sempre aplicável o prazo mais alargado constante do recurso de revista do CPC que é de 30 dias;

XXXVI. O douto acórdão do STJ vem, num sentido inesperado e inconstitucional, suscitar um vício formal, com base numa interpretação normativa muito restrita à letra da lei, em clara contradição com o disposto no artigo 9.º, n.º 1 e n.º 3 do CC;

XXXVII. Entende a Recorrente que o douto acórdão do STJ viola de forma flagrante os princípios da inviolabilidade ou intangibilidade do caso julgado, implícito e dedutível do princípio do Estado de Direito Democrático, no artigo 2.º da CRP, e que aflora, entre outras disposições, nos arts. 205.º, n," 2 e 282.º, n," 3 do mesmo diploma.

Termos em que,

Se requer a Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, se dignem a conhecer o presente recurso, devendo ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 80.º, n.º 3 do CPT conjugado com os arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n,.º 2, ambos do CPC e, consequentemente, revogar o acórdão do STJ em crise por acórdão que defira a reclamação e admita o Recurso de Revista interposto pela aqui Recorrente, com as legais consequências."

Não foram apresentadas contra-alegações.

Fundamentação

A Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional fiscalize a constitucionalidade:

- Da norma contida nos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na interpretação de que é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a Recorrente não pôde defender-se.

- Da norma constante do artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, interpretado no sentido de que o alargamento do prazo de recurso encontra-se excluído do campo de aplicação do recurso de revista.

Efetivamente a decisão recorrida aplicou estes dois critérios normativos, assumindo o primeiro o papel de pressuposto lógico do segundo, no raciocínio daquela decisão, sendo certo que não foi utilizada a expressão "não pôde defender-se", mas sim não pode produzir prova.

Na verdade, a decisão recorrida, para verificar se era aplicável em recurso de revista interposto em processo laboral, o alargamento do prazo de recurso previsto no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, debruçou-se previamente sobre a questão de saber se era possível a reapreciação da prova gravada nesse tipo de recurso, tendo concluído, por interpretação do disposto nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não pode fazer parte do seu objeto esse modo de controlo das decisões impugnadas, nomeadamente quando se alega que o Tribunal da Relação tomou em consideração factos novos e estranhos ao processo que não foram objeto de produção de prova.

E, tendo entendido que não é admissível que o Supremo Tribunal de Justiça efetue a reapreciação da prova gravada em recurso de revista, concluiu que o alargamento do prazo de recurso previsto no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, não é aplicável ao recurso de revista.

Daí que se justifique iniciarmos a fiscalização de constitucionalidade pela interpretação dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, adotada pelo acórdão recorrido.

1 - Da constitucionalidade da interpretação dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Segundo a decisão recorrida, o preceito do Código de Processo de Trabalho aplicado é o que consta do diploma aprovado pelo Decreto-Lei 480/99, de 9 de novembro, alterado pelos Decretos Leis n.º 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março e 295/2009, de 13 de outubro, enquanto os preceitos do Código de Processo Civil aplicados se reportam ao diploma aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho.

O artigo 80.º do Código de Processo de Trabalho dispõe o seguinte:

"1 - O prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias.

2 - Nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 79.º-A e nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 721.º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso reduz-se para 10 dias.

3 - Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, aos prazos referidos na parte final dos números anteriores acrescem 10 dias."

Como já acima se referiu, a decisão recorrida para verificar se era aplicável em recurso de revista interposto em processo laboral, o alargamento do prazo de recurso previsto no transcrito artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, debruçou-se previamente sobre a questão de saber se era possível a reapreciação da prova gravada nesse tipo de recurso, tendo concluído que não pode fazer parte do seu objeto esse modo de controlo das decisões impugnadas.

Para chegar a esta conclusão constatou que o artigo 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo laboral, por força do disposto no artigo 81.º, n.º 5, do Código de Processo de Trabalho, dispunha relativamente aos termos em que julga o tribunal de revista, que "a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3, do artigo 674.º".

E, analisando este último preceito, entendeu que "os casos excecionais aludidos no n.º 3, do artigo 674.º do Código de Processo Civil reportam-se à ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova e não à apreciação se se mostra provado determinado facto, se foram tidos em conta factos novos e estranhos ao processo sem a respetiva produção de prova ou se o tribunal recorrido violou a lei processual que estatui os pressupostos e os fundamentos em que deve mover-se a reapreciação da prova".

