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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8/2014, de 12 de Junho

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Sumário

Uniformiza a seguinte jurisprudência: em processo sumário é irrecorrível o despacho de reenvio para outra forma de processo. (Processo n.º 776/12.2PFPRT.P1.S1) (Recurso n.º 65835/13)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2014

Processo 776/12.2PFPRT.P1.S1

Recurso n.º 65835/13

Uniformização de Jurisprudência

*

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

José Manuel Assis de Moura Ferreira, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 Setembro de 2013, proferido no âmbito do Processo 776/12. 2PFPRT.P1, no qual figura como arguido, que decidiu ser recorrível, em processo sumário, a decisão que ordena o reenvio para outra forma de processo.

Em sentido oposto indicou o acórdão do mesmo tribunal de 29 de Maio de 2013, proferido no âmbito do Processo 36/13.1SGPRT.P1, o qual decidiu ser irrecorrível, em processo sumário, a decisão que ordena o reenvio para outra forma de processo.

*

Em conferência concluiu-se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo-se ordenado o seu prosseguimento.

São do seguinte teor as conclusões que o recorrente extraiu das alegações que apresentou (1):

"O presente recurso deve apenas ter o seu objecto precisado na questão de invocada "ab initio", ou seja se despacho de reenvio para outra forma de processo nos termos do artº 390º C.P.P. por parte do Tribunal é recorrível nos termos da limitação recursória do art, 391º C.P.P.

Não deve, na óptica do aqui arguido, servir o presente recurso como pretexto para uma fixação de jurisprudência sobre a irrecorribilidade nos termos gerais do art. 391º C.P.P.

O arguido não deseja tal ampliação do objecto do recurso, nem nunca o desejou.

Assim, o arguido defende que as Leis se presumem bem elaboradas e que o legislador se expressou correctamente e da forma que quis publicar a norma em crise, bem como consagrou a solução mais acertada.

É a "opinio communís" da hermenêutica jurídica, hoje plasmada no art. 9º nº 3 do Código Civil.

Vide J. Baptista Machado introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Almedina 1995 pags., 188 e ss.

Ou seja, só perante um texto legal bastante " falhado", com razões ponderosas sustentadas em outras teses interpretativas é que o intérprete deve afastar o sentido literal e óbvio da norma em cheque.

Razões que, na óptica do arguido, inexistem "in casu" pois que o reenvio para a forma de processo abreviado - que iria acontecer no caso concreto - não viola sobremaneira os direitos de defesa do arguido nem o direito a obter uma justiça célere por parte do M.P., e de um eventual queixoso.

Pois em 90 dias é tempo mais que suficiente para o arguido se defender e é relativamente rápido para o M.P. considerar que foi realizada justiça de forma célere.

Desta feição, nenhum princípio basilar do direito Penal ou processual Penal Português fica afectado pelo reenvio para a forma de processo abreviado.

"Máxime" o princípio das garantias de defesa do arguido consagrado no art. 32º nº1 da C.R.P.

Aliás o próprio Tribunal Constitucional vem referindo e vincando ao longo dos últimos vinte anos que o direito a recorrer não é universal todo e qualquer despacho do Tribunal de 1ª instância.

Até porque o processo sumário está interligado ao princípio da oportunidade e celeridade e não de consensualidade do processo comum.

Por isso, e até no direito processual civil aquele Tribunal vem apontando que inexiste um direito ilimitado de impugnar todas as decisões dos Tribunais, sejam despachos ou sentenças.

Vd., Acs., T.C., Ac. do TC de 05/03/1998, in DR II série A de 11/07 e Ac., do TC de 11/02/1998, BMJ 474/85.

Deste modo, e em sede de conclusão, o aqui arguido defende a tese da irrecorribilidade do despacho que reenvia para outra forma de processo nos termos do art. 390º C.P.P.

Com o fundamento legal do art. 391º C.P.P., que fundeia a tese geral da irrecorribilidade em processo sumário de decisões que não sejam finais ou ponham termo ao processo.

