Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2018
Revista 1181/13.TBMCN-A.P1.S1
Acordam no pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:
Fernando de Oliveira Pinto e Darcília de Sousa Magalhães vieram opor-se à execução que Maria Augusta Silvestre Moreira e Manuel Maria Ferreira da Costa lhes movem, alegando, além do mais, a falta de título executivo, em virtude de ao mesmo subjazer um contrato de mútuo nulo por falta de forma.
Os exequentes pugnaram pela validade do título executivo.
Foi proferido saneador-sentença, julgando-se a oposição procedente e a execução extinta, com fundamento na nulidade do contrato de mútuo subjacente à emissão da declaração de dívida apresentada como título executivo.
Inconformados, os exequentes interpuseram apelação, em cujo âmbito a Relação do Porto julgou procedente o recurso, determinando o prosseguimento dos autos.
Os executados interpuseram recurso de revista desse acórdão, requerendo o respectivo julgamento ampliado (com intervenção do pleno das secções cíveis deste Tribunal), nos termos do art. 686º do CPC, por se revelar «conveniente assegurar a uniformidade da jurisprudência», para superar a divergência que se vem manifestando sobre a questão suscitada no recurso, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões:
«A - Toda a execução tem por base um título executivo.
B - A exequibilidade extrínseca da pretensão do exequente é conferida pela sua incorporação num título executivo, num documento que formaliza por via legal a faculdade de realização coactiva da prestação
C - O título executivo é assim condição geral de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente. Não havendo acção executiva sem título.
D - A confissão de dívida que suporta a execução configura um mútuo no valor de 6.000.000$00 (trinta mil euros)
E - Os mútuos de valor de (euro) 30.000,00 só são válidos se forem celebrados por escritura pública (artigo 1143º do C. Civil).
F - O mútuo é a verdadeira causa de pedir da obrigação executada.
G - Havendo invalidade formal do negócio jurídico subjacente ao título executivo tal afectará não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo.
H - Atingindo a nulidade formal, não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título.
I - O negócio em apreço nestes autos só seria válido se celebrado por escritura pública.
J - Não tendo sido observada tal forma é o mesmo nulo.
L - Sem título não há acção executiva.
M - Violou o douto acórdão em crise o disposto no artigo 1143º do CC e 703º do CPC.».
Os exequentes contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso.
Os autos foram apresentados ao Exmo. Presidente deste Supremo Tribunal, que deferiu a pretensão dos recorrentes de que se procedesse ao julgamento ampliado da revista
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer ao abrigo do art. 687º, n.º 1, do CPC, culminando com a seguinte proposta de uniformização:
«Constitui título executivo, face ao disposto no art. 46.º, n.º 1, al, c), do CPC/95, o documento particular que contém o reconhecimento de dívida resultante de negócio nulo por falta de forma».
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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A Relação considerou assente a seguinte factualidade:
«1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução o documento escrito particular de fls. 8 da execução, o qual se mostra datado de 18-7-95 e contém as assinaturas dos dois executados, tendo o seguinte teor, na parte relevante:
"Nós abaixo assinados Fernando de Oliveira Pinto, casado com Darcília de Sousa Magalhães Pinto...declaramos que nos confessamos devedores ao Sr. Manuel Maria Ferreira da Costa e mulher Maria Augusta Silvestre Moreira, da importância de 6.000.000$00, que este nos fez o favor de emprestar, a fim de ser utilizado na n/ vida particular, no dia 18-7-95, pelo prazo de um ano."».
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A questão suscitada nas enunciadas conclusões consiste em saber se, estando o negócio jurídico subjacente ao escrito particular oferecido à execução afectado de invalidade formal, esta acarreta a inexequibilidade daquele.
No caso em apreço, o título apresentado na execução constitui o reconhecimento da existência de uma obrigação contratual para os executados, decorrente de um contrato de mútuo que os mesmos ali confessavam haver celebrado com os exequentes, no dia 18-7-1995, tendo-se vencido a obrigação, no montante de 6.000.000$00, com a interpelação judicial, concretizada pela citação, nos termos do art. 805.º, n.º 1, do CC.
