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Assento 4/95, de 17 de Maio

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Sumário

QUANDO O TRIBUNAL CONHECER OFICIOSAMENTE DA NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO INVOCADO NO PRESSUPOSTO DA SUA VALIDADE, E SE NA ACÇÃO TIVEREM SIDO FIXADOS OS NECESSARIOS FACTOS MATERIAIS, DEVE A PARTE SER CONDENADA NA RESTITUIÇÃO DO RECEBIDO, COM FUNDAMENTO NO NUMERO 1 DO ARTIGO 289 DO CODIGO CIVIL, - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE E DA ANULAÇÃO - . PROCESSO NUMERO 85202/94 - PRIMEIRA SECÇÃO.

Texto do documento

Assento n.° 4/95

Processo n.° 85 202/94 - 1.ª Secção

Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça:

Stellamare, S. A., recorre para o tribunal pleno do acórdão deste Supremo Tribunal certificado a fls. 9 e seguintes, sob a razão de ele se encontrar em oposição com o acórdão deste mesmo Supremo constante a fls. 35 e seguintes (acórdão fundamento) e no que toca às seguintes razões:

O acórdão recorrido opinou no sentido de que «o tribunal, em contrato de mútuo ferido de falta de forma, deve conhecer oficiosamente da nulidade do negócio e condenar o réu na restituição do recebido, não com fundamento em enriquecimento sem causa, mas por aplicação do n.° 1 do artigo 289.° do Código Civil»; por seu lado, o acórdão fundamento enveredou por entendimento contrário, em contrato de concessão de exploração de estabelecimento comercial não devidamente formalizado, ao decidir que, «face à nulidade do negócio jurídico, será insubsistente a causa de pedir que assentara no pressuposto da validade do contrato, conduzindo isso à improcedência do pedido. Só através de acção de revindicação o autor poderia fazer valer as suas pretensões».

Preliminarmente, e através do acórdão a fls. 55 e 56, decidiu-se estar verificada a apontada oposição.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público, no seu parecer a fls. 83 e seguintes, sobre a solução a dar ao presente conflito jurisprudencial, pronunciou-se favoravelmente à tese do acórdão recorrido, propondo que se lavre assento com a seguinte redacção:

Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n.° 1 do artigo 289.° do Código Civil.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

O reconhecimento jurisdicional (preliminar) da existência de oposição entre as decisões postas em confronto não impede que o tribunal pleno assuma posição contrária (artigo 766.°, n.° 1, do Código de Processo Civil).

Em reexame da questão alcança-se a conclusão de que a oposição existe, conforme os motivos expressos no acórdão preliminar que decidiu pela verificação de tal oposição, e que aqui inteiramente se perfilham.

Como acima se referiu, a oposição entre os acórdãos postos em confronto reside no seguinte:

O acórdão fundamento, face a contrato (no caso de cessão de exploração comercial), que servira de base a uma acção de denúncia do mesmo na pressuposição da sua validade, orientou-se no sentido de que, detectada e declarada (oficiosamente) a sua nulidade por ocorrência de vícios formais (não redução a escritura pública), a respectiva causa de pedir ficaria sem suporte, quer dizer, tornar-se-ia insubsistente e insuficiente, o que necessariamente conduziria à improcedência dos pedidos formulados, já que o contrato nulo é um nada jurídico sem virtualidade para modificar a situação preexistente, a tudo acrescendo que a obrigação de restituir consignada no artigo 289.° do Código Civil respeita apenas a negócios nulos, não inculcando o dispositivo citado a restituição in pristinum, mesmo que não pedida; e ainda a circunstância de o entendimento diferente, ou seja, este último entendimento, importar a violação do artigo 661.° do Código de Processo Civil, que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa do pedido, como também dos artigos 193.°, n.° 2, alíneas a) e b), e 498.°, n.° 4 , desse Código, que exigem uma dada relação entre a causa de pedir e o pedido.

Por seu lado, o acórdão recorrido, em caso de acção tendente a obter a restituição da quantia mutuada em acção proposta na ideia da validade do contrato, enveredou no sentido de que, apurada oficiosamente a nulidade do contrato por falta da devida forma legal, haverá lugar à restituição do prestado, com assento, não em enriquecimento sem causa, mas por força do determinativo do artigo 289.° do Código Civil, e tudo isso por ser da incumbência do tribunal a qualificação jurídica da situação concreta e julgar com base em fundamento jurídico diferente do enunciado pela respectiva parte.

Esta apontada antinomia entre os arestos em confronto cumprirá solucionar, com fixação final da solução mais conveniente e legalmente adequada.

