de 5 de agosto
O Programa do XIX Governo Constitucional tem como um dos seus objetivos estratégicos o reforço do papel das entidades integrantes da Rede de Cuidados Primários, visando não só contribuir para a melhoria da qualidade e do acesso efetivo dos cidadãos aos cuidados de saúde, como permitir a criação de mecanismos de reavaliação do papel dos enfermeiros.
Em Portugal, os cuidados de saúde primários (CSP) constituem-se como a base de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, configurando parte integrante da arquitetura do sistema de saúde português, de que resulta maior equidade e melhores níveis de saúde e satisfação das populações.
A figura do enfermeiro de família tem vindo a ser criada nos sistemas de saúde de vários países da Região Europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS), reforçando a importância dos contributos da enfermagem para a promoção da saúde e prevenção da doença, como é o caso de Espanha e Reino Unido, nos quais a figura do enfermeiro de família já foi estabelecida, trabalhando em cuidados primários juntamente com os demais profissionais de saúde e baseando-se no conhecimento do paciente no contexto da família e da comunidade.
A inclusão da família como alvo dos cuidados de enfermagem nos CSP em Portugal tem, pois, enquadramento internacional e conceptual nas políticas de saúde da OMS - Região Europeia.
Neste contexto, colocam-se novos desafios aos enfermeiros dos CSP, pelo reconhecimento da sua contribuição na promoção da saúde individual, familiar e coletiva e pelo seu papel de referência como gestor de cuidados de enfermagem, potencializando a saúde do indivíduo no contexto familiar.
De acordo com o Plano Nacional de Saúde 2012/2016, a reorganização dos CSP enfatiza a intervenção local, em rede, com relevância nas Unidades de Saúde Familiar (USF) e com particular atenção para os cuidados centrados na família, ao longo das várias fases da vida. A compreensão da estrutura, processos de desenvolvimento e estilo de funcionamento das famílias permitirá a efetivação de uma prática de enfermagem direcionada para a sua capacitação funcional face às exigências e especificidades.
Esta reforma dos CSP, orientada para a obtenção de ganhos em saúde e melhoria da equidade e acessibilidade aos cuidados de saúde, consagra uma estrutura organizativa matricial, baseada em unidades funcionais e assentes em equipas multiprofissionais.
Neste contexto, torna-se agora possível evidenciar o papel do enfermeiro integrado nas diferentes unidades funcionais de CSP e direcionado para a prestação de cuidados de enfermagem globais a famílias, em todas as fases da vida e em todos os contextos da comunidade.
O presente decreto-lei estabelece os princípios e o enquadramento da atividade do enfermeiro de família no âmbito das unidades funcionais de prestação de cuidados de saúde primários, nomeadamente nas USF e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados, cuja implementação decorrerá de experiências piloto.
Foi promovida a audição da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, do Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem e do Sindicato dos Enfermeiros.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei estabelece os princípios e o enquadramento da atividade do enfermeiro de família no âmbito das unidades funcionais de prestação de cuidados de saúde primários, nomeadamente nas Unidades de Saúde Familiar (USF) e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP).
Artigo 2.º
Definição
Para efeitos do disposto no presente decreto-lei, o enfermeiro de família é o profissional de enfermagem que, integrado na equipa multiprofissional de saúde, assume a responsabilidade pela prestação de cuidados de enfermagem globais a famílias, em todas as fases da vida e em todos os contextos da comunidade.
Artigo 3.º
Âmbito
1 - O enfermeiro de família, na sua área de intervenção, cuida da família como unidade de cuidados e presta cuidados gerais e específicos nas diferentes fases da vida do indivíduo e da família, ao nível da prevenção primária, secundária e terciária, em articulação ou complementaridade com outros profissionais de saúde, nos termos legais aplicáveis.
2 - O enfermeiro de família contribui para a ligação entre a família, os outros profissionais e os recursos da comunidade, nomeadamente, grupos de voluntariado solidário, serviços de saúde e serviços de apoio social, garantindo maior equidade no acesso aos cuidados de saúde.