Contudo, nos termos do art. 1143.º do CC (na redacção conferida pelo DL 190/85 de 24/6), tal contrato de mútuo (de valor superior a 200.000$00) só teria sido válido se celebrado por escritura pública (1), o que não sucedeu, como resulta do acordo das partes no processo.
O art. 46.º do CPC (DL 329-A/95, de 12/12) - aplicável, quanto aos títulos executivos, às execuções que, como a dos autos, hajam sido iniciadas até à data da entrada em vigor do NCPC (1-09-2013), em conformidade com o disposto no art. 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26/6 (que aprovou este código) - estabelecia as várias espécies de títulos executivos, entre os quais figuravam:
[...] «b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário [...] que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável [...], ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».
Aquela alínea b) era aplicável a «documentos elaborados ou autenticados, por notário [...]» que importassem constituição ou reconhecimento de «qualquer obrigação», enquanto o campo de acção desta alínea c) restringia-se aos documentos (particulares) que importassem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias ou de prestação de facto ou de entrega de coisas - «móveis», na redacção original do DL 329-A/95, expressão, depois, eliminada com o DL 38/2003 de 8/3.
O novo CPC, aprovado pela citada Lei 41/2013 e que - como se disse - não é aqui aplicável, veio interromper a tendência evidenciada pela evolução da nossa lei que se caracterizava por uma progressiva simplificação e ampliação dos títulos executivos extrajudiciais (2). À luz do actual art. 703.º, de entre aquelas duas espécies de documentos apenas podem servir de base à execução os exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de quaisquer obrigações, portanto, também, as de natureza pecuniária, a cuja aplicabilidade se destinava a citada alínea c) daquele art 46.º (3).
Entretanto, pelo Ac. do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, in DR I n.º 201 de 14/10/2015, foi declarada, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de junho».
Considerando apenas as decisões publicitadas nas bases de dados (IGFEJ), proferidas sobre a enunciada questão, este Supremo Tribunal tem decidido, maioritariamente, no sentido que foi sintetizado no Acórdão de 4-02-2014, p. 2390/11.0TBPRD-A.P1.S1 (Relator Conselheiro João Camilo):
«Estando a execução fundamentada numa declaração de dívida em que a executada reconhece haver celebrado um contrato de mútuo que, eventualmente, haja sido celebrado por mero documento particular quando o mesmo, por lei substantiva, devia ter sido celebrado por escritura pública, podem os exequentes no requerimento executivo pedir a execução da executada para reaver o montante mutuado, facultado no disposto no art. 289º, n.º 1 do Cód. Civil, sem necessidade de, previamente, ter de propor uma acção declarativa, para o efeito».
Essa orientação foi também acolhida nos Acórdãos de 27-05-2014 (p. 268/12.0TBMGD-A.P1.S1), 31-05-2011 (p. 4716/10.5TBMTS-A.S1) (4), 1-02-2011 (p. 7273/07.6TBMAI-A.P1.S1), 13-07-2010 (p. 6357/04.7TBMTS-B.P1.S1), 19-02-2009 (p. 07B4427), relatados pelos Conselheiros Pinto de Almeida, Salazar Casanova, Nuno Cameira, João Camilo e Pires da Rosa, respectivamente, devendo ainda referir-se o de 10-07-2008 (p. 08A1582), aliás, também relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, embora nele se tenha ajuizado que o exequente não dispunha de legitimidade (substancial) para promover a execução, em cuja fundamentação se colhe o seguinte extracto: «Decerto, o art. 289º, n.º 1, estabelece o efeito retroactivo da declaração de nulidade do negócio jurídico, ordenando a restituição de tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente».
Nesse sentido, pronunciara-se também Anselmo Castro (in "A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial", Coimbra Editora 1977, pp. 41 e 42) (5).