Precavendo,

Porém e caso seja o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que o despacho de reenvio para outra forma de processo por parte do Tribunal de pequena instância do Porto é recorrível.

A tese de recorribilidade deve ser aproveitada por todos os actores processuais, mesmo o arguido.

Pois o arguido, abstractamente pode ter interesse em ser julgado de forma rápida, p.e., um arguido estrangeiro que deseja resolver a sua situação o mais rápido possível para poder voltar ao seu país de origem.

Nos termos do princípio da igualdade de armas que fundamenta o nosso processo penal, ou seja, se o M.P. pode recorrer desse despacho também poderá o arguido.

Mas julgamos não ser esse o sentido interpretativo da norma em questão!

Assim se requer a VªS Exas., que fixem jurisprudência nesse sentido - a tese da irrecorribilidade do despacho que reenvia para outra forma de processo nos termos do art. 390º C.P.P., com o fundamento do art. 391º do C.P.P.

Fazendo assim a costumeira justiça que o S.T.J. diariamente realiza».

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nas suas estruturadas e fundamentadas alegações, formulou as seguintes conclusões:

"1. A Lei 48/2007, de 29 de Setembro, eliminou o 2.º parágrafo do artigo 390.º do Código de Processo Penal, no qual se determinava que o tribunal, por despacho irrecorrível, remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.

2. Tal eliminação teve como fundamento a redundância e desnecessidade desse segmento do preceito, face ao disposto no artigo 391.º do Código de Processo Penal que estabelece que só é admissível o recurso da sentença e do despacho que puser termo ao processo.

3. Despacho que põe termo ao processo é o que põe termo àquela relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o "terminus» da relação entre o Estado e o cidadão imputado, configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal.

4. O despacho do juiz que, em processo sumário, remete os autos ao Ministério Público a fim de serem tramitados sob outra forma de processo, não põem termo ao processo, mas sim à forma processo sumário, prosseguindo o processo sob outra forma processual até que seja proferida uma decisão que aprecie a relação substantiva.

5. Esta opção legislativa é coerente com a natureza do processo sumário e propósito anunciado de celeridade, sendo dificilmente compatível e conciliável com as regras e prazos estabelecidos na lei para o exercício do direito ao recurso.

**

Pelas razões expostas acompanhamos a solução do acórdão fundamento, concluindo-se que, em processo sumário o despacho do tribunal que remete os autos ao Ministério Público, para tramitação sob outra forma de processo, é irrecorrível.

Propõe-se, pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação do Porto, de 11 de Setembro (recorrido) e de 29 de Maio de 2013 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos:

"Nos termos do artigo 391.º, do Código de Processo Penal, é inadmissível o recurso do despacho judicial que determina a remessa dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual».

Cumpre agora decidir.

*

Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica-se oposição de julgados.

A questão ora submetida à apreciação e julgamento do pleno das secções criminais deste Supremo Tribunal consiste em saber se, em processo sumário, é ou não admissível recurso da decisão de reenvio para outra forma de processo.

Atenta a temporalidade da factualidade e das decisões de 1ª instância que se encontram subjacentes aos acórdãos em confronto - Novembro de 2012 (acórdão fundamento) e Janeiro de 2013 (acórdão recorrido) -, o quadro legal a ter em consideração, face às inúmeras alterações ocorridas ao regime do processo sumário desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro) (2), concretamente o atinente aos artigos 390º e 391º (3), normas que regulam o reenvio e a recorribilidade, é o que resulta das diversas mutações entretanto verificadas, nomeadamente as decorrentes da Lei 58/98, de 25 de Agosto (4), da Lei 48/07, de 29 de Agosto (5), da Lei 58/08, de 28 de Agosto (6) e da Lei 26/10, de 30 de Agosto (7).

