A zona costeira de Portugal continental concentra cerca de 75 % da população nacional, sendo responsável pela geração de aproximadamente 85 % do produto interno bruto. É também onde se localizam as principais áreas urbanas e industriais, bem como as áreas de turismo intensivo, que alternam com áreas naturais, rurais e de pesca. A zona costeira assume, assim, um importante papel enquanto suporte de um conjunto de atividades económicas de diferentes sectores, uns orientados para a valorização dos recursos do mar, outros retirando da proximidade do mar externalidades positivas que favorecem a sua localização.
Esta área, sendo sem dúvida uma considerável fonte de recursos e oportunidades, não deixa também de ser uma fonte de problemas e de riscos face às suas características geomorfológicas, elevado dinamismo da linha de costa, ocorrência de períodos de elevada agitação marítima e impactos das alterações climáticas.
A ocupação da zona costeira, com especial relevo para a ocupação urbana, nem sempre teve em linha de conta a complexidade destes fenómenos. Sobretudo a partir da década de 60 do século XX, assistiu-se a um forte crescimento urbano muito próximo da linha de costa, que veio a contribuir para o acentuar da erosão em determinados troços de costa.
Atualmente, cerca de 25 % da zona costeira continental é afetada por intensos fenómenos de erosão costeira que têm como consequência mais grave o recuo acentuado da linha de costa. É aliás, de referir a existência de um risco potencial de perda de território em 67 % da orla costeira.
Este recuo tem sérias consequências em termos económicos e sociais, que se têm agravado nas últimas décadas. Na realidade são cada vez mais frequentes as situações de perigo de destruição, ou pelo menos de danificação, de construções situadas na zona costeira.
Tradicionalmente, têm-se registado na costa portuguesa períodos de acalmia no mar, que em termos médios, terão uma duração de 4-5 anos, seguidos de períodos de temporais de intensidade variável, que põem em perigo pessoas e bens em vários troços costeiros, normalmente em áreas já reconhecidas como críticas do ponto de vista da erosão.
A intensidade destes fenómenos, conhecidos na nossa costa desde há muito, têm vindo nos últimos anos a sofrer um agravamento, situação que muito provavelmente estará também relacionada com alterações climáticas. No início do presente ano verificou-se a ocorrência de várias situações de fenómenos extremos associados a temporais, tendo-se verificado a conjugação de diversos fatores nomeadamente valores elevados da altura de onda significativa, acompanhados de períodos de onda longos, que causaram forte destruição nas zonas críticas de risco, devido à ocorrência de galgamentos, provocando em algumas zonas um pronunciado recuo da linha de costa.
Reconhecendo claramente estes fenómenos como causadores de intensa erosão, os especialistas referem também como provável causa da erosão costeira a construção de infraestruturas hidráulicas nos rios, que terão provocado um significativo decréscimo do volume de caudal sólido que tradicionalmente afluía ao mar.
As obras de engenharia costeira que têm sido executadas ao longo dos anos para tentar minimizar os efeitos da erosão costeira, têm vindo a ser significativamente afetadas em situações de temporal, pondo em causa a segurança de pessoas e bens.
Consciente do problema e da necessidade de encontrar soluções, Portugal produziu ao longo dos anos, vários diplomas e iniciativas legislativas com o objetivo de salvaguarda das zonas costeiras. Destas, salienta-se a criação da inovadora figura de "plano de ordenamento da orla costeira» (POOC), tendo como principais objetivos o ordenamento dos diferentes usos e atividades da zona costeira, a gestão e a prevenção do risco e a conservação dos valores naturais.
O reconhecimento da importância das zonas costeiras e das pressões que sobre elas se exercem, levou também a União Europeia a desenvolver uma política para estas zonas, que numa primeira fase culminou na aprovação de uma recomendação aos Estados membros (Recomendação 2002/413/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2002), estando atualmente em fase avançada de preparação uma Diretiva relativa a este mesmo tema.
Portugal desenvolveu uma Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira (ENGIZC), a qual foi aprovada pela RCM n.º 82/2009, de 8 de setembro.
A gravidade dos estragos causados pelos recentes temporais ocorridos em janeiro, fevereiro e março, deste ano, exige a intervenção urgente do Estado no sentido da sua reparação de modo a, no curto prazo, conter o agravamento da erosão.
Reconhecendo que as intervenções de emergência são indispensáveis e inadiáveis na situação atual, considera-se também necessária uma reflexão mais aprofundada e abrangente sobre a gestão da zona costeira em Portugal.