O caminho oposto foi trilhado nos Acórdãos de 20-02-2014 (p. 22577/09.5YYLSB-A-1.S1) e 28-04-2009 (p. 09B0304) (6), ambos relatados pelo Conselheiro Serra Baptista. Para este rumo aponta igualmente parte da doutrina que se vem manifestando sobre o tema. Assim: Lebre de Freitas ["A Acção Executiva - Depois da Reforma da Reforma", 5ª ed., Coimbra Editora, 2011, pp. 71 e 72] (7); Amâncio Ferreira ["Curso de Processo de Execução", Almedina, 2010, 13ª ed., p. 41] (8); F. Lucas Ferreira de Almeida ["Direito Processual Civil", Vol. I, Almedina, 2010, p. 122] (9); J. M. Gonçalves Sampaio ["A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas", 2.ª ed., Almedina 2008, p. 74] (10); M. Teixeira de Sousa ["Acção Executiva Singular", Lex 1998, p. 70, b)] (11); Lopes Cardoso ["Manual da Acção Executiva", 3.ª ed., Almedina, 1964, p. 80] (12) (13).
Perante a assinalada falta de uniformidade das decisões deste Supremo, não obstante a que parece ser a sua linha largamente preponderante, os tribunais - sobretudo, os da primeira instância, mas também os das relações - têm divergido na solução da aludida questão (14).
Segundo pensamos, o apontado dissídio jurisprudencial deve resolver-se no sentido de que, uma vez constatada a nulidade do negócio subjacente ao título executivo apresentado e sendo esse vício do conhecimento oficioso, tal título pode valer de fundamento, não para o cumprimento específico do contrato, mas para a restituição do que houver sido prestado, como consequência legal da nulidade, nos termos do art. 289.º, n.º 1, do CC. Daí que o título não possa valer, designadamente, para exigir os juros que tenham sido estipulados no contrato, por este ser nulo, mas apenas os juros de mora, à taxa legal desde a citação para a acção executiva, por força do que dispõem os arts. 805.º, n.º 1, e 806.º do mesmo código.
Em apoio deste entendimento, deve avocar-se a doutrina interpretativa alcançada pelo então "assento" - hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência - n.º 4/95, proferido por este Supremo Tribunal em 28/03/1995 [p. n.º 085202, publicado in DR n.º 114/95, I A de 17-05-1995] (15): «Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n. 1 do artigo 289 do Código Civil».
Da fundamentação desse aresto respigam-se as seguintes reflexões:
«[...] atenta a possível reconversão da causa de pedir que passaria a assentar na nulidade do negócio, ficaria viável solucionar o pleito ao abrigo do estatuído no artigo 289 do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade (ou anulação) do negócio jurídico, deverão ser repostas as coisas no estado anterior, com restituição do que houver sido prestado.
Seguindo o entendimento do Prof. Vaz Serra exposto na R.L.J. 109, página 308 e seguintes (...) somos do parecer que a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo 293 do Código Civil, pelo menos, em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionante se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar.
Com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.
Como adianta o dito Prof. no comentário e artigo citado, o contrato nulo (...), não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós) já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293 do Código Civil.».
Com efeito, mediante o documento particular aqui dado à execução os executados declararam que os exequentes lhes haviam "emprestado" a referida quantia de 6.000.000$00.
Ora, essa declaração inserta no documento apresentado como título executivo prova a própria realidade do mútuo, pois exprime a confissão extrajudicial desse facto pelos executados, nos termos dos artigos 352.º, 355.º, n.º 1, 358.º, n.º 2, e 376.º, n.os 1 e 2, do CC, o que comporta o reconhecimento pelos mesmos de uma obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo cujo montante está perfeitamente determinado e é igual ao pedido pelos exequentes.
Assim sendo, numa hipótese como a dos autos, não têm cabimento as razões de segurança jurídica - com vista a evitar o risco de execuções injustas - que apenas são pertinentes quando a causa, respeitante a um negócio nulo por falta de forma, implique uma bem maior complexidade - que, por vezes tem sido ventilada para contrariar o sentido por que se pugna - como é a de que se revestem as obrigações de restituição de imóveis, em virtude da nulidade de contratos de compra e venda ou de arrendamento, p. ex..