A orientação assumida no acórdão recorrido, segundo a qual a decisão de reenvio é recorrível assenta, fundamentalmente, nos seguintes argumentos:

- A recorribilidade dos actos decisórios constitui princípio geral consagrado na lei adjectiva penal, sendo permitido, segundo estabelece o artigo 399º, recorrer dos acórdãos, sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei, sendo que a irrecorribilidade da decisão que ordena o reenvio do processo sumário para tramitação sob outra forma processual não se mostra prevista, designadamente no artigo 391º, n.º 1, visto que aquela norma ao estabelecer que só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo, abrange o despacho que determina o reenvio, consabido que o reenvio põe termo ao processo, concretamente ao processo sumário;

- Por outro lado, com a Lei 48/07, de 29 de Agosto, foi eliminada a parte final do artigo 390º, que estabelecia, expressamente, a irrecorribilidade do despacho de reenvio (8).

No que concerne à orientação que defende a irrecorribilidade da decisão de reenvio, essencialmente, são avançados os argumentos seguintes:

- O artigo 391º, do Código de Processo Penal, corresponde ao artigo 561º, do Código de Processo Penal de 1929, que estabelecia que só há recurso da sentença final e do despacho que manda arquivar o processo, razão pela qual, em processo sumário, só estes dois actos decisórios admitem recurso, não também o despacho que determina o reenvio, o qual se limita a alterar a forma de processo;

- A Lei 48/07, de 29 de Agosto, ao eliminar a parte final do artigo 390º, que previa a irrecorribilidade do despacho que remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual, limitou-se a suprimir uma redundância, atenta a limitação constante do artigo 391º, segundo a qual só é admissível o recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo;

- Aquando da revisão operada em 2010 ao Código de Processo Penal, tanto o partido CDS (no projecto de lei 173/XI), como o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (no parecer sobre o projecto de proposta de lei para alteração do Código de Processo Penal), apresentaram propostas de alteração da redacção do artigo 391º visando, além do mais, a recorribilidade do despacho que ordena a remessa dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual, sendo tais propostas rejeitadas;

- A entender-se que a decisão de reenvio é recorrível, o respectivo recurso redundaria num acto processual inútil, acto proibido por lei - artigo 137º, do Código de Processo Civil -, visto que o prazo máximo fixado na lei para o início do julgamento em processo sumário decorreria inevitavelmente, precludindo a sua realização, julgamento que, obviamente, teria de ser efectuado sob outra forma processual (9).

*

Entrando directamente na apreciação da questão objecto do recurso começar-se-á por referir que o processo sumário, enquanto procedimento criminal, já constava das Ordenações, aplicando-se, como nos dá conta Luís Osório (Comentário, V, 547), quando era preciso proceder com rapidez ou não se necessitavam grandes formalidades, independentemente da gravidade das infracções, sendo que tanto se aplicava às infracções menos graves como às punidas com pena de morte.

Actualmente, tal como já sucedia nos finais do século XIX, a motivação, a razão de ser do processo sumário, tem como elemento essencial o facto de o arguido ser preso em flagrante delito, circunstância que, em regra, dispensa a realização de investigações, permitindo um julgamento célere, em muitos casos imediato, com redução de muitas formalidades, o que possibilita uma justiça pronta, contribuindo decisivamente para o sentimento de justiça e o apaziguamento social.

Celeridade e redução de formalidades são pois características indissociáveis do processo sumário, sem as quais perde sentido esta forma de processo, o que claramente resulta da lei adjectiva penal ao considerar o processo sumário um processo urgente - alínea c) do n.º 2 do artigo 103º -, ao impor a redução dos actos e termos processuais ao mínimo indispensável, maxime os atinentes ao julgamento - n.º 2 do artigo 386º (10) - e ao fixar prazos cujo não cumprimento preclude a realização da audiência - artigos 387º (11) e 390º (dispositivo este já transcrito desde a sua redacção originária até à vigente à data dos factos e das decisões de 1ª instância que se encontram subjacentes aos acórdãos recorrido e fundamento). Com efeito, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 390º, o tribunal terá de ordenar o reenvio para outra forma de processo quando não tenha sido possível realizar no prazo de quinze dias após a detenção do arguido as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade (12). Por outro lado, impondo o n.º 1 do artigo 387º que o início da audiência tenha lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção ou nos prazos previstos nas alíneas a) a c) do seu n.º 2 quando se verifiquem as situações ali previstas, certo é que, não se dando início à audiência naqueles prazos, o tribunal fica impedido de a realizar, a significar que, ultrapassados os mencionados prazos sem que se tenha dado início à audiência, o tribunal deverá determinar o reenvio para outra forma de processo (13).