Não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar a correção infraconstitucional deste raciocínio, mas apenas verificar se o critério adotado viola algum imperativo constitucional, designadamente o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema judiciário, decorrente da chegada de todas ou de uma larga maioria das ações aos diversos "patamares" de recurso.

Na verdade, no plano constitucional processual civil não se encontra expressamente consagrada qualquer norma sobre recursos. Porém, são vários os preceitos constitucionais dos quais se pode retirar uma consagração implícita do direito ao recurso, nomeadamente aqueles que se referem ao Supremo Tribunal de Justiça e aos Tribunais judiciais de primeira e segunda instância (artigos 209.º, n.º 1, a), e 210.º, n.º 1, 3, 4 e 5). Desta previsão constitucional de tribunais de diferente hierarquia resulta que o legislador ordinário não pode eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, na medida em que tal eliminação global dos recursos esvaziaria de qualquer sentido prático a competência dos tribunais superiores e deixaria sem conteúdo útil a sua previsão constitucional.

E na definição do regime de recursos não deixa o legislador ordinário de estar limitado pelas diretrizes do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, no qual se refletirão os princípios estruturantes de um Estado de direito democrático, como sejam os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança.

Para além destas limitações, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao recurso em processo civil e laboral.

Assim, como já se referiu em anteriores arestos deste Tribunal (v.g. Acórdãos n.º 390/2004, 659/11, 194/12 e 399/13, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), não é necessário o recurso para um tribunal superior nos casos em que um tribunal já de recurso se pronuncie, pela primeira vez, sobre questões que possam influir na decisão da causa ou naquelas situações em que ao proferir a decisão, incorra na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com o estigma da nulidade.

É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade legislativa, admitir esse recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente intolerável.

No nosso sistema de recursos em processo civil, o qual se aplica subsidiariamente ao processo laboral, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça está em princípio reservada ao conhecimento da matéria de direito, funcionando como última instância de controle da fixação da matéria de facto os Tribunais da Relação.

A interpretação normativa segundo a qual é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a Recorrente não pôde produzir prova, insere-se naquela orientação de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça às questões de direito, encontrando-se dentro da margem que o legislador dispõe de conformar o direito ao recurso, sendo certo que não deixa de se encontrar assegurado o direito das partes reagirem quando os tribunais conheçam de questões de que não podiam tomar conhecimento, designadamente em matéria de facto, através da arguição de nulidades perante o tribunal a quem é imputado o seu cometimento (artigo 615.º, n.º 1, c), aplicável aos acórdãos dos Tribunais da Relação, por remissão do artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Assim, pelas razões indicadas, se conclui que tal solução não viola o direito de acesso aos tribunais, não se vislumbrando também que viole qualquer diretriz do direito a um processo equitativo, não fazendo qualquer sentido a convocação dos princípios da igualdade e da intangibilidade do caso julgado na fiscalização da constitucionalidade da norma sub iudicio.

Deste modo deve ser proferido juízo de não inconstitucionalidade, relativamente à norma apreciada.

2 - Da constitucionalidade da interpretação do artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho

A decisão recorrida, tendo entendido que não é admissível que o Supremo Tribunal de Justiça efetue a reapreciação da prova gravada em recurso de revista, concluiu que o alargamento do prazo de recurso previsto no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, não é aplicável naquele tipo de recurso.

A Recorrente pediu a fiscalização de constitucionalidade dos dois critérios normativos enunciados neste raciocínio, resultando da sua argumentação que a apreciação da fiscalização da constitucionalidade deste último critério pressupunha a inconstitucionalidade do primeiro.

Assim, perante a validade constitucional do entendimento de que é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a Recorrente não pôde produzir prova, a exclusão do alargamento do prazo previsto no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, é a sua consequência lógica, perdendo qualquer sentido os argumentos invocados pela Recorrente na defesa da inconstitucionalidade desta interpretação, uma vez que estes pressupunham a possibilidade de reapreciação da prova gravada no recurso de revista.

Deste modo, deve também proferir-se juízo de não inconstitucionalidade relativamente à interpretação do artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, sustentada na decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso.

Decisão

Nestes termos, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho, na interpretação de que é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a Recorrente não pôde produzir prova;

b) Não julgar inconstitucional a norma constante do no artigo 80.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, na interpretação de que o alargamento do prazo de recurso encontra-se excluído do campo de aplicação do recurso de revista;

e, em consequência,

c) julgar improcedente o recurso.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 15 de julho de 2014. - João Cura Mariano - Pedro Machete - Ana Guerra Martins - Fernando Vaz Ventura - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208239283

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3764307.dre.pdf .

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