Na verdade, em situações com os mencionados contornos da presentemente em apreço, a obrigação em causa está, pois, determinada e reconhecida, nos seus pressupostos fácticos por declaração que reúne os requisitos exigidos pela apontada alínea c) do art. 46.º, transponíveis para os documentos aludidos na alínea b) do actual art. 703.º, ou seja, os autenticados ou os que, embora exarados por notário, não acatem a forma substantivamente imposta. E, na medida em que consta do documento a confissão da causa da dívida como sendo um contrato de mútuo, da nulidade deste emerge, claramente, determinado tudo o que é abrangido pela consequência legal do vício que o afecta, prevista no n.º 1 do art. 289.º do CC, ou seja, a restituição do capital mutuado, como é aqui pretendido pelos exequentes.
Ainda que a pretensão formulada por um exequente não seja juridicamente fundamentada na restituição por força da declaração de nulidade, o efeito prático por esta atingido é idêntico ao por ele visado, excepto se, porventura, tiver pedido o pagamento de juros remuneratórios, que, como se viu, não pode ser atendido.
Por outro lado, o referenciado risco de insegurança, embora residual, está suficientemente salvaguardado com a possibilidade da dedução da oposição à execução, como os aqui executados fizeram, invocando outros fundamentos, para além da nulidade do contrato de mútuo por falta de forma, os quais ainda não foram apreciados por o seu conhecimento ter ficado prejudicado com a decisão (de 1.ª instância) no sentido de declarar a execução extinta, com fundamento nessa nulidade.
Em casos como o aqui em apreço, a imposição ao exequente do prévio recurso ao processo declarativo, como consequência da não atribuição de exequibilidade ao título apresentado, corresponderia a uma exigência apenas ditada por um rigorismo dogmático alheio às vantagens colhidas da economia e celeridade processuais e, em geral, de uma justiça material mais efectiva.
Note-se, ademais, que a exequibilidade do título em que o executado confessa ter recebido uma certa quantia por força de um contrato nulo por falta da forma legalmente imposta, se é a solução que melhor se conforma com o interesse do legislador na actuação do aludido princípio da economia processual, também não molesta as garantias de defesa daquele: o acesso imediato à acção executiva, assim facultado, não impede que o devedor tenha a possibilidade de infirmar o certificado de garantia da existência do direito conferido pelo título apresentado, questionando a existência do direito exequendo, dado que o executado pode, relativamente aos títulos extrajudiciais, fundamentar a sua oposição em qualquer meio de defesa admissível no processo declarativo - arts. 816.º do anterior CPC e 731.º do actual -, embora com a diferença de que proposta a acção executiva, é ao executado que incumbe demonstrar que o direito invocado pelo exequente não existe, ao contrário do que sucede na acção declarativa.
Por conseguinte, improcede o recurso.
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Face ao exposto, acordam os Juízes que constituem o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido;
b) Estabelecer a seguinte uniformização:
«O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado».
(1) No dia 15-09-1995 veio a entrar em vigor o DL 163/95 de 13/7, alterando tal montante para 3.000.000$00.
(2) Como se constata pela análise dos DL's nºs 242/85 de 9/7, 329-A/95 de 12/12 e 38/2003 de 8/3.
(3) Como se retira da "Exposição de Motivos", o legislador, visando contrariar o aumento exponencial de execuções e o risco de execuções injustas, por ausência de controlo sobre o crédito invocado e de contraditório, optou por retirar exequibilidade aos (meros) documentos particulares, não autenticados, qualquer que seja a obrigação que titulem, ressalvados os títulos de crédito.
(4) Com o seguinte sumário: «Pretendendo o exequente a restituição da quantia confessadamente mutuada, o reconhecimento da nulidade do mútuo não obsta, por força do Assento 4/95, de 28 de Março de 1995, à restituição da aludida quantia, visto que é ao reconhecimento da obrigação de restituir que se referencia a exequibilidade do título. Os juros reclamados com base em mútuo que afinal não é válido não podem ser reconhecidos.».