Neste contexto, a possibilidade de impugnação por via de recurso do despacho de reenvio, carece de sentido.

Vejamos.

O prazo para interposição de recurso é de trinta dias, de acordo com a redacção actual do n.º 1 do artigo 411º, redacção introduzida pela Lei 20/13, de 21 de Fevereiro, sendo que à data da prolação das decisões de 1ª instância que subjazem aos acórdãos recorrido e fundamento era de vinte dias (redacção da Lei 48/07, de 29 de Agosto), prazo que era elevado para trinta dias quando o recurso tivesse por objecto a reapreciação da prova gravada - n.º 4 do artigo 411º na redacção então vigente; iguais prazos são e eram estabelecidos para a resposta - n.os 1 e 2 do artigo 413º, redacção actual e redacção então vigente.

Antes da apresentação do processo ao relator para exame preliminar o processo era e é continuado com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso, para emissão de parecer - n.º 1 do artigo 416º -, para tanto dispondo do prazo de dez dias, prazo-regra para a prática dos actos processuais - n.º 1 do artigo 105º. Igual prazo era e é concedido ao arguido e demais sujeitos processuais afectados pelo recurso para, querendo, responderem, caso o Ministério Público não se limite ou limitasse a apor o seu visto - n.º 2 do artigo 417º.

Apresentado o processo ao relator, caso não se verifique situação de convite ao aperfeiçoamento das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso, o relator profere decisão sumária no prazo de dez dias, sendo que devendo o processo seguir para julgamento em conferência, o relator elabora projecto de acórdão no prazo de quinze dias a contar da data em que o mesmo lhe é concluso - n.os 3 a 9 do artigo 417º. Tendo o processo de prosseguir para julgamento em audiência esta é designada pelo presidente da secção para um dos vinte dias seguintes - n.º 1 do artigo 421º -, sendo a decisão lavrada após deliberação tomada depois de encerrada a audiência, a menos que isso se mostre impossível, caso em que a decisão será publicitada dentro dos quinze dias seguintes - n.º 1 do artigo 424º e n.os 1 e 3 do artigo 425º.

Adicionando os sucessivos prazos expostos e partindo do princípio de que o recurso é julgado no menor espaço de tempo possível, ou seja, no cumprimento rigoroso de todos os prazos e sem a ocorrência de qualquer incidente, temos que, entre a data da prolação da decisão de reenvio e a data da decisão do recurso dela interposto, medeiam, no mínimo, mais de dois ou três meses, consoante a contagem leve em consideração os prazos previstos à data da prolação das decisões de 1ª instância que subjazem aos acórdãos recorrido e fundamento ou os prazos actualmente existentes. Se à contagem feita adicionarmos o tempo despendido com os indispensáveis termos processuais e o tempo necessário ao envio do processo ao tribunal de recurso e a sua devolução à 1ª instância, bem como o prazo necessário ao trânsito em julgado da decisão proferida pelo tribunal de recurso, temos que, entre a data da decisão de reenvio e a data da devolução pelo tribunal de recurso à 1ª instância do respectivo processo, em caso algum decorrerão menos de três ou quatro meses, consoante a contagem leve em consideração os prazos previstos à data da prolação das decisões de 1ª instância que subjazem aos acórdãos recorrido e fundamento ou os prazos actualmente existentes.