Ambos os confrontados arestos são concordes no sentido de que no nosso ordenamento jurídico está consagrado o princípio da substanciação (contraposto ao da individualização), segundo o qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, mas antes será necessária a indicação especificada do facto constitutivo desse direito (cf. Prof. Doutor A. Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., p.

356; Prof. Doutor Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 297;

Prof. Doutor Castro Mendes, Manual do Processo Civil, 1963, p. 299).

Com assento nesses princípios sempre ficará salva ao tribunal a possibilidade de qualificar juridicamente a situação que lhe é posta à consideração, embora alicerçada nos factos articulados, como decorre do artigo 664.° do Código de Processo Civil, o que conduz, no caso concreto, à possibilidade de fazer reconverter um contrato supostamente válido em contrato nulo (por falha dos devidos requisitos formais).

Mas cabe perguntar se tal se reconduzirá ao resultado de a acção respectiva, cuja causa petendi assentava no pressuposto da validade do negócio, ficar sem suporte quanto ao alicerce em que se baseou (validade do negócio) (é essa a posição tomada pelo acórdão fundamento quando afirma, a entender-se, no caso, fundar-se a pretensão do autor em contrato não válido se haverá que inferir pela insuficiência de causa de pedir, com as devidas consequências - absolvição do pedido; já que o contrato nulo é um nada jurídico sem virtualidade para modificar a situação preexistente).

Ou se antes, e atenta a possível reconversão da causa de pedir que passaria a assentar na nulidade do negócio, ficaria viável solucionar o pleito ao abrigo do estatuído no artigo 289.° do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade (ou anulação) do negócio jurídico, deverão ser repostas as coisas no estado anterior, com restituição do que houver sido prestado.

Seguindo o entendimento do Prof. Doutor Vaz Serra, exposto na RLJ, n.° 109, pp. 308 e seguintes (em anotação ao acórdão fundamento), somos de parecer que a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo 293.° do Código Civil, pelo menos em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionante se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar.

Com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.

Como adianta o dito professor no comentário e artigo citado, o contrato nulo (ao contrário do expendido no acórdão fundamento) não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós), já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293.° do Código Civil.

Como refere o Prof. Doutor Eduardo Correia, separata da Revista da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXIX, «requisito de conversão é antes que a vontade hipotética se conclua da finalidade jurídico-económica, ou de outra espécie efectivamente tida em vista pelas partes».

Nem se pode dizer (como adianta o acórdão fundamento) que solução diferente da que adoptou (ele acórdão fundamento) contraria o disposto no artigo 661.° do Código de Processo Civil, que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa da pedida, já que, no caso de ambos os acórdãos confrontados, o que se pretende, seja válido ou nulo o negócio, é precisamente a restituição do que havia sido prestado.

Do deixado dito resulta, por virtude do instituto da conversão a que nos referimos já, a reposição das coisas no estado anterior, como determina o artigo 289.°, n.° 1, do Código Civil, reposição a fazer nos precisos termos deste preceito, e não por recurso ao princípio do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário a advir de falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto no caso em apreço isso se não verifica, antes estando patente uma nulidade de acto alicerçador do pedido de restituição (cf. Conselheiro Mário Brito, in Código Civil Anotado, vol. I, p. 364).

Por tudo o exposto se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, e formular o seguinte assento:

Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.° 1 do artigo 289.° do Código Civil.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 28 de Março de 1995. - Miguel Montenegro - Figueiredo de Sousa - Fernando Fabião - César Marques - Sá Nogueira - Roger Lopes - Afonso de Melo - Ramiro Vidigal - Martins da Costa - Pais de Sousa - Miranda Gusmão - Araújo Ribeiro - Raúl Mateus - Sá Couto - Dias Simão - Silva Reis - Cardona Ferreira - Santos Monteiro - Oliveira Branquinho - Carlos Caldas - Faria de Sousa - Pereira Cardigos - Sá Ferreira - Ferreira da Silva - Mário Cancela - Sampaio da Nóvoa - Costa Marques - Joaquim de Matos - Sousa Inês - Lopes Rocha - Costa Soares - Machado Soares - Metello de Nápoles - Correia de Sousa - Herculano Lima - Carvalho Pinheiro - Fernandes Magalhães - Araújo dos Anjos - Nunes Cruz - Vaz dos Santos - Lopes Pinto - Sousa Macedo - Torres Paulo - Pedro Marçal - Castelo Paulo

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1995/05/17/plain-66539.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/66539.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2018-02-19 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 3/2018 - Supremo Tribunal de Justiça

    «O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado»

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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