(5) «Exequibilidade e validade formal podem também não coincidir quando para esta seja exigido documento mais solene, v. g., escritura pública para a va1idade de contratos relativos a imóveis quando envolvem transferência da propriedade, simples documento autenticado para a exequibi1idade; escritura pública para o mútuo de valor superior a 20 contos, documento particular para a exequibilidade. Principalmente para este último caso, bem pode pensar-se em ver dissociada na lei exequibilidade e validade formal, dado que não poderia ter abstraído do facto de os títulos relativos a obrigações pecuniárias corresponderem, na. generalidade dos casos, a contratos de mútuo. Pode ainda dizer-se que ficar a exequibilidade dependente da validade formal do acto implicará pô-la na dependência da circunstância meramente fortuita de constar ou não do título a causa da obrigação (o que tantas vezes mais não representa que simples declaração formulária) [...] A questão é, porém, em nosso entender, sem relevância relativamente às obrigações pecuniárias, praticamente as de maior interesse. Mesmo quando representativas de mútuo, formalmente nulo, será o título de considerar-se sempre exequível para a restituição da respectiva importância, só o não sendo para o cumprimento específico do contrato (v. g., para exigir os juros).».
(6) Com a seguinte síntese: «(...) no caso do contrato de mútuo alegado como titulado na letra exigir a sua redução a escritura pública, face ao seu valor ... se o título executivo apresentado não garantir a validade jurídica do negócio jurídico que lhe subjaz e a nulidade deste for de conhecimento oficioso, procede a oposição à execução, com a consequente extinção desta».
(7) «A desconformidade entre o título e a obrigação exequenda pode resultar de vício formal ou substancial da declaração de vontade ou de ciência que lhe constitui o conteúdo ou do acto jurídico a que a declaração de ciência se reporte ou ainda de causa que afecte a ulterior subsistência da obrigação. Ora, no plano da validade formal, é óbvio que, quando a lei substantiva exija certo tipo de documento para a sua constituição ou prova, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio em causa.» (Também in "A Acção Executiva", Coimbra Editora 2009, p. 62).
(8) «[O] cheque não apresentado a pagamento no prazo de oito nos termos do primeiro parágrafo do art. 29.º da LUC, ou não accionado dentro do prazo de seis meses previsto no art. 52.º da mesma Lei Uniforme, pode fundamentar uma execução, não como título cambiário, mas como documento particular respeitante à constituição ou reconhecimento do crédito que incorpora e causal da sua emissão, a menos que provenha de um negócio formal».
(9) «[A] virtualidade para servir de fonte à execução depende da forma legal pelo acto ou negócio jurídico certificado».
(10) «Falar na conformidade ou desconformidade entre o título e a obrigação exequenda implica falar na validade formal e substancial do negócio jurídico no momento da sua constituição e de subsistência ulterior da obrigação que dele emerge. É que, em rigor, o título executivo só demonstra a existência da obrigação exequenda no momento da formação do título; posteriormente o título executivo indicia com grande probabilidade a existência da obrigação por ele constituída ou nele certificada, mas não a inteira certeza: se a lei substantiva exige determinado tipo de documento para a constituição ou prova de determinado tipo de negócio jurídico, a execução só pode fundar-se em documento de força probatória igualou superior àquele (artigo 364.º do Código Civil), para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes a esse tipo de negócio.».
(11) «Pode suceder que o título executivo não garanta a validade formal do negócio jurídico subjacente, hipótese que justifica, no caso de a invalidade ser de conhecimento oficioso (como acontece com a nulidade artº 286º CC) o indeferimento liminar do requerimento executivo (artº 811º-A n.º 1, alínea c)) ou, em momento posterior, a rejeição oficiosa da execução (artº 820º). Suponha-se, por exemplo, que o título executivo apresentado numa execução para entrega de um imóvel é um documento particular; este documento não respeita a forma legalmente exigível para o contrato de compra e venda relativo a imóveis (artº 875º CC), pelo que o negócio é nulo (artº 220º CC) e aquele documento não possui força executiva numa execução destinada a obter a entrega desse imóvel. Pode assim concluir-se que a invalidade formal do negócio jurídico afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do título. É exactamente por isso que o artº 46º al c) não inclui no elenco dos títulos executivos os documentos particulares que importem a constituição ou o reconhecimento do dever de entrega de imóveis.». Posição reafirmada in "A Reforma da Acção Executiva", Lex 2004, p. 70.