A decorrência de tal período de tempo, obviamente que, atentas as considerações atrás tecidas sobre o prazo máximo que a lei estabelece para o início da audiência em processo sumário e o prazo previsto para a realização de diligências de prova necessárias à descoberta da verdade, cujo decurso impõe o reenvio do processo, preclude a possibilidade de o processo prosseguir a sua tramitação na forma sumária, tornando inútil o recurso do despacho de reenvio, sendo certo que a lei adjectiva proíbe a realização de actos inúteis - artigos 137º e 130º, do Código de Processo Civil pré-vigente e vigente (aprovado pela Lei 41/13, de 26 de Junho), aplicável em processo penal ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal.

Daí que o legislador de 1987 tenha estabelecido no n.º 1 do artigo 391º que em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo, preceito que, tendo por fonte o artigo 561º, do Código de Processo Penal de 1929, o qual estatuía que neste processo só há recurso da sentença final ou do despacho que o mandar arquivar, não pode deixar de ser interpretado com o mesmo sentido, não cabendo pois na letra e no espírito da lei o entendimento segundo o qual, em processo sumário, é admissível recurso do despacho que ordena o reenvio, sob a alegação de que este despacho põe termo ao processo, mais concretamente ao processo sumário.

Com efeito, despacho que põe termo ao processo é o que põe fim ao procedimento, sendo que o despacho de reenvio, conhecendo uma questão interlocutória, se limita a determinar que o procedimento passe a ser tramitado sob outra forma processual, ou seja, não visa a finalização do procedimento, antes a regulação da sua tramitação (14).

Tenha-se em vista o que a lei adjectiva penal estabelece em matéria de actos decisórios, ao estatuir nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97º:

"1. Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:

a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;

b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem fim ao processo fora do caso previsto na alínea anterior».

Decisão que põe fim ou termo ao processo é, pois, a sentença, a qual conhece a final do objecto do processo e, em regra, conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo.

Neste preciso sentido, a propósito do sentido da expressão despacho que tiver posto fim ao processo, constante do n.º 2 do artigo 449º, dispositivo que regula os fundamentos e a admissibilidade do recurso extraordinário de revisão de sentença, se tem pronunciado, de forma pacífica e constante, este Supremo Tribunal (15).

Sendo certo que a decisão de reenvio para outra forma de processo não tem por consequência o arquivamento ou o encerramento do processo, antes a alteração da forma processual, temos por seguro que tal decisão não cai na previsão do n.º 1 do artigo 391º, ou seja, não é recorrível, conclusão esta que em nada colide com o facto de em 2007 o legislador ter suprimido a disposição que expressamente vedava o recurso do despacho de reenvio, visto que tal disposição era manifestamente redundante.

Aliás, como bem salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, aquando da revisão do Código de Processo Penal de 2010, tanto o CDS (no projecto de lei 173/XI) como o SMMP (no parecer sobre o projecto de proposta de lei para alteração do Código de Processo Penal), apresentaram propostas de alteração da redacção do artigo 391º, visando a recorribilidade do despacho de reenvio para outra forma de processo, recurso esse com efeito suspensivo, no entanto, tais propostas foram rejeitadas, como resulta do Relatório da Discussão e Votação na Especialidade (DAR, II-A, de 24 de Julho de 2010), o que revela claramente que o legislador quis manter a irrecorribilidade do despacho de reenvio.

*

Termos em que se acorda, na procedência do recurso:

a) Fixar a jurisprudência seguinte:

"Em processo sumário é irrecorrível o despacho de reenvio para outra forma de processo»;

b) Ordenar a remessa do processo ao Tribunal da Relação do Porto, para que reveja a decisão recorrida, conformando-a com a jurisprudência ora fixada.

Sem tributação.

(1) - O texto que a seguir se transcreve, bem como o que mais adiante se irá transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.

(2) - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.