Assim, determino:
1 - A criação de um Grupo de Trabalho para o Litoral (GTL), com a seguinte constituição:
a) Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências, da Universidade de Lisboa, que coordena;
b) António Mota Lopes, da Agência Portuguesa do Ambiente, I. P.;
c) Gabriela Moniz, da Agência Portuguesa do Ambiente, I. P.;
d) Rui Taborda, da Faculdade de Ciências, da Universidade de Lisboa;
e) Laudemira Ramos, do meu Gabinete.
2 - O GTL deverá desenvolver uma reflexão aprofundada sobre as zonas costeiras, que conduza à definição de um conjunto de medidas que permitam, no médio prazo, alterar a exposição ao risco, incluindo nessa reflexão o desenvolvimento sustentável em cenários de alterações climáticas.
3 - As medidas deverão ser propostas para cada troço de costa identificado e caracterizado como zona crítica de risco, e definida a sua priorização. Nas medidas a equacionar devem ser incluídas:
a) Avaliação do desempenho das obras de defesa costeira, atentos os investimentos efetuados e os necessários no futuro, e os objetivos da sua construção, no contexto do troço costeiro da sua área de influência e ponderação de eventuais alternativas de intervenção;
b) Avaliação das propostas de usos e ocupação do território nos Instrumentos de Gestão Territorial com incidência nas zonas críticas de risco na orla costeira prospetivando opções de proteção, acomodação ou recuo;
c) Modelo de Governança da zona costeira;
d) Ações que promovam uma maior informação e participação dos principais atores e da população em geral nas questões relativas às zonas costeiras;
e) Análise e ponderação da aplicação da ENGIZC e proposta de eventuais alterações, para que esta seja o documento enquadrador das ações a levar a cabo;
f) Orientações para a elaboração dos POOC de nova geração;
g) Elaboração de estimativas orçamentais para as ações propostas;
h) Avaliação dos impactos socioeconómicos das ações propostas.
4 - A criação de uma Comissão de Acompanhamento dos trabalhos (CA), constituída pelos seguintes especialistas:
a) António Carmona Rodrigues, da Universidade Nova de Lisboa;
b) António Heitor Reis, da Universidade de Évora;
c) António Trigo Teixeira, do Instituto Superior Técnico;
d) Carlos Daniel Borges Coelho, da Universidade de Aveiro;
e) César Andrade, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa;
f) Cristina Bernardes, da Universidade de Aveiro;
g) Fernando Veloso Gomes, da Universidade do Porto;
h) Helena Granja, da Universidade do Minho;
i) João Alveirinho Dias, da Universidade do Algarve;
j) José Carlos Ferreira, da Universidade Nova de Lisboa;
k) José Simão Antunes do Carmo, da Universidade de Coimbra;
l) Luísa Schmidt, do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa;
m) Ramiro Neves, do Instituto Superior Técnico.
5 - Integram ainda a CA representantes das seguintes instituições:
a) Agência Portuguesa do Ambiente, I. P.;
b) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte;
c) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro;
d) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo;
e) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo;
f) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve;
g) Direção-Geral da Autoridade Marítima;
h) Direção-Geral do Território;
i) Direção-Geral dos Recursos Naturais e Serviços Marítimos;
j) Gabinete Coordenador do Programa Polis;
k) Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, I. P.;
l) Instituto Hidrográfico;
m) Laboratório Nacional de Energia e Geologia;
n) Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
6 - Os elementos do GTL deverão mobilizar os recursos necessários para a realização do trabalho e para a sua operacionalização, assegurando o adequado envolvimento da CA.
7 - Por proposta do GTL ou da CA, poderão outras entidades e especialistas de reconhecido mérito na área, colaborar no desenvolvimento dos trabalhos.
8 - O trabalho desenvolvido deve ser apresentado até 30 de setembro de 2014, de forma a entrar em consulta pública, em outubro de 2014.
9 - Aos membros do GTL, bem como da CA, ainda que na qualidade de convidados, não é devido o pagamento de qualquer remuneração ou senhas de presença.
10 - Aos membros do GTL referidos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do presente despacho, é conferido o direito ao pagamento de despesas inerentes a deslocações, quer no país quando se trate de deslocações para fora do concelho de Lisboa, quer no estrangeiro quando devidamente justificado, as quais são suportadas pelo meu Gabinete.
11 - Aos membros da CA referidos nas alíneas b), d), f), g), h), i) e k) do presente despacho é conferido o direito ao pagamento de despesas de transporte necessárias para assegurar a sua presença nas reuniões da CA, as quais são suportadas pelo meu Gabinete.
12 - O presente despacho produz efeitos a 1 de março de 2014.
12 de maio de 2014. - O Secretário de Estado do Ambiente, Paulo Guilherme da Silva Lemos.
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