(12) «[A] exequibilidade dos documentos particulares com reconhecimento notarial está limitada pelas disposições da lei substantiva que exijam forma mais solene para constituição e prova de certas obrigações, como sucede, por exemplo, com as resultantes do mútuo civil».
(13) Abrantes Geraldes ("Títulos Executivos", Themis, ano IV.7 (2003), pp. 45 e 46, ainda que se pronuncie apenas em relação às obrigações de entrega de imóveis, sustenta que «Sendo a nulidade um factor impeditivo da constituição da obrigação, jamais o documento poderia servir de título para que o "comprador" ou o arrendatário" pudessem aceder à coisa» e, embora advirtindo que «o confronto legislativo» não permite «uma resposta tão evidente», que «a mesma resposta deve ser dada quando se trata de efectivar, ao abrigo do art. 289.º, n.º 1, do CC, a obrigação de restituição da coisa imóvel que, no âmbito de um contrato nulo, tenha sido entregue à parte contrária», porque, não obstante a nulidade implicar a obrigação de cada uma das partes restituir o que foi prestado, «a realidade que promana da outorga de contratos inválidos não tem correspondência com a singeleza daquele preceito».
(14) A título de exemplo, penderam para a linha (aparentemente) maioritária do STJ as seguintes decisões das Relações: RG de 11-05-2017 (p. 2301/16.7T8GMR.G1-Lina Baptista); RC de 17-06-2014 (p. 6322/11.8TBLRA-A.C1-Inês Moura); RL de 6-06-2013 (p. 22577/09.5YYLSB-A.L1-Maria Correia); RP de 22-04-2013 (p. 733/12.9TBPFR.P1-Carlos Gil); RC de 20-06-2012 (p. 280/10.3TBVNO-A.C1-Carlos Querido); RC de 24-04-2012 (p. 169/10.6TBCSC-B.C1-Moreira do Carmo); RP de 4-10-2011 (p. 371/07.8TBMAI-A.P1- Ramos Lopes); RL de 13-10-2011 (p. 1209/10.4TBOER-A.L1-2-Maria José Mouro); e RC de 13-09-2011 (p. 189/10.0TBMGR-A.C1-Artur Dias).
E a posição contrária foi sufragada nos seguintes Acórdãos: RC de 16-03-2016 (p. 3053/12.5TJCBR-A.C1) e RP de 28-05-2013 (p. 2390/11.0TBPRD-A.P1) (14), ambos relatados pela Desembargadora Maria João Areias.
(15) Mesmo admitindo que a doutrina nele afirmada esteja mais talhada para a ação declarativa, não se vislumbra razão séria para que a mesma não seja ponderada no campo da acção executiva.
Custas pelos recorrentes.
Notifique e oportunamente remeta certidão do acórdão para publicação na 1ª Série do Diário da República.
Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Dezembro de 2017. - António Alexandre dos Reis (Relator) - António Pedro Lima Gonçalves - Maria Rosa de Oliveira Tching - João Manuel Cabral Tavares - Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado - José António de Sousa Lameira - Maria de Fátima Morais Gomes - Rosa Maria Mendes Cardoso Ribeiro Coelho - Graça Maria Lima de Figueiredo Amaral - Henrique Luís de Brito de Araújo - Maria Olinda da Silva Nunes Garcia - Helder Alves de Almeida - José Amílcar Salreta Pereira - João Luís Marques Bernardo - João Moreira Camilo - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos - António José Pinto da Fonseca Ramos - Ernesto António Garcia Calejo - Helder João Martins Nogueira Roque - José Fernando de Salazar Casanova Abrantes - Paulo Távora Victor - Fernando da Conceição Bento - António dos Santos Abrantes Geraldes - Ana Paula Lopes Martins Boularot - António Joaquim Piçarra - Fernando Manuel Pinto de Almeida - Fernanda Isabel de Sousa Pereira - Manuel Tomé Soares Gomes - Maria da Graça Machado Trigo Franco Frazão - Jorge Manuel Roque Nogueira - Olindo dos Santos Geraldes - António Silva Henriques Gaspar (Presidente).
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