(3) - É a seguinte a redacção originária dos artigos 390º e 391º:

"Artigo 390º - Reenvio do processo para a forma comum

A todo o momento em que o tribunal considerar inadmissível ou inconveniente a tramitação do processo sob a forma sumária, tendo em vista, nomeadamente:

a) A inadmissibilidade legal, no caso, do processo sumário;

b) A complexidade da causa; ou

c) A necessidade para a descoberta da verdade de diligências de prova que não poderão previsivelmente realizar-se no prazo máximo de cinco dias após a detenção, decide, por despacho irrecorrível, a tramitação do processo sob a forma comum, com a consequente remessa dos autos, para esse efeito, ao Ministério Público»;

"Artigo 391º - Recorribilidade

Em processo sumário só é admissível recurso da sentença, ou de despacho que puser termo ao processo».

(4) - A Lei 58/98 alterou a redacção do artigo 390º, que passou a ser a seguinte:

"Artigo 390º - Reenvio do processo para a forma comum

Sempre que se verificar:

a) A inadmissibilidade, no caso, do processo sumário; ou

b) A necessidade, para a descoberta da verdade, de diligências de prova que não possam previsivelmente realizar-se no prazo máximo de 30 dias após a detenção;

o tribunal, por despacho irrecorrível, remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual».

(5) - A Lei 48/07 modificou a epígrafe e a redacção do artigo 390º, que passaram a ser as seguintes:

"Artigo 390º - Reenvio para outra forma de processo

O tribunal só remete os autos ao Ministério Público para a tramitação sob outra forma processual quando:

a) Ser verificar a inadmissibilidade, no caso, do processo sumário;

b) Não tenham podido, por razões devidamente justificadas, realizar-se, no prazo máximo previsto no artigo 387º, as diligências de provas necessárias à descoberta da verdade; ou

c) O procedimento se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter organizado do crime».

(6) - A Lei 58/08 alterou a redacção do artigo 390º, aditando o número 2, ficando o corpo do artigo a constituir o número 1, da seguinte forma:

"Artigo 390º - Reenvio do processo para outra forma de processo

1. O tribunal só remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual quando:

a) Se verificar a inadmissibilidade, no caso, do processo sumário;

b) Não tenham podido, por razões devidamente justificadas, realizar-se, no prazo máximo previsto no artigo 387º, as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade; ou

c) O procedimento se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

2. Se, depois de recebido os autos, o Ministério Público deduzir acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular, em processo abreviado, ou requerer a aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da liberdade em processo sumaríssimo, a competência para o respectivo conhecimento mantém-se no tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária».

(7) - A Lei 26/10 modificou a redacção dos artigos 390º e 391º, que passaram a ser as seguintes:

"Artigo 390º - Reenvio do processo para outra forma de processo

"1. O tribunal só remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual quando:

a) Se verificar a inadmissibilidade, no caso, do processo sumário;

b) Não tenham podido, por razões devidamente justificadas, realizar-se, no prazo máximo previsto no artigo 387º, as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade; ou

c) O procedimento se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

2. Se, depois de recebidos os autos, o Ministério Público deduzir acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular, em processo abreviado, ou requerer a aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da liberdade em processo sumaríssimo, a competência para o respectivo conhecimento mantém-se no tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária»;

"Artigo 391º - Recorribilidade

1. Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo.

2. Excepto no caso previsto no n.º 4 do artigo 389º-A, o prazo para a interposição de recurso conta-se a partir da entrega da cópia da gravação da sentença».

(8) - Decidiram neste sentido, para além do acórdão recorrido, os acórdãos da Relação do Porto de 13.05.15, 13.06.25, 13.07.10 e 13.09.11, proferidos nos Processos n.os 1077/12.1PTPRT-P1, 59/13.0PFPRT-P1, 56/13.6PTPRT-P1 e 776/12. 12.2PFPRT-P1.

Na doutrina esta orientação é sustentada por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado (17ª edição-2009), 891/892.

(9) - Perfilharam este entendimento, para além do acórdão fundamento, os acórdãos da Relação de Lisboa de 11.03.01 e 11.06.21, da Relação de Évora de 12.01.30, e da Relação do Porto de 13.11.06 e 13.09.18, proferidos nos Processos n.os 278/08.3, 146/10.7PTCLD.L15, 777/12.0PFPRT-P1, 656/12.1PDPRT-P1 e 407/08.5GAVRS-AE1.

Na doutrina esta posição é defendida por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 21, Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (4ª edição), 1011, Cruz Bucho, A revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, www.trg.pt, 124, Soares de Albergaria, "Os processos especiais na revisão de 2007 do Código de Processo Penal", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 18, n.º 4, 479, e Lemos Triunfante, "Alterações ao processo sumário, consequências práticas na realidade judiciária", As alterações de 2010 ao Código Penal e ao Código de Processo Penal - Centro de Estudos Judiciários, 367.

(10) - É do seguinte teor o n.º 2 do artigo 386º (redacção actual e já vigente à data dos factos e das decisões de 1ª instância que se encontram subjacente aos acórdãos recorrido e fundamento):

"2. Os actos e termos do julgamento são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa».

(11) - É do seguinte teor o artigo 387º (redacção vigente à data dos factos e das decisões de 1ª instância que subjazem aos acórdãos recorrido e fundamento):

"1. O início da audiência de julgamento em processo sumário tem lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2. O início da audiência pode também ter lugar:

a) Até ao limite do 5º dias posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias úteis no prazo previsto no número anterior;

b) Até 15 dias após a detenção, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 382º e no n.º 2 do artigo 384º;

c) Até ao limite de 15 dias se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa.

3. Se a audiência for adiada, o juiz adverte o arguido de que esta se realizará na data designada, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor;

4. Se faltarem testemunhas de que o Ministério Público, o assistente ou o arguido não prescindam, a audiência não é adiada, sendo inquiridas as testemunhas presentes pela ordem indicada nas alíneas b) e c) do artigo 341º, sem prejuízo da possibilidade de alterar o rol apresentado».

(12) - Actualmente, de acordo com a redacção vigente da alínea c) do n.º 1 do artigo 390º e dos n.os 9 e 10 do artigo 387º (redacção introduzida pela Lei 20/13, de 21 de Fevereiro), este prazo é de sessenta, noventa ou cento e vinte dias, consoante a gravidade do crime ou crimes, ou seja, a moldura penal aplicável.

(13) - Actualmente, segundo a redacção dada à alínea c) do n.º 1 do artigo 387º (redacção introduzida pela Lei 20/13, de 21 de Fevereiro), o prazo ali previsto foi alargado para vinte dias.

(14) - Como refere Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 244, um primeiro critério de distinção de actos processuais classifica-os (funcionalmente) de actos finais e instrumentais, sendo actos finais os que consubstanciam o fim do próprio processo, sendo actos instrumentais aqueles que preparam ou colocam os meios idóneos para tornar possível aquela finalidade. Nos actos instrumentais, que constituem a grande massa, se distinguem os actos de governo processual, de aquisição, de elaboração e de verificação, sendo os actos de governo os destinados a ordenar ou regular o processo, pondo-o em condições de prosseguir; estes actos guiam o próprio processo, marcam-lhe a rota ou direcção.

(15) - Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 07.04.11, 07.10.07, 09.01.27, 09.02.18, 09.04.02, 10.09.29 e 11.12.21, proferidos nos Processos n.os 618/07, 3289/07, 109/07, 105/09, 106/09, 520/00.7TBABT-A.S1 e 978/99.05TBPTM-A.S1.

Em idêntico sentido, Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado (Almedina-2014), 1220.

***

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Maio de 2014. - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes (relator) - José Adriano Machado Souto de Moura - Eduardo Maia Figueira da Costa - António Pires Henriques da Graça - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Isabel Celeste Alves Pais Martins - Manuel Joaquim Braz - Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - António Pereira Madeira - José Vaz dos Santos Carvalho - António Artur Rodrigues da Costa - Armindo dos Santos Monteiro - José António Henriques dos Santos Cabral - António Silva Henriques Gaspar (presidente).

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/317447.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 58/98 - Assembleia da República

    Aprova a lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais, regulando as condições em que os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem criar empresas dotadas de capitais próprios.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

Aviso

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