Artigo 4.º
Áreas de atividade
1 - Sendo um recurso de proximidade, o enfermeiro de família disponibiliza cuidados de enfermagem, efetuando, em articulação com a restante equipa de saúde, a avaliação da situação de saúde e das fases da vida, relativamente ao seu grupo de famílias, privilegiando as áreas da educação e promoção da saúde, prevenção da doença, da deteção precoce de doenças não transmissíveis, da gestão da doença crónica e da visitação domiciliária.
2 - No âmbito do exercício das suas funções, o enfermeiro de família, considerando a família como unidade de cuidados, promove a capacitação da mesma, face às exigências e especificidades do seu desenvolvimento, designadamente:
a) Desenvolvendo o processo de cuidados em colaboração com a família e estimulando a participação significativa dos seus membros em todas as fases daquele processo;
b) Focalizando-se na família como um todo e nos seus membros individualmente e prestando cuidados nas diferentes fases da vida da família;
c) Avaliando e promovendo as intervenções que se mostrem mais adequadas a promover e a facilitar as mudanças no funcionamento familiar, de acordo com as decisões estabelecidas no âmbito da coordenação da equipa multiprofissional.
Artigo 5.º
Responsabilidade e coordenação
Sem prejuízo da autonomia técnica garantida aos enfermeiros nos termos legais aplicáveis, o enfermeiro de família desenvolve a sua atividade sob a coordenação do coordenador da equipa multiprofissional constituída na respetiva USF e UCSP, com respeito pelas competências previstas no artigo 12.º do Decreto-Lei 298/2007, de 22 de agosto, aplicável por força do disposto nos artigos 9.º e 10.º do Decreto-Lei 28/2008, de 22 de fevereiro.
Artigo 6.º
Áreas de partilha
A identificação das áreas de partilha de responsabilidade na prestação de cuidados de saúde em articulação com outros profissionais de saúde, nomeadamente com os médicos, é elaborada pela Direção-Geral da Saúde (DGS), em colaboração com a Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS, I.P.), no respeito pelas competências e organização da equipa multiprofissional e da carteira de serviços de USF e UCSP e ouvidas as ordens profissionais respetivas, sendo implementada mediante:
a) A definição das intervenções de enfermagem, segundo uma carteira de serviços específica de cuidados de enfermagem;
b) A produção de um portfólio de normas e orientações de enfermagem, com particular enfoque nas intervenções do enfermeiro de família nas áreas da gestão da doença crónica e nos programas de saúde;
c) A elaboração de uma norma organizacional sobre a articulação e complementaridade na organização dos cuidados de saúde;
d) A criação de protocolos de atuação que harmonizem e respeitem as áreas de intervenção partilhada;
e) A elaboração de um quadro de monitorização de cuidados preventivos e a avaliação do risco no âmbito dos programas prioritários de saúde.
Artigo 7.º
Monitorização da qualidade do modelo assistencial
1 - A avaliação da qualidade dos cuidados prestados pelo enfermeiro de família rege-se por normas e orientações em enfermagem, emitidas pela DGS, ouvida a Ordem dos Enfermeiros.
2 - O processo de monitorização da qualidade dos cuidados prestados pelo enfermeiro de família é efetuado periodicamente e tem em conta indicadores de desempenho decorrentes da carteira de serviços, indicadores de impacte assistencial relativos, nomeadamente, à metodologia de trabalho, ao desempenho (produtividade, efetividade, eficiência, valor dos cuidados), ao acesso aos cuidados e à articulação com outros serviços.
3 - A monitorização do modelo assistencial é realizada em estreita colaboração entre a DGS e a ACSS, I.P., ouvidas a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros.
Artigo 8.º
Implementação da atividade do enfermeiro de família
A atividade do enfermeiro de família é implementada através de experiências piloto a realizar em cada Administração Regional de Saúde, I.P., no segundo semestre de 2014, de acordo com um plano de ação que define os requisitos e diretrizes, bem como o modelo de governação, locais de implementação e o período temporal de execução, fixados por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, aprovada no prazo de 90 dias após a publicação do presente decreto-lei.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 19 de junho de 2014. - Pedro Passos Coelho - Hélder Manuel Gomes dos Reis - Paulo José de Ribeiro Moita de Macedo.
Promulgado em 28 de julho de 2014.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 31 de julho de 